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Aporofobia fisiológica. Cobrança para uso de banheiro no Brasil fere a dignidade humana

Leia nesta página:

Cada vez mais a aporofobia é justificada pelo neoliberalismo.

"Construir uma sociedade livre, justa e solidária"? Não! É a "virtude do egoísmo".

Há uma prática nos terminais rodoviários: a cobrança para ingressar no banheiro. Para os idosos, isenção.

Necessidades fisiológicas são naturais. Quando a família real portuguesa veio para o Brasil, os dejetos humanos eram lançados pelas janelas. Com o tempo, as instalações sanitárias (1).

Num país como o Brasil, de extrema desigualdade social de Bolsa Família fomos para Auxílio Brasil é de se considerar absurdo a cobrança de R$ 2,00 (dois reais), ou valores menores, para passageiros, ou não passageiros, usarem banheiros. A justificativa de cobrança está nos gastos, sejam de lojistas, shopping, rodoviárias, para limpeza dos sanitários, do piso etc. Ocorre que, como dito, o Brasil é de extrema desigualdade social.

Capitalismo, socialismo, comunismo, anarcocapitalismo, enfim, utopias. Nunca foram aplicadas como deveriam ser, conforme os ideais de justiça pelos pensadores/filósofos da economia (2). Se o povo brasileiro necessita de ajuda do Estado social este "ser maléfico" que "rouba" dinheiro dos trabalhadores/contribuintes   é de se considerar que, no início do século XXI, capitalismo, socialismo, comunismo, anarcocapitalismo, e seja lá qual nomenclatura será posteriormente criada, não conseguiram materializar as suas utopias para garantir a dignidade humana.

 O Estado, por meio dos governantes, pode deixar de aplicar os direitos sociais alegando que não possui recursos materiais. Para garantir o mínimo existencial, a proibição do retrocesso. Ou seja, uma vez aplicado, em algum setor, o Estado deve manter o que aplicou e desenvolveu, ainda que de outro governante. Por exemplo, estabelecimentos públicos, como hospitais e instituições de ensino, melhoraram nos recursos materiais e nas prestações de serviços. A proibição de retrocesso impede a redução dos recursos necessários para a execução destes serviços. No entanto, na realidade da vida sofrida, os gestores públicos não incrementam os direitos sociais, pois uma vez destinada maior parcela orçamentária para algum direito social, por exemplo, saúde, a execução de políticas públicas deve ser mantida, ou aperfeiçoada, pelo princípio da eficiência (caput, do art. 37, da CRFB de 1988), não importa qual governante virá. Sai governante, entra governante, uma vez impulsionado o direito social, a proibição de retrocesso.

Alimentos caríssimos para a maioria dos brasileiros, a insegurança alimentar, infelizmente, existe, apesar dos esforços do Estado:

LEI Nº 12.341, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2010

§ 4° Os produtos apreendidos nos termos do inciso III do caput deste artigo e perdidos em favor da União, que, apesar das adulterações que resultaram em sua apreensão, apresentarem condições apropriadas ao consumo humano, serão destinados prioritariamente aos programas de segurança alimentar e combate à fome. (NR)

Art. 3º O § 2º do art. 9o da Lei no 9.972, de 25 de maio de 2000, que institui a classificação de produtos vegetais, subprodutos e resíduos de valor econômico, e dá outras providências, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 9o .........................................................................................................

.........................................................................................................................

§ 2° Cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento dispor sobre a destinação de produtos apreendidos ou condenados na forma desta Lei, observada prioridade absoluta aos programas de segurança alimentar e combate à fome, nos casos em que os produtos apreendidos se prestarem ao consumo humano. (NR)

LEI Nº 11.346, DE 15 DE SETEMBRO DE 2006

Art. 1º Esta Lei estabelece as definições, princípios, diretrizes, objetivos e composição do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional SISAN, por meio do qual o poder público, com a participação da sociedade civil organizada, formulará e implementará políticas, planos, programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada.

No site do Ministério da Cidadania:

O Brasil Fraterno - Comida no Prato é uma ação do Ministério da Cidadania para mobilizar doações de alimentos para entidades socioassistenciais, bancos de alimentos e outros equipamentos que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade, contribuindo para reduzir perda e desperdício de alimento e combater a fome. (grifo do autor)

Tive que fazer esta introdução para os leitores compreenderem a importância do Estado social, das políticas públicas para redução da desigualdade social, do desenvolvimento e fomento, por meio dos governantes, do direito social Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (CRFB de 1988) e a proibição de retrocesso.

Ter como pagar pelos alimentos ou ter como pagar para usar banheiro. Absurdo! Desumano! Antidemocrático (art. 3º, da CRFB de 1988).

A pessoa não tem como pagar e, por exemplo, urinará na via pública:

DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941

Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: (Revogado pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. (Revogado pela Lei nº 13.718, de 2018)

Como lido, a norma do art. 61 fora revogada. Senão, multa.

Mas:

O ato de urinar nas ruas, prática comum durante as festas de carnaval, pode ser enquadrado como infração penal com base na Lei de Contravenções Penais (artigo 233 - praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público). Além disso, diversas cidades brasileiras preveem multa para quem praticar o ato (3)

Para piorar:

DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Como resolver? Banheiro químico. Advém ausência de banheiro químico nas vias públicas. A maioria das calçadas não são largas suficientemente para o transito de pedestres, quanto mais colocações de banheiros químicos. 

 Inviável, irrazoável, desproporcional aplicar multa para quem urina, ou defeca, nas vias públicas quando não há banheiros químicos e lojistas, bares etc. cobram. 

É aporofobia?

aporofobia

Classe gramatical: s.f.

Palavras relacionadas: aporofóbico adj. (atitude aporofóbica, discurso aporofóbico), aporófobo adj. s.m. (movimentos aporófobos)

Definição: Repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos; hostilidade para com pessoas em situação de pobreza ou miséria. [Do grego á-poros, pobre, desamparado, sem recursos + -fobia.] (Academia Brasileira de Letras)

Sim! E cada vez mais a aporofobia é justificada pelo neoliberalismo. 

Vamos admitir que é "direito" de cobrar. Incide o Código de Defesa do Consumidor. 

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Notem. Quando o consumidor paga para assistir algum filme numa sala de cinema, o uso de sanitário é cobrado? Não! Há gastos, com mão de obra e produtos de limpeza para higienizar os banheiros; os clientes não são cobrados. Se a moda pega, de cobrar o uso de sanitário em rodovias, bares etc., também deve ser "razoável" cobrar para ingresso de clientes de salas de cinema. O shopping em si também pode cobrar pelo uso do banheiro, principalmente de quem não é cliente. Imaginem:

Alguém entra no shopping. Quase se borrando, corre para algum banheiro. Na porta, um funcionário do shopping:

Nota de compra!

O "quase borrado (a)" responde:

Não tenho!

Desesperado (a), o preparo físico para as corridas de meio-fundo e fundo. Outros (as) borrados (as). Opa! Tudo sujo!

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Não é demais pensar que a cobrança para o uso de banheiro em shopping, bares, rodoviárias etc. não merece nenhuma justificativa. É justificável quando o poder econômico da maioria dos brasileiros pode pagar pelo uso de banheiro privado sem se preocupar com compra de passagem de ônibus, alimento etc. É aberração, é aporofobia. Ou quando há banheiros químicos, seja por parceria público-privada ou somente público.

Vamos conceber que há multa pelo poder público para quem defecar e urinar nas vias públicas. Prevalece entendimento de legalidade de os estabelecimentos privados cobrarem pelo uso de sanitário para quem não é consumidor, ou não irá consumir. 

Cidadão (ã) na rua. Arria suas calças para defecar, sem cerimônia:

DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Ato obsceno 

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Há multa pelo poder público para quem defecar e urinar nas vias públicas. Prevalece entendimento de legalidade de os estabelecimentos privados cobrarem pelo uso de sanitário para quem não é consumidor, ou não irá consumir.

Comparo com:

LEI N.º 4.893 DE 10 DE SETEMBRO DE 2008

Dispõe sobre a limpeza de fezes de animais em praças, parques e logradouros públicos.

Autora: Vereadora Leila do Flamengo

O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1.º Os usuários dos parques, praças e logradouros públicos que frequentarem estes locais com animais de estimação são responsáveis pela limpeza, remoção e destino adequado das fezes geradas por seus animais.

Art. 2.º Os infratores serão advertidos verbalmente, ou notificados por escrito e nos casos de desobediência serão autuados com multa pecuniária de R$150,00 (cento e cinquenta reais), independente de outras sanções previstas em outras normas legais.

Parágrafo único. Os recursos arrecadados com a aplicação das multas serão destinados ao Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman.

Art. 3.º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de sessenta dias após a sua publicação.

Art. 4.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Adaptação:

Art. 1º Os usuários (animais humanos) dos parques, praças e logradouros públicos que defecarem e/ou urinarem são responsáveis pela limpeza, remoção e destino adequado das fezes e da urina geradas.

Art. 2.º Os infratores serão advertidos verbalmente, ou notificados por escrito e nos casos de desobediência.

Cidadão (ã). Não pode defecar e urinar na via pública. 

Seu agente! Não aguentei. Não tenho dinheiro para pagar o uso de banheiro privado!

Vai continuar?

Sim!

Estou notificando pela desobediência!


NOTAS:

(1) CETESB. O SANEAMENTO NO BRASIL. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2014/11/1sabesp_saneamento_brasil_abes...

(2)   ARAÚJO, Carlos Roberto Vieira. História do Pensamento Econômico: Uma abordagem introdutória. SP, Ed. Atlas, 1995.

(3) Facebook. Senado Federal. Disponível em: https://www.facebook.com/SenadoFederal/photos/a.176982505650946/3409506035731894/?type=3


REFERÊNCIAS:

BBC BRASIL. Não é só efeito da pandemia: por que 19 milhões de brasileiros passam fome. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57530224

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Combate à fome e papel das mulheres na produção de alimentos são temas do primeiro dia de evento em Roma. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/centrais-de-conteudo/audios/momento-agro/combate-a-fome-e-papel...

FAO no Brasil. Declaração Conjunta dos Representantes do FMI, Grupo Banco Mundial, OMC, FAO e WFP sobre a Crise Global de Insegurança Alimentar. Disponível em: https://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/pt/c/1600238/

Organização das Nações Unidas. Objetivo 10: Reduzir a desigualdade dentro e entre os países. Disponível em: https://www.un.org/sustainabledevelopment/inequality/

Organização Mundial do Comércio. As 10 principais razões para se opor à Organização Mundial do Comércio? Críticas, sim... desinformação, não! Disponível em: https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min99_e/english/misinf_e/01multi_e.htm

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Justiça 4.0: nova ferramenta permitirá identificar ativos e patrimônios em segundos e reduzir gargalos na execução. Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil/news/justica-40-nova-ferramenta-permitira-identificar-ativos-e-patrim...

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. Aporofobia fisiológica. Cobrança para uso de banheiro no Brasil fere a dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6991, 22 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99779. Acesso em: 28 abr. 2024.

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