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A democracia está em risco?

05/09/2022 às 14:10
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Fala-se muito em ataque à democracia, mas não é tão fácil, como parece, apontar com exatidão os seus responsáveis.

É bastante preocupante a permanente discórdia entre os dois Poderes, o Judiciário, representado pelo STF e o Executivo, representado pelo Presidente Jair Bolsonaro.

Depois de a mídia divulgar por dias a fio o homicídio do tesoureiro do PT por um “bolsonarista”, procurando apontar indiretamente a responsabilidade do Presidente que vem insuflando a opinião pública com discursos de ódio e violência, sobreveio a inusitada reação do Senhor Presidente que convocou 40 Embaixadores para criticar o sistema eleitoral brasileiro e reiterar sua desconfiança nas urnas eletrônicas.

Isso é muito estranho e também bastante preocupante. Não cabe ao Chefe de Estado criticar as instituições nacionais perante representantes de potências estrangeiras.

O discurso presidencial, entretanto, gerou apenas um comentário, o do Presidente norte-americano, Joe Biden, para quem o sistema eleitoral brasileiro é um modelo para o mundo.

Os presidentes do STF e do TSE reagiram incontinenti ao discurso do Presidente Jair Bolsonaro, enfatizando plena confiança no processo eleitoral conduzido pelo TSE e condenando com veemência os ataques à Democracia e às instituições públicas do país.

Essa hostilidade constante entre os dois Poderes levou os intelectuais, políticos, juristas, empresários e membros expressivos de nossa sociedade a lançar a “Carta aos Brasileiros e Brasileiras” em defesa de nossa Democracia, uma réplica da histórica Carta lida, em 8 de setembro de 1977, pelo Professor Golfredo da Silva Teles Junior nas Arcadas do Largo de São Francisco.

Só que o contexto naquela época era bem diferente.

Estávamos mergulhados no período dos mais sanguinolentos da ditadura militar, onde quase ninguém se levantava contra o regime então vigente.

Hoje, estamos em plena democracia, inclusive, com excesso de liberdade, sem que o aparelho estatal reprima os mais exaltados de uma e de outra ala ideológica.

Dessa forma, essa “Carta aos Brasileiros e Brasileiras” não tem o mesmo significado daquela lida pelo Professor catedrático da cadeira de Introdução à Ciência do Dreito da velha Academia do Largo de São Francisco.

Essa carta recentemente divulgada e que está circulando para colher mais assinaturas apresenta um viés político-eleitoral, para dar apoio a um dos candidatos em disputa.

Infelizmente, o povo brasileiro é facilmente conduzido pela elite pensante da nação, por falta de conhecimentos e de conscientização dos fatores políticos-sociais.

A verdade é que o quadro reinante é bastante preocupante.

Há quem diga que é possível o Presidente Jair Bolsonaro repetir o episódio da invasão do Capitólio ordenado por Donald Trump, o que é um absurdo.

Lá o sistema eleitoral é completamente diferente do nosso. O poderoso Capitólio americano é presidido pelo Vice-Presidente da República, autoridade competente para proclamar o resultado das eleições.

Aqui o Congresso Nacional e composto de 513 deputados e 81 Senadores que nada decidem sobre os resultados das eleições, cabendo privativamente ao TSE a proclamação dos resultados das urnas.

São colocações desse tipo, divulgadas pela mídia que contribuem para acirrar os ânimos no seio da sociedade brasileira.

Em meio a esse preocupante tiroteio entre os dois Poderes, uma voz abalizada, a do Presidente do Superior Tribunal Militar - STM - veio jogar um balde de água fria na cabeça dos mais esquentados, afirmando categoricamente que não cabe aos militares se imiscuírem no processo eleitoral do País, o que está corretíssimo. Foi um erro estratégico muito grande o antigo Presidente do TSE ter colocado representantes das Forças Armadas na Comissão de acompanhamento das eleições.

Fala-se muito em ataque à Democracia, mas não é tão fácil, como parece, apontar com exatidão os seus responsáveis.

Em artigo escrito para a Revista da Aeronáutica, Ives Gandra da Silva Martins comenta uma pesquisa feita pela Folha de São Paulo, versando sobre poderes que colocam em risco a Democracia no Brasil.

Revela esse artigo que os Poderes Executivo e Legislativo aparecem em destaque e que o STF só aparece nas colunas interiores sem destaque em manchetes.

Porém, segundo esse artigo, o resultado da pesquisa foi estarrecedor: 63% da população entendeu que o STF coloca em risco a Democracia ao julgar as questões submetidas ao seu conhecimento pelo critério político, deixando de lado o aspecto técnico-jurídico que era a tônica daquela Alta Corte de Justiça do País no passado.

O artigo de Ives Gandra, então, faz referência à soltura de narcotraficantes e absolvição de um condenado por 4 instâncias judiciárias por meio de “firulas jurídicas”, expressão que não é dele, Ives Gandra,  não permitindo o uso de provas com base nas quais foi condenado o acusado, permitindo a sua candidatura nessa disputa eleitoral polarizada. Fala também da condenação do deputado Daniel Silveira como que traçando um paralelo na atuação do STF, dando a entender que “o pau que bate no Chico não bate no Machado".

Enfim, está difícil de saber quem está provocando quem.

O certo é que toda ação terá uma reação em intensidade igual ou até maior, desencadeando o interminável círculo vicioso que a todos preocupa.              

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. A democracia está em risco?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7005, 5 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99575. Acesso em: 27 abr. 2024.

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