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Breves considerações acerca da admissibilidade da prova extraída do WhatsApp Web

18/12/2021 às 15:10
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Examinamos possibilidade de uso dos prints do WhatsApp Web como meio de prova no processo penal.

­No início deste ano a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no Recurso em Habeas Corpus nº 133.430 - PE1, decidiu, em síntese, que são ilícitas as provas obtidas de fotografias (prints) de conversas do WhatsApp Web. A Corte entendeu que tal aplicativo permite a edição das mensagens já enviadas, sem que esta operação deixe qualquer vestígio, não havendo, também, meio de recuperar as conversas já editadas, declarando a inadmissibilidade do uso de tal prova e a necessidade de seu desentranhamento dos autos.

Diante de um contexto em que tais aplicativos se mostram de uso cada vez mais comum2, o que também reflete na sua utilização como fonte de prova em demandas judiciais, mostra-se necessária uma maior reflexão acerca da inadmissibilidade da utilização de tais documentos para provocar a atuação dos órgãos de polícia judiciária, inviabilizando até mesmo o início de diligências preliminares.

Assim, este artigo busca tecer algumas breves considerações acerca da (in)admissibilidade do uso dos prints como meio de prova, sem pretensão de esgotar o assunto, mas sim de trazer outras perspectivas acerca do tema, principalmente quanto ao fato de se considerar a ausência de armazenamento do conteúdo das conversas pelo servidor do aplicativo e as dúvidas acerca da veracidade do diálogo como fatores impeditivos à admissibilidade.

A situação fática objeto do recurso julgado pelo STJ tratava de prints de conversas do aplicativo WhatsApp Web que haviam sido enviados a uma delegacia de polícia por meio de denúncia anônima, esta acompanhada de outros documentos. Os questionamentos acerca da licitude do uso de tais documentos para instrução processual penal não haviam sido analisados mais detidamente pelas instâncias ordinárias e foram objeto do recurso mencionado. O Ministro Nefi Cordeiro, ao proferir o voto vencedor, reiterou os argumentos utilizados pelo tribunal no julgamento do RHC 99.735/SC3, no qual o Superior Tribunal de Justiça concluiu que é inválida a prova obtida pelo WhatsApp Web, destacando o trecho segundo o qual citado aplicativo permite a exclusão de mensagens já enviadas, sem qualquer registro e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de encriptação ponta-a-ponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários.

Entretanto, comparando os dois casos (RHC 99.735/SC e AgRg no RHC 133.430), verifica-se que existem importantes diferenças entre eles. No julgamento do RHC 99.735/SC foi analisada a licitude de espécie de interceptação de conversas efetuadas por meio do WhatsApp Web, na qual fora autorizado judicialmente à Autoridade Policial o acompanhamento de conversas efetuadas por meio de tal aplicativo. A partir da fundamentação do julgado, depreende-se que a Autoridade Policial acessaria as conversas do investigado por meio do usuário deste, caso em que o investigador de polícia tem a concreta possibilidade de atuar como participante tanto das conversas que vêm a ser realizadas quanto das conversas que já estão registradas no aparelho celular, haja vista ter o poder, conferido pela própria plataforma online, de interagir nos diálogos mediante envio de novas mensagens a qualquer contato presente no celular e exclusão, com total liberdade, e sem deixar vestígios, de qualquer mensagem passada, presente ou, se for o caso, futura.4

Assim, no caso do RHC 99.735/SC o fato de ter sido utilizado o WhatsApp Web para uma espécie de interceptação do WhatsApp, possibilitando ao investigador o acesso simultâneo das conversas efetuadas pelo investigado via tal aplicativo, foi um dos principais fundamentos para gerar a dúvida a nulidade da prova obtida.

Verifica-se que a hipótese é diversa daquela em que um print ou fotografia de conversa de WhatsApp Web é encaminhado como denúncia anônima para os órgãos de Polícia Judiciária, porque se trata de uma conversa já ocorrida, da qual o investigador não participou e cujo teor lhe foi entregue por terceiro, possuindo, portanto, condições de ser considerada admissível, conforme se passa a expor.

Cite-se que a admissibilidade é aqui compreendida como uma das fases do procedimento probatório (propositura, admissibilidade, produção e valoração). Além disso, cabe referir que o print não é mais do que a fotografia/captura5 da tela de um aparelho de telefone celular ou computador.

O recebimento de prints de conversas de WhatsApp, seja do aplicativo normal ou de sua versão Web, não difere de qualquer outra denúncia anônima recebida pelas mesmas instituições, as quais devem, conforme entendimento já assentado na doutrina e na jurisprudência, ser objeto de investigações preliminares para verificar sua veracidade e, somente se confirmada esta, ser efetuada a instauração de Inquérito Policial ou outro procedimento investigatório6.

Qualquer texto apócrifo que constitua denúncia anônima pode conter fatos suprimidos, alterados, distorcidos, entre outros, cuja fonte originária muitas vezes é inalcançável, mas isso não impede que sejam utilizados para fins de início de apurações preliminares. Aliás, essa fragilidade dos textos e relatos apócrifos é um dos motivos que implica a realização das diligências preliminares antes citadas. Nesse contexto, não se vislumbra razão para que os prints de conversa de WhatsApp Web recebam tratamento diverso.

Da mesma forma, caso a fotografia da conversa seja apresentada por uma pessoa determinada, isto é, não se trate de denúncia anônima, entende-se ser documento que pode ser admitido para fins probatórios. Novamente, as questões relacionadas à veracidade do diálogo exposto são as mesmas que ocorrem quando, por exemplo, alguém refere ter testemunhado certa conversa7.

Veja-se, por exemplo, o caso de pessoa que comparece a uma delegacia de polícia e relata ter visto um ato de corrupção. Seu depoimento será reduzido a termo e serão investigados os fatos relatados. O relato da testemunha pode conter inverdades, omissões, contradições, entre outros, os quais serão objeto da investigação. Agora, imagine-se que tal testemunha, além de prestar seu depoimento, reforce o teor deste apresentando fotos extraídas do WhatsApp Web (prints) de uma conversa ocorrida em grupo do aplicativo do qual faz parte, as quais afirma ter presenciado e serem verídicas (ou seja, a testemunha refere que o diálogo exposto não sofreu alterações). Entende-se que não há razão para não ser aceito o print apresentado, pois a possibilidade de conter inverdades é a mesma que existe no teor de seu depoimento8. Em síntese, não há diferença relevante entre os casos, não existindo razão suficiente para entender serem ilícitos/inadmissíveis os prints efetuados. Adotando-se a conclusão do julgado comentado, ter-se-ia a peculiar situação em que o depoimento da testemunha é cabível, mas não os prints da conversa, caso ela os apresentasse.

Destaca-se que as incertezas relacionadas à veracidade dos fatos estampados na fotografia de uma conversa do WhatsApp Web não são exclusividades deste aplicativo, mas são inerentes a qualquer fotografia ou meio de documentar/registrar algum fato9. Ou seja, a imagem de uma conversa via SMS, Telegram, ou mesmo de bilhetes manuscritos, pode gerar as mesmas dúvidas que foram expostas no acórdão comentado. Aliás, até mesmo um vídeo pode gerar essas dúvidas. Os objetos retratados por tais fotografias podem não estar mais disponíveis, assim como no WhatsApp, mas isso não deve ser considerado impedimento para sua admissibilidade no processo.

A fim de ilustrar o exposto, imagine-se o caso de uma conversa efetuada por meio de bilhetes manuscritos, a qual foi fotografada. Caso tais bilhetes tenham sido destruídos, de forma que não se pode corroborar sua origem, seria o caso de considerar inadmissível o uso da fotografia como documento probatório? Entende-se que não. Nada disso enseja a invalidade desses documentos, mas sim implica a necessidade de serem corroborados com outros elementos e analisados sob diversos prismas no decorrer da instrução processual, a fim de verificar se retratam o que efetivamente ocorreu.

Em outras palavras, o fato de as conversas não estarem armazenadas em um servidor, possibilitando uma comparação com o teor dos prints apresentados, não se mostra impeditivo para sua admissibilidade.

Ao contrário de algumas posições expostas, adotando-se a conclusão do Superior Tribunal de Justiça, sequer uma ata notarial teria aptidão para evitar a ilicitude, pois tal documento também retratará a conversa já ocorrida e que, na linha do julgado, pode ter sido objeto de adulteração ou manipulação antes de ser apresentada para lavratura da ata.11 A conclusão do Tribunal inviabiliza até mesmo o uso de serviços específicos disponíveis para fins de materialização provas digitais, pois persistiria a inadmissibilidade da prova, na medida em que a conclusão do Tribunal coloca em dúvida a veracidade de qualquer conversa efetuada por meio de tal aplicativo. Por fim, em última análise, a conclusão também se mostra contrária às orientações do próprio Conselho Nacional de Justiça, segundo as quais o citado aplicativo poderia ser utilizado para fins de intimações12.

Frente aos argumentos expostos, não se vislumbram fundamentos suficientes para afastar, de plano, a admissibilidade do uso dos prints de conversas de aplicativos como fonte de prova no processo penal, desde que ciente de suas possíveis fragilidades, as quais não diferem das existentes na maioria dos meios de provas existentes.

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Dessa forma, caso o print tenha sido efetuado de forma lícita, entende-se que não há óbice legal a sua admissibilidade como fonte de prova, seja se recebido por meio de denúncia anônima, seja se apresentado por pessoa determinada para fins de demonstrar uma conversa realizada, cujo teor terá de ser valorado no decurso processual.


1 AgRg no RHC 133.430/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021.

2 Aponta-se que 99% dos celulares dos brasileiros usem o aplicativo, conforme pesquisa divulgada pelo CanalTech, disponível em https://canaltech.com.br/apps/95-porcento-dos-brasileiros-que-usam-o-whatsapp-abrem-o-app-todos-os-dias-171055/. Acessada em 24/09/2021.

3 RHC 99.735/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018.

4 Trecho do voto da Ministra Relatora Laurita Vaz. Destaca-se que neste precedente a Ministra Relatora inclusive tece considerações acerca das especificidades do caso, quando analisa a impossibilidade de aplicação por analogia da legislação atinente às interceptações telefônicas ao monitoramento efetuado via WhatsApp Web.

5 Fotografia, neste caso, entendida como cópia ou reprodução fiel e exata de algo, conforme exposto no dicionário Michaelis (https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/fotografia). Acessado em 16/07/2021.

6 Nesse sentido, entre outros, o RHC 117988, Relator(a): GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG 25-02-2015 PUBLIC 26-02-2015.

7 Parte-se, aqui, da premissa de que o acesso ao conteúdo tenha sido lícito.

8 Caso evidenciada a falsidade ou adulteração, então se mostra necessário o desentranhamento dos autos e demais providências cabíveis, nos termos dos artigos 145 e seguintes do CPP e artigo 342 do CP.

9 Em sentido similar pode-se referir a clássica noção doutrinária de que os fatos são inalcançáveis, existindo apenas versões destes. Nesse sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003.

10 Excepciona-se o caso em que o tabelião teria acompanhado o diálogo desde seu início, informando que não houve supressões ou qualquer alteração.

11 Vide julgamento efetuado no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-94.2016.2.00.0000, conforme notícia divulgada no site do CNJ. Disponível em https://www.cnj.jus.br/whatsapp-pode-ser-usado-para-intimacoes-judiciais/. Acessado em 24/09/2021.

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Sobre o autor
Daniel Reschke

Delegado de Polícia Federal; foi Delegado de Polícia Civil no RS (2010-2014). Pós-graduado em Direito Público; Teoria e Filosofia do Direito; e Processo Penal e Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESCHKE, Daniel. Breves considerações acerca da admissibilidade da prova extraída do WhatsApp Web. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6744, 18 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95510. Acesso em: 3 mai. 2024.

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