Capa da publicação Clicar no Facebook pode ter consequências jurídicas sérias
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Clicar no Facebook nem sempre é ato juridicamente indiferente

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O uso das redes sociais deve ser responsável ao publicar, ao compartilhar, ao curtir ou ao comentar.

Quem se movimenta no Facebook e nas demais redes sociais, deve agir com responsabilidade para evitar lesão a direitos de outras pessoas, seja ao publicar, ao compartilhar, ao curtir ou ao comentar, sob pena de cair nas malhas da lei civil e penal.


I - Clicar.

Clicar para postar publicação própria, para curtir, compartilhar ou comentar publicação alheia, são condutas humanas que se projetam no círculo social e estão sujeitas às mesmas normas jurídicas que disciplinam as relações interpessoais fora do ambiente virtual. Antes da execução do ato de clicar, a cogitação da postagem ou a preparação do texto, das fotos ou imagens a serem publicadas, salvo se forem estas obtidas por meios ilícitos (subtrair a foto mediante invasão do celular de outra pessoa)[1] ou ilicitamente armazenadas (imagens pornográficas de crianças ou adolescentes)[2], são indiferentes ao mundo jurídico. A cogitação e a preparação, sem o clicar, não colocam os bens alheios sob ameaça de ofensa.


II Postar.

Postar é o ato de inserir na página pessoal do Facebook uma publicação. Pode ser texto, foto, vídeo, desenho, símbolo etc. Postada, a publicação é divulgada e passa a ser do conhecimento dos amigos da rede social e eventualmente de outras pessoas.

Dependendo do teor ou da evidente finalidade ofensiva da publicação, o emissor pode ser responsabilizado patrimonialmente mediante o pagamento de indenização por danos à honra, à imagem ou à privacidade de alguém, inclusive pessoa jurídica.[3] Garante a Constituição: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[4]   

As demandas têm sido frequentes.

  • No Rio Grande do Sul, ex-esposa acessou o perfil de ex-cônjuge e publicou na sua página do Facebook, como se ele fosse, mensagens que diziam "eu sou pessoa sem caráter, vagabundo" e "deixei minha filha passar fome e estou me divertindo"; foi condenada ao pagamento de indenização.[5]

  • Uma mulher, por mensagens encaminhadas no modo privado à namorada do seu ex-marido, em que se dizia humilhada e agredida durante o casamento e que o ex era lixo, gigolô e marginal,[6] e dois jovens que criticaram no Facebook o proprietário de um bar e o estabelecimento, foram condenados pela justiça paulista.[7]

  • O tribunal mineiro impôs indenização a quem publicou imagem e chamou de gordinho um garoto limpando a calçada de sua residência com uma máquina de lavagem a jato, quando a região passava por escassez de água,[8] e ao advogado que postou dizendo que o então candidato a prefeito de Ituiutaba era um "verme", indagando: "Quanto vale um homem? Depende, se estiver em Ituiutaba: R$ 700,00".[9]

  • No Acre, um jovem sofreu condenação de igual consequência por danos morais causados a um policial ao publicar foto no Facebook vestido com uma camisa com os dizeres ele é gay, em inglês, e uma seta apontando para o PM, tirada dentro do Terminal Urbano de Rio Branco quando o policial estava de serviço [10],

  • A justiça carioca determinou que uma mulher indenizasse duas veterinárias que acusou de omissão de socorro, chamou de ratazanas e disse que uma delas é a a prepotência em pessoa e a outra escorregadia e inexpressiva.[11]

Além de patrimonial, a responsabilização pode ser também pessoal, de natureza criminal.

  • Em 2014, na cidade de Veranópolis, interior do Rio Grande do Sul, e em Parnaíba, interior do Piauí, duas jovens, a gaúcha com 17 e a piauiense com 16 anos de idade, não resistindo à vergonha e à humilhação de verem suas fotos íntimas publicadas por ex-namorados e circulando no Facebook, cometeram o ato extremo do suicídio.

  • Um mês antes, outra jovem, de 19 anos, em Goiânia, teve suas fotos e vídeos íntimos vazados também por ex-namorado.[12]

  • No interior do Rio de Janeiro, uma estudante registrou ocorrência contra o ex-namorado inconformado com o fim do relacionamento que, para se vingar, postou fotos de relações sexuais do casal no Facebook e divulgou seus telefones e endereço como suposta garota de programa.[13]

Estes quatro episódios de divulgação de nudez ou cena de sexo são eventos criminosos previstos no art. 218-C do Código Penal, com apenamento de 1 a 5 anos de reclusão, aumentado de 1 a 2/3, por terem sido provocados por pessoas que mantiveram relações íntimas de afeto com as vítimas. A incriminação é feita para prevenir e punir violações à dignidade sexual, abrangendo também aquele que, mesmo sem anterior relação de afeto, divulga, oferece, troca, disponibiliza, transmite, vende, expõe a venda, distribui ou publica cena de sexo ou nudez com o fim de vingança ou humilhação da vítima (§ 1º do art. 218-C).  

A lei também incrimina, através da calúnia, difamação e injúria, os atentados à honra, como atributo pessoal inviolável, em seus planos objetivo e subjetivo. Honra objetiva, é a reputação que a pessoa desfruta no seio social, o sentimento alheio a respeito de seus atributos morais, sociais, físicos, intelectuais etc., enquanto a honra subjetiva é o sentimento próprio a respeito destes atributos. A calúnia e a difamação, por consistirem em imputações de fatos, são crimes que atacam a honra objetiva, a reputação. A injúria, expressão de conceito ou opinião e não de fato, é o crime que se pratica contra o sentimento próprio, de dignidade ou decoro.

Assim, quando a postagem afirma, falsamente, que alguém cometeu um fato definido em lei como delituoso, caracteriza-se a calúnia (art. 138 do CP), punida com detenção de 6 meses a 2 anos, e multa.

  • O presidente de um clube de futebol foi condenado a um 1 ano e 4 meses de detenção e ao pagamento de multa, pela justiça criminal de Rio Preto, por haver publicado em seu perfil no Facebook contra um determinado advogado: "Ele pegou dinheiro da Federação Paulista e colocou no bolso".

  • E, por injúria, um ex-secretário municipal que postou texto ofensivo à dignidade e ao decoro do prefeito de uma cidade do entorno de Brasília: "Prefeito bandido, dissimulado e corrupto, esse verme deveria ser expulso da cidade, não podemos deixar um marginal governar, fora prefeito."[14]

Nas eleições presidenciais de 2010 e 2014, várias pessoas se viram envolvidas com a justiça criminal por injúrias raciais feitas em publicações no Facebook (art. 140, § 3º, do Código Penal).

  • Em 2014, após vitória de Dilma Rousseff com expressiva votação no Nordeste, post que chamava o povo nordestino de ignorante, que deveria ser separado do Sul/Sudeste, rendeu condenação por violação a direitos fundamentais de um grupo geográfico.

  • Embora no Twitter, mas o raciocínio é o mesmo, estudante de Direito foi condenada a prestar serviços comunitários pela justiça federal de São Paulo por mensagem postada nas eleições de 2010 que dizia: "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado".


III Curtir.

Curtir, é o ato de prestigiar uma postagem de terceiro. Por si só, não causa nenhuma repercussão criminal contra o curtidor, mesmo que o post seja ofensivo à honra de alguém e o curtir implique em concordância com o publicado. Isso porque, ao meramente curtir, a pessoa não vai além do que fizera o autor da postagem curtida. Não o substitui nem renova ou amplia a ofensa. Para a configuração de crime, exige-se uma ação pessoal do autor, que sinalize, no caso, o querer ofensivo do curtidor,[15] por acréscimo escrito ou pelo uso de símbolos, imagens, emojis.

Todavia, cuidado, pois, em outros campos jurídicos de responsabilização, o efeito do curtir pode gerar consequências gravosas. A justiça do trabalho já reconheceu justa a demissão de quem curte no Facebook comentários ofensivos à empresa ou aos seus sócios, constando da decisão que "A liberdade de expressão não permite ao empregado travar conversas públicas em rede social ofendendo a sócia proprietária da empresa, o que prejudicou de forma definitiva a continuidade de seu pacto laboral". [16]

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IV Compartilhar.

Compartilhar, também concordância implícita com o conteúdo do post, é o ato que reproduz e amplia o alcance original da publicação de outra pessoa por sua inserção na página pessoal de quem a compartilha com amigos e terceiros que possam eventualmente acessá-la.

Se a mensagem é caluniosa e disto sabe a pessoa que a compartilha, o ato de compartilhamento configura crime. A calúnia não se perfaz unicamente pela imputação falsa de um fato-crime a alguém, mas, também, na conduta de quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga (§ 1º do art. 138). Tal como afirmado pelo desembargador paulista Neves Amorim em conhecido acórdão do qual foi relator, "Quando se compartilha uma publicação, você aumenta o espectro da ofensa. Se 10 leram a primeira, 30 vão ler em seguida e assim por diante. Ou seja, aumenta-se o potencial ofensivo daquela publicação."[17]

Não sendo caluniosa, apesar de difamante ou injuriosa, não há crime no ato de compartilhamento, sem prejuízo, porém, de possível responsabilização patrimonial.

  • Em São Paulo, uma mulher foi condenada ao pagamento de indenização por compartilhamento de publicação que pejorativa e intencionalmente chamava determinado veterinário de "açougueiro" e o acusava de haver feito "serviço de porco" numa cirurgia.[18]

Não há crime, devido à falta de acréscimo pessoal à postagem, que materialize o propósito difamante ou injuriante também de quem a compartilha.[19] Além disso, na difamação e injúria, diverso da calúnia, a propagação da ofensa não é prevista como ação delitiva.

Mas, bem lembrado pelo professor Auriney Brito, para que o clique de compartilhar não transforme seu autor em autor de difamação ou injúria, como se fosse uma nova e ofensiva postagem, é importante o cuidado com o que vai ser dito no momento da divulgação da ofensa, para que você não inove e também pratique a conduta difamatória. Como exemplo cito uma situação que vi nas redes sociais:

  • Era a montagem de uma autoridade pública que aparecia na imagem atrás das grades dizendo este sujeito foi preso por ter feito nosso povo sofrer, FORA FULANO. Percebe-se que foi postada uma imagem de conteúdo difamatório. Aí veio o outro e compartilhou com a seguinte legenda "Isso é um ladrão, safado, corrupto. Merece morrer queimado! Vai roubar de novo no inferno." [20]


V Comentar.

Diferentemente do curtir e do compartilhar, o ato de comentar não tem o significado único de concordância. Pode até veicular crítica negativa, de censura e oposição ideológica ao post. Por isso, conforme for o conteúdo ou a finalidade evidente do comentário, que, inclusive, pode ser sobre o comentário de outra pessoa sobre o mesmo post, o autor corre o risco de praticar um ilícito e sofrer as mesmas consequências jurídicas acima expostas.


VI Conclusão.

Quem se movimenta no Facebook, valendo o mesmo para as demais redes sociais, deve agir com responsabilidade para evitar lesão a direitos de outras pessoas, seja ao publicar, ao compartilhar, ao curtir ou ao comentar. O ambiente virtual não se constitui numa redoma impeditiva ou indevassável à incidência das normas jurídicas que disciplinam a existência humana. E o Facebook, cuidado, pode ser o palco de um drama judicial. Devido ao alcance imediato e sem fronteiras das redes sociais, a lei penal triplica a pena aos autores de crimes contra a honra nelas cometidos. Significa, por exemplo, na injúria racial através de um clique, o que seria 1, fora da internet, passa a ser 3, e 3 passa a ser 9 anos de reclusão (§ 2º do art. 141 do Código Penal).   


Notas

  1. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter dados sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo, é crime previsto no art. 154-A do Código Penal.

  2. O armazenamento de imagens pornográficas envolvendo crianças ou adolescentes é crime previsto nos arts .241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente.

  3. Inclusive da pessoa jurídica. De acordo com a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

  4. Art. 5º, inc. X.

  5. Fonte: www.conjur.com.br

  6. Processo nº 1000645-93.2015.8.26.0224

  7. Processo nº 100180297.2016.8.26.0602

  8. Fonte: juristas.com.br

  9. Fonte: migalhas.com.br

  10. Fonte: g1.globo.com

  11. Processo 0014641-89.2013.8.19.0209, 37ª Vara Cível do Rio de Janeiro.

  12. Fonte: agencia.fiocruz.br

  13. Fonte: ambitojuridico.com.br Tatiany Silva Azevêdo Santiago, Crimes Contra a Honra na Rede Social.

  14. Fonte: g1.com.br

  15. TJSP, recurso em sentido estrito 0001424-41.2014.8.26.0114.

  16. Processo TRT da 12ª região, nº 0000755-17.2016.5.12.003.

  17. Fonte: jornaljurid.com.br

  18. Fonte: jornaljurid.com.br

  19. Habeas Corpus 75.125 no Superior Tribunal de Justiça.

  20. Fonte: jusbrasil.com.br Compartilhar ofensas e mentiras também é crime?

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Sobre o autor
Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Participa com seus artigos das publicações do site desde 1999. Exerce advocacia consultiva e judicial a pessoas físicas e jurídicas, numa atuação pessoal e personalizada, com ênfase nas áreas ambiental, eleitoral, criminal, improbidade administrativa e ESG. Foi membro do MP/RS durante 32 anos, com experiência em vários ramos do Direito. Exerceu o magistério em universidades e nos principais cursos preparatórios às carreiras jurídicas no RS. Gerações de atuais advogados, promotores, defensores públicos, juízes e delegados de polícia foram seus alunos. Possui livros e artigos jurídicos publicados. À vivência prática, ao estudo e ao ensino científico do Direito, somou experiências administrativas e governamentais pelo exercício de funções públicas. Secretário de Estado do Meio Ambiente, conciliou conflitos entre os deveres de intervenção do Estado Ambiental e os direitos constitucionais da propriedade e da livre iniciativa; Secretário Estadual da Transparência e Probidade Administrativa, velou pelos assuntos éticos da gestão pública; Secretário Adjunto da Justiça e Segurança, aliou os aspectos operacionais dos órgãos policiais, periciais e penitenciários daquela Pasta.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Carlos Otaviano Brenner. Clicar no Facebook nem sempre é ato juridicamente indiferente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7116, 25 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95256. Acesso em: 27 abr. 2024.

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