Artigo Destaque dos editores

Quando o crime compensa

Leia nesta página:

Aborda casos de crimes de pessoas conhecidas nacionalmente que, em face da indulgência e ineficiência do sistema penal brasileiro, não foram punidas, ou foram beneficiadas pela redução da pena, ou beneficiadas com a progressão de regime.

Em 2 de novembro, dia em que a Igreja Católica cultua, oficialmente, desde o século XIII, os mortos (vide Bíblia Sagrada, Jó, 1, 18-20), nasceram Guilherme de Pádua e Valdemiro Santiago, os quais, jurando serem tementes a Deus, escolheram a atividade de pastores de suas igrejas.

O primeiro dos aniversariantes, assassinou, em 28 de dezembro de 1992, com ajuda da então esposa Paula Nogueira Thomaz, a atriz e bailarina Daniella Perez, filha da consagrada autora de telenovelas Glória Perez. O crime, um dos mais bárbaros registrados na crônica policial, teria sido praticado por motivos de inveja, cobiça e suposta vingança do ator, além do ciúme doentio da sua esposa, dirigidos contra a vítima, que vivia sendo assediada por Guilherme de Pádua, então um ator de 23 anos, que tinha uma participação secundária na telenovela "De Corpo e Alma", da TV Globo, interpretando o motorista de ônibus Bira.

Consta que o ator cobrava da atriz, que era filha da autora da telenovela, uma maior participação de seu personagem, mas sentiu que estava perdendo espaço na trama da Globo por não aparecer em dois capítulos na semana do crime, fato que o levou a supor que a atriz contara para a mãe que estava sendo perseguida por ele, o que estaria prejudicando sua participação na telenovela.

O crime foi arquitetado pelo ator e sua esposa, tendo o casal emboscado a atriz em frente a um posto de gasolina. O ator, dirigindo um Santana, com a esposa escondida no banco traseiro, interceptou o carro da atriz, um Escort, momento em que a atriz desceu do carro, foi esbofeteada por Guilherme e posta à força no Santana do casal, que passou a ser dirigido pela esposa do ator, o qual, por sua vez, conduziu o carro da atriz e o dirigiu até o local do crime. Dois frentistas confirmaram a sinistra situação. Um advogado, que passava no local da emboscada, seguiu os dois carros por algum tempo.

A atriz foi levada a um matagal, na Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, e ali foi assassinada, tendo o corpo e seu carro sido abandonados no local do crime. O laudo cadavérico apontou entre 16 e 20 ferimentos, a maioria na região mamária esquerda, sobre o coração, e o restante no pescoço. O pulmão esquerdo foi profundamente atingido e recebeu muito sangue. O coração tinha oito perfurações, e, o pescoço, quatro, uma delas atingindo tecidos profundos e causando infiltração de sangue na traqueia. Além disso, havia escoriações no ombro, as quais, segundo o médico legista, indicavam que a atriz foi arrastada.

A arma do crime não foi encontrada. Segundo Guilherme, foi utilizada uma tesoura; mas o Diretor do Departamento de Polícia Técnica, Talvane de Moraes, afirmou que, pela profundidade dos cortes, foi um punhal. Guilherme de Pádua, visando diminuir sua responsabilidade na prática do crime, chegou a apresentar três versões para o brutal assassinato. O crime foi hediondo e o casal, que confessou o cruel e bárbaro assassinato, foi condenado, em 25/01/1997, por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima, tendo a Paula recebido 16 anos de cadeia, e, o Guilherme, 19 anos e 6 meses de cadeia. Tivessem sido julgados no Japão, China, Índia, Egito e Estados Unidos, certamente teriam sido condenados, inapelavelmente, à pena de morte. Esta pena, que vigora em 54 países > https://pt.wikipedia.org/wiki/Pena_de_morte_por_pa%C3%ADs >, teria sido imposta ao casal, que se beneficiou da indulgente lei brasileira para cumprir menos da metade da pena aplicada.

Porém, Guilherme de Pádua ficou preso apenas por 6 anos e 9 meses, tendo cumprido um terço da pena. Foi solto em 14 de outubro de 1996. O tratamento da indulgente Justiça brasileira, ao reduzir a pena do ex-ator por bom comportamento carcerário, bem como o regime de progressão da pena, que beneficiou Suzane von Richthofen (responsabilizada pelo assassinato dos seus pais), remete à necessidade de uma revisão do nosso sistema penal.

Livre da cadeia por bom comportamento carcerário, Guilherme de Pádua está em um dos capítulos do livro da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, Mentes Perigosas: o Psicopata Mora ao Lado, lançado pela Ed. Fontanar, em 2008, e reeditado, em 2018, pela Ed. Principium, com mais de 600 mil exemplares vendidos. A propósito da personalidade fria e psicopata do ator, não é possível esquecer que, após o corpo da atriz ter sido encontrado no matagal, e com a grande repercussão do caso na imprensa, antes de se saber quem seriam os autores do bárbaro assassinato, Guilherme de Pádua chegou a ir à Delegacia para confortar a mãe e o marido de Daniella Perez.

Divorciado de Paula Thomaz, que também cumpriu apenas um terço da pena e terminou se casando com um advogado, o ex-ator já se casou mais duas vezes: a segunda, em março de 2006, com Paula Maia, produtora de moda, que conheceu na Igreja que ambos frequentavam; a terceira, em 14 de março de 2017, com a estilista Juliana Lacerda.

A partir de dezembro de 2017, Guilherme de Pádua se tornou pastor da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG).

O segundo aniversariante, nascido no mesmo dia em que os cristãos cultuam seus mortos, o pastor Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, não consta ter matado ninguém, mas, em 2003, foi preso numa blitz da Polícia Militar, na cidade de Sorocaba (SP), por levar, no porta-malas do seu carro, uma escopeta, duas carabinas e munição. Em seguida, apreenderam, na casa do bispo evangélico, situada no Bairro Itavuvu, Zona Norte da cidade paulista, mais duas armas e muita munição. Além disso, em 8 de janeiro de 2017, o pastor sofreu um atentado, durante o culto da manhã realizado na Igreja Mundial do Poder de Deus, no Brás, Zona Sul de São Paulo, quando foi ferido, no pescoço, com dois golpes de facão enferrujado. O pastor passou por cirurgia e recebeu cerca de vinte pontos. O caso nunca foi devidamente esclarecido.

O pastor passou 18 anos na Igreja Universal do Reino de Deus e, após desentendimentos com o Bispo Edir Macedo, foi desligado da Universal, em 18/04/1998, tendo, bem pouco depois, fundado sua própria Igreja.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Valdemiro Santiago, que estudou até o 5° ano do ensino fundamental e não fez qualquer curso de Teologia, tem sido acusado de charlatanismo, pois consta fazer uso do dízimo da sua igreja desviando-o para comprar várias propriedades, dentre elas, fazendas no Pantanal do Estado do Mato Grosso. Acusado de enriquecimento ilícito, a revista "Forbes" o listou como possuidor de uma fortuna pessoal avaliada em 220 milhões de dólares.

Em muitas ocasiões, o pastor, através da sua Igreja, dirigiu cartas aos seus fiéis para pedir que se fingissem de "enfermos curados, ex-dependentes químicos e aleijados" e, assim, pudessem contribuir com o projeto de expansão da sua Igreja.

Vem sendo investigado pelo Ministério Público Federal por crime de estelionato, pela venda de sementes de feijão a seus fiéis por valor que varia entre R$ 100,00 a R$ 1.000,00, sementes que ele apregoa (vide vídeo exibido no You Tube > https://www.youtube.com/watch?v=9WqrntZrGx4 >) servirem para curar a covid-19, sem apresentar, contudo, nenhuma comprovação da suposta cura.

Não fosse apenas pela coincidência desses dois pastores terem nascido no Estado de Minas Gerais, em um 2 de novembro, de notar que a falsidade das afirmações do Valdemiro Santiago, ao extorquir fiéis da sua Igreja no recebimento do dízimo, conjugada com a torpeza das ações de ambos, sempre visando o sucesso pessoal às custas de crimes praticados, revelam que o pastor Valdemiro tem algo muito em comum com o pastor Guilherme de Pádua.

Sobre o autor
José Ribamar da Costa Assunção

Procurador de Justiça Aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUNÇÃO, José Ribamar Costa. Quando o crime compensa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6718, 22 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94589. Acesso em: 8 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos