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Exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo: inconstitucionalidade principiológica

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07/05/2013 às 14:52
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Quase sempre é impraticável a obtenção do consenso para a propositura do dissídio coletivo econômico. O não preenchimento do pressuposto para a apresentação do conflito ao Judiciário pode gerar uma situação de perpetuação da contenda coletiva com enormes repercussões sociais.

“O fim do Direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade”.

John Locke

Resumo: Esta monografia tem como principal objetivo a análise da constitucionalidade da exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo econômico. Partindo-se de um exame dos conflitos laborais, verifica-se que as ações que têm por objeto os conflitos coletivos de trabalho são chamadas de dissídios coletivos. Dentre eles, destacam-se as instâncias econômicas, também chamadas de dissídios de interesse, que visam a criação de novas normas e condições do trabalho. Em seguida, analisa-se o poder normativo da justiça laboral, atipicamente exercido quando da solução dos ditos dissídios, restando nítida a atuação legiferante dos tribunais trabalhistas. São tecidos breves comentários sobre a sentença normativa, fruto do exercício desse poder pela Especializada. Perpassando por exposições sobre a reforma implementada no judiciário pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, percebe-se que o poder normativo da laboral não foi extinto, tendo apenas sofrido limitações, pelo que permanece vivo no ordenamento jurídico, com contornos de atividade legislativa e sem ter se transformado em exercício de arbitragem. Abrem-se parênteses para analisar o dissídio coletivo de índole jurídica, notando-se que a possibilidade de sua propositura não foi extirpada pela EC. Entendendo-se ser a exigência do comum acordo um novo pressuposto processual, cuja inserção no ordenamento foi motivada por pressões econômicas e pelo estímulo à negociação coletiva, destaca-se a constitucionalidade formal da exigência. Não obstante, conclui-se que a necessidade de mútuo consentimento é substancial e principiologicamente inconstitucional, eis que viola os mais basilares princípios norteadores da Constituição brasileira, tais como a efetividade da prestação jurisdicional, a garantia de acesso ao judiciário, o direito de ação e a proibição de non liquet. Não sendo os sindicatos brasileiros suficientemente fortes e estruturados para pressionar os empregadores pela negociação, qualquer obstáculo ao acesso dos trabalhadores aos Tribunais Trabalhistas representa uma verdadeira negação de justiça.

Palavras-chave: poder normativo; reforma do judiciário; Emenda Constitucional nº. 45/2004; comum acordo; inconstitucionalidade material e principiológica.


1 INTRODUÇÃO

Os conflitos coletivos de trabalho intensificaram-se em progressão geométrica, pois também na seara laboral são constantes os embates e descontentamentos típicos do convívio em sociedade. Contraditoriamente, a Reforma implementada pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, apesar de inegavelmente ter primado por uma maior celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, inseriu no ordenamento jurídico exigências para o ajuizamento das ações adequadas à tutela dos interesses gerais da coletividade.

É certo que houve ampliação da competência da Especializada, mas esta veio acompanhada de novos pressupostos para a propositura dos dissídios coletivos de natureza econômica. Se antes da Emenda acima referida bastava a comprovação de prévia tentativa de negociação frustrada para a instauração da instância, agora é necessário o comum acordo entre as partes. Não seria esse requisito, entretanto, de difícil preenchimento? Então, quais as consequências de sua ausência?

Neste diapasão, as alterações provocadas pela Emenda Constitucional nº. 45/2004 geraram grandes controvérsias e cizânias envolvendo o futuro da função normativa da Justiça Trabalhista. Teria o poder normativo dos Tribunais Laborais chegado ao fim? Foi morto pela reforma? A problemática envolve uma enorme complexidade. Não à toa que doutrina e jurisprudência enveredam esforços para tentar chegar a uma solução coerente, buscando, sobretudo, não desamparar os maiores interessados, que são os trabalhadores e as empresas.

No cerne destas questões é que se encontra o objeto de estudo do presente trabalho, tendo em vista que a exigência do comum acordo para a instauração do dissídio de interesse pode constituir-se em um verdadeiro retrocesso às conquistas e direitos trabalhistas já alcançados. Partindo-se de uma breve conceituação dos conflitos laborais, analisa-se a grande freqüência com que surgem embates envolvendo vários trabalhadores, pelo que se faz importante tecer comentários sobre suas formas de solução. Nesse intento, percebe-se que as partes constantemente recorrem ao poder judiciário, ajuizando dissídio coletivo, não se podendo deixar de estudar, então, os contornos do instituto, notadamente suas espécies e procedimento.

Depara-se, então, com a função normativa da justiça laboral quando do julgamento da instância coletivas. Após sua conceituação, imprescindível analisar os impactos da EC nº. 45 sobre o poder normativo da Especializada. Qual a sua natureza, atividade legiferante ou jurisdicional propriamente dita? Ademais, as alterações tiverem o condão de lhe transformar em arbitragem?

Ora, como em toda democracia, os poderes não podem ser ilimitados, pois isso conduziria à inegável tirania, com a prevalência dos inquestionáveis e arbitrários ditames do chefe. Assim, também o poder normativo dos Tribunais do Trabalho sofre uma série de limitações, cuja análise é essencial.

Seguindo-se ao estudo de algumas relevantes questões processuais, sobretudo dos pressupostos processuais e das condições da ação, bem como das consequências de suas ausências, eclode a problemática da constitucionalidade da exigência do requisito do comum acordo. Afinal, posicionar-se pela validade ou não do mútuo assentimento repercute de forma incisiva na situação daqueles que, quase sempre, são mais frágeis tanto jurídica quanto economicamente na relação, ou seja, os trabalhadores.

A cizânia também se reveste de grande importância por envolver o incentivo à negociação coletiva, tema bastante atual em tempos nos quais a autocomposição é cada vez mais estimulada, inclusive através de movimentos dos tribunais brasileiros. Entretanto, sem negar suas vantagens, esse tipo de solução não pode obstar o acesso ao judiciário.

Não se pode olvidar o caráter protecionista e paternalista do Direito do Trabalho. Logo, muito mais do que estudar as inovações resultantes da reforma, especificamente a exigência do comum acordo, é imprescindível zelar pela coerência do ordenamento jurídico, para que eventuais contradições sejam dele extirpadas. Outrossim, a anuência da parte contrária não estaria ferindo o direito de agir constitucionalmente assegurado, por afrontar diretamente o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição?

Considere-se que, embora o direito processual seja um ramo autônomo do Direito, ele não pode ser isolado do direito substancial. Direito material e direito processual devem caminhar lado a lado, para que ambos cumpram devidamente suas funções e sejam efetivamente aplicados com celeridade. Logo, tem de ser adotada uma visão sistemática do direito, nunca se desligando da idéia de que as normas processuais existem para servir, são instrumentos do direito material, dele não se desvinculando. Dessa forma, mister que seja conferida racionalidade ao sistema jurídico, interpretando-se as normais em consonância com todos os princípios e garantias constitucionais.

Durante a análise, abrir parênteses para fazer alguns comentários sobre a instância coletiva de natureza jurídica é necessário, pois surgiram relevantes questionamentos na doutrina sobre eventual supressão do mesmo pela EC nº. 45. Como esse processo tem por objeto a interpretação de disposição normativa específica da categoria, valiosa a abordagem.

Uma resposta coerente aos questionamentos feitos acima (e aos demais surgidos no bojo desse trabalho) somente se faz possível a partir da compreensão do exato alcance da nova exigência relacionada à instância econômica coletiva. Lograr esse êxito, entretanto, á uma tarefa bastante complicada, exigindo atenção detalhada em relação a cada instituto, para que não se chegue a conclusões precipitadas e equivocadas

Inúmeros juristas que já se manifestaram sobre a temática incorreram em alguns deslizes, o que provavelmente decorreu da precipitação e falta de estudo pormenorizado sobre o assunto. São substancialmente divergentes os posicionamentos defendidos, residindo aí a importância de confrontá-los, com a sugestão de contornos mais homogêneos para a elucidação das discussões.

Após a análise de uma série de premissas, buscando-se, inclusive, destacar a importância da manutenção do poder normativo da Justiça do Trabalho, passa-se à defesa da inconstitucionalidade principiológica da exigência do comum acordo como um pressuposto para a propositura dos dissídios coletivos econômicos, em nítida oposição à constitucionalidade formal de que se reveste a alteração.

Ademais, inserir qualquer obstáculo para o acesso ao Judiciário é fechar os olhos para a dura realidade fática em que se encontram os sindicatos representativos dos trabalhadores, fracos e despidos da devida força para pressionar os empregadores pela negociação.

Tendo o Estado a precípua função de manter e zelar pela continuidade da paz social, a precipitada e sumária decretação de extinção do processo por extremo apego ao formalismo deturpa a moderna interpretação do princípio da instrumentalidade das formas, ocultando a verdadeira missão do processo.

Inegável é que a nova exigência processual vem gerando enorme perplexidade entre os operadores do direito do Trabalho. Iminente, pois, a solução sobre a constitucionalidade da exigência do comum acordo, pois variados problemas práticos podem surgir da adoção de um ou outro posicionamento, dentre os quais negativas consequências para os trabalhadores e para os sindicatos obreiros. Urge que Supremo Tribunal Federal manifeste-se sobre o impasse, dando a definitiva solução para o problema.


2 CONFLITOS COLETIVOS

2.1 CONCEITO

Ser social por natureza, o homem não pode nem consegue viver eternamente sozinho. Para ele, é de transcendental importância o convívio em sociedade, o que facilita o alcance de seus objetivos e a fruição de seus direitos. O indivíduo não é auto-suficiente, por isso tem a natural tendência de se unir como forma de alcançar os intentos que excedam suas capacidades.  

Nesse contexto, é natural a existência de conflitos, até mesmo por ser rotineiramente mantido um contato entre pessoas com ideais e personalidades diferentes. Os indivíduos possuem gostos e interesses distintos, daí porque chega a ser utópico imaginar uma convivência totalmente pacífica entre eles. E assim, desde que surgiu a humanidade, há relatos de brigas entre os homens, tenham sido elas pela disputa de alimentos e moradia ou ainda por oposição de interesses, dentre inumeráveis outros motivos.

Também no seio de suas atividades laborativas o homem está em constante relacionamento com terceiros, sejam eles superiores hierárquicos ou mesmo colegas de função. Entretanto, muitas vezes ocorrem perturbações no âmbito das relações de trabalho, que nem sempre de desenvolvem de forma harmônica, dentro da normalidade. Percebe-se que as situações conflituosas, inerentes ao convívio em coletividade, estão tão presentes nas relações de trabalho como em qualquer área da vida em sociedade.

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Para o surgimento de um embate, basta que haja lesão do direito de uma parte por outra, divergência de interesses, diferenças a respeito da interpretação e do alcance de normas ou mesmo percepção da necessidade de mudanças nas vigentes condições. Esses são apenas alguns exemplos das inúmeras situações que podem abalador o equilíbrio e harmonia necessários à pacífica convivência em grupo.

Em síntese, o conflito ocorre quando as reivindicações dos trabalhadores são resistidas ou não são atendidas pelo empregador ou grupo de empregadores. Em outras palavras, a cizânia surge quando as partes da relação não conseguem, por si só, acordar os termos e condições das convenções anteriormente estabelecidas, tendo de recorrer a alguma das formas de solução permitidas pelo ordenamento.

Destaque-se que, face às econômicas e jurídicas desigualdades em que se encontram as partes em uma relação de trabalho, simplificadamente empregador e empregado, os conflitos trabalhistas apresentam-se cheios de peculiaridades quando comparados aos desentendimentos na esfera cível. A hipossuficiência do trabalhador, parte quase sempre mais fragilizada na relação, deixa clara a relevância de sua organização e a necessidade constituição de alianças como instrumentos de luta para o alcance de direitos e garantias, além da minimização de desigualdades. Segundo Amauri Mascaro Nascimento[1], a razão de ser das relações coletivas está na necessidade de união dos trabalhadores, para que possam defender, em conjunto, as suas reivindicações.

Considerando-se os sujeitos conflitantes, os conflitos trabalhistas classificam-se em individuais e coletivos. Individuais são aqueles que ocorrem entre um ou diversos trabalhadores individualmente considerados e o empregador (considerando-se o contrato individual de emprego), enquanto os coletivos referem-se a interesses gerais e envolvem um grupo de trabalhadores e vários empregadores (ou mesmo um). Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, os conflitos coletivos envolvem “pessoas não determinadas unidas em torno de um ponto comum, enquanto nos individuais há pessoas agindo no interesse próprio, direto e imediato”[2].

Nos ensinamentos de Wagner D. Giglio[3], para que seja feita a classificação dos embates devem ser considerados três critérios: partes, objeto e finalidade. No âmbito dos coletivos, ao menos uma das partes é composta por um número indeterminado de pessoas (coletividade de trabalhadores), ao passo em que nos individuais sempre estão envolvidos sujeitos determinados. Além disso, os coletivos têm por objeto interesses abstratos e os individuais têm como objeto interesses concretos. Acrescenta ainda que enquanto o conflito envolvendo a coletividade possui como finalidade a criação, modificação ou interpretação de uma norma, o individual visa a aplicação de uma norma prévia ao caso concreto.

Do exposto, infere-se que quando um grupo de trabalhadores indeterminados defende interesses abstratos pertencentes a toda a categoria, com a finalidade de criar, modificar ou mesmo interpretar uma norma, surge o conflito coletivo de trabalho. Ele envolve matéria de ordem geral, afeta a uma coletividade de pessoas, ocorrendo entre um grupo de trabalhadores abstratamente considerados e um grupo de empregadores.

Com a Revolução Industrial, a sociedade passou por significativas alterações. Os trabalhadores, residentes principalmente da zona rural, mudaram-se em massa para as cidades, passando a conviver de maneira mais próxima com os demais, além de enfrentar uma série de dificuldades, que também eram comuns aos seus colegas. Os grandes empresários, detentores do poderio econômico, cegos pelo lucro exacerbado, faziam o impossível para ganhar cada vez mais, deixando, consequentemente, de respeitar e valorizar o trabalho humano que se escondia por traz da produção massificada, em larga escala. 

Trabalhando sem parar para garantir a produção intensa, os empregados almejavam receber justos salários. Entretanto, os patrões lhes pagavam muito pouco, não sendo o ínfimo valor recebido suficiente nem mesmo para custear a sobrevivência digna e alimentação de sua família. Por conseguinte, o descontentamento individual tornava-se comum a várias pessoas a partir de simples conversas com os colegas sobre as péssimas condições de trabalho a que eram submetidos.

Nesse contexto, tornou-se nítida a oposição dos interesses e desejos entre empresários e trabalhadores. Este embate deu ensejo ao surgimento das primeiras manifestações concretas de divergências tocantes à coletividade. As frequentes greves passaram a causar prejuízos à classe empresária, mas também a toda a sociedade, via reflexa. Atualmente, tamanha a complexidade das relações sociais e da própria convivência em coletividade, tornaram-se rotineiros os descontentamentos comuns à coletividade.

2.2 CLASSIFICAÇÃO

Os conflitos coletivos laborais classificam-se em econômicos e jurídicos. Os primeiros, também chamados de conflitos de interesse, estão relacionados às reivindicações referentes às condições de trabalho, enquanto nos jurídicos a discussão gira em torno da interpretação ou aplicação de certa norma jurídica. Ao discorrer sobre o tema, elucida Sérgio Pinto Martins:

“Os conflitos econômicos são aqueles nos quais os trabalhadores reivindicam novas condições de trabalho ou melhores salários. Já nos conflitos jurídicos tem-se por objeto apenas a declaração da existência ou inexistência de relação jurídica controvertida, como ocorre em dissídio coletivo em que se declara a legalidade ou ilegalidade da greve”[4].

Do exposto, infere-se que na instância econômica busca-se a obtenção de uma norma jurídica para ser aplicada ao caso concreto, ao passo em que na jurídica a finalidade é estabelecer o sentido (significado) de uma norma preexistente ou executar uma regra não obedecida pelo empregador. Fábio Túlio acrescenta ainda que na caracterização de um conflito econômico é suficiente que a pretensão “signifique a conquista de novos direitos para a classe trabalhadora, ou o incremento dos já reconhecidos, ainda que sem expressão em pecúnia”[5].

2.3 FORMAS DE SOLUÇÃO

Antigamente, era comum a solução dos problemas através do uso da força (o que, indubitavelmente, favorecia os mais fortes), época em que a “autodefesa” era a regra na solução de problemas. Com a evolução da sociedade e dos valores éticos e morais, surgiu a necessidade de o Estado passar a ser o responsável por compor os interesses maneira justa e pacífica. Dessa forma, por meio de um terceiro capacitado a decidir com imparcialidade e neutralidade as questões, chamou para si o papel de emitir decisões condizentes com os ditames da justiça e da equidade.

No intento de pacificar e harmonizar as relações entre trabalhadores e patrões, emergiram variadas formas de composição dos conflitos coletivos. Destacam-se como principais meios de solução a autocomposição e a heterocomposição. Amauri Mascaro Nascimento[6] acrescenta ainda a autodefesa, afirmando que a mesma é caracterizada pela solução direta da divergência pelos próprios litigantes, havendo a imposição de um sobre o outro, a exemplo da greve e do lockout (lembre-se que este último é vedado pela legislação brasileira).

Entretanto, por meio da autodefesa, aqui exemplificada pela greve, os trabalhadores apenas conseguem se organizar para, assim, pressionarem pela solução do conflito, que será verdadeiramente resolvido através das formas autocompositivas ou heterocompositivas surgidas a partir das pressões. Assim, melhor entendimento é aquele segundo o qual a autocomposição não é uma forma de solução de conflitos coletivos. Nesse sentido:

“A greve, citada por alguns como forma de solução de conflitos coletivos, constitui, para nós, um meio de autodefesa ou um instrumento de pressão econômica e política conferido aos trabalhadores socialmente organizados que possibilitará a solução do conflito. Vale dizer, não é a greve em si que soluciona o conflito, pois a greve possui natureza instrumental, mas sim as normas autocompositivas e heterocompositivas que certamente dela – greve – surgirão”[7].

As medidas autocompositivas decorrem do princípio da autonomia privada negocial existente entre as partes. Nelas, as normas que irão solucionar o problema são criadas pelos próprios envolvidos e interessados, sem que haja participação do Estado-juiz, ou seja, tratam-se de formas extrajudiciais. Como exemplos, têm-se os acordos coletivos, as convenções coletivas e a mediação[8].

Os acordos coletivos são estabelecidos entre o sindicato da categoria profissional e a empresa, estando os seus efeitos adstritos às partes acordantes. Eles normalmente destinam-se a solver matérias mais específicas, tais como problemas ocorridos no âmbito de uma determinada empresa (o entendimento é diretamente feito com o empregado).

As convenções coletivas são constituídas pelos sindicatos representantes da categoria profissional e da patronal. O resultado através delas alcançado é erga omnes. Elas resultam de um ajuste bilateral, somente perfazendo-se caso haja o acordo de vontades entre os dois contratantes (art. 8º, VI da CF e art. 611 da CLT). Na mediação, um terceiro auxilia as partes, tendo apenas o papel de aconselhar pela resolução do impasse, intermediando a controvérsia sem que haja imposição da solução. Nessa modalidade, inexistem poderes decisórios, haja vista que o mediador tem a “função de ouvir as partes e formular propostas”[9].

Também conhecida por negociação coletiva, a autocomposição é considerada a melhor e mais adequada forma de apaziguar os conflitos pela Organização Internacional do Trabalho, pois nela os limites das tratativas são estabelecidos pelos próprios interessados[10]. Justamente por decorrer do consenso, admite maior elasticidade, flexibilidade e possibilidade de adequação às circunstâncias.

Para Amauri Mascaro Nascimento, a heterocomposição é uma forma de solução com “fonte suprapartes, que decide com força obrigatória sobre os litigantes”[11]. Nela, não são as próprias partes que, por si mesmas, põem fim o conflito, havendo a intervenção de um terceiro que resolve a questão, impondo a decisão. Como exemplos, têm-se a arbitragem e a jurisdição. A arbitragem consiste na atribuição da solução do conflito a um terceiro que, com poderes decisórios, é escolhido comumente pelas partes negociantes com o intuito de dirimir a lide extrajudicialmente[12].

No ordenamento pátrio, a solução judicial das questões conflituosas relativas a um grupo de trabalhadores é feita através dos dissídios coletivos, no âmbito da Justiça do Trabalho. Como visto, os embates laborais podem possuir índole jurídica ou econômica. Ao analisar os meios judiciais para a solução destes, aduz Andréa Presas:

“Os primeiros (conflitos de natureza jurídica) podem ser solucionados de forma semelhante aos conflitos individuais, haja vista que as principais ações utilizadas para a superação destes são também adotadas para solução daqueles, tais como a reclamação trabalhista, a ação de cumprimento e a ação civil pública. Os conflitos de índole econômica, por seu turno, exigem procedimento especial para a sua solução, vale dizer, devem ser resolvidos por meio de ação específica: o dissídio coletivo, de acordo com o procedimento estabelecido nos artigos 856 a 871 e 873 a 875, da CLT”[13].

Saliente-se que é totalmente possível a solução de um conflito coletivo de natureza jurídica através do dissídio. Ademais, em geral, os dissídios ajuizados costumam cumular tanto conflitos caráter econômico quanto de caráter jurídico. Entretanto, no tocante aos de natureza econômica, por expressa previsão constitucional[14], é imprescindível a instauração da instância, o que não ocorre, como dito, em relação aos jurídicos.

Acrescente-se que a vontade de não exposição direta do trabalhador quando das reivindicações pertinentes ao seu contrato de trabalho fez emergir a atuação de um substituto processual, qual seja, o sindicato, que, constitucionalmente legitimado, visa atender aos reclames da categoria representada. Como observa Wagner D. Giglio, “o resultado da autocomposição dos conflitos coletivos depende da liberdade de negociação, e essa liberdade requer igualdade de situação”[15].

Atualmente, o sindicato possui como primordial função atuar na negociação coletiva, notadamente se considerado que a legislação pátria vem progressivamente acolhendo a autocomposição e reconhecendo os acordos e as convenções coletivas de trabalho como importantíssimas formas solução de controvérsias e descontentamentos.

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Sobre a autora
Paula Leal Lordelo

Advogada, formada em Direito pela UFBA - Universidade Federal da Bahia. Pós graduação em Direito Processual e Material do Trabalho pelo JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORDELO, Paula Leal. Exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo: inconstitucionalidade principiológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3597, 7 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24378. Acesso em: 28 abr. 2024.

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