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A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos

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5. AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

As imunidades tributárias são limitações ao poder de tributar constitucionalmente qualificadas, é uma norma constitucional proibindo a cobrança de tributo, é vedação à instituição e cobrança de tributo. A origem da expressão remonta à época dos romanos:

Imunitas, ou exonerado de munus, indica a liberação de munus ou encargos, dispensa de carga, de ônus, de obrigação ou até de penalidade. Quem não está sujeito a munus tem “imunidade”, um privilégio concedido a alguma pessoa de não ser obrigada a determinados encargos ou ônus (liberação do munus).

As imunidades tributárias são uma limitação ao poder do Estado, uma obrigação negativa deste de não avançar sobre a tributabilidade de determinada atividade, chamados direitos de 1ª dimensão, formam os chamados direitos fundamentais, sendo cláusulas pétreas.

Em voto do Min. Celso de Mello: "Não se pode desconhecer que as imunidades tributárias de natureza política destinam-se a conferir efetividade a determinados direitos e garantias fundamentais reconhecidos e assegurados às pessoas e às instituições". (ADIn 939- 7/DF)

O rol dos direitos fundamentais não pode ser diminuído, nem por leis ordinárias ou sequer pelo poder constituinte derivado. BOBBIO afirma que os direitos fundamentais evoluem das lutas entre direitos novos em face de poderes antigos, uma garantia não nasce de uma só vez. Nasce do conflito entre a criação de ameaças ao direito do individuo e a utilização de remédios para estas ameaças - através de demandas de limitação de poder.13

Ademais estes direitos acumulam-se; o surgimento de um novo direito ou de um novo grupo de direitos fundamentais não revoga os direitos anteriormente conquistado, somam-se, por isso chamamos esses direitos de direitos fundamentais de 1ª, 2ª e 3ª dimensão.

Os direitos de 1ª dimensão referem-se às limitações do poder do Estado possibilitando as liberdades individuais, os direitos sociais compõe direitos de 2ª dimensão, e os transindividuais colocam-se na 3ª dimensão - observe-se que o ingresso em cada uma destas fases não exclui as conquista alcançadas nas fazes anteriores, tampouco essa divisão é estanque servido meramente como divisão doutrinária para os estudos. No apoio a novos direitos estão outros direitos anteriormente conquistados, ampliando-se este rol de direitos cada vez mais.

A Assembléia Nacional Constituinte fez constar imunidades tributárias em várias partes da Constituição Federal de 1988, de forma expressa como na limitação a que nos propomos estudar, ou de maneira implícita: "as limitações ao poder de tributar não se esgotam nos princípios expressos, outras existem que decorrem dos princípios adotados pela Constituição e das garantias individuais implicitamente por ela asseguradas" 14.

Quanto às limitações expressas, o constituinte destacou essas situações específicas e as colocou dentro de um rol de situações que por razões supralegais (educação, tradição, cultura, política), estas situações não seriam tributadas.

É um parâmetro limitador ao poder arbitrário do Estado. CARRAZZA: "Nem a emenda constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas pela Constituição".

A garantia da imunidade é um direito fundamental assegurado ao contribuinte, que diante da preponderância de algum interesse que é casto à Constituição, o exercício deste direito não será dificultado pelo Estado através de tributos. Ademais, como norma fundamental goza de vinculatividade imediata dos poderes públicos, sendo norma de efetividade plena e aplicabilidade imediatamente, não necessitando de regulação por lei complementar15.

A imunidade é necessariamente constitucionalizada, um rol finito e certo de normas constitucionais, onde o poder constituinte estabeleceu a impossibilidade de instituição de tributos pelos entes federativos.

Trata-se da ponderação entre dois valores: por um critério essencialmente extrajurídico, valores políticos, religiosos, sociais, culturais ou econômicos, fazem com que se ignore a eventual capacidade econômica revelada pela pessoa ou pela atividade proclamando- se a não-tributabilidade das pessoas ou situações e em nome de um valor considerado mais importante à sociedade brasileira.

Resguarda o equilíbrio federativo, a liberdade política, religiosa, de associação, do livre pensamento, e de expressão, a expansão da cultura, o desenvolvimento econômico etc., e, assim, não deve considerar a imunidade como um benefício, um favor fiscal, uma renuncia à competência tributária ou privilégio, mas sim uma 16orma de resguardar a garantir os valores da comunidade e do indivíduo.

É exatamente o que ocorre em relação à imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. O constituinte ponderando diversos valores extrajurídicos optou pela imunização para preservar princípios constitucionais em detrimento dos valores a serem pagos. Seriam estes a democracia, liberdade de expressão, formação de opinião, dentre outros. "O principio hoje universal é de que não deve existir imposto sobre a leitura (no tax on knowledge), pois seria dificultar a cultura, o conhecimento, o ensino, a informação, enfim, seria impedir a evolução da ciência, do saber, da tecnologia, das artes" 17.

O art. 150 está redigido de forma a garantir os princípios implícitos extraíveis do sistema constitucional. Afirma-se que tal norma imunizante aplica-se "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte", não se deve ficar preso à redação do dispositivo, interpretando somente a redação constante no artigo, mas de forma a integrá-lo com a intenção do constituinte expressa em todo o texto constitucional.

A imunidade dos jornais, livros e periódicos, que está a serviço da liberdade de expressão, imprescindível à democracia brasileira deve ser, por tais razões, compreendida amplamente, sem quaisquer reduções e de forma a ser economicamente neutra, sem beneficiar mais a uns - especialmente os grupos econômicos jornalísticos poderosos e monopolísticos - do que a outros - as empresas de imprensa dissidentes, minoritárias e economicamente mais fracas (os jornais de opinião p. ex.). É preciso que as decisões judiciais, que atualizam o sentido e a extensão da imunidade, sejam efetivas e concretas e pesem - como recomenda Hesse - as conseqüências que delas decorram.18

O art. 111 do Código Tributário Nacional determina:

Art. 111, CTN: Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

O dispositivo colacionado poderia dar ensejo a dúvidas sobre a extensão interpretativa que se deveria dar ao dispositivo, contudo o Código Tributário Nacional é norma infraconstitucional e não pode tentar limitar o exercício de interpretação da norma constitucional.

O pensamento de que a imunidade dos livros deveria ser interpretada literalmente por equivaler a uma outorga de isenção não mais prospera desde a Constituição de 1967 que tornou imune além do papel os "livros". A norma não é de direito tributário, mas de direito constitucional o que permite a sua interpretação além da letra da lei.

O livro, o jornal e os periódicos, antes da Constituição de 1967, não eram imunes, mas apenas eram por leis ordinárias isentos sob condições, entre as quais a da natureza do conteúdo ideológico da obra (cultural, artística, didática etc. A Constituição de 1967 a transformou em imunidade objetiva incondicionada, que a Emenda de 1969 melhorou e ratificou.

(...)

Não existia a previsão constitucional da imunidade para o livro, o jornal e os periódicos, de sorte que estes estavam à mercê da vontade dos legisladores ordinários que concediam ou não „isenções, que podiam ser objetivas, subjetivas, por prazo, condicionadas etc. Isto era um despautério nessa matéria que exigia uniformidade, por ser de ordem nacional.19

Sobre a matéria escreve PAULSEN:

A imunidade é a regra de não-incidência, isenção, gratuidade constitucionalmente trabalhada. O texto constitucional não refere expressamente o termo „imunidade?. Utiliza-se de outras expressões: veda a instituição de tributo, determina a gratuidade de determinados serviços, fala de isenção, de não-incidência etc. Em todos os casos, pois em se tratando de norma constitucional, impede a tributação e, portanto, teremos o que denominamos de imunidade.20

Diante da imunidade conferida pelo constituinte é necessário compreender qual a extensão dessa imunidade, como deve utilizá-la o aplicador da lei para atender o anseio do constituinte.


6. O ALCANCE DA IMUNIDADE DO ART. 150, VI, D

A redação constitucional é clara, dela podemos extrair - jornais, livros e periódicos e o papel destinado a sua impressão são imunes somente à cobrança de impostos. Taxas e contribuições são plenamente cobráveis sem restrições de ordem constitucional.

Conforme narrado anteriormente: "aumento de 8880% com relação às taxas de importação de papel de imprensa em janeiro de 1958". Durante este período a imunidade dos impostos ao papel já existia, e a mesma não foi suficiente para impedir que se dificultar ao extremo o exercício da imprensa livre.

Tanto antes como hoje, embora imunes de impostos os jornais, livros e periódicos e o papel destinado a sua impressão estão sujeito à cobrança de taxas, contribuições, recolhimentos para fundos. Contribuições estas que devido a interpretações criativas do Supremo Tribunal Federal tem ampliado cada vez mais seu rol de incidência sujeitando o contribuinte a um bis in idem admitido pela jurisprudência.

Favorável a uma aplicação mais extensa do dispositivo constitucional MACHADO defende que a imunidade deve ser estendida às taxas e contribuições posto que tal diferenciação poderia levar ao amesquinhamento da imunidade.

Com um pensamento extremamente progressista, ao qual nos perfilhamos, o autor defende que a imunidade deve ser entendida em seu sentido finalístico e o objetivo poderia ser comprometido caso o legislador pudesse tributar qualquer dos meios necessários à consecução do objetivo democrático.

A imunidade para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Por isto nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer dos instrumentos, ou equipam21 os, que sejam destinados exclusivamente à produção desses ent   objetos.

Tanto à época da primeira redação dada ao artigo em 1967, como na Constituição de 1988, essa imunidade, por si mesma, não foi suficiente para impedir ou estimular a democracia.

Independentemente do que estava escrito na lei maior, quando era de interesse do governo dificultar ou inviabilizar o direito da imprensa livre instituía taxas, dificultava a importação, atrasava o desembaraço aduaneiro, tudo como forma de tornar inexequível o direito à liberdade de opinião, livre manifestação de pensamento e a sua divulgação.

NOGUEIRA escreve: "o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade de manifestação de pensamento, a crítica dos governos e homens públicos, direitos que não apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime democrático" 22.

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Após a Constituição de 1988 manteve-se praticamente o mesmo sentido da norma anteriormente a 1988, embora ainda não tenha havido nenhum movimento sério com o intuito de oprimir a imprensa, nossa democracia anda se mostra tão frágil ao ponto de candidatos à Presidência fazerem campanha garantindo a liberdade de imprensa.

Ainda assim, práticas governamentais do passado buscando dificultar o exercício da liberdade de opinião poderiam ser aplicadas nos dias de hoje, posto que tais vedações não foram totalmente expressamente redigidas na nova carta constitucional.23

Embora a doutrina majoritária afirme que diante da redação do art. 150 - "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte" - a interpretação a ser dada ao artigo liga a referida imunidade diretamente aos direitos fundamentais da primeira parte da Constituição em especial ao art. 5º, tratam-se de princípios implícitos na Constituição.

Não obtidos através de uma leitura clara e direta dos artigos constitucionais, são fruto de interpretação, interpretação esta que, infelizmente como já ocorreu no passado, pode apontar para a democracia ou para a opressão.

Traços desse pensamento podemos ver em algumas decisões que colacionamos como forma de demonstrar a opinião dos tribunais superiores a respeito de assuntos correlatos ao tema abordado:

Arts. 9º a 11 e 22 da Lei 1.963, de 1999, do Estado do Mato Grosso do Sul. Criação do Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul - FUNDERSUL. (...) A contribuição criada pela lei estadual não possui natureza tributária, pois está despida do elemento essencial da compulsoriedade. Assim, não se submete aos limites constitucionais ao poder de tributar. (ADI 2.056, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30-5-2007, Plenário, DJ de 17-8-2007.)

Sendo as contribuições para o FINSOCIAL modalidade de tributo que não se enquadra na de imposto, segundo o entendimento desta Corte em face do sistema tributário da atual Constituição, não estão elas abrangidas pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, dessa Carta Magna, porquanto tal imunidade só diz respeito a impostos. (RE 141.715, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18-4-1995, Primeira Turma, DJ de 25-8-1995.)

As taxas estão sujeitas aos princípios constitucionais que limitam a tributação (CF, art. 150, 151 e 152) e a outros princípios instituídos em favor do contribuinte pela norma infraconstitucional, já que os princípios constitucionais expressos são enunciados „sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte? (CF, art. 150) (...). (ADI 447, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.)

A imunidade prevista no art. 150, VI da CF não alcança a contribuição para o PIS, mas somente os impostos incidentes sobre a venda de livros, jornais e periódicos. (RE 211.388-ED, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 10- 2-1998, Segunda Turma, DJ de 8-5-1998.)

O STF, no julgamento dos RE 190.761 e RE 174.476, reconheceu que a imunidade consagrada no art. 150, VI, d, da CF, para os livros, jornais e periódicos, é de ser entendida como abrangente de qualquer material suscetível de ser assimilado ao papel utilizado no processo de impressão. (RE 193.883, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 22-4-1997, Primeira Turma, DJ de 1º-8-1997.)

Constituição do Estado do Rio de Janeiro, art. 193, VI, d; Lei 1.423, de 27-1- 1989, do mesmo estado, art. 40, XIV. Extensão aos veículos de radiodifusão da imunidade tributária prevista na Constituição Federal para livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Relevância jurídica do pedido e periculum in mora caracterizados. Medida cautelar deferida, para suspender, ex nunc e até o julgamento final da ação, na alínea d, VI, do art. 193, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, as expressões „e veículos de radiodifusão?, bem como no inciso XIV, do art. 40, da Lei fluminense 1.423, de 27-1-1989, as expressões „e veículos de radiodifusão?. (ADI 773-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 9-9-1992, Plenário, DJ de 30-4-1993.)

A jurisprudência pátria é muito mais abundante sobre a matéria do que estes pouco julgados que colacionamos, mas a partir daqui já podemos extrair uma linha de pensamento adotada pelo Supremo.

A imunidade não se estende a livreiros e editores, fica adstrita somente aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Os mesmos estão imunes a cobrança somente e impostos e taxas; contribuições PIS, COFINS, e para fundos são admitidas. Está imune à cobrança somente o papel e seus similares, outros insumos utilizados na fabricação de livros como tinta, linha, grampos ou mesmo maquinário são plenamente tributáveis.

Os livros, por sua vez, são os de leitura, não os de escrituração contábil, agendas ou livros em branco, listas telefônicas e álbuns de figurinhas também são imunes, não é o sue formato de livro que o imuniza, mas a sua destinação. BALEEIRO afirma que "o boletim distribuído regularmente por empresas privadas, para difusão de seus negócios, propaganda, orientação de agentes e empregados e etc., não é „periódico no sentido da Constituição".

Os periódicos imunes pela Constituição são aquelas publicações que aparecem de tempo em tempos, destinados a informar o leitor temas de caráter geral, por isto os catálogos telefônicos gozam desta imunidade.24

Traçadas estas linhas gerais sobre os princípios democráticos que fundamentam a liberdade de expressão, os fatos históricos que ensejaram a redação do art. 150, VI, "d"; e o que isto significa para a concretização das liberdades individuais passamos a discutir especificamente o tema da imunidade tributária dos e-readers.

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Sobre o autor
Raphael Pinheiro Cavalcanti Guimarães

Tabelião Registrador Civil, Pós Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Raphael Pinheiro Cavalcanti. A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3334, 17 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22017. Acesso em: 18 mai. 2024.

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