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A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos

A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos

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São imunes de impostos e deveriam ser imunes de todos os tributos os e-readers, seus congêneres e outras tecnologias que surjam no futuro, possibilitando a concretização dos princípios democráticos constantes na Constituição, posto que tais equipamentos seriam equiparados a papel.

Resumo: O presente trabalho aborda o tema da imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos. No presente trabalho apresentamos o que os livros impressos significaram para a evolução da sociedade e para concretização da democracia em diversas partes do mundo ocidental. Apresentamos os fundamentos históricos da existência no Brasil da imunidade de impostos dos livros, jornais e periódicos e o papel destinado à sua impressão, bem como a evolução da redação deste artigo desde a Constituição de 1947. Diferenciamos os e-readers, dos tablets, netbooks e smartphones; defendendo a utilização do critério do uso preponderante para definir pela tributabilidade dos equipamentos. Defendemos a máxima extensão interpretativa da norma constitucional a fim de concretizar os princípios democráticos da liberdade de manifestação de pensamento, de formação de opinião, educação, cultura, para a evolução da sociedade. Por fim escrevemos sobre marcha no sentido da extinção dos livros impressos em papel e a necessidade de evolução dos instrumentos de controle para acompanhar a evolução tecnológica.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. A COMUNICAÇÃO E O EXERCÍCIO DA OPINIÃO. 3. A HISTÓRIA DA IMPRENSA NO BRASIL. 4. A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE DO PAPEL E DO LIVRO. 5. AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR. 6. O ALCANCE DA IMUNIDADE DO ART. 150, VI, D. 7. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LEITOR DE LIVROS ELETRÔNICOS. 8. A IMUNIDADE DOS TABLETS. 9. A ISONOMIA ENTRE OS EQUIPAMENTOS. 10. O USO PREPONDERANTE E AS CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DOS PRODUTOS. 11. CONCLUSÃO.BIBLIOGRAFIA


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho é requisito à obtenção de certificado de pós-graduação em MBA em Direito Tributário oferecido pela Fundação Getúlio Vargas. Cursadas as disciplinas exigidas no cronograma do curso optamos por focar nossos estudos no tema da imunidade tributária do leitor de livros eletrônicos, tema novo que começa a tomar contornos através da jurisprudência dos tribunais superiores.

O objetivo deste estudo não é esgotar o tema, embora em um primeiro momento possa parecer que a matéria é restrita e que a discussão se encerra em algumas poucas linhas. É necessário fazermos uma intensa pesquisa histórica e jurídica para entendermos todo o fundamento social da norma e para que possamos fazer uma avaliação crítica da mesma, sugerindo uma solução à questão hoje enfrentada pelos Fiscos federal e estaduais.

A imunidade tributária do livro impresso e do papel utilizado na sua confecção é um tema que já vem sendo discutido na doutrina e na jurisprudência há algum tempo. Filmes fotográficos, papéis especiais, revistas para adultos e et cetera, formam o alicerce jurisprudencial do tema que enfrentaremos. Contudo o surgimento de novas tecnologias têm forçado a discussão voltar à pauta dos tribunais e consequentemente de congressos e seminários.

Os leitores de livros eletrônicos aliam diversas tecnologias, de processadores de baixo consumo, a telas de tecnologia E-ink de tinta eletrônica e telefonia 3G que possibilitam a veiculação de textos e imagens em diversos tons de cinza em uma tela monocromática portátil possibilitando o uso destes leitores como um livro de bolso.

Os e-readers, termo como são mais conhecidos, dentre eles citamos o seu mais popular, o Kindle - têm dividido a doutrina e jurisprudência sobre a aplicabilidade da imunidade tributária do art. 150, VI, "d" da Constituição conferida aos livros, jornais e periódicos e o papel destinado à sua impressão. Se esta imunidade alcançaria ou não os leitores de eletrônicos ou se estaria restrita à redação do texto.

Exporemos aqui a evolução histórica das comunicações interpessoais, desde o surgimento da linguagem e o salto que significou para a humanidade o desenvolvimento da prensa de tipos móveis por Gutenberg, e os livros como instrumentos formadores de opinião, veículos de idéias e influenciadores de toda a sociedade.

Apresentaremos como a imprensa se desenvolveu no Brasil, como exerceu sua liberdade democrática e como governos não democráticos buscaram a todo o momento e de todas as formas amordaçá-la quando suas publicações não iam ao encontro da opinião oficial.

Estudaremos as razões históricas da redação do art. 150, VI, "d" da Constituição Federal, desde a sua inclusão através da constituinte de 1946 e sua permanência em todas as Cartas posteriores e sobre a sua manutenção na nova ordem constitucional inaugurada com a Constituição Federal de 1988.

Ao longo deste trabalho pinçaremos decisões de tribunais superiores, ao definirem a extensão prática dessa imunidade e formaremos o substrato jurídico sobre o qual discutiremos a extensão desta imunidade aos e-readers e a preponderância de seu uso como veículos para o conhecimento em detrimento de outros tablets, o que os diferenciam, legitimando os primeiros como imunes posto que equivalentes a livros.

Por fim faremos uma proposta de solução aplicável à questão, conciliando os fundamentos históricos da referida imunidade e os interesses da sociedade, com os objetivos do Estado e a arrecadação necessária para o seu custeio, ponderando entre a essência do dispositivo e as novas tecnologias que surgem como veículos difusores dos princípios democráticos.


2. A COMUNIÇÃO E O EXERCÍCIO DA OPINIÃO

O homem desde os seus primórdios diferenciou-se dos outros animais pela sua grande capacidade de entender e modificar o mundo exterior. O acúmulo de conhecimento conjugado à capacidade de transmitir esta informação entre seus pares, e entre as gerações, possibilitou ao homem diferenciar-se dos outros animais quando ao nascer, além das habilidades instintivas, possui ao seu dispor as "tradições" acumuladas pelos seus ancestrais.

A oralidade foi o primeiro estágio da comunicação, porém a sua pouca capacidade de se perpetuar em distância geográfica e no tempo, demandou o desenvolvimento de um novo veículo de comunicação, as pinturas rupestres seriam um exemplo desta necessidade.

Quando os homens passaram a se organizar em sociedades, com o surgimento das primeiras civilizações na Mesopotâmia, estendendo-se os domínios a grandes territórios surgiu a necessidade de um suporte mais fiel à informação, neste momento a informação passa a ser depositada em um suporte físico como a madeira, pedra, argila.

Esse suporte físico pesado, frágil e pouco eficiente foi substituído pelo papiro egípcio e outras fibras vegetais e animais.

Com o passar do tempo e o surgimento de novas técnicas, surgiram o pergaminho e os códices manuscritos. Porém a verdadeira revolução da comunicação ocorreu na década de 1450, com a invenção da impressão com tipos móveis por Johannes Gutenberg. Quando livros e folhetos logo se propagaram deixando de serem bens de família e passando a servir ao propósito de divulgação da informação, acta diurna, antes meio mais popular de veiculação da informação, estava superada.

Estava inaugurada a era da informação, livros dos mais diversos gêneros passaram a ser editados1, pela reprodução mecânica em escala o seu preço caiu, tornando-se acessível a todas as classes, o livro popularizou-se.

Paralelamente à popularização do livro, monarcas de toda a Europa Ocidental perceberam que os livros eram fortes veículos da dissidência, possibilitando aos autores, contrários aos regimes, a divulgação de suas idéias e a conclamação de outros insatisfeitos à revolução. Esta percepção fez como que determinados livros fossem proibidos, autores banidos, gerou o surgimento de pesados tributos sobre as edições, controle da imprensa, tudo como forma de inviabilizar a disseminação de pensamentos contrários ao regime.

Todas as tentativas de barrar a disseminação dos livros foram infrutíferas, a sociedade, antes na Inglaterra2, tempo depois na Europa, superou a idéia do "the king can do no wrong" e passou a tomar as rédeas do poder para si. As idéias do Iluminismo e a Revolução Francesa assolaram a Europa e seus reflexos foram sentidos em todo o Mundo Ocidental.

A República das Letras dos iluministas com seus dois principais atributos ler e escrever, juntamente com os princípios nascentes da democracia na América, tão bem retratados por Alexis de Toqueville3, formou o que hoje se apresenta como a imprensa jornalística4.

Liberdade para escrever, mais a facilidade para imprimir, mais a proteção do Estado para a crítica livre, esta é a razão da existência de inúmeros jornais das mais diversas opiniões em diversos países, com seu nascedouro nos Estados Unidos da América foi esta fórmula que se espalhou por todo o mundo.


3. A HISTÓRIA DA IMPRENSA NO BRASIL

Enquanto o espírito das luzes assolava todo o Ocidente, o Brasil Colônia ensaiava o que viria a ser a sua imprensa. Devido a sua colonização por Portugal5 bem como devido ao estágio evolutivo da sociedade aqui existente anteriormente à descoberta portuguesa - equivalente à idade da pedra lascada - livros nunca foram muito populares. E sempre foram vistos com extrema desconfiança por todos os brasileiros, com instrumento da insurgência, sendo instrumento comum somente aos religiosos, em razão do seu ofício.

Somente em torno de 1746 as impressoras de tipos móveis se popularizaram no Brasil. Anteriormente a esta data todo o material era impresso no Reino e estava sujeito a licenças da Inquisição e do Conselho Ultramarino, sem as quais não se podia imprimir ou distribuir as obras, e quando adentravam aos portos brasileiros, mesmo tendo todas as licenças exigidas no Reino, as obras eram mais uma vez submetidas à censura.

O transito de obras impressas no Brasil sujeitou-se a censura durante todos os períodos anteriores a proclamação da República, ora mais branda, ora mais pesada; o fato é que sempre que as opiniões dos autores nacionais ou estrangeiros desagradavam àqueles que estavam no poder livros eram proibidos e jornais eram tirados de circulação.

Com o advento da República, em 1889, após um período de razoável liberdade de imprensa, inicia-se um processo repressivo contra a imprensa monarquista. Diante de severas críticas contra o novo regime republicano, bem como o surgimento de movimentos insurgentes pelo retorno da monarquia, o governo presidencialista oprime violentamente os movimentos rebeldes6 e todos aqueles de opiniões contrárias à República.

Assim se desenrola a história republicana brasileira - sempre na alternância entre um governo opressivo e outro - quando em 1935, a intentona comunista oferece um pretexto a Getúlio Vargas para impor o estado de sítio e a censura à imprensa de todo o país. Em 1937 sobrevém o Estado Novo e com este a mais forte censura à imprensa já experimentada, com proibição de novos jornais e fechamento de outros.

Graciliano Ramos e Monteiro Lobato são exemplos de jornalistas escritores presos durante o período. Sobre o assunto escreve este:

Ora, não me consta que haja alguma lei autorizando a aplicação de torturas no Brasil. E se não há essa lei, então estes atos constituem monstruosos crimes da Polícia. (...) O que hoje se publica é palha apenas, porque os autores são obrigados a engolir as suas idéias. Há no Estado Novo um medo pânico da liberdade do pensamento - daí a opressão.7

Além da censura "explícita" pelo uso da violência e de proibições policiais havia uma intenção "implícita" do governo de dificultar ao máximo a edição dos jornais, impossibilitando a entrada de maquinário e papel para impressão, exigindo licença para impressão.

O VI Congresso Nacional de Jornalistas, realizado em Belo Horizonte, em 1955, colocou em discussão, sob vários aspectos, o problema do controle da imprensa, - um desses aspectos foi o que se relaciona com o papel - verificava-se no Brasil uma tendência de tornar inacessível aos jornais mais pobres esse elemento essencial.

Em 18 de setembro de 1964 o Correio da Imprensa publicou o aumento de 8880% com relação às taxas de importação de papel de imprensa em relação a janeiro de 1958. Ademias, em 1963, foram reduzidas as quotas de importação das empresas jornalísticas. Somando-se a isto alterações nos contratos de câmbio do Banco do Brasil, passaram a exigir que as empresas jornalísticas antecipassem a totalidade do valor das importações e que o transporte do papel fosse feito nos navios da Lóide Nacional que não atingia os portos exportadores de papel, adicionando ainda em frete terrestre até os portos alcançados. O aumento da taxa de importação do papel de imprensa, somente em setembro daquele ano foi de 34,7%. E se referirmos ao começo do ano, a diferença é de quase 200%.8

Diante dessas constantes pressões oficiais o que se constata da imprensa no Brasil é uma imensa uniformidade de opinião, funcionando os jornais como empresas capitalistas não com o foco nos seus leitores, mas regidos por seus anunciantes, dos quais boa parcela compõe-se de entes da administração indireta. Esta primazia aos anunciantes provocou o fim de vários jornais de opiniões contrárias, bem como a descrença dos leitores quanto a verdade refletida por alguns veículos posto que estes, em detrimento dos fatos, buscavam agradar aos seus maiores financiadores e ao governo.

Após a 2ª guerra mundial e as atrocidades cometidas fundou-se a ONU lançou o documento conhecido como a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, documento subscrito pelo Brasil, que refletiu no plano internacional muitos dos diversos princípios democráticos experimentando em diversas partes do mundo e tidos como princípios inalienáveis basilares à democracia, cuja redação é:

Artigo 19°

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.

Confirmada pelo Pacto Internacional de Direitos Civis de 1966:

Artigo 19 - 1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2. Toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

No plano interno, devido aos constantes conflitos entre o Governo e a imprensa, o constituinte originário de 1946 alçou ao status de norma constitucional as proibições de cobrança de impostos para o papel, artigo este que sofreu mudanças sutis na sua redação original ao longo das Constituições brasileiras, mudanças esta que sempre buscaram conferir o máximo de efetividade à norma, sempre objetivando a manutenção de uma imprensa de opinião livre desvinculada das pressões estatais.


4. A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADADE DO PAPEL E DO LIVRO

Após o Estado Novo de Getúlio Vargas, de pesada opressão, sucedeu-o Eurico Gaspar Dutra e com ele a nova constituição de 1946, que teve a intenção de proibir que os entes federativos tributassem, por via de imposto, o papel destinado exclusivamente a impressão de jornais, periódicos e livros:

Art. 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

V - lançar impostos sobre:

c) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.

Narra CARRAZZA que foi o escritor baiano Jorge Amado, então deputado constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro, que teve a feliz idéia de propor, à Assembléia Nacional Constituinte, que fizesse inserir tal imunidade na Carta de 1946.

Pontes de Miranda em comentários à Constituição de 1946 faz importante observação:

O papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros é imune a impostos (não a taxas). O fim a que se destina o papel é que o imuniza, de modo que o jornal, o periódico e a casa editora ou impressora podem importá-lo com explicitude do fim, incorrendo nos crimes previstos pelas leis quanto a dolo, desvios, fraudes, etc., se o não empregam, ou - se a legislação o permite - pode importá-lo o vendedor de papéis, comprometendo-se à venda sòmente para tal fim. O expediente de restuïção dos impostos pagos também é adotável pela legislação se o importador não é o consumidor. Nenhum óbice à lei é dado opor à importação direta pela empresa jornalística, de periódicos ou de edições de livros, ressalvadas apenas as precauções fiscais de verificação do fim. Pena é que o legislador constituinte não tivesse ido mais longe: até à imunização das máquinas destinadas à composição e impressão.9

Desde o início já alertava o autor que o constituinte dava com uma mão e tirava com a outra, imunizar somente de impostos sem que o fizesse das taxas não atenderia o fim a que se destinava, foi o que aconteceu como demonstrado anteriormente.

A norma foi reproduzida, embora com outras palavras, na Constituição de 1967, incorporando a imunidade agora aos próprios livros, jornais e periódico, e não somente ao papel para sua impressão.

Art. 20 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III - criar imposto sobre:

d) o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão.

Comentando esta nova Constituição Pontes de Miranda acrescenta às suas observações iniciais:

A Constituïção de 1967, no art. 20, III, d, 1ª parte, foi além da Constituïção de 1946, porque, em vez de sòmente falar do papel destinado à impressão de livros, jornais e outros periódicos, se referiu aos livros, aos jornais e aos outros periódicos. O impôsto não pode recair no papel, nem no livro, nem no jornal, ou em qualquer outro periódico. A imunidade é objetiva; não subjetiva. O impôsto de renda incide quanto às rendas do impressor, ou do encadernador, ou do editor, ou do autor. Os cartazes, como os folhetos de propaganda e o papel em que se imprimem, êsses, não são imunes.

A Emenda Constitucional de 1969 manteve a mesma redação, alterando apenas a palavra criar por instituir:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III - instituir impôsto sôbre:

d) o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão.

Observe-se que durante todo este período em que a imunidade dos livros e periódicos e do papel destinado a sua impressão constava no ordenamento constitucional pátrio, de 1946 até antes de 1988, embora existindo na constituição "folha de papel", tal dispositivo não foi suficiente para coibir abusos do Poder Público no sentido de impedir de todo modo a liberdade de expressão de opinião da imprensa.

A Assembléia Constituinte de 1988 manteve a imunidade para livros, jornais e periódicos e o papel destinado a sua impressão com a seguinte redação:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Fazendo-a constar na seção das "limitações do poder de tributar" o novo constituinte originário, animado pela redemocratização, decidiu manter a imunidade. Nas lições de BALEEIRO, "este ainda é o objetivo constitucional de proteção à educação, à cultura e à liberdade de comunicação e de pensamento11".

Na efetivação dos princípios da democracia o constituinte originário, por razões históricas, decidiu manter na nova ordem constitucional, inaugurada em 1988, a mesma imunidade conferida anteriormente aos livros, jornais e periódicos e o papel destinado a sua impressão.


5. AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

As imunidades tributárias são limitações ao poder de tributar constitucionalmente qualificadas, é uma norma constitucional proibindo a cobrança de tributo, é vedação à instituição e cobrança de tributo. A origem da expressão remonta à época dos romanos:

Imunitas, ou exonerado de munus, indica a liberação de munus ou encargos, dispensa de carga, de ônus, de obrigação ou até de penalidade. Quem não está sujeito a munus tem “imunidade”, um privilégio concedido a alguma pessoa de não ser obrigada a determinados encargos ou ônus (liberação do munus).

As imunidades tributárias são uma limitação ao poder do Estado, uma obrigação negativa deste de não avançar sobre a tributabilidade de determinada atividade, chamados direitos de 1ª dimensão, formam os chamados direitos fundamentais, sendo cláusulas pétreas.

Em voto do Min. Celso de Mello: "Não se pode desconhecer que as imunidades tributárias de natureza política destinam-se a conferir efetividade a determinados direitos e garantias fundamentais reconhecidos e assegurados às pessoas e às instituições". (ADIn 939- 7/DF)

O rol dos direitos fundamentais não pode ser diminuído, nem por leis ordinárias ou sequer pelo poder constituinte derivado. BOBBIO afirma que os direitos fundamentais evoluem das lutas entre direitos novos em face de poderes antigos, uma garantia não nasce de uma só vez. Nasce do conflito entre a criação de ameaças ao direito do individuo e a utilização de remédios para estas ameaças - através de demandas de limitação de poder.13

Ademais estes direitos acumulam-se; o surgimento de um novo direito ou de um novo grupo de direitos fundamentais não revoga os direitos anteriormente conquistado, somam-se, por isso chamamos esses direitos de direitos fundamentais de 1ª, 2ª e 3ª dimensão.

Os direitos de 1ª dimensão referem-se às limitações do poder do Estado possibilitando as liberdades individuais, os direitos sociais compõe direitos de 2ª dimensão, e os transindividuais colocam-se na 3ª dimensão - observe-se que o ingresso em cada uma destas fases não exclui as conquista alcançadas nas fazes anteriores, tampouco essa divisão é estanque servido meramente como divisão doutrinária para os estudos. No apoio a novos direitos estão outros direitos anteriormente conquistados, ampliando-se este rol de direitos cada vez mais.

A Assembléia Nacional Constituinte fez constar imunidades tributárias em várias partes da Constituição Federal de 1988, de forma expressa como na limitação a que nos propomos estudar, ou de maneira implícita: "as limitações ao poder de tributar não se esgotam nos princípios expressos, outras existem que decorrem dos princípios adotados pela Constituição e das garantias individuais implicitamente por ela asseguradas" 14.

Quanto às limitações expressas, o constituinte destacou essas situações específicas e as colocou dentro de um rol de situações que por razões supralegais (educação, tradição, cultura, política), estas situações não seriam tributadas.

É um parâmetro limitador ao poder arbitrário do Estado. CARRAZZA: "Nem a emenda constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas pela Constituição".

A garantia da imunidade é um direito fundamental assegurado ao contribuinte, que diante da preponderância de algum interesse que é casto à Constituição, o exercício deste direito não será dificultado pelo Estado através de tributos. Ademais, como norma fundamental goza de vinculatividade imediata dos poderes públicos, sendo norma de efetividade plena e aplicabilidade imediatamente, não necessitando de regulação por lei complementar15.

A imunidade é necessariamente constitucionalizada, um rol finito e certo de normas constitucionais, onde o poder constituinte estabeleceu a impossibilidade de instituição de tributos pelos entes federativos.

Trata-se da ponderação entre dois valores: por um critério essencialmente extrajurídico, valores políticos, religiosos, sociais, culturais ou econômicos, fazem com que se ignore a eventual capacidade econômica revelada pela pessoa ou pela atividade proclamando- se a não-tributabilidade das pessoas ou situações e em nome de um valor considerado mais importante à sociedade brasileira.

Resguarda o equilíbrio federativo, a liberdade política, religiosa, de associação, do livre pensamento, e de expressão, a expansão da cultura, o desenvolvimento econômico etc., e, assim, não deve considerar a imunidade como um benefício, um favor fiscal, uma renuncia à competência tributária ou privilégio, mas sim uma 16orma de resguardar a garantir os valores da comunidade e do indivíduo.

É exatamente o que ocorre em relação à imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. O constituinte ponderando diversos valores extrajurídicos optou pela imunização para preservar princípios constitucionais em detrimento dos valores a serem pagos. Seriam estes a democracia, liberdade de expressão, formação de opinião, dentre outros. "O principio hoje universal é de que não deve existir imposto sobre a leitura (no tax on knowledge), pois seria dificultar a cultura, o conhecimento, o ensino, a informação, enfim, seria impedir a evolução da ciência, do saber, da tecnologia, das artes" 17.

O art. 150 está redigido de forma a garantir os princípios implícitos extraíveis do sistema constitucional. Afirma-se que tal norma imunizante aplica-se "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte", não se deve ficar preso à redação do dispositivo, interpretando somente a redação constante no artigo, mas de forma a integrá-lo com a intenção do constituinte expressa em todo o texto constitucional.

A imunidade dos jornais, livros e periódicos, que está a serviço da liberdade de expressão, imprescindível à democracia brasileira deve ser, por tais razões, compreendida amplamente, sem quaisquer reduções e de forma a ser economicamente neutra, sem beneficiar mais a uns - especialmente os grupos econômicos jornalísticos poderosos e monopolísticos - do que a outros - as empresas de imprensa dissidentes, minoritárias e economicamente mais fracas (os jornais de opinião p. ex.). É preciso que as decisões judiciais, que atualizam o sentido e a extensão da imunidade, sejam efetivas e concretas e pesem - como recomenda Hesse - as conseqüências que delas decorram.18

O art. 111 do Código Tributário Nacional determina:

Art. 111, CTN: Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

O dispositivo colacionado poderia dar ensejo a dúvidas sobre a extensão interpretativa que se deveria dar ao dispositivo, contudo o Código Tributário Nacional é norma infraconstitucional e não pode tentar limitar o exercício de interpretação da norma constitucional.

O pensamento de que a imunidade dos livros deveria ser interpretada literalmente por equivaler a uma outorga de isenção não mais prospera desde a Constituição de 1967 que tornou imune além do papel os "livros". A norma não é de direito tributário, mas de direito constitucional o que permite a sua interpretação além da letra da lei.

O livro, o jornal e os periódicos, antes da Constituição de 1967, não eram imunes, mas apenas eram por leis ordinárias isentos sob condições, entre as quais a da natureza do conteúdo ideológico da obra (cultural, artística, didática etc. A Constituição de 1967 a transformou em imunidade objetiva incondicionada, que a Emenda de 1969 melhorou e ratificou.

(...)

Não existia a previsão constitucional da imunidade para o livro, o jornal e os periódicos, de sorte que estes estavam à mercê da vontade dos legisladores ordinários que concediam ou não „isenções, que podiam ser objetivas, subjetivas, por prazo, condicionadas etc. Isto era um despautério nessa matéria que exigia uniformidade, por ser de ordem nacional.19

Sobre a matéria escreve PAULSEN:

A imunidade é a regra de não-incidência, isenção, gratuidade constitucionalmente trabalhada. O texto constitucional não refere expressamente o termo „imunidade?. Utiliza-se de outras expressões: veda a instituição de tributo, determina a gratuidade de determinados serviços, fala de isenção, de não-incidência etc. Em todos os casos, pois em se tratando de norma constitucional, impede a tributação e, portanto, teremos o que denominamos de imunidade.20

Diante da imunidade conferida pelo constituinte é necessário compreender qual a extensão dessa imunidade, como deve utilizá-la o aplicador da lei para atender o anseio do constituinte.


6. O ALCANCE DA IMUNIDADE DO ART. 150, VI, D

A redação constitucional é clara, dela podemos extrair - jornais, livros e periódicos e o papel destinado a sua impressão são imunes somente à cobrança de impostos. Taxas e contribuições são plenamente cobráveis sem restrições de ordem constitucional.

Conforme narrado anteriormente: "aumento de 8880% com relação às taxas de importação de papel de imprensa em janeiro de 1958". Durante este período a imunidade dos impostos ao papel já existia, e a mesma não foi suficiente para impedir que se dificultar ao extremo o exercício da imprensa livre.

Tanto antes como hoje, embora imunes de impostos os jornais, livros e periódicos e o papel destinado a sua impressão estão sujeito à cobrança de taxas, contribuições, recolhimentos para fundos. Contribuições estas que devido a interpretações criativas do Supremo Tribunal Federal tem ampliado cada vez mais seu rol de incidência sujeitando o contribuinte a um bis in idem admitido pela jurisprudência.

Favorável a uma aplicação mais extensa do dispositivo constitucional MACHADO defende que a imunidade deve ser estendida às taxas e contribuições posto que tal diferenciação poderia levar ao amesquinhamento da imunidade.

Com um pensamento extremamente progressista, ao qual nos perfilhamos, o autor defende que a imunidade deve ser entendida em seu sentido finalístico e o objetivo poderia ser comprometido caso o legislador pudesse tributar qualquer dos meios necessários à consecução do objetivo democrático.

A imunidade para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Por isto nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer dos instrumentos, ou equipam21 os, que sejam destinados exclusivamente à produção desses ent   objetos.

Tanto à época da primeira redação dada ao artigo em 1967, como na Constituição de 1988, essa imunidade, por si mesma, não foi suficiente para impedir ou estimular a democracia.

Independentemente do que estava escrito na lei maior, quando era de interesse do governo dificultar ou inviabilizar o direito da imprensa livre instituía taxas, dificultava a importação, atrasava o desembaraço aduaneiro, tudo como forma de tornar inexequível o direito à liberdade de opinião, livre manifestação de pensamento e a sua divulgação.

NOGUEIRA escreve: "o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade de manifestação de pensamento, a crítica dos governos e homens públicos, direitos que não apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime democrático" 22.

Após a Constituição de 1988 manteve-se praticamente o mesmo sentido da norma anteriormente a 1988, embora ainda não tenha havido nenhum movimento sério com o intuito de oprimir a imprensa, nossa democracia anda se mostra tão frágil ao ponto de candidatos à Presidência fazerem campanha garantindo a liberdade de imprensa.

Ainda assim, práticas governamentais do passado buscando dificultar o exercício da liberdade de opinião poderiam ser aplicadas nos dias de hoje, posto que tais vedações não foram totalmente expressamente redigidas na nova carta constitucional.23

Embora a doutrina majoritária afirme que diante da redação do art. 150 - "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte" - a interpretação a ser dada ao artigo liga a referida imunidade diretamente aos direitos fundamentais da primeira parte da Constituição em especial ao art. 5º, tratam-se de princípios implícitos na Constituição.

Não obtidos através de uma leitura clara e direta dos artigos constitucionais, são fruto de interpretação, interpretação esta que, infelizmente como já ocorreu no passado, pode apontar para a democracia ou para a opressão.

Traços desse pensamento podemos ver em algumas decisões que colacionamos como forma de demonstrar a opinião dos tribunais superiores a respeito de assuntos correlatos ao tema abordado:

Arts. 9º a 11 e 22 da Lei 1.963, de 1999, do Estado do Mato Grosso do Sul. Criação do Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul - FUNDERSUL. (...) A contribuição criada pela lei estadual não possui natureza tributária, pois está despida do elemento essencial da compulsoriedade. Assim, não se submete aos limites constitucionais ao poder de tributar. (ADI 2.056, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30-5-2007, Plenário, DJ de 17-8-2007.)

Sendo as contribuições para o FINSOCIAL modalidade de tributo que não se enquadra na de imposto, segundo o entendimento desta Corte em face do sistema tributário da atual Constituição, não estão elas abrangidas pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, dessa Carta Magna, porquanto tal imunidade só diz respeito a impostos. (RE 141.715, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18-4-1995, Primeira Turma, DJ de 25-8-1995.)

As taxas estão sujeitas aos princípios constitucionais que limitam a tributação (CF, art. 150, 151 e 152) e a outros princípios instituídos em favor do contribuinte pela norma infraconstitucional, já que os princípios constitucionais expressos são enunciados „sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte? (CF, art. 150) (...). (ADI 447, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.)

A imunidade prevista no art. 150, VI da CF não alcança a contribuição para o PIS, mas somente os impostos incidentes sobre a venda de livros, jornais e periódicos. (RE 211.388-ED, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 10- 2-1998, Segunda Turma, DJ de 8-5-1998.)

O STF, no julgamento dos RE 190.761 e RE 174.476, reconheceu que a imunidade consagrada no art. 150, VI, d, da CF, para os livros, jornais e periódicos, é de ser entendida como abrangente de qualquer material suscetível de ser assimilado ao papel utilizado no processo de impressão. (RE 193.883, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 22-4-1997, Primeira Turma, DJ de 1º-8-1997.)

Constituição do Estado do Rio de Janeiro, art. 193, VI, d; Lei 1.423, de 27-1- 1989, do mesmo estado, art. 40, XIV. Extensão aos veículos de radiodifusão da imunidade tributária prevista na Constituição Federal para livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Relevância jurídica do pedido e periculum in mora caracterizados. Medida cautelar deferida, para suspender, ex nunc e até o julgamento final da ação, na alínea d, VI, do art. 193, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, as expressões „e veículos de radiodifusão?, bem como no inciso XIV, do art. 40, da Lei fluminense 1.423, de 27-1-1989, as expressões „e veículos de radiodifusão?. (ADI 773-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 9-9-1992, Plenário, DJ de 30-4-1993.)

A jurisprudência pátria é muito mais abundante sobre a matéria do que estes pouco julgados que colacionamos, mas a partir daqui já podemos extrair uma linha de pensamento adotada pelo Supremo.

A imunidade não se estende a livreiros e editores, fica adstrita somente aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Os mesmos estão imunes a cobrança somente e impostos e taxas; contribuições PIS, COFINS, e para fundos são admitidas. Está imune à cobrança somente o papel e seus similares, outros insumos utilizados na fabricação de livros como tinta, linha, grampos ou mesmo maquinário são plenamente tributáveis.

Os livros, por sua vez, são os de leitura, não os de escrituração contábil, agendas ou livros em branco, listas telefônicas e álbuns de figurinhas também são imunes, não é o sue formato de livro que o imuniza, mas a sua destinação. BALEEIRO afirma que "o boletim distribuído regularmente por empresas privadas, para difusão de seus negócios, propaganda, orientação de agentes e empregados e etc., não é „periódico no sentido da Constituição".

Os periódicos imunes pela Constituição são aquelas publicações que aparecem de tempo em tempos, destinados a informar o leitor temas de caráter geral, por isto os catálogos telefônicos gozam desta imunidade.24

Traçadas estas linhas gerais sobre os princípios democráticos que fundamentam a liberdade de expressão, os fatos históricos que ensejaram a redação do art. 150, VI, "d"; e o que isto significa para a concretização das liberdades individuais passamos a discutir especificamente o tema da imunidade tributária dos e-readers.


7. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS LEITORES DE LIVROS ELETRÔNICOS

O livro eletrônico ou e-reader é um instrumento eletrônico portátil, geralmente composto por bateria, tela monocromática com diversos tons de cinza e controles simples para leitura e anotação; onde o usuário pode baixar via rede de telefonia móvel ou através do computador por cabo USB arquivos de texto os armazenado na memória do dispositivo onde posteriormente poderão ser acessados para leitura e anotação.

São inúmeras as marcas de e-readers no mercado, cada um deles guarda propriedades e qualidades específicas, mas todos têm uma característica comum, são dispositivos portáteis para armazenamento de arquivos de texto e posterior leitura.

O Kindle, o mais popular destes leitores eletrônicos, desde o seu lançamento despertou o interesse de todos devido a sua grande capacidade de armazenamento, durabilidade da bateria e écran de baixo consumo E-ink, não emissor de luz. Tal sucesso também interessou os concorrentes.

Rapidamente disseminado por todo o mercado, esse sucesso possibilitou o lançamento de novas versões agregando as mais diversas propriedades como, player de músicas, acesso a internet; mas nunca descaracterizando ou afastando-o da sua função principal, qual seja de instrumento para leitura de livros digitais.

Logo não tardou para que os primeiros leitores de livros eletrônicos chegassem ao Brasil, primeiro pelas mãos de pessoas físicas, posteriormente por importadores. De imediato já surgiu o problema se estes leitores eram livros, portanto protegidos pela imunidade de impostos, ou se eram computadores, smartphones, ou uma nova categoria de bens.

As Receitas ora faziam incidir os impostos de computadores pessoais, ora de smartphones, os importadores, por sua vez, defendiam que o bem era imune haja vista que era bem equiparado a livro. Rapidamente o conflito desaguou no Judiciário que iniciou a tomada de posição.

Um leading case sobre a matéria foi decidida em sede de Mandado de Segurança pela justiça federal no estado de São Paulo processo no 2009.61.00.025856-1, que relata em decisão:

Mandado de Segurança com pedido de liminar, para que este Juízo determine à autoridade impetrada que não exija o pagamento de quaisquer tributos aduaneiros por ocasião do desembaraço do produto denominado Kindle que possui a função exclusiva de leitor de jornais, revistas e periódicos. Alega que referido produto está abrangido pela imunidade tributária estabelecida no art. 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal.

(...)

Atualmente surgiram novos mecanismos de divulgação da cultura e informação, como os livros, jornais e periódicos eletrônicos, dentre eles o produto "Kindle", que se refere a um leitor digital de livros, basicamente, que também devem ser alcançados pela imunidade tributária estabelecida no art. 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal.

(...)

DEFIRO A LIMINAR, para reconhecer a imunidade tributária do produto denominado "Kindle", nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal, em relação ao recolhimento dos impostos incidentes na importação.

Estritamente objetiva, esta imunidade não interessa a quem pertença o livro, o jornal ou periódico, ou papel, também não importa o conteúdo de tais veículos de informação. Esta imunidade visa a proteger o que representa o livro, o seu sentido finalístico como veículo difusor de conhecimento. Na opinião de CARRAZZA: "O que a Constituição pretende, neste ponto, é garantir a liberdade de comunicação e de pensamento (aí compreendida a liberdade de imprensa) e, ao mesmo tempo, facilitar a difusão da cultura e a própria educação do povo". [25]

O objetivo do constituinte na norma em análise foi resguardar e fortalecer os princípios que ele mesmo assentou anteriormente como cláusulas pétreas - liberdade de pensamento, de expressão, direito a educação e cultura.

Naturalmente que para formação de um pensamento e sua divulgação está intrínseco a sua veiculação à sociedade através das publicações, e como forma de torná-la mais acessível e livre das pressões estatais o constituinte decidiu torná-la imune da incidência de tributos.

Foi exatamente neste sentido fundamentação da decisão no caso acima:

Notadamente o objetivo da norma foi resguardar e fortalecer direitos que ele próprio assegurou a todos os indivíduos, refiro-me à liberdade de pensamento e expressão e também o direito à educação e à cultura (art. 5º, incisos VI e IX, art. 6º e capítulo III Seção I e II todos da Constituição Federal).

(...)

Por sua vez, a atinente imunidade tributária deve ser interpretada de forma teleológica, visando aferir a finalidade da norma e se adequar à realidade e às inovações tecnológicas.

(...)

Atualmente surgiram novos mecanismos de divulgação da cultura e informação, como os livros, jornais e periódicos eletrônicos, dentre eles o produto "Kindle", que se refere a um leitor digital de livros, basicamente, que também devem ser alcançados pela imunidade tributária estabelecida no art. 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal.

Contudo a Receitas ainda continuaram tributando o equipamento, forçando o  contribuinte ao pagamento ou, quando mais diligente, a ingressar no Judiciário a fim de fazer valer seu direito.

Constatada a popularização de importações, especialmente por pessoas físicas, destes e-readers e do constante mau êxito dos Fiscos em cobrar os tributos quando o importador pessoa física procurava o judiciário a Receita Federal do Brasil editou instrução normativa isentando os leitores de impostos, PIS e CONFINS.

Ao que parece a intenção da Receita é dar ao contribuinte uma falsa sensação de benesse permitindo ao contribuinte ingressar com seu leitor eletrônico como bem de uso pessoal, pelo contrário, a interpretação que se deve dar é que mesmo que a pessoa importasse profissionalmente estes leitores para revenda no Brasil, ainda assim não deveria incidir nenhum imposto, taxa ou contribuição sobre o equipamento.

O interprete da norma não deve aplicá-la de forma mecânica, deve ficar atento às transformações da sociedade, à utilização de novas tecnologias de divulgação de idéias. É natural que inicialmente seja necessária manifestação Judiciária para concretização do direito, contudo não deve e administrador público contando com a pacificidade do contribuinte brasileiro insistir na cobrança de algo que aquele já sabe não ser devido.

O constituinte originário de 1988 poderia e deveria ter adotado uma redação expressa, mais abrangente; ao contrário do que se vislumbrava no ano 1988 onde a substituição do livro impresso por uma versão digital poderia parecer improvável, atualmente isso já é uma realidade, bibliotecas e livraria digitais já atuam no mercado e o Estado não pode ficar indiferente ou mesmo tentar negar ou frear a realidade.

Deveria ter sido dada uma redação mais aberta à matéria, que incorporasse outros veículos de comunicação, novas mídias, ou mesmo o maquinário necessário à impressão. Sobre o assunto escreve Ives Gandra26, endossado por Pinto Ferreira:

A proposta que levei aos constituintes era mais ampla. Em face da evolução tecnológica dos meios de comunicação e daqueles para edição e transmissão, tinha sugerido, em minha exposição para eles, a incorporação de técnicas audiovisuais. O artigo B, III, d, do anteprojeto IASP/ABDF tinha a seguinte dicção: "d) livros, jornais e periódicos e outros veículos de comunicação, inclusive audiovisuais, assim como papel e outros insumos, a atividades relacionadas com a sua produção e circulação".

CANOTILHO chama esta falta de identidade entre a lei formal e a realidade social de crise de reflexividade que se resume na máxima - o Estado não pode ignorar a sociedade sob pena de a sociedade passar a ignorar o Estado.

Atualmente já estão difundidos na sociedade diversos outros meios de transmissão de informações. A própria internet revolucionou a imprensa tirando a notícia dos jornais e colocando-a na tela do computador acessível a um clique. Sobre a informação DARTON divide a humanidade em quatro períodos:

Houveram quatro mudanças fundamentais na tecnologia da informação desde que os humanos aprenderam a falar. Por volta de 4000 a. C., os humanos aprenderam a escrever, a escrita alfabética surgiu em torno de 1000 a. C. Por volta do século III, o códice substituiu o pergaminho, livros com páginas que são viradas, em oposição a rolos de papiro que são desenrolados - nesse período também surgiram os espaços entre as palavras, os parágrafos, capítulos, sumários, índices e outros auxílios à leitura. O códice foi transformado pela invenção da impressão com tipos móveis, na década de 1450, a invenção se propagou de forma avassaladora, deixando o livro ao alcance de círculos cada vez mais amplos de leitores. Melhorias na alfabetização além de panfletos e jornais, produzidos em impressoras a vapor com papel feito com polpa de madeira ampliaram o processo de democratização de modo a permitir um publico de massa na segunda metade do século XIX. A quarta grande mudança é a comunicação eletrônica.

Ao mesmo tempo em que a internet facilitou o acesso à informação, diminuindo o número de intermediários, também fez de cada usuário uma fonte de notícia. Um exemplo deste fato são os inúmeros blogs dos mais variados tipos de notícias totalmente desvinculados da imprensa tradicional.

Isto demonstra o poder que esta nova mídia representa e o estreitamento que está ocorrendo entre os fatos e os leitores bem como a transformação da imprensa tradicional, em 2009 no Irã, manifestantes pró-democracia organizaram protestos e manifestações pelo celular através do twitter, momento em que a impressa oficial estava sob censura e as fontes oficiais do Governo afirmavam que nada estava acontecendo no país. [27]

Outro exemplo aconteceu recentemente no Egito, onde os manifestantes organizaram- se através da rede social Facebook, forçando o governo a mudanças significativas após trinta anos de ditadura. [28]

Ao passo que se populariza o acesso a informação via web ao mesmo tempo diminuem o número de leitores dos veículos tradicionais, no final de 2010 o Jornal do Brasil, um dos mais tradicionais jornais do país, anunciou que deixaria de ser impresso passaria a ser exclusivamente digital acessível via internet por computador e outros dispositivos portáteis (um destes dispositivos são os e-readers) a mesma ação vem sendo tomada lentamente por outros jornais que pouco a pouco vem diminuindo o numero de edições impressas e têm adotado novas mídias para sua veiculação, a última noticia que tivemos foi o jornal O Estado do Paraná que após 60 anos deixaria de ser impresso e passaria a ser exclusivamente via internet.

Estamos vivendo um período de transformação onde uma nova mídia surge para superar a mais antiga. É bem verdade que as novas telas ainda terão que evoluir muito até superarem a versatilidade do papel, porém no passado, da mesma maneira, o surgimento de um novo suporte físico não derrogou de imediato a utilização de métodos mais antigos, pelo contrário subsistiram por longo período até que a antiga fosse abandonada.

Uma mídia não toma o lugar de outra, ao menos em curto prazo. A publicação de manuscritos floresceu por muito tempo depois da invenção da prensa móvel por Gutenberg; os jornais não acabaram com o livro impresso; a televisão não destruiu [29] o rádio; a internet não fez os telespectadores abandonarem suas tevês.

A consciência dessa superação fez a Receita Federal do Brasil publicar o novo entendimento equiparando os leitores de livros eletrônicos aos livros tradicionais e isentando- os de tributação desde que trazidos como bens de uso pessoal e que não agreguem funções que o assemelhem a um computador pessoal excluindo o iPad e outros tablets que agregam funções que mais o assemelham a um smartphone. O anuncio virou notícia, porém a Receita Federal buscou classificar a iniciativa como uma benesse ao contribuinte quando na verdade só está obedecendo a uma determinação constitucional. [30]

A despeito desta mudança de pensamento, esse tipo de importação é somente uma amostra ínfima do que este novo mercado pode movimentar já que o tratamento de isento é conferido somente aos e-readers que venham em bagagem acompanhada sendo equiparados a bens de uso pessoal. Por enquanto ainda não é possível a importação em escala comercial de e-readers gozando da referida imunidade de impostos ou da isenção conferida aos livros.

É preciso que se busque a concretização integral da norma posta pelo constituinte originário: os livros, independentemente da mídia em que são lidos, são imunes por expressa determinação constitucional. Não é preciso que a Receita Federal altere entendimento em instrução administrativa, basta que se atenda a determinação constitucional, a não tributação dos leitores de livros eletrônicos não se utiliza de um favor Legislativo ou de uma tolerância do Executivo, mas se ancora numa determinação constitucional que deve ser amplamente cumprida.


8. A IMUNIDADE DOS TABLETS

Tempos depois após o lançamento do Kindle a empresa norte-americana Apple lançou um equipamento chamado iPad, um tablet que rapidamente virou sucesso de consumo.

Um tablet é um computador portátil que, num só equipamento integra funções que vão muito além de simples leitor de livros, tocador de música, GPS, videogame e editor de textos, câmera e várias outras. Com processador muito mais robusto do que o dos leitores de livros digitais e com grande capacidade de processamento, o iPad que é um misto computador pessoal com smartphone, não vem sendo considerado como isento ou imune pela Receita Federal.

Fisicamente semelhantes o Kindle e o iPad estão recebendo tratamento tributário completamente diferentes pela comunidade jurídica, o primeiro está sendo tratado como imune de impostos enquanto o segundo está sendo tributário como equipamento eletrônico.

É tolerável que em situações limítrofes reste duvida quanto ao enquadramento fiscal de produtos que agreguem duas ou mais funções num só equipamento; que no conflito entre o Estado e o contribuinte, o Judiciário seja instado a se manifestar e dirimir a dúvida existente sobre a incidência ou não de determinada tributação sobre um bem.

CARRAZZA narra um interessantíssimo caso decidido pela justiça federal do estado de São Paulo. Uma empresa importou livros-piano - livros infantis com teclado, que percutindo sob a orientação de um texto, permitiam que a criança despertasse para a música. Na hora do desembaraço aduaneiro, tais livros-piano foram considerados brinquedos. Em razão disso, a autoridade fazendária pretendeu fazer incidir sobre esta importação o imposto específico, com a elevada alíquota de 105%.

Imediatamente o Poder Judiciário foi acionado decidindo que a circunstância de a criança se divertir, enquanto aprende música, não retira destes livros-piano a natureza de livros, para fins de imunidade.

O ensino pedagógico não pode prescindir dor recurso modernos, fotomagnéticos, ou outros tais que, tirando o lado árduo do aprendizado, dêem-lhe a leveza necessária para permitir a aceitação, se foi a época em que o ensino deveria ser feito de maneira pesada, aborrecida, que estudar ou conhecer era mal necessário.

Tais palavras sábias da juíza Lucia Valle Figueiredo reproduzidas por CARRAZZA ilustram bem o que está acontecendo hoje: os e-readers a despeito de agregarem algumas propriedades não comuns aos livros tradicionais de modo geral, não se afastam da sua função principal de servirem como livros, jornais e periódicos, tendo a mesma importância que o suporte físico tradicional - o papel - funcionando da mesma maneira que um códice comum como instrumentos para o livre acesso ao conhecimento, liberdade de manifestação do pensamento, formação de opinião, educação, cultura, concretizadores dos princípios democráticos protegidos pelo constituinte, por tanto protegidos pela imunidade do art. 150, VI, D da Constituição Federal.

Ao iPad, por sua vez, entendemos que não deve ser estendida tal imunidade. Muito mais do que um e-reader tradicional o iPad é um computador pessoal, que como dito anteriormente além de possibilitar o acesso à internet agrega inenarráveis outros serviços, muito mais assemelháveis a um computador pessoal do que com um livro suave - equipado com recursos multimídia para tornar o aprendizado menos maçante.

Admitir a imunidade desses equipamentos possibilitaria uma abertura interpretativa excessivamente ampla que, a nosso ver, contrariariam a própria essência da norma, possibilitando a imunidade para muito além da intenção do constituinte de conferir a não tributação às mídias carreadoras da cultura, alongando-a para todos os meios de comunicação, posto que, indiretamente qualquer um deles se encaixaria na possibilidade.

Canais de televisão, ao transmitirem cursos técnicos não tornam os aparelhos de televisão imunes; as rádios também não fazem o mesmo com os equipamentos de som; estudar pelo computador não torna este imune nem isenta a conta de internet da incidência de impostos.

É preciso que encontremos um ponto de equilíbrio, meio termo, entre o que se enquadra como livro, jornal e periódico e papel destinado a sua impressão logo imune de impostos e isentos de tributação, e os outros equipamentos que a despeito de se assemelharem fisicamente aos e-readers, devem ser classificados como tablets, smartphones ou computadores pessoais.


9. A ISONOMIA ENTRE OS EQUIPAMENTOS

Devemos inicialmente considerar que ao importar ou fabricar um equipamento destinado à leitura de livros eletrônicos o contribuinte não pode estar sujeito aos humores do agente fazendário, interpretações divergentes, ou qualquer outra intercorrência intangível que possa influenciar no enquadramento do produto. Deve-se primar por um rigor técnico e científico a fim de definir o que se enquadra como livro eletrônico e consequentemente por via de exclusão saber o que não é considerado livro.

Em busca deste critério diferenciador apresentamos algumas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello [31] importantes para enquadrarmos o leitor de livros eletrônicos, criando um discrímen no tocante a o que é imune e a razão de sê-lo.

Os fundamentos da imunidade já foram tratados anteriormente, o constituinte, baseado em um critério extrajurídico maior (liberdade, cultura, educação) deliberadamente optou por tornar imune de impostos os livros e seu principal insumo, por serem estes considerados como formas de concretização dos princípios democráticos de liberdade de opinião, de formação de pensamento, livre acesso à informação.

É preciso definir o discrímen, posto que aparelhos de televisão, rádios e computadores também são veículos de conhecimento; demarcar precisamente o que diferencia o livro, protegido constitucionalmente, de outros bens que têm utilidade similar.

O constituinte originário de 1988 fundamentou a redação do dispositivo em estudo nas constituições anteriores, nas práticas que haviam sido adotadas pelos Governos como forma de dificultar o exercício dos direitos civis, vislumbrando os dois requisitos principais da cidadania, ler e escrever e conferiu uma proteção especial aos livros e ao seu principal insumo:

Historicamente, quer no Brasil, quer em muitos outros países, especialmente naqueles da Comunidade Européia, a proteção da liberdade de expressão restringiu-se à manifestação do pensamento impresso e nada melhor para garantir essa limitação do poder normativo [32] do que o destaque constante da imunidade papel destinado a sua impressão. [28]

O princípio da igualdade reside exata e precisamente em dispensar tratamento desigual, a legislação nada mais faz do que discriminar situações.

Definir quais os critérios possibilitadores desta diferenciação é papel tanto do legislador, do aplicador da norma, como do julgador, o três Poderes da República devem estar envolvidos em busca da realização desse critério.

Devem buscar a peculiaridade que diferencia os fatos aparentemente semelhantes, que justifica contrariar o princípio de que "a lei deve ser uma e a mesma para todos"; "qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania" [33].

MELLO arrola três questionamentos a serem respondidos a fim de saber se está atendida ou não a isonomia material:

1) o elemento tomado como fator de desigualação;

2) correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

3) consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.

A resposta ao primeiro critério é uma imunidade objetiva oferecida ao bem, independentemente da propriedade e da qualidade e ao seu principal insumo; imunidade esta em razão do que os livros, jornais e periódicos representam como veículos carreadores do conhecimento, formadores de opinião, disseminadores da cultura e do conhecimento. Além disso, o constituinte indiretamente procurou tornar os livros mais baratos, acessíveis a todas as classes sociais, facilitando sua divulgação e, com esta, a propagação da cultura nacional

A correlação lógica entre o discrímen conferido aos livros e aos demais bem veículos carreadores de cultura; o constituinte conferiu imunidade somente aos livros, jornais e periódicos, não incluindo no texto todos os outros suportes físicos existentes à época da Assembléia Nacional Constituinte.

Da mesma maneira o único insumo protegido pela imunidade foi o papel destinado à sua impressão, estando excluído todo e qualquer outro insumo utilizado nesta atividade.

Ademais, a imunidade é conferida somente em relação aos impostos, o que no passado não foi suficiente para cumprir o objetivo da Constituição [34], não guardando assim correlação lógica entre os interesses da sociedade retratados na Constituição Federal e o que é decidido pelos tribunais pátrios.

O uso preponderante de um produto é o que diferencia no seu enquadramento fiscal. Como no caso alhures dos livros-piano para definir se os mesmos eram brinquedos ou instrumentos musicais, a ponderação se utiliza nestes equipamentos portáteis para resolver se são livros ou computadores.

Logo que os primeiros e-readers surgiram no mercado como a única coisa que se podia fazer com eles era baixar arquivos de texto através do computador e abri-los para leitura, não havia margem dúvida de que estes eram essencialmente livros.

Porém, rapidamente com a miniaturização da tecnologia foi possível agregar teclado aos equipamentos, possibilitando a inserção de notas pelo leitor, a criação de pequenos arquivos textuais, posteriormente possibilitou-se a função de tocador de músicas, gravação de áudio, baixar livros e navegar na internet o que demonstrou uma intensa aproximação entre os leitores de livros eletrônicos e outros eletrônicos portáteis com as mesmas funções. Contudo todas essas propriedades sempre foram muito limitadas pela pequena memória RAM, pouca capacidade de processamento e pela necessidade de longa duração da bateria.

Por sua utilidade principal ser de livro eletrônico estes têm que ser utilizáveis por longos períodos, sem possibilidade de danos à tela em razão das imagens estáticas, proporcionando aos usuários a leitura confortável por longos períodos seguidos o que determinava a utilização de hardwares especiais com o menor consumo de energia possível.

Como já foi dito a maioria dos leitores de livros eletrônicos utilizam tecnologia de tinta eletrônica numa tela sem brilho - a tela se assemelha a um jornal, com uma pequena memória de armazenamento e um processador simples de baixo consumo de energia.

No entanto a imunidade não deve estar restrita a uma marcar, ou a o rol fechado de produtos, ou mesmo a um determinado tipo de hardware. O Kindle, e-reader que utilizamos neste trabalho como referência, é apenas um dos leitores de livros eletrônicos existentes no mercado, qualquer outro equipamento concorrente com a mesma destinação deve ser protegido pela referida imunidade, mesmo que apresente outras funções incomuns à maioria dos livros.

Os leitores de livros digitais contam com interatividade bem inferior à dos computadores portáteis, capacidade de armazenamento menor, menor capacidade de processamento.

E-readers, tablets e computadores portáteis atuam em segmentos mercadológicos diversos, tanto que o custo de fabricação dos e-readers têm que obedecer a certos limites haja vista que os seus possíveis consumidores diante dos seus preços poderiam optar por outros equipamentos, o que é exatamente o que ocorre no Brasil onde os compradores optam por outros equipamentos com mais funções.

Para atender o preceito isonômico é necessário fazermos os questionamentos e respondê-los num contexto maior além da simples comparação entre os equipamentos. Com por exemplo, ao conferir o cumprimento desta imunidade aos leitores de livros eletrônicos haveria algum efeito maléfico à livre concorrência? Ao se baratear os e-readers isto afetaria o consumos de computadores portáteis?

Trata-se de um novo segmento de mercado que se situa um grau a baixo dos tablets e netbooks, mas que agregam menos funções do que estes, logo seu preço necessariamente tem que ser menor do que o destes, o que não ocorre no Brasil [35].

Entendemos que conferir esta imunidade ao iPad e outros tablets estariam aí sim sendo ferido o princípio da isonomia. Os tablets dentre eles o iPad guardam características e capacidades semelhantes à de alguns computadores pessoais ou netbooks, conferir imunidade tablets e não conferi-la aos netbooks poderia provocar um choque na livre concorrência influenciando o mercado posto que ambos atuam em nichos de consumo relativamente semelhantes.

No entanto ao estendê-la não se estaria prevenindo a reação em cadeia a que nos referimos anteriormente, "o que autoriza discriminar é a diferença que as coisas possuam em si, não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontrem fatores desiguais" [36].

E-readers enquadram-se numa categoria diversa deste outros equipamentos, coadunando com este raciocínio recentemente as fabricantes de tablets e netbooks Acer e Asustek anunciaram que iniciariam o encerramento das linhas de produção dos netbooks e reforçariam as linhas de tablets. Embora o anúncio tenha sido desmentido posteriormente já demonstra uma tendência de superação entre estes equipamentos.

Para solucionar o conflito entre e-readers e computadores portáteis propomos uma solução baseada em dois critérios, a preponderância de uso e as características técnicas do produto.


10.O USO PREPONDERANTE EAS CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DOS PRODUTOS

A solução que propomos não é estática, não vamos definir aqui uma fronteira clara entre os equipamentos que devem receber tratamento tributário como livros e os restantes. A tecnologia está em constante e acelerada evolução, não é possível definir com precisão matemática quais são as características técnicas de um e-reader.

Quanto mais propriedades, diversas da leitura, que se agregam a um leitor de livros eletrônicos, maior capacidade de processamento se exige, e esta por sua vez demanda mais energia das baterias.

Em razão desse binômio entre a capacidade da bateria e longevidade sem recargas, os fabricantes optaram por instalar equipamentos de baixíssimo consumo nos leitores, processadores, telas especiais tudo nos e-readers é montado de forma a proporcionar uma máxima longevidade da bateria. Inviabilizando, por consequência, o desenvolvimento de novos recursos.

Os netbooks, iPad, computadores portáteis em geral tem capacidade de processamento superior, podendo efetuar várias tarefas ao mesmo tempo e de complexidades variadas. Para termos uma idéia, os leitores de livros eletrônicos não têm capacidade de reprodução de vídeos, além disso, mesmo que os processadores permitissem, a tecnologia de sua tela não possibilita essa utilidade.

Existem produtos que podem causar duvida como é o exemplo dos netbooks e tablets, concebidos como portáteis de baixo consumo, também partiram da mesma premissa de máxima durabilidade das baterias e para isto, da mesma maneira que os e-readers tiveram que diminuir sua capacidade de processamento sem perder a sua capacidade de realizarem o fim a que se destinam.

A convergência digital é uma tendência que tem se tornado cada vez mais presente no nosso dia-a-dia cada vez mais propriedades são agregadas a um mesmo produto tornando-o multifuncional, foi o que aconteceu com as impressoras 3 em 1 que passaram a agregar tecnologia de impressora, copiadora e scanner, ou como no casos do conhecidos MP3, que evoluíram a MP4, MP5, chegando hoje a existirem produtos que se auto-intitulam MP15 por agregarem 15 funções variadas além de player de músicas.

Notebooks, netbooks, tablets, e-readers, o que diferenciam todos eles entre si é o seu potencial de uso, que pode ser obtido analisando a capacidade de processamento, memória RAM, capacidade de armazenamento de arquivos. Notebooks têm capacidades superiores aos netbooks, que por sua vez as têm, ainda, um pouco maiores que os tablets, que são mais potentes que os e-readers.

Contudo a tecnologia não é estática. Gordon Moore propôs já em 1965 que a capacidade dos processadores dobraria a cada 18 meses e mesma lei serve para as memórias RAM e de armazenamento, então os melhores notebooks de alguns anos atrás tem semelhança técnicas a tablets e e-readers podem vir a contar com tecnologias de netbooks, todos os produtos passam a fundirem-se em um só. Estas situações, que CARRAZZA chama de limítrofes, onde a diferença entre os produtos reside numa avaliação quase subjetiva e que ao final pode resultar numa diferença sensível na tributação se faz imprescindível a adequada classificação do produto pela Receitas ou mesmo a manifestação do Judiciário para dirimir a duvida.

Sabendo que a tecnologia evolui, não podemos fixar a classificação dos produtos exclusivamente nos critérios técnicos dos processadores, armazenamento, memória RAM. Estes números alteram-se constantemente, vincular a classificação a esses números não seria suficiente, posto que rapidamente estariam superados

Igualmente restringir o tamanho da tela não atende a necessidade, é um contra-senso, mas consumidores de produtos portáteis desejam telas maiores em dispositivos mais leves. O primeiro Kindle contava com uma tela de 6 polegadas, hoje o Kindle DX porta um écran de 9 polegadas. O mesmo processo aconteceu na evolução do iPhone para o iPad, onde a tela aumentou de 3,5 para 9,7 polegadas. Ao que parece, sempre que se consegue aliar uma tela maior mantendo um peso aceitável os consumidores recebem o produto.

Diferenciar os produtos pela cor da tela também não é suficiente, a maioria dos e- readers atuais possuem tela monocromática enquanto os tablets contam com telas multicoloridas. Contudo, os próprios fabricantes de telas e-readers trabalham no sentido de obter em breve telas multicoloridas para os seus equipamentos, possibilitando a leitura de livros coloridos.

Outros critérios podem ser apresentados, como o número de entradas para dispositivos externos, número de saídas de vídeo, peso, preço, contudo todos estes esbarram no mesmo problema. Individualmente, nenhuma classificação é suficiente para alcançar toda a gama de produtos existentes e que podem vir a existir.

Esse problema já foi experimentado pela Receita Federal no enquadramento fiscal para incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na Tabela de Incidência do IPI - TIPI, um rol extremamente detalhado de enquadramentos fiscais variados.

A grande vantagem da TIPI é que a mesma se concretiza por meio de Decreto do Presidente da República, forma extremamente dinâmica de disciplinar a matéria, possibilitando atualizações da TIPI de acordo com a evolução da tecnologia.

Propomos que as Receitas utilizem um critério dinâmico semelhante ao utilizado na TIPI para o enquadramento fiscal dos produtos. Definindo o enquadramento pelo uso principal a que se destinam, mesmo que este uso principal possa vir a ser secundarizado pelo contribuinte.

Fixar-se às inúmeras características técnicas dos produtos, somando-se a isto o uso preponderante sugerido pelo fabricante e adotado pelos usuários, aliados a uma uniformidade de interpretação das Receitas restringiria as situações de duvidas a equipamentos específicos. Ocasião em que a Receita Federal mediante perícia técnica, como no enquadramento da TIPI, buscaria responder todos os critérios propostos acima e uniformizando a interpretação sobre aquele equipamento.

Naturalmente não se afastaria do Poder Judiciário a possibilidade de se manifestar sobre a matéria, porém este deveria dar uma palavra final sobre o equipamento, vinculando as Receitas sobre a tributabilidade ou não do equipamento. Deve-se negar aos Fiscos a possibilidade de apostar na inércia do contribuinte em procurar o judiciário mesmo sabendo da existência do seu direito.

Não se pode permitir é o que está acontecendo no mercado nacional, e-readers tem o mesmo preço dos netbooks. Ambiguação fiscal que frustra a entrada deste produto no mercado nacional já que o consumidor opta por adquirir um netbook, produto com mais funcionalidades, porém não necessariamente mais adequado à sua necessidade.

Tal de desambiguação provocaria o surgimento de um novo mercado como ocorre no Norte, onde já existe uma disputa declarada entre os e-readers sem que se fale que esta disputa prejudicou o mercado consumidor de computadores portáteis.


11.CONCLUSÃO

Essa pesquisa nasceu como fruto de uma realidade constatada. O papel começou a morrer. Elemento base mais importante da literatura do século XV ao XXI começou a ser substituído. Dados gravados de forma digital, filmes, fitas magnéticas, CDs e DVDs, até o que se chama hoje de papel eletrônico, aliados a uma forma cada vez mais agradável de sua leitura anunciam o início do fim do papel fabricado a partir da pasta de celulose.

Os leitores de livros digitais passarão a ser o suporte físico da informação num futuro próximo. Naturalmente os e-readers não extinguirão por completo desde já os livros de papel, lentamente substituirão esta matéria prima até que nenhum livro seja impresso em papel.

Apostamos que esta substituição se iniciará pelos jornais diários e periódicos de notícias posto que diante do custo de sua impressão, sua periodicidade, juntamente com sua distribuição representam uma grande parcela dos custos fixos de uma edição.

Os leitores de livros mais modernos, como o Kindle 3, logo que ligados fazem o download automático dos periódicos assinados. A assinatura para Kindle do jornal O GLOBO custa U$9,90 ou aproximadamente R$16,81 e pode ser lido em qualquer parte do mundo o mesmo jornal na sua versão impressa custa R$39,90 e só é entregue nos estados do Espírito Santo, Minas Gerias e Rio de Janeiro. Os leitores de livros eletrônicos possibilitam o acesso à cultura e informação em qualquer lugar formando mais um canal à concretização daquilo que o constituinte originário decidiu por alçar à condição de cláusula pétrea.

A migração para as novas mídias já é sentida no Brasil [37]. O Jornal do Brasil, um dos mais tradicionais veículos de imprensa do país, primeiro a possuir uma edição eletrônica, a partir de 31 de agosto de 2010, passou a ser editado exclusivamente para a mídia digital não sendo mais impresso em papel nem para os seus assinantes, por um preço de R$9,90 ao mês contra um preço médio de R$3,00 por dia a edição impressa.

Essa migração viabiliza até a libertação dos jornais dos seus anunciantes, tendo um custo fixo menor os jornais podem fixar-se à informação, relegando a publicidade a outros veículos.

Aliada a essa explosão de novas mídias associam-se outros fatores como o interesse dos leitores por experimentarem a informação sem intermediários, diminuindo o numero de envolvidos entre os fatos e o leitor. O interesse em informações especificas livres das determinações do editor do jornal comum que opta por publicar aquelas matérias mais vendáveis. Podemos falar até no surgimento de uma consciência ambiental, pois os leitores eletrônicos possibilitam a manutenção inúmeras árvores que seriam utilizadas para a fabricação do papel de imprensa.

O futuro, seja ele qual for, será digital. Os governos não podem e não devem ignorar a realidade posta. É um fato constatado pela ciência de que as crianças de hoje se sentem mais confortáveis digitando do que escrevendo. Não devemos tentar barrar a história por simples apego a noções tradicionais, o livro começou a morrer, primeiramente morrerão os periódicos comuns, paradidáticos, livros escolares, científicos, leituras gerais, daí para diante. Os códices em papel como conhecemos hoje virarão peças de museus, talvez somente restritos àqueles livros edificantes cujos proprietários queiram possuir uma versão em papel mediante uma impressão por demanda.

Lya Luft em entrevista afirmou o impasse que existe hoje entre as editoras e os novos escritores, estes desejam ter suas obras publicadas em papel, porém aquelas diante dos custos de uma edição impressa hesitam em investir em um escritor desconhecido do público. Não confiando no potencial dos escritores, querem publicá-los virtualmente, nenhum dos dois sabe estimar com suficiente precisão o que significa publicar nesse meio, todos ficam cheios de dúvidas sobre os investimentos e lucros nesse mercado nascente.

Um exemplo dessa insegurança nós vemos nas novas edições eletrônicas de livros impressos. Várias lojas de comércio eletrônicos do Brasil inauguraram no ano de 2010 sua seção de livros eletrônicos, onde os livros são baixados pelos compradores imediatamente após a compra, livres de custos de impressão e frete, os volumes eletrônicos são vendidos pelo mesmo preço que os volumes impressos entregues em casa.

DARNTON [38] afirma que o livro editado em meio eletrônico tem um potencial de usabilidade muito maior do que o livro editado em papel, os hiperlinks possibilitam ao leitor o acesso em camadas do texto, onde na camada superior estaria o texto tradicional e os hiperlinks possibilitariam o acesso a camadas inferiores onde estariam informações adicionais, desenvolvimento de temas secundários ou mesmo o acesso a páginas de internet ou arquivos de áudio e vídeo. O texto se desenvolveria como uma árvore onde o leitor se aprofundaria cada vez mais e um tema específico a partir de um texto inicial.

O Estado Brasileiro não pode ficar inerte diante dos fatos. A nova tecnologia dos leitores de livros eletrônicos proporciona uma interação nunca antes vista entre os leitores e as obras e tem o potencial de reaproximar as pessoas da leitura.

O Brasil, ano a ano, vem diminuindo seus índices de analfabetismo, porém ainda somos uma nação de poucos leitores, os livros eletrônicos são mais um braço forte para o desenvolvimento da leitura entre as camadas mais baixar da sociedade, possibilitando o acesso dos mais variados autores diversos daqueles existentes nas bibliotecas públicas39 possibilitando o desejo do constituinte de proporcionar cultura, conhecimento e educação a todas as camadas da sociedade.

O livro eletrônico a despeito de contar com acesso a internet e outros acessórios incomuns aos livros tradicionais não pode ser equiparado a computadores portáteis sob pena tornar-se, nas palavras de magistrada Lucia Valle Figueiredo, o exclusivo livro dos ricos, somente acessível àqueles de classe mais abastada aptos a arcar com a opressiva carga tributária incidente sobre os eletrônicos.

Uma vez que o constituinte originário tenha incluído na Constituição da Republica Federativa do Brasil o art. 150, VI, "d", o dispositivo tem que ser cumprido sem prejuízo de outras garantias, os livros, jornais e periódicos e o papel destinado a sua impressão são imunes, tentar restringir todo o alcance dessa determinação cai em inconstitucionalidade, a norma tem que ser cumprida em toda sua amplitude.

Além de cumprida na sua determinação literal tem que ser cumprida na sua essência, admitir a cobrança de Contribuições viola o preceito constitucional democrático.

Os leitores de livros eletrônicos, apesar de suas características gerais inferiores a outros equipamentos, podem ser tributados na absurda quantia de 58,65% sendo cobrados todos os impostos incidentes como II, IPI e ICMS.

A verdadeira intenção do constituinte foi tornar a informação acessível a todos possibilitando a livre formação de opinião, tributar qualquer publicação em qualquer percentual sem falarmos sobre outros impostos indiretos incidentes sobre a atividade contraria o preceito posto na Constituição.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, Pacto de São José da Costa Rica foi provavelmente o instrumento que inspirou o legislador pátrio à redação que temos hoje, nesse sentido é a redação do artigo 12 do Pacto:

Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2 O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e que se façam necessárias para asseguras:

a) o respeito aos direito ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

Anteriormente a esta a Declaração Universal dos Direito do Homem de 1948 e o Pacto de Direitos Civil de 1966 já traziam algumas dessas garantias, o certo é que nenhum destes instrumentos procura desonerar da carga tributária nenhum jornal ou insumo utilizado na atividade. O que afirmam os documentos é que o poder público não pode criar critérios anti- isonômicos para inviabilizar o exercício da livre opinião e sua divulgação, não se pode onerar excessivamente o insumo, atividade, ou determinadas pessoas, tem que haver igualdade na tributação, proporcionalidade na medida de suas desigualdades.

Os Estados Unidos, considerados um dos estados mais democráticos do mundo preservam a liberdade de expressão e ao mesmo tempo cobram impostos de livros e jornais.

Não vamos entrar no mérito se o constituinte originário agiu corretamente ou não ao imunizar de impostos a imprensa ou restringir seu exercício exclusivamente a brasileiros. O fato é que, apesar de sua questionável necessidade para a concretização ou no auxílio do princípio democrático, a imunidade dos jornais, revistas e periódicos e o papel destinado a sua impressão está inserida no nosso sistema constitucional, sendo uma obrigação negativa do estado, norma de eficácia plena, cláusula pétrea, portanto deve ser aplicada pelo Estado e contra o Estado em toda a sua largueza.

Nesse espaço está a imunidade dos leitores de livros eletrônicos, que apesar de combinarem inúmeras propriedades, incomuns aos livros tradicionais, têm sua destinação e características adequadas a funcionar como uma nova mídia para receber e conservar a informação, possibilitando o acesso à educação, cultura, informação a todos.

Desta feita são imunes de impostos e deveriam ser imunes de todos os tributos os e- readers, seus congêneres e outras tecnologias que surjam no futuro que priorizem e por meio delas possibilite-se a concretização dos princípios democráticos constantes na Constituição posto que tais equipamentos seriam equiparados a papel.


NOTAS

1.                  Sobre a qualidade dos livros editados já em 1471, Niccolò Perotti escreve que ao ver um único homem imprimir num único mês tantos livros quantos poderiam ser manuscritos por diversas pessoas num ano. Percebeu, contudo, como agora qualquer um é livre para imprimir o que bem desejar, em geral desconsideram aquilo que é melhor e escrevem, meramente para se diverti, aquilo que ficaria melhor se fosse esquecido ou, melhor ainda, apagado de todos os livros.

2.                  Na verdade o movimento que culminou na Magna Charta Libertatis de 1215 foi um movimento para libertação  dos pequenos lideres feudais, os vilões, estes somente séculos depois vieram experimentar a mesma liberdade. Contudo o movimento foi uma semente para o direito que viria a se estender a todos, anos mais tarde.

3.                  O autor no seu livro a Democracia na América descreve um retrato fiel dos Estados Unidos após a guerra da independência e seu sistema constitucional descrito na Bill of Rights.

4.                  O mesmo autor faz uma análise inteligente sobre o funcionamento da imprensa na América e afirma que a sua facilidade de impressão aliada com sua exagerada liberdade de opinião são exatamente isto que diminuem a força de suas opiniões, grosso modo o autor afirma que quanto mais jornais tinham o poder de livremente manifestar sua opinião sua força restava pulverizada entre as inúmeras edições.

5.                  Em Portugal não foram muito disseminados os movimentos iluministas e seus princípios democráticos consequentemente estes somente chegaram ao Brasil muito depois. Em 1576 em Portugal os livros estavam sujeitos à censura episcopal, a da Inquisição, e a Régia.

6.                  Antônio Conselheiro e o povoado de Canudos em 1896 são um dos vários exemplos de movimentos sociais considerados contrários a República que foram fortemente debelados.

7.                  SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 384.

8.                  Ibid, p 411.

9.                  MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituïção de 1946. Rio de Janeiro: Boffoni 1946. (vol. I). p.510-511.

10.              MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituïção de 1967. São Paulo: RT, 1967. (tomo II). p. 413.

11.              BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 148.

12.              MORAES, Bernardo Ribeiro de., apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 267.

13.              BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1ª ed.. São Paulo: Campus,2004. p. 6.

14.              HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 300.

15.              SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p . 320.

16.              SILVA, Edgar Neves. Imunidade e Isenção. In MARTINS, Ives Gandra da Silva(Coord.). Curso de Direito Tributário. 11ª ed. São Paulo:Saraiva, 2001. p. 281.

17.              NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Imunidades contra impostos na Constituição anterior e sua disciplina mais completa na Constituição de 1988. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 145

18.              BALEEIRO, Aliomar. Op. cit. p. 152

19.              NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Op. cit. 141

20.              PAULSEN, Leandro. Op. cit.. p. 268.

21.              MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 290.

22.              BALEEIRO, Aliomar., apud NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Op cit.. p. 153.

23.              Vide o caso da Argentina no conflito entre a presidenta Cristina Kirchner que iniciou uma guerra pessoal contra os dois maiores jornais privados do país onde ela os acusa terem colaborado com a ditadura e a imprensa afirma que sua intenção é silenciar e imprensa livre restringindo a informação ao veículos oficiais. A briga gira em torno da empresa Papel Prensa única fábrica de papel jornal do país que tem como acionistas e maiores consumidores os jornais El Clarín e La Nación, ferrenhos críticos do governo Kirchner.

24.              HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 295.

25.              CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24ª ed. São Paulo:Malheiros, 2008. p. 771-772

26.              BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 186.

27.              FREITAS, Ana. Eleições no Irã e o Twitter: usando mídias sociais a favor da democracia. Em: < http://blogs.estadao.com.br/link/eleicoes-no-ira-e-o-twitter-uma-licao-de/>. Acesso em: 8 fev. 2011.

28.              Herói da revolta egípcia é executivo da Google. Em: <http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1778594&seccao=%C1frica>, acesso em 8 fev. 2011.

29.               DARNTON, Robert. A questão dos livros. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 232.

30.              Turismo: leitor de livro digital não pagará impostos, diz Receita. Em: <http://dinheiro.br.msn.com/tributos/artigo.aspx?cp-documentid=25104079>. Acesso em: 8 de fev. 2011.

31.              MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

32.               BALEEIRO, Alimoar. Op. cit. p. 150.

33.              BUENO, Pimenta apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 18

34.              Da mesma forma como no passado a interpretação constitucional atual e a legislação de suporte não têm sido suficientes para realizar a essência da norma constitucional, o preço do papel de 2010 para 2011 variou 46%. Em: <http://g1.globo.com/videos/bom-dia-brasil/v/preco-dos-livros-didaticos-sobe-muito-e-assusta- pais/1430167/#/Edições/20110208/page/2>, acesso em 8 de fev. 2011.

35.              Em uma comparação feita em sítio de venda pela internet entre o preço dos netbooks e os e-readers vendidos no Brasil em alguns casos o preço dos netbooks é inferior.

36.              MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 34-35.

37.              Recentemente uma escola nos EUA passou a exigir a obrigatoriedade do iPad em salas de aula em substituição aos livros impressos, o mesmo aconteceu recentemente no Brasil. Em: <http://bagarai.com.br/escola-brasileira- substitui-apostilas-de-papel-por-ipad.html>, acesso em 8 de fev. 2011.

38.              DARNTON, Robert. Op cit.

39.              Estudo recente feito pelo Movimento Todos pela Educação apontou que seria necessária a construção de 25 bibliotecas por dia no Brasil até 2020, para atender a uma lei sancionada ano passado, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determinando que todas as 200 mil escola de educação básica devem ter biblioteca. Em: <http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2011/1/biblioteca_que_sai_do_lixao_140885.html>. Acesso em: 8 de fev. 2011.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Raphael Pinheiro Cavalcanti. A imunidade tributária dos leitores de livros eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3334, 17 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22017. Acesso em: 18 maio 2024.