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Área circundante e zona de amortecimento das unidades de conservação da natureza.

Institutos jurídicos distintos?

24/05/2010 às 00:00
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A criação de unidades de conservação da natureza, com estabelecimento de limites definidos, dentro dos quais é imposta uma série de restrições às atividades humanas, não é suficiente para se alcançar os objetivos de preservação e/ou conservação, devido, entre outros motivos, ao chamado "efeito de borda". Entende-se por efeito de borda as modificações nos parâmetros físicos, químicos e biológicos observadas na área de contato do fragmento de vegetação com a matriz circundante. Ou seja, é a influência física, química, biológica e antropogênica nas imediações das unidades de conservação.

Esse efeito de borda costuma afetar a biota e reduzir quantitativa e qualitativamente a biodiversidade das unidades de conservação, representando riscos à gestão dessas áreas. Conforme trecho de documento sobre o tema extraído do site

www.ambientebrasil.com.br,

"As áreas da floresta perto da borda com o exterior acabam ficando mais iluminadas, mais quentes e mais secas. E as espécies da floresta respondem de várias maneiras a este fenômeno. Algumas não suportam a baixa umidade, por exemplo, mas outras acabam por se beneficiar, como algumas espécies de cipós. Com isso, o equilíbrio natural fica comprometido, podendo haver perda de espécies.

"Um perigo adicional é o avanço da borda para o interior, com a mortalidade de árvores, que além dos cipós ficam mais expostas à seca e ao vento. Na verdade, existe na ecologia um conceito - ecótono - criado apenas para definir a transição natural entre dois ambientes ou dois ecossistemas. No caso das bordas dos fragmentos de floresta, no entanto, não se trata de uma situação natural, contínua e estável (numa escala de tempo mais longa), mas de algo abrupto e que tem uma dinâmica muito rápida."

Todavia, para fazer face ao referido problema para a proteção das unidades de conservação, identificado pela ecologia, o ordenamento jurídico brasileiro possui duas ferramentas: as áreas circundantes e as zonas de amortecimento. Como será demonstrado a seguir, são dois institutos jurídicos distintos e válidos, a despeito dos equívocos cometidos por alguns precedentes jurisprudenciais, que ou confundem os institutos ou defendem a revogação da área circundante quando da edição da Lei n. 9.985/2000 (que previu as zonas de amortecimento).

Nesse sentido, interpretando equivocadamente os institutos, verificam-se exemplificativamente os seguintes excertos:

"realizado construção em área da Floresta Nacional de Brasília, inserida na zona de amortecimento a que se refere a Resolução CONAMA nº 13/90, ou seja, no interior de um raio de dez quilômetros em torno do Parque Nacional de Brasília, sem autorização do órgão ambiental competente." (TRF1, ACR 200334000196408, Rel. JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA (CONV.), TERCEIRA TURMA, DJ 18/08/2006)

"Ressaltou-se que a prévia manifestação de incompetência para o licenciamento não vincula o órgão ambiental federal no exercício de sua fiscalização, mormente quando o impetrante desmatou, sem prévia autorização do IBAMA, e realizou queimada – atividade ilegal nos termos da legislação ambiental (Lei nº 4.771/1965, art. 27) – em área localizada no entorno ("zona de amortecimento") de unidade de conservação (Reserva Extrativista Marinha)." (TRF2, AMS 200102010250992, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CRUZ NETTO, QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, DJU 19/12/2008)

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMOLIÇÃO. EDIFICAÇÕES CONSTRUÍDAS NO ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DE APARADOS DA SERRA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. O Ministério Público Federal é órgão legitimado a promover ação civil pública visando a tutelar o meio ambiente em área que compõe o patrimônio da União mediante demolição de edificações construídas na zona de amortecimento de unidade de conservação federal." (TRF4, AC 200472040030349, Rel. NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TERCEIRA TURMA, D.E. 16/12/2009)

Para superar as dúvidas porventura existentes, pertinente é analisar cada um dos institutos, para posteriormente verificar se há compatibilidade e complementação entre ambos, ou se há, como destacado nos precedentes judiciais transcritos, sobreposição entre eles.

Assim, a expressão "área circundante" consta da Resolução n. 13, de 06 de dezembro de 1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) [01], que previu a obrigatoriedade de licenciamento de toda atividade que, em um raio de 10 (dez) quilômetros desde a borda da unidade de conservação, possa afetar a biota desta. A referida resolução também previu que, em tais casos, o licenciamento só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável pela administração da unidade.

Entende-se a regra da resolução citada como norma relativa ao procedimento de licenciamento ambiental, na medida em que o órgão gestor da unidade de conservação não possui quaisquer poderes especiais, conferidos pela Resolução n. 13, sobre a gestão dessa área circundante de 10 (dez) quilômetros, a não ser a possibilidade de autorizar ou não o licenciamento de empreendimentos nessa área, desde que este afete a biota da unidade.

Ao contrário do que se afirmou com relação à área circundante de 10 (dez) quilômetros prevista na Resolução n. 13/1990, na zona de amortecimento de unidade de conservação, instituída de acordo com a Lei n. 9.985/2000, é permitido ao órgão gestor da unidade estabelecer "normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos" (art. 25, § 1º, da Lei n. 9.985/2000). Isso porque o conceito legal deixa bem claro o que se deve entender por zona de amortecimento; para a Lei n. 9.985/2000 (art. 2º, XVIII):

"o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade"

Essa zona de amortecimento, na qual o órgão responsável pela administração da unidade de conservação pode estabelecer uma espécie de zoneamento ambiental, deverá ser estabelecida em todas as categorias de unidades, exceto área de proteção ambiental e reserva particular do patrimônio natural, e os seus limites poderão ser definidos já no ato de criação da unidade ou posteriormente (art. 25, caput e § 2º, da Lei 9.985/2000).

A Lei n. 9.985/2000 ainda prevê, no art. 36, caput e § 3º, que nos casos de licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental, quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração. Trata-se também de regra de licenciamento, que amplia a idéia de proteção da unidade no procedimento de licenciamento já prevista na Resolução n. 13/1990, pois autonomiza a proteção da zona de amortecimento, na medida em que basta o impacto a essa zona para que seja necessária a autorização do órgão administrador da unidade de conservação, não sendo preciso demonstrar o impacto à unidade.

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É nesse sentido a conclusão da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Meio Ambiente [02] e da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes [03], órgãos da Advocacia-Geral da União responsáveis pela atividade de consultoria jurídica do órgão da União e da autarquia federal citados. O mesmo raciocínio foi desenvolvido pelo Min. Herman Benjamim:

"Embora, na perspectiva dos potenciais impactos ambientais negativos, nem todo empreendimento ou atividade que se insira na Zona de Amortecimento (art. 2º, inciso XVIII, da Lei 9985/2000) ou na Zona Circundante (Resolução Conama 013/1990) de Unidade de Conservação federal seja de interesse da União, não há dúvida de que alguns – ou muitos, dependendo das circunstâncias do caso concreto e da modalidade de área protegida – serão." (STJ, CC 73028/MA, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 10/11/2009)

Assim, tem-se que todas as categorias de unidade de conservação, desde que criadas, possuem área circundante, por força da Resolução n. 13/1990, ao passo que todas as categorias, exceto área de proteção ambiental e reserva particular do patrimônio natural, devem possuir zona de amortecimento, como determina a Lei n. 9.985/2000.

Portanto, conclui-se que a área circundante (prevista pela Resolução CONAMA n. 13/1990) e a zona de amortecimento (prevista pela Lei n. 9.985/2000) são institutos jurídicos distintos e que devem ser aplicados cumulativamente, especialmente para proteger as unidades de conservação do efeito de borda.


Notas

  1. Registra-se ainda que tramita no CONAMA (Processo: 02000.002193/2009-13) proposta de nova resolução que dispõe "sobre o licenciamento de empreendimentos ou atividades de significativo impacto ambiental que afetam unidade de conservação", e que afetará a Resolução n. 13/1990. Todavia, essa proposta segue em discussão conjunta nas Câmaras de Assuntos Jurídicos e de Unidades de Conservação do CONAMA, com sucessivos pedidos de vistas.
  2. Parecer no processo MMA n. 33984/2008-00.
  3. Parecer n. 312/2009/PFE-ICMBIO/AGU.
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Sobre o autor
Geraldo de Azevedo Maia Neto

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Direito Constitucional pelo IDP/UNISUL. Procurador-Geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foi Subprocurador-Geral do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Foi Subprocurador-Regional Federal da 1ª Região. Foi membro da Câmara Especial Recursal do CONAMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA NETO, Geraldo Azevedo. Área circundante e zona de amortecimento das unidades de conservação da natureza.: Institutos jurídicos distintos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2518, 24 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14899. Acesso em: 19 mai. 2024.

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