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Criminalização da posse e porte de drogas ilícitas.

Direito à vida e proteção dos direitos humanos

15/03/2024 às 10:19
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A função de definir sobre a criminalização ou não das drogas ilícitas é da sociedade brasileira, que no seu ato supremo de vontade delegou essa incumbência ao Congresso Nacional.

Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua analisar a Proposta de Emenda Constitucional que criminaliza a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Palavras-chave: Drogas; ilícitas; posse; porte; crime.


A guerra contra as drogas sempre foi tema de interesse jurídico e social. O controle da criminalidade absurda no Brasil passa, necessariamente, pela incisiva política de enfrentamento e combate às drogas.

Em obra sobre o tema, escrevemos que a sociedade mundial, com seus valores éticos que conhecemos tem sido destruída por uma avalanche de problemas sociais de toda sorte. Questões relativas à saúde pública, desigualdades sociais, guerras, violência, educação deficiente, criminalidade e drogas têm causado insônia à população, diante da força arrasadora desses males e da ineficiência dos gestores públicos na sua resolução.1

Claro que esse tema deve ser tratado pelo Parlamento Nacional que detém com exclusividade a delegação da vontade do povo brasileiro.

Não obstante, a temática vem sendo desafiada no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 635.659/SP, que se encontra sob julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), e que teve sua repercussão geral reconhecida (Tema 506). Assim, trata-se de um recurso em que o recorrente busca sua absolvição tendo como causa de pedir a declaração de inconstitucionalidade do art. 28. da Lei 11.343, de 2006 (Lei Antidrogas). Até o presente momento, há cinco votos favoráveis ao provimento do RE e três contra. O julgamento encontra-se suspenso com o pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Portanto, o placar atual é de 5x 3 a favor da descriminalização da maconha. Os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques. Os três últimos votaram contra. Ainda votarão os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Com efeito, o prosseguimento do julgado (RE 635.659/SP) aponta para uma declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 28. da Lei 11.343, de 2006.

Diante de toda a discussão temática acima, nasce a Proposta de Emenda Constitucional que propõe inserir no corpo do artigo 5º, dos direitos e garantias constitucionais, no inciso LXXX, o texto imperativo, segundo o qual, a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

A Proposta de Emenda Constitucional apresenta fundamentos jurídicos consistentes, a saber:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme dispõe o art. 196. da Constituição Federal. Nesse contexto, a prevenção e o combate ao abuso de drogas é uma política pública essencial para a preservação da saúde dos brasileiros. Reconhecendo a complexidade da matéria e os danos que as drogas causam às famílias brasileiras, a Constituição Federal de 1988 tratou do tema em vários dispositivos. No art. 5º, equiparou o tráfico aos crimes hediondos (inciso XLIII) e autorizou a extradição de cidadãos naturalizados que tenham se envolvido nesse crime (LI). No capítulo da Segurança Pública, incumbiu à Polícia Federal, sem prejuízo das demais forças, “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins” (art. 144, § 1º, II). Ainda na seara processual penal, determinou, no art. 243, a expropriação de terras utilizadas para o plantio de drogas e a apreensão de quaisquer bens e valores decorrentes do tráfico. No Capítulo VII, por força da Emenda Constitucional nº 65, de 2010, estabeleceu explicitamente, no âmbito da proteção integral, a necessidade de “programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins” (art. 227, § 3º, VII). Foi com esse panorama de regras e princípios que o legislador ordinário guiou a formulação da legislação infraconstitucional. A Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, previu a prática de “tráfico de drogas”, com pena agravada (art. 33), bem como a de “porte para consumo pessoal”, com penas que não permitem o encarceramento (art. 28). O motivo desta dupla criminalização é que não há tráfico de drogas se não há interessado em adquiri-las. Com efeito, o traficante de drogas aufere renda – e a utiliza para adquirir armamento e ampliar seu poder dentro de seu território – somente por meio da comercialização do produto, ou seja, por meio da venda a um usuário final. Essa compreensão vem sendo desafiada no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 635.659/SP, que se encontra sob julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), e que teve sua repercussão geral reconhecida (Tema 506). Resumidamente, trata-se de um recurso em que o recorrente busca sua absolvição tendo como causa de pedir a declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, de 2006 (Lei Antidrogas). Até o presente momento, há quatro votos favoráveis ao provimento do RE. Com efeito, o prosseguimento do julgado (RE 635.659/SP) aponta para uma declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, de 2006. Esta Proposta de Emenda à Constituição visa a conferir maior robustez à vontade do constituinte originário, na esteira dos dispositivos anteriormente elencados, ao prever um mandado de criminalização constitucional para as condutas de portar ou possuir entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Essa medida, uma vez promulgada, daria respaldo à validade do art. 28 da Lei nº 11.343, de 2006. É de notar que a própria jurisprudência do STF reconhece a possibilidade de que emendas constitucionais possam ser editadas como consequência de decisões de constitucionalidade do próprio tribunal. E reconhecem, inclusive, que estas merecem maior deferência pelo Tribunal, motivo pelo qual consideramos adequada a eleição desta via – uma proposta de emenda à constituição – para sedimentar, definitivamente, a opção feita pelo constituinte originário a respeito do tema. Cite-se a esse respeito a ementa da ADI 5105/DF:

“(...) EMENDAS CONSTITUCIONAIS DESAFIADORAS DA JURISPRUDÊNCIA RECLAMAM MAIOR DEFERÊNCIA POR PARTE DO TRIBUNAL, PODENDO SER INVALIDADAS SOMENTE NAS HIPÓTESES DE ULTRAJE AOS LIMITES INSCULPIDOS NO ART. 60, CRFB/88. LEIS ORDINÁRIAS QUE COLIDAM FRONTALMENTE COM A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE (LEIS IN YOUR FACE) NASCEM PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE INCONSTITUCIONALIDADE, NOTADAMENTE QUANDO A DECISÃO ANCORAR-SE EM CLÁUSULAS SUPERCONSTITUCIONAIS (CLÁUSULAS PÉTREAS). ESCRUTÍNIO MAIS RIGOROSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ÔNUS IMPOSTO AO LEGISLADOR PARA DEMONSTRAR A NECESSIDADE DE CORREÇÃO DO PRECEDENTE OU QUE OS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E AXIOLÓGICOS QUE LASTREARAM O POSICIONAMENTO NÃO MAIS SUBSISTEM (HIPÓTESE DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL PELA VIA LEGISLATIVA).”

A posição do Congresso Nacional, externada por esta proposta de emenda à Constituição, objetiva, pois, dialogar institucionalmente com os demais Poderes da República, de forma harmônica, nos termos do art. 2º da Constituição Federal de 1988. Além disso, entendemos que a modificação proposta está em compasso com o tratamento multidisciplinar e interinstitucional necessário para que enfrentemos o abuso de entorpecentes e drogas afins, tema atualmente tão importante para a sociedade brasileira. Além disso, a legislação infraconstitucional está em constante revisão e reforma, tendo em conta as circunstâncias sociais e políticas vigentes.”

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REFLEXÕES FINAIS

O ativismo judicial absurdamente chegou ao ponto de criar tipos penais com grave ofensa ao princípio da legalidade, a exemplo do que ocorreu com a tipificação da homofobia ou transfobia racial, a teor da ADO 26, que determinou que atos de homofobia e transfobia devem ser enquadrados como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), até que o Parlamento edite lei sobre a matéria, e ao sistema da tripartição de funções.

É a mais grave contumélia irremissível ao sistema do estado democrático de direito. A função de definir sobre a criminalização ou não das drogas ilícitas é da sociedade brasileira, que no seu ato supremo de vontade delegou essa incumbência ao Congresso Nacional, por meio das eleições, legitimando assim, o parlamento no exercício desse mister.

Quem tem paixões desenfreadas pelo poder legislativo, gosta de criar tipos penais, ama legislar, deveria se candidatar ao cargo de deputado federal ou senador da República. Certamente, hoje, o esqueleto de Charles de Montesquieu deve sofrer horrores no túmulo iluminista, em solo francês, se revirando com as atrocidades registradas neste país da anomia, de rupturas e agressões, num lugar em que se agridem os valores morais, violam sistematicamente os preceitos de proteção aos direitos humanos, cheio de narcisistas, um bando de covardes digitais, um monte de gente cabotina, gestores aloprados, sanguessugas do erário público, tudo isso em detrimento dos interesses da sociedade.

Noutro giro, escrevemos em 2015, acerca da nocividade das drogas. Pode-se afirmar que as principais perdas sociais provocadas pelo uso de drogas são de ordem econômica e sentimental. Econômica em função da quebra da cadeia produtiva, o dependente químico é pessoa neutra no que toca a produção de economia para o País. Ao contrário, a sociedade arca com o tratamento médico, psiquiátrico, instituindo uma doutrina paternalista, e assume com isso um ônus altíssimo de uma pessoa que não contribui para o crescimento social. Sentimental, por conta da morte real ou ficta do ente querido. Real se considerar que o usuário de drogas tem maiores chances de morrer prematuramente por doenças adquiridas por uso das drogas ou assassinado no conflito de gangues. Ficta em razão das consequências da codependência dos familiares, das preocupações diárias, do desamor instalado nos lares, das ameaças sofridas e oriundas das quadrilhas organizadas, da ausência de perspectivas, de ter que conviver com uma pessoa que vegeta pela vida sem projetos sociais, sem motivações e sem razão de ser. O usuário de drogas é alguém que perambula nas veredas da vida sem história para contar, além das agruras sofridas nas sarjetas da desilusão.2

Por fim, arremata-se para afirmar que a droga destrói sonhos, arranca a paz e promove verdadeira bagunça social e familiar. Seja inteligente, diga NÃO às drogas e SIM à vida. A política de combate às drogas é uma necessidade social, acreditando que a prevenção é o melhor caminho e a arma mais eficaz de combate às drogas. Portanto, a prevenção é ferramenta importante para evitar a sedução dos jovens pelo submundo das drogas.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Senado Federal. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2023/09/14/pec-drogas.pdf. Acesso em 13 de março de 2024, às 16h28min.

BOTELHO, Jeferson. Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas. Atividade Sindical Complexa e Ameaça Transnacional. Editora JHMizuno. 2012

BOTELHO, Jeferson. Drogas, desordens e perdas sociais. Disponível em https://jus.com.br/artigos/36177/drogas-desordens-e-perdas-sociais. Acesso em 13 de março de 2024


Notas

  1. BOTELHO, Jeferson. Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas. Atividade Sindical Complexa e Ameaça Transnacional. Editora JHMizuno. 2012.

  2. BOTELHO, Jeferson. Drogas, desordens e perdas sociais. Disponível em https://jus.com.br/artigos/36177/drogas-desordens-e-perdas-sociais. Acesso em 13 de março de 2024.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Criminalização da posse e porte de drogas ilícitas.: Direito à vida e proteção dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7562, 15 mar. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108701. Acesso em: 27 abr. 2024.

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