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Engajamento cívico de idosos

16/08/2023 às 17:41
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O engajamento cívico ou a cidadania ativa proporciona uma série de vantagens aos indivíduos de idade avançada.

Os idosos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, são todos os indivíduos que possuem sessenta ou mais anos de idade, observando que este indicador temporal mínimo pode sofrer variações segundo as condições de cada recanto do planeta. E embora este marco se mostre como um indicador importante ele não é um elemento exato a partir do qual aparecem as modificações pertinentes do envelhecimento, pois estas dependem de vários fatores. Dentre as diversas alterações incidentes nos idosos podem ser mencionadas a diminuição da capacidade visual, o aplacamento da qualidade da audição, o abrandamento dos reflexos e a atenuação do raciocínio e da memória.

Essas ocorrências indesejáveis, apesar de estorvantes, não impedem as ações físicas e mentais dos idosos. Vale lembrar que a prática de exercícios físicos feita com o devido acompanhamento é muito importante pois melhora o funcionamento do coração e dos pulmões, fortalece os músculos e os ossos, colabora no movimento das articulações, diminui o risco de quedas, reduz a gordura corporal e ajuda a combater a depressão, altear a sensação de bem estar e arvorar o sentimento de auto estima.

Quanto aos exercícios mentais os mesmos podem ser concretizados por meio da leitura de jornais, livros e revistas, da busca de informações em sites da internet, da inserção nas redes sociais, da participação em eventos culturais, das práticas relacionadas à espiritualidade, das atividades de convivência e da utilização dos jogos de erros, palavras cruzadas, completamento de sentenças e montagem de quebra-cabeças. Sem dúvida essas ocupações tendem a contribuir para o desenvolvimento da reflexão, da capacidade de concentração e da habilidade de evocação.

Tão ou mais importante que tais atividades é a realização do engajamento cívico, o qual diz respeito ao compromisso das pessoas quanto ao envolvimento na atividade política, principalmente em relação aos temas e aos problemas que as afetam tendo por escopo alcançar objetivos que fazem parte de seus interesses.

Ele só pode ser viabilizado de modo efetivo nos regimes democráticos liberais porquanto os mesmos, embora a contragosto, possibilitam o exercício da participação popular no processo decisório, haja vista que em uma genuína democracia a soberania se encontra nas mãos de todos os indivíduos que legitimamente possuem o direito de promover o direcionamento do Estado onde se encontram incluídos.

Estudiosos do assunto costumam utilizar a expressão cidadania ativa como sinônimo de engajamento cívico. Eles dizem que o cidadão ativo faz parte de um conjunto minoritário em quase todos os recantos democráticos do planeta e se define como um indivíduo que frequentemente encontra-se presente no espaço cívico da esfera pública convencional e virtual, se considera governante, manifesta comportamentos destinados a influenciar as decisões políticas, concretiza ações beneficiadoras da coletividade principalmente aquelas que favorecem os setores desprivilegiados, opera para iluminar a opinião coletiva e se empenha na insuflação dos programas de governo.

O mesmo é o oposto do cidadão passivo constituinte da maioria da população, o qual se caracteriza por realizar sua existência predominantemente, no âmbito da esfera privada onde valem os interesses particulares, onde prevalece as demandas da sobrevivência e onde ocorre as expressões da intimidade.

Vale ressaltar que a prática da cidadania ativa encontra respaldo na denomina Gerontologia Social, uma área do saber científico voltada para a saúde do idoso em função da concepção do indivíduo como alguém iserido em grupos da sociedade. Seus pesquisadores se preocupam em estudar o envelhecimento das pessoas e suas implicações e consequências para a vida coletiva e uma das principais propostas defendidas por eles é de favorecer o protagonismo dos idosos e valorizar a importância de sua atuação no âmbito social.

É preciso observar que o engajamento cívico ou a cidadania ativa proporciona uma série de vantagens aos indivíduos de idade avançada. Esse tipo de diligência permite construir novos relacionamentos, reduzir a solidão e diminuir o isolamento social. A ação coletiva beneficia o senso de pertencimento e eleva o sentimento de autoestima. O grupo no qual encontram-se inseridos tende a servir de apoio ao enfrentamento do estresse diário e as trocas interpessoais inclinam-se a estimular o aumento da capacidade intelectual.

Afora tais serventias pessoais existem os préstimos comunitários plenamente justificáveis. No conjunto das razões existentes aparece uma das mais expressivas que é o notório crescimento da população idosa. Atualmente o mundo tem oito bilhões de habitantes com tendência de diminuição do ritmo de aumento, entretanto constata-se que a população idosa segue uma trajetória de expansão em todos os países. É sabido que atualmente existe mais de um bilhão de idosos, com previsão de atingir três bilhões até o ano de 2100.

A projeção da longevidade média inclina-se a alcançar setenta e sete anos em 2050 e a quantidade de pessoas mais velhas caminha para se tornar o dobro do número de crianças com menos de cinco anos de idade. Sem dúvida, a mobilização espontânea desse ingente volume de pessoas longevas destinada a causas coletivas se mostra capaz de provocar vultosas transformações na sociedade.

Esses números são muito significativos se comparados com o volume de cidadãos ativos espalhados pelo mundo. Não é preciso nenhum esforço intelectual para inferir que a grande maioria das pessoas de todas as nações se apresentam como cidadãos passivos, os quais preferem se dedicar ao trabalho, à família e às atividades de lazer e deixar que a tarefa de condução do país seja feita pelos eleitos, bem como as ações em benefício da coletividade, particularmente dos desprivilegiados, fiquem a cargo dos governantes.

Observe-se que nesse gigantesco contingente encontra-se a maior parte dos idosos. Entretanto, aqueles que atuam no mercado ocupacional e/ou frequentam escolas podem usar a desculpa de que não sobra tempo para a prática da cidadania ativa, porém os mais velhos não podem utilizá-la uma vez que aparecem na situação de aposentados, possuem bastante tempo livre para se dedicarem às ações favorecedoras da comunidade.

O exercício da cidadania ativa por parte de todos e principalmente dos idosos é de suma importância nos dias que correm devido ao recorrente comportamento da maioria dos políticos. Com efeito, o distanciamento deles em relação ao povo é bem visível. Por força do atrelamento às elites, interesses pessoais, corporativismo, personalismo e outras particularidades torna-se árdua a aproximação dos mesmos com a população majoritária a qual por sua vez não se sente representada por eles. Acrescente-se que grande parte dos políticos não consegue ostentar uma postura republicana, não diferencia o público do privado, abnega o princípio da publicidade da esfera administrativa.

Pior ainda, é carente da virtude cívica, a qual diz respeito ao reconhecimento e a busca do bem comum em detrimento das aspirações particulares. Vale lembrar também as ameaças que corroem o regime democrático em várias partes do mundo, emanadas de governantes iliberais e populistas e que em nosso foram resultantes da conduta autoritária do ex-presidente da república.

Em consonância a essas justificativas manifesta-se o engajamento cívico dos idosos em vários recantos do mundo. Pesquisa recente feita nos Estados Unidos da América do Norte revelou que os macróbios são dotados do sentimento de que devem oferecer contribuições à comunidade onde encontram-se situados e da crença de que necessitam manter uma maior conexão com ela bem como aumentar a interação social, mesmo porque têm consciência da experiência e das qualificações que possuem.

Neste país muitos idosos estão envolvidos com atividades pertinentes a partidos políticos, em campanhas de conservação da terra e da água, em movimentos contrários à linhas elétricas de alta tensão e desperdício de água, na organização de programas pós-escolares para crianças, em ações de apoio a imigrantes.

O empreendimento mais frequente executado por eles é o trabalho voluntário. Cerca de quarenta por cento dos homens e mulheres aposentados o praticam em igrejas, asilos e hospitais. Também atuam como treinadores, membros de conselhos, produtores de artesanato e como motoristas. Vale salientar que desde há muito tempo governantes vem apoiando este engajamento cívico por meio de políticas públicas expressas no Volunteers in Service to America, Peace Corps e Elder American Law.

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É importante ressaltar que essa desenvoltura dos idosos estadunidenses tem a ver com a valorização nacional do engajamento cívico. Com efeito, os norte americanos são campeões mundiais de prática da democracia direta e muitas dezenas de milhões deles dedicam quatro horas semanais ao trabalho voluntário. Por sua vez as escolas do país, desde há muito tempo, encontram-se compromissadas com a formação de três tipos de cidadãos ativos, quais sejam, o pessoalmente responsável, o participativo e o orientado para a justiça social.

Na comunidade europeia o engajamento cívico também é muito enaltecido e ele se encontra intimamente relacionado com a integração entre os países que dela fazem parte. Assim sendo, é grande a preocupação de seus dirigentes para sustentar a máxima coesão entre eles. É esta coesão que tenta garantir a permanência de todos no bloco supranacional e evitar o possível desligamento de qualquer um deles no decorrer do tempo. E a educação foi eleita pelos dirigentes de tal comunidade como um dos fatores essenciais para a manutenção desta coesão.

Outrossim, tal enaltecimento é consequente da pujança da democracia direta aí praticada. Na Suíça já foram realizadas centenas de plebiscitos atestadores da soberania popular. Nela existe a figura do abberufungsrecht, um mecanismo político destinado a cassar mandatos individuais e conjuntos de parlamentares. Na Itália os cidadãos podem tomar a iniciativa de convocar plebiscitos e referendos destinados a invalidar leis já aprovadas por congressistas. Ademais, plebiscitos e referendos são frequentes em outros recantos, tais como na França, na Dinamarca, na Irlanda e na Espanha. Note-se ainda que existe uma política educacional conferidora de simetria à comunidade destinada à formação de cidadãos ativos nos ensinos fundamental, médio e superior.

Portanto, não causa surpresa o significativo engajamento cívico exercitado por jovens, adultos e idosos europeus. Um dos estudos recentemente concretizado mostra que os homens envelhecidos se envolvem mais em atividades políticas e as mulheres longevas se empenham mais em ações de voluntariado.

Apesar dessa diferenciação ambos os grupos participam de empreendimentos destinados a melhorar os serviços públicos oferecidos à população, atuam em fóruns e conselhos municipais que tratam de questões de interesse coletivo, promovem campanhas voltadas ao boicote de produtos de consumo previamente selecionados, coletam assinaturas para determinadas causas, entregam petições a parlamentares e publicam de textos de cunho político.

Em nosso país, o exercício da cidadania ativa feito pelos macróbios constitui uma expressão do modelo democrático vigente. Embora a Carta Magna brasileira estabeleça tanto a democracia representativa quanto a democracia direta na forma de plebiscitos, referendos e projetos de iniciativa popular, o que se verifica é uma vigorosa prevalência da primeira sobre a segunda, haja vista que tivemos apenas quatro plebiscitos, dois referendos e quatro projetos de iniciativa popular.

Embora não se saiba quantos longevos brasileiros votaram e estiveram envolvidos nesses três institutos da soberania popular é possível dizer que a quantidade deve ter sido elevada. Além disso, é sabido que muitos idosos participaram das manifestações de junho de 2013, das ações relativas ao impeachment/golpe parlamentar de Dilma, dos eventos favoráveis e contra a prisão de Lula, das ocorrências em defesa da Operação Lava Jato, das exteriorizações pertinentes às duas últimas campanhas presidenciais, dos condenáveis movimentos em frente aos quartéis e da execrável invasão da Praça do Três Poderes no início deste ano.

Cabe acrescentar ainda que os mesmos já atuaram e continuam atuando em campanhas filantrópicas bem como permanecem realizando inúmeros trabalhos voluntários. Quanto a eles há um estudo indicador de que cresceu onze por cento o número de idosos atuantes nos últimos anos. Sem dúvida, a criação de políticas públicas destinadas a garantir um padrão mínimo de vida a todos os brasileiros deve ser uma luta prioritária da população mais velha.

Malgrado este engajamento cívico seja notório ele é tímido se comparado com a cidadania ativa praticada pelos longevos europeus e estadunidenses. E aqui cabe alguns esclarecimentos. Mais da metade dos idosos brasileiros não usufrui de boas condições de vida, e tal situação não contribui para os mesmos se dedicarem a tarefas destinadas a beneficiar a coletividade. Por sua vez, o conjunto minoritário privilegiado prefere usar seu tempo livre para fazer cursos em faculdades, praticar atividades de lazer e concretizar viagens de turismo.

Ademais, engajamento cívico é uma expressão que não integra o vocabulário recorrente dos macróbios porque ele não faz parte da cultura nacional. Outrossim, a educação que receberam nunca os ensejou a serem cidadãos ativos. Infelizmente, tanto no passado quanto no presente as escolas brasileiras seguem oferecendo um inconcludente preparo ao mercado de trabalho que tende cada vez mais para o lado da automação e da dispensa de trabalhadores, inclusive daqueles que se mostram mais qualificados.

Ressalte-se também a existência de desafios que tendem a dificultar o engajamento. Os idosos podem ter dificuldade em acessar a tecnologia, que muitas vezes é essencial para participar de atividades cívicas online. Óbices de locomoção atrapalham muito a participação em atividades físicas. Além disso, é provável o encontro de preconceitos por idade, que pode desencorajar o envolvimento. Porém cabe lembrar que o engajamento cívico dos longevos é muito importante para a sociedade como um todo, pois propende estimular a criação de comunidades mais fortes e prósperas e também deve ajudar os idosos a viverem vidas mais plenas e significativas.

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Sobre o autor
Antônio Carlos Will Ludwig

Professor Aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUDWIG, Antônio Carlos Will. Engajamento cívico de idosos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7350, 16 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105571. Acesso em: 29 abr. 2024.

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