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Princípio do acesso universal aos cargos e empregos públicos e a EC n. 51/06: colisão

19/04/2023 às 17:35
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A EC nº 51/06 poderia ter criado exceção à regra geral de obrigatoriedade de concurso público para acesso efetivo a cargos e empregos públicos?

1 INTRODUÇÃO

O conceito de Estado de Direito, cujo sentido basilar é o da estrita subordinação estatal e popular ao ordenamento jurídico vigente, em todas as suas nuances e hierarquias, tem intrínseca relação com a origem da doutrina administrativa. A submissão às normas por parte da Administração Pública mostrou-se fundamental para a promoção salutar e legítima da regência de sua relação com os administrados, dando respaldo à existência daquela disciplina jurídica.

Como descendente do direito público, o Direito Administrativo figura como regime que visa à supressão de certas alternativas pela redução da autonomia individual e pela imposição de deveres e faculdades de grande relevo (JUSTEN FILHO, 2005). Tem ele, destarte, demasiado propósito de tutelar interesses coletivos em detrimento dos particulares.

Não obstante, o poder judiciário vem confrontando um sem-fim de ações em todas as suas esferas que denotam desconformidade com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) – e, pois, com o Estado de Direito - tanto por parte de particulares quanto por parte dos entes federativos que os contratam.

É o caso da contratação irregular de servidores por parte de alguns entes da Administração Pública (inobservância do art. 37, II, CF/88), que demonstra patente desídia com o zelo pela proteção do interesse público3 que estes deveriam ter através do viciado benefício concedido a particulares que não se submeteram a concurso público para assunção de seus cargos.

No correr deste breve estudo, visa-se a uma análise particular acerca da Emenda Constitucional nº 51/2006 e sua pretensão de excepcionar o princípio do acesso universal aos cargos e empregos públicos, cuidando dos pontos principais concernentes a esta matéria, sem olvidar do exame das orientações jurisprudenciais e posicionamentos dos tribunais a este respeito.

2 TUTELA CONSTITUCIONAL DA MATÉRIA

A Carta Magna de 1988 prestigiou o respeito aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, consagrando, por exemplo, o princípio da isonomia4, que provê paridade perante a lei a toda população. Não obstante, e mais próximo ainda do objeto deste estudo, aclamou o princípio do acesso universal5, que cuida da garantia de não restrição do acesso a cargos, empregos e funções públicas por parte de brasileiros e, também, estrangeiros6, respeitados os requisitos estabelecidos em lei, a depender das posições almejadas.

Em dispositivo sobre o tema em estudo (art. 37), consubstanciando os princípios acima elencados, a CF/88 estabelece as condições para investidura em cargo público, conforme se vê:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

(...)

§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

Consoante o dispositivo transcrito, verifica-se a exigibilidade de concurso público para assunção de cargo ou emprego público a partir da vigência da CF/88. Essa imposição revela substancialmente a positivação dos princípios da Administração Pública elencados no caput deste artigo, que visam, em sua união, à consolidação de um dos princípios maiores colimados pela Carta Maior, qual seja, o princípio da isonomia7, que concede paridade de armas aos cidadãos para pleitear em igualdade os cargos e empregos públicos cobiçados.

A respeito do escopo do legislador, por meio do regramento acerca do acesso aos cargos e empregos públicos via concurso público, anota Vólia Bonfim Cassar (2011, p. 592 e 593):

A mens legislatoris do constituinte foi a de evitar o nepotismo outrora existente, evitando privilégios nas contratações e democratizando o acesso aos empregos e cargos públicos. [...] Hoje, a competência comprovada por aprovação prévia em concurso público é o necessário. Isto renova os quadros funcionais da Administração Pública, possibilita o acesso de pessoas preparadas, independente de cor, raça, religião e do relacionamento que mantenha com a autoridade pública.

Destarte, a par deste escopo e, ademais, estando a Constituição no cume do prisma hierárquico do ordenamento jurídico brasileiro, lugar não há para a sua inobservância. A inexigibilidade de concurso público, prevista ainda no inciso II do artigo supra transcrito, faz referência apenas às nomeações para cargos comissionados, passíveis de demissão ad nutum, de natureza indiscutivelmente distinta da percebida pelos cargos públicos.

Contudo, a Emenda Constitucional nº. 51/2006 (EC n. 51/06), publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 15.2.2006, acrescentou o § 4º ao art. 198 da CF/88, trazendo uma controvertida inovação em relação à admissão no serviço público de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate às endemias.

A referida EC abarcou a desnecessidade da submissão a processo seletivo público para os profissionais supramencionados que, a qualquer título, tiverem exercido as funções de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate às endemias antes de sua promulgação, desde que tenham participado de anterior processo de seleção pública.

Criou, ademais, a figura do que ficou conhecido como processo seletivo simplificado, prevista no § 4º do art. 1º da EC n. 20/06. Estas alterações estão consubstanciadas na Lei nº. 11.350, de 05 de outubro de 2006.

Analisar-se-á, doravante, a possibilidade de a EC n. 51/06 levar a efeito as modificações pretendidas, criando situação sui generis e não prevista originalmente no texto constitucional para a contratação, pela Administração Pública, de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias.

3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 51/2006

Discorreu-se, em outra oportunidade8, sobre a querela da contratação sem concurso na Administração Pública e a controvérsia acerca de seus efeitos. Na oportunidade, observou-se que:

A despeito da hipossuficiência do trabalhador consagrada nos princípios protetivos da CLT, em hipóteses como a do tema em estudo (ofensa ao art. 37, II, CF/88) os bens jurídicos em conflito devem ser sopesados, mitigando a disparidade reconhecida entre empregado e empregador a fim de se proteger um bem maior, o interesse público.

Acredita-se que apenas com a concessão do estritamente necessário ao trabalhador irregularmente contratado, qual seja, a contraprestação pactuada, será possível reconstituir a supremacia da norma cogente do art. 37, II, da Constituição Federal e o respeito aos princípios constitucionais, especialmente da moralidade, legalidade, acesso universal

Pelo exposto naquela ocasião, viu-se a luta enfrentada por alguns órgãos do Poder Judiciário para fazer valer o postulado constitucional que encerra a obrigatoriedade de concurso público para assunção de cargos e empregos públicos.

Em contrapartida, de encontro ao esforço daquele ramo, o Poder Legislativo, através do Poder Constituinte Derivado, promulgou a Emenda Constitucional nº 51 (D.O.U. 15.2.2006), criando a figura do “processo seletivo simplificado”, e, ademais, o reaproveitamento de profissionais que desempenham atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias antes de sua promulgação, acrescentando ao art. 198 da CF/88, dentre outros, o §4º.

Confira-se, abaixo, a transcrição dos dispositivos da EC n. 21/06 que cuidam do tema ora em estudo:

Art. 1º O art. 198 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:

[omissis]

§4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.

[...]

Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação.

Conforme se vê, a EC nº 51 tentou criar nova forma de acesso a cargos públicos, ao dispor que poderá haver “processo seletivo público de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação”, quando o art. 37, II, CF/88 exige a “aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos”.

O próprio art. 2º da supracitada EC sugere que, a partir de sua promulgação, as contratações de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias somente poderão acontecer na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, pretendendo excluir, dessa hipótese de investidura, a incidência da norma do art. 37, II, CF/88.

Por fim, após a proposta de inovação de admissão de pessoal, a EC nº 51 intenta criar forma de aproveitamento de profissionais que “a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias” na data de promulgação daquela emenda, o que inclui, e.g., aqueles contratados temporariamente, nos moldes do art. 37, IX, CF/88.

Nas próximas linhas, será feita análise pormenorizada das inovações supramencionadas que pretende levar a efeito a EC n. 51/06, buscando apontar os entraves que obstaculizam sua validação.

3.1 Efetivação de agentes comunitários de saúde e de combate a endemias contratados mediante pacto temporário

Observe-se, a priori, no que tange à contratação temporária, que esta, conforme aponta José dos Santos Carvalho Filho (2006, p. 500), se sustenta na presença de três pressupostos: a determinabilidade temporal da contratação, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público que dá ensejo ao recrutamento.

Especificamente na hipótese de contratação de agente comunitário de saúde e de combate a endemias, figura comum no país que esta se dê em caráter precário, apenas temporariamente (com fulcro no art. 37, IX, CF/88), dada a necessidade urgente de dominar chagas como a dengue e a febre amarela, cujos surtos são de difícil controle, concomitante às dificuldades organizacionais, financeiras e orçamentárias enfrentadas por muitas edilidades.

Entrementes, a EC nº 51, em razão do art. 2º, parágrafo único, ambiciona tornar efetivo contrato firmado a título precário e que só tem razão de ser para atender a interesse e necessidade excepcionais e temporários da Administração Pública. O Supremo Tribunal Federal (STF) teve oportunidade de decidir sobre intento semelhante no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 2987/SC. Veja-se:

Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes. (ADI 2987/SC. Relator Min. Sepúlveda Pertence. DJ 02.04.2004)

No leading case supra, discutia-se, em sede de ADI, a constitucionalidade dos artigos 1º e 2º da Lei Estadual nº 9.186/93, que previam a contratação temporária de servidores para a Secretaria Estadual de Saúde sem demonstração do atendimento aos critérios trazidos pelo art. 37, IX, CF/88, e, ademais, previa também a convalidação das contratações realizadas naquela modalidade desde 1983. Mutatis mutandis, os mencionados artigos da Lei Estadual de Santa Catarina guardam intrínseca semelhança com aqueles da EC nº 51.

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Ora, se há necessidade permanente do trabalho de agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, e não se duvida que, de fato, haja, o caminho certo para que os trabalhadores se fixem na referida posição como servidores efetivos é a submissão a concurso público, nos termos do art. 37, II, da CF/88, por tudo quanto já se cuidou no prefácio deste estudo.

Nesse sentido, refletindo acerca da impossibilidade de efetivação de servidores temporários nesses moldes em respeito ao princípio do acesso universal, o magistrado Luciano Athayde Chaves ponderou (Ação Ordinária Trabalhista nº 745/2008, Vara do Trabalho de Assu/RN):

Viola esse direito fundamental e difuso de todo o cidadão norma constitucional derivada que busca ‘validar’ contratos temporários e precários, frustrando o direito dos demais cidadãos de participarem, em exercício da isonomia, do concurso público para a substituição da força de trabalho contratada de forma precária.

Não importa, pela ótica com a qual comungo, que os autores tenham se submetido a processo simplificado de seleção, pois a Constituição Federal encerra o preceito de que o acesso a cargo ou emprego pressupõe prévia habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Fere também, a meu ver, o princípio da isonomia esse ‘enquadramento’ ou ‘aproveitamento’. Isso porque talvez não interessa a um determinado cidadão concorrer a processo simplificado para trabalho temporário ou precário, mas o interessaria um certame para ocupar cargo ou emprego efetivo. O que dizer a esse cidadão agora? (Destaque no original)

De fato, não se pode comparar a atratividade de um cargo efetivo ao de um temporário. Da mesma forma, não se pode abusar do permissivo constitucional da contratação temporária, a qual, de nenhuma sorte, poderia se manter perene, posto que diverso foi o intento que motivou sua criação. O TRT da 22ª Região (Piauí), em decisão que se transcreve9, entendeu ser válida a convalidação aqui combatida, veja-se:

REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE REGIME DE OUTRO ENTE FEDERATIVO. O caput do art. 39 da CF, restabelecida sua redação original pelo STF, não proíbe os entes federativos de utilizarem o regime de outra pessoa jurídica de direito público, desde que referida autorização tenha sido feita por lei municipal.

AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. PARTICIPAÇÃO EM PROCESSO SELETIVO. CONTRATO VÁLIDO. Os profissionais que, na data de promulgação da EC 51/06, já tivessem sido contratados mediante processo seletivo público que atendeu aos princípios da Administração Pública insculpidos no art. 37 da CF tiveram seus contratos validados, a teor do parágrafo único do art. 2º da EC nº 51/06 e parágrafo único do art. 9º, da Lei nº 11350/06.

(TRT 22. RO 00516-2008-105-22-00-0, Rel. Desembargadora Enedina Maria Gomes dos Santos, Primeira Turma, DJT 27/5/2009. Destaque acrescido)

Na mesma linha, respectivamente, o TRT da 21ª Região (Rio Grande do Norte) e da 7ª Região (Ceará):

1. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE - CONTRATO ANTERIOR À EMENDA Nº 51 - VALIDADE. Na conformidade do art. 2º, parágrafo único, da Emenda Constitucional n° 51, os profissionais que, na data de sua promulgação, estivessem desempenhando atividades de agente comunitário de saúde e agentes de combate às endemias estariam dispensados de submeter-se ao processo seletivo público referido no seu art. 1º, quando contratados a partir de anterior processo de seleção pública, sendo, pois, válidos os contratos assim ajustados. 2.ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - AGENTES NOCIVOS - PRESENÇA - PERÍCIA - ATIVIDADE INSALUBRE - NORMA REGULAMENTAR DO MTb - CARACTERIZAÇÃO - EFEITOS. Quando a perícia constata que a atividade do reclamante o expõe a agentes nocivos a saúde e o Ministério do Trabalho enquadra a atividade como insalubre, em grau médio, impõe-se a manutenção da decisão que deferiu o adicional de insalubridade.

4. FGTS - INADIMPLEMENTO DO EMPREGADOR - EFEITO. Provado nos autos o inadimplemento do empregador quanto aos depósitos do FGTS, tem jus os reclamantes aos respectivos depósitos na conta vinculada, desde a admissão até a data do ajuizamento da ação.

5. PIS/PASEP - ÔNUS - VÍNCULO - DEMONSTRADO - INSCRIÇÃO - PREJUÍZO - COMPROVAÇÃO - EFEITOS. Constitui obrigação do empregador cadastrar o trabalhador no Programa de Integração Social. Verificada a omissão, impõe-se seja condenado na obrigação de efetuar a inscrição do obreiro junto ao PIS, bem como a indenizá-lo pelos prejuízos oriundos de sua omissão.

6.Recursos e remessa conhecidos; recurso desprovido e remessa parcialmente provida. (TRT 21. RO nº 01850-2008-018-21-00-4. Relator Des. Carlos Newton Pinto. DJ 16/11/2009).

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. CONSTITUCIONALIDADE. A Emenda Constitucional n.º 51/2006, ao invés de contrariar, complementa a vontade do constituinte originário, aperfeiçoando a regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, II) e a da sua exceção (art. 37, IX), já que a única mudança promovida na situação dos agentes comunitários de saúde, com a sua edição, e da Lei nº. 11.350/06, foi a regulamentação da desnecessidade de prestação de concurso público, mas tão somente de submissão dos agentes a processo seletivo público para a sua contratação, regularizando ainda a situação daqueles que, na data da promulgação da Emenda já haviam sido contratados mediante anterior processo seletivo público. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Cabíveis os honorários advocatícios, com arrimo nos artigos 5o., LXXLV, 8o., I e 133 da Constituição Federal, afastando-se, na espécie, o entendimento sufragado nas Súmulas 219 e 329, do C TST. (TRT 7. RO nº 0126100-93.2009.5.07.0024. Relatora Des. Rosa de Lourdes Azevedo Bringel. DEJT 29/11/2010)

Nada obstante os respeitáveis entendimentos, crê-se que, como restou exposto supra, não há guarida no ordenamento jurídico pátrio para ingresso efetivo no serviço público de trabalhador previamente contratado a título precário a não ser que este se submeta a concurso público para a nova função.

Nesse sentido, em precedente pela inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da EC nº 51/06, nos autos da supracitada Reclamatória Trabalhista nº 745.2008, assinalou o magistrado Luciano Athayde Chaves, então na titularidade da Vara do Trabalho de Assu/RN:

Agente Comunitário de Saúde e Agente de Combate à Endemias. Admissão mediante processo seletivo simplificado. Natureza jurídica de sua atuação. Contratação Administrativa para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, CF). Incompatibilidade com o regime da Lei n. 8.036/90 (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS). Art. 2º, Parágrafo Único da Emenda Constitucional n. 51/2006, e § 1º, art. 2º da Lei Complementar Municipal de Assú/RN n. 14/2006. Possibilidade de enquadramento ou aproveitamento, em cargos ou empregos de provimento efetivo, dos agentes em exercício na data da publicação da alteração constitucional. Inconstitucionalidade material. Ofensa ao princípio do concurso público (art. 37, II, CF). Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Pronunciamento incidental. Improcedência dos pedidos.

1. Os contratos administrativos temporários e precários, firmados entre a Administração Pública e os integrantes do pólo ativo desta demanda, agentes comunitários de saúde, não geram efeitos trabalhistas, como, dentre outros, o direito a anotação da carteira profissional e aos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, por se tratar de contrato administrativo de natureza especial;

2. O advento da Emenda n. 51/2006 não poderia produzir efeitos retroativos, de modo a transmudar a natureza jurídica daqueles contratos administrativos e precários, dotando-os da natureza celetista, e tampouco para conferir direitos de natureza trabalhista referentes ao tempo pretérito da contratação temporária;

3. O ‘enquadramento’ dos autores, levado a efeito pela Lei Complementar Municipal de Assú/RN n. 14/2006, tal como o parágrafo único do art. 2º da Emenda n. 51/2006, está em atrito frontal com o princípio constitucional do concurso público, garantia fundamental da sociedade, insuscetível de violação por emenda constitucional e, por óbvio, por legislação de inferior estatura. (VT Assu/RN. RT 745.2008. Julgamento em 04.12.2008)

Na mesma linha, destaca-se trecho do voto do redator Des. Douglas Alencar Rodrigues nos autos do Processo nº 00235-2009-811-10-85-5, oriundo do TRT da 10ª Região, cujo acórdão, na íntegra, fora publicado em 16.04.10:

Ressalto que, conquanto a Demandada tenha construído sua linha de defesa com fundamento na natureza administrativa do vínculo, não restou demonstrado nos autos a contratação mediante concurso público regular ou a hipótese excepcional de contratação temporária. Com efeito, a contratação anterior à edição da Lei nº 11.350/06, que dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do artigo 2º da EC nº 51/06 é nula de pleno direito, por afronta ao ordenamento jurídico, especialmente aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade, que devem revestir os atos públicos. A irregularidade da contratação, inclusive, foi reconhecida pelo Reclamado, desde que firmado Termo de Conciliação nos autos da execução nº 08001-2008-812-10-00-9 (fls. 139/143), em que se comprometeu a promover concurso público para o preenchimento dos cargos de agente comunitário de saúde, agente de combate à endemias e, ainda, para os cargos oriundos de Programas subsidiados com recursos federais (Grifou-se).

Corroborando com o exposto, o Supremo Tribunal Federal, na Súmula 685, consubstanciou o entendimento de que “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

De todo o apanhado, é de se acreditar que a possibilidade ventilada pela EC nº 51/06 em seu art. 2º, parágrafo único, não tem respaldo no ordenamento jurídico pátrio, pelo que não pode ter o condão de excetuar a obrigatoriedade de realização de concurso público. Isto porque, sobretudo, o princípio do acesso universal tem “caráter ético e moralizador, e visa a assegurar a igualdade, impessoalidade e o mérito dos candidatos” (CUNHA JUNIOR, 2009, p. 244), garantias individuais insuscetíveis de minoração pela via da Emenda Constitucional (art. 60, §4º, IV, CF/88).

3.2 O Processo seletivo simplificado

Como mencionado alhures, a EC nº. 51/2006 criou a figura do processo seletivo simplificado, posteriormente regulamentado pela Lei nº. 11.350, de 05 de outubro de 2006, no §9, que, dispondo sobre a contratação de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate a endemias, preconiza que esta “deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

A expressão processo seletivo público, discrepante do concurso público de que trata o art. 37, II, da CF/88, foi interpretada pela doutrina como “um procedimento mais célere, menos burocratizado que o costumeiro nos concursos públicos10”. Parte da jurisprudência também acompanhou o referido entendimento. Confira-se:

AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. CONTRATAÇÃO. PROCESSO SELETIVO. VALIDADE. Válida é a contratação do agente comunitário de saúde aprovado em processo seletivo público, visto ser este espécie do gênero concurso público, podendo ser utilizado em face da rapidez e celeridade necessária na área de saúde, que requer admissão em caráter excepcional ou de urgência, dentro de determinadas comunidades, consoante os arts. 198, § 4º da CF/88 e 9º da Lei nº 11.350/2006. Recurso Ordinário conhecido e não provido. (TRT 16. RO nº 00180-2007-014-16-00-0. Relator Des. Luiz Cosmo da Silva Júnior. DJ 10.09.2008)11.

AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. SUBMISSÃO A PROCESSO DE SELEÇÃO PÚBLICA. A Carta Magna autorizou um modo especial de acesso ao serviço público para os agentes comunitários de saúde e de combate de endemias, estabelecendo, para tanto, o atendimento de requisitos específicos. São eles a prestação de serviços em período anterior ao da promulgação de EC 51/06 e a submissão a processo de seleção pública. (TRT 5. RO 0135400-76.2009.5.05.0431. Relator Des. Paulino Couto. DJ 24/08/2010)

AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE - EC. 51/06, ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO - REGRA DE TRANSIÇÃO - EFETIVAÇÃO - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. Aplicando-se o princípio da proporcionalidade (necessidade, utilidade e proporcionalidade em sentido estrito), conclui-se inexoravelmente pela constitucionalidade da EC 51/06, pois, muito embora encerre uma exceção ao requisito do concurso público, o processo seletivo simplificado foi o meio encontrado pelo legislador para promover, com rapidez, o serviço público de saúde, em consonância com a eficácia progressiva dos direitos sociais e com o princípio que veda o retrocesso social, devendo se entender esse novel procedimento como uma modalidade de concurso público, obedecendo, em todo caso, os princípios reitores da administração pública. Recurso ordinário conhecido e não provido. (TRT 16. RO 00177-2007-014-16-00-6. Relator Des. José Evandro de Souza. DJ 04.08.2008).

O TST, da mesma forma, referendou o entendimento supra:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A presente demanda tem fundamento na existência de um contrato de emprego como agente comunitário, entre a reclamante e o Município e todos os pedidos formulados que dele decorrem, portanto, é competente a Justiça do Trabalho para apreciar e julgar o presente feito. 2. CONTRATO DE TRABALHO. SUBMISSÃO A PROCESSO SELETIVO. Não há falar em nulidade da contratação da reclamante, em face da inobservância dos requisitos constitucionais, porquanto o Regional concluiu que a situação em exame insere-se na previsão contida no parágrafo único do art. 2o da EC nº 51/2006. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST. AIRR - 2710376-58.2010.5.05.0000 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 06/04/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: 08/04/2011)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. 1. DESPACHO DE ADMISSIBILIDADE EXARADO PELO JUÍZO -A QUO-. INCOMPETÊNCIA PARA NEGAR SEGUIMENTO A RECURSO DE REVISTA. A competência dos Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho para despachar os recursos ali protocolizados está inscrita no art. 682, IX, da CLT. 2. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Com a indicação de afronta a preceito de lei federal, que, de todo modo, não protege a tese recursal, não há como prosperar o recurso de revista. 3. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE SUBMISSÃO A CONCURSO PÚBLICO. CONTRATAÇÃO POR MEIO DE PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO. VALIDADE. O ingresso nos quadros da Administração Pública Municipal, no cargo de agente comunitário de saúde, por meio de processo seletivo simplificado, em conformidade com o art. 198, § 4º, da Constituição Federal, não gera a nulidade do contrato de trabalho celebrado. 4. AUSÊNCIA DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECURSO DESFUNDAMENTADO. SÚMULA 422 DO TST. Não merece processamento o recurso de revista quando inexiste impugnação aos fundamentos da decisão recorrida. Inteligência da Súmula 422 do TST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST. AIRR - 2710558-44.2010.5.05.0000 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 30/03/2011, 3ª Turma, Data de Publicação: 08/04/2011)

Deve-se atentar, contudo, que a inovação levada a efeito pela EC nº 51 colide frontalmente com o postulado do art. 37, II, CF/88, visto que fez surgir nova modalidade de admissão de pessoal nos quadros da Administração Pública não prevista pela Constituição Federal. A figura da Emenda Constitucional, levada a efeito pelo constituinte derivado12, não pode fugir da obediência aos ditames constitucionais, como ensina Bonavides (2003, p. 297):

O órgão legislativo, ao derivar da Constituição sua competência, não pode, obviamente, introduzir no sistema jurídico leis contrárias às disposições constitucionais: essas leis se reputariam nulas, inaplicáveis, sem validade, inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida.

A EC, seguindo esta trilha, tem sua abrangência limitada às limitações temporais, circunstanciais e materiais do art. 60 da CF/88, como ensina José Afonso da Silva (2005, p.65) e, mormente, para fins deste estudo, aos direitos e garantias individuais (IV, § 4º). Confira-se, a este respeito, o julgado infra do STF:

Recurso extraordinário – Emenda Constitucional nº 10/96 – Art. 72, inciso III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) - Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) – Alíquota de 30% (trinta por cento) - Pessoas jurídicas referidas no § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91 – Alegada violação ao art. 195, § 6º, da Constituição Federal. 1. O poder constituinte derivado não é ilimitado, visto que se submete ao processo consignado no art. 60, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, bem assim aos limites materiais, circunstanciais e temporais dos §§ 1º, 4º e 5º do aludido artigo. 2. A anterioridade da norma tributária, quando essa é gravosa, representa uma das garantias fundamentais do contribuinte, traduzindo uma limitação ao poder impositivo do Estado. 3. A emenda Constitucional nº 10/96, especialmente quanto ao inciso III do art. 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – objeto de questionamento - é um novo texto que veicula nova norma, e não mera prorrogação da emenda anterior. 4. Hipótese de majoração da alíquota da CSSL para as pessoas jurídicas referidas no § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91. 5. Necessidade de observância do princípio da anterioridade nonagesimal contido no art. 195, § 6º, da Constituição Federal. 6. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. (STF. RE 587008/SP. Relator Min. Dias Toffoli. Julgado em 02.02.11. Destacou-se).

Assim como, em matéria tributária, a anterioridade representa garantia fundamental do contribuinte e, destarte, sua alteração encontra óbice no §4º, IV, do art. 60 da CF/88, a EC 51/06, ao excetuar a regra do concurso público, foi de encontro ao direito de todos ao acesso universal aos cargos e empregos públicos, princípio concretizador da isonomia.

Logo, depreende-se que o poder constituinte derivado deve se pautar nas normas e princípios constitucionais quando da reforma ao texto originário da CF/88. In casu, impende que se observe o preceito contido no art. 37, II. Por conseguinte, a EC 51/06 não poderia sequer criar processo seletivo simplificado, quanto mais um aproveitamento de contratos temporários.

Observe-se, e.g., o Edital 201113 de processo seletivo público organizado pela IABAS (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde) em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil (SMSDC) do Rio de Janeiro, com o escopo de contratar Agentes Comunitários de Saúde.

Dentre as etapas daquele processo seletivo, havia, por último, uma entrevista com os candidatos, de caráter eliminatório e classificatório, conforme subitem 6.2.5 do referido Edital. Crê-se que entrevista de caráter eliminatório, e outras formas de avaliação de mesmo nível, retiram completamente a lisura daquele procedimento seletivo, pois dá azo para que a subjetividade da banca examinadora escolha os candidatos, afastando a impessoalidade e a moralidade do certame simplificado, além de ferir a isonomia.

Desta feita, há ofensa não apenas a garantias fundamentais dos particulares que se submetem ou poderiam, potencialmente, se submeter ao exame, mas, também, aos princípios norteadores da atuação da Administração Pública. Desobedecendo, pois, os limites pautados, a EC submete-se ao crivo do controle de sua constitucionalidade, como informa José Afonso da Silva (2005, p. 68):

Toda modificação constitucional feita com desrespeito do procedimento especial estabelecido [...] padecerá de vício de inconstitucionalidade formal ou material, conforme o caso, e, assim, ficará sujeita ao controle de constitucionalidade pelo Judiciário, tal como se dá com as leis ordinárias.

Nessa senda, no uso do controle difuso de constitucionalidade das leis, o TRT da 16ª Região, em oportunidade, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 1º, § 4º, da EC nº 51/06, para dar interpretação conforme à CF/88 à expressão processo seletivo público, considerando-a equivalente a concurso público, confira-se:

APRECIAÇÃO INCIDENTAL DA CONSTITUCIONALIDADE. EC Nº 51/06. PROCESSO SELETIVO PÚBLICO PARA SELEÇÃO DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. Aprecio a constitucionalidade incidenter tantum da norma para, fazendo uma interpretação conforme a Constituição, deixar assentado que o termo "processo seletivo público" deve ser entendido como equivalente a "concurso público". No presente caso, o processo seletivo a que se submeteu a reclamante satisfez os requisitos previstos pela Emenda Constitucional nº 51/2006 e pela Lei nº 11.350/2006, implicando a validade da contratação; por outro lado, lei complementar promulgada pelo município reclamado instituiu aos agentes comunitários de saúde daquela municipalidade o regime celetista, prevalecendo in casu a regra geral prevista pela Lei nº 11.350/2006. Deste modo, é de se dar provimento parcial ao recurso ordinário interposto pela reclamante para reconhecer o vínculo empregatício desde o momento em que passou a autora a servir como agente comunitária de saúde, e não apenas a partir da expedição de certificado no sentido de que prestara ela processo seletivo simplificado, como entendeu o Juízo a quo. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Não havendo alegação de qualquer alteração nas condições de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde, e sendo paga atualmente parcela referente ao adicional de insalubridade, faz juz o obreiro ao pagamento de tal parcela no período anterior a 27.03.2008. No entanto, tal adicional somente será devido a partir da Lei Complementar nº 003/2007, a qual criou o emprego público de agente comunitário de saúde. TERÇOS DE FÉRIAS. NÃO PAGAMENTO DENTRO DO PRAZO LEGAL. PAGAMENTO EM DOBRO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 386 DA SBDI-I DO C. TST. Não comprovando o Município o pagamento dos terços de férias - ônus que lhe competia, em virtude do princípio da aptidão da prova -, é de se condená-lo ao pagamento das referidas parcelas de forma dobrada, consoante preconiza a recente Orientação Jurisprudencial nº 386 da SBDI-I do c. TST, segundo a qual "É devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, incluído o terço constitucional, com base no art. 137 da CLT, quando, ainda que gozadas na época própria, o empregador tenha descumprido o prazo previsto no art. 145 do mesmo diploma legal".HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Conforme entendimento do C. TST, pacificado em sua Súmula nº 219, os honorários advocatícios na Justiça do Trabalho somente são devidos se o reclamante estiver assistido por sindicato da categoria profissional e encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do sustento próprio ou da família, o que não é o caso dos autos, uma vez que a reclamante encontra-se assistida por advogado particular. (TRT 16. RO 02342-2009-012-16-00-3. Relator Des. James Magno Araújo Farias. DJ 04.04.11)

Em que pese o entendimento esposado no acórdão supra, crê-se que há de se ir ainda mais além, desconsiderando totalmente qualquer analogia ou equivalência a concurso público, posto que a CF/88 não contemplou outra forma de ingresso efetivo no serviço público que não a submissão a concurso público.

De outra ponta, entendendo-se processo seletivo público de qualquer outra forma que não seja o concurso público de que trata o art. 37, II, CF/88, se estará diante de conflito de normas que, em virtude da limitação do Poder Constituinte Derivado e da hierarquia das normas em embate, levaria, indubitavelmente, à inconstitucionalidade do §4º do art. 1º da EC 51/06.

Pelo exposto, entende-se que a EC nº 51/06, por total impossibilidade, não criou exceção à regra geral de obrigatoriedade de concurso público para acesso efetivo a cargos e empregos públicos, nos moldes do art. 37, II, da CF/88, de sorte que as contratações levadas a efeito com fulcro nas inovações trazidas por aquela emenda não devem, igualmente, merecer validade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem pretensão de exaurir a matéria, pretendeu-se mostrar que, a despeito da hipossuficiência do trabalhador consagrada nos princípios protetivos da Consolidação das Leis do Trabalho, em hipóteses como a do tema em estudo os bens jurídicos em conflito devem ser sopesados, mitigando a disparidade reconhecida entre empregado e empregador a fim de se proteger um bem maior, o interesse público.

Procurou-se demonstrar, outrossim, que o princípio do acesso universal não foi excepcionado pela EC nº 51/06, em que pese o entendimento majoritário em contrário, em virtude da inconstitucionalidade material dos dispositivos insculpidos naquela emenda. Devem ser inválidas, destarte, as contratações levadas a efeito naqueles moldes, em respeito ao postulado maior do art. 37, II, da CF.

Dessa forma, será possível a consagração do interesse público em detrimento do favorecimento de uma minoria, findando com a irresistibilidade que se vislumbra atualmente de burlar a Constituição Federal, desfrutar de cargo público sem prévio certame e, ainda assim, ser beneficiário de direitos trabalhistas.


REFERÊNCIAS

BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003.

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. Salvador: Podivm, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. Salvador: Podivm, 2009.

FREIRE, Lucas Rios. Acessibilidade ao funcionalismo público sem a exigência de concurso público. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1945, 28 out. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/11882>. Acesso em: 26 jun. 2011.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.


  1. ...

  2. ....

  3. Interesse público, no conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 60), deve ser entendido como a “dimensão pública dos interesses individuais”, representando o interesse do indivíduo enquanto membro de uma sociedade, vislumbrando os anseios daqueles que a compõem no presente e que dela farão parte no futuro.

  4. Constituição Federal, art. 5º, caput.

  5. Idem, art. 37, I.

  6. Aos estrangeiros, há previsão no art. 207, §1, da CF/88 de sua contratação por universidades e instituições de pesquisa científica e tecnológica, nos seguintes termos: “É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.”

  7. Este super princípio, como bem observado por Raquel Melo Urbano de Carvalho (2008, p. 154), deve ser promovido não apenas formalmente, mas, sobretudo, materialmente, e tendo em vista os valores absorvidos no sistema constitucional a fim de identificar os preceitos supremos nele consagrados.

  8. LEITE, Thaissa Lauar. Efeitos dos pactos de trabalho nulos celebrados com a administração pública. Revista Jurídica In Verbis, v. XV, p. 85-99, 2010.

  9. No mesmo sentido, RO 02042-2009-002-22-00-4.

  10. Freire, 2008. No mesmo sentido, Dirley da Cunha Junior (2009, p. 245): “Não se exige concurso público, mas tão somente processo seletivo público, para admissão, pelos gestores locais do SUS, dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias”.

  11. Idem, RO 00524-2008-017-16-00-0-RO e RO 00450-2008-017-16-00-2.

  12. Sobre o poder constituinte derivado e suas limitações, Bonavides (2003, p. 150): “Firma-se, em conseqüência, o princípio jurídico ou regra de legitimidade segundo a qual a Constituição nova deriva da Constituição velha, ou seja, toda produção constitucional obedecerá sempre a moldes pré-organizados ou preestabelecidos e ocorrerá nos limites da ordem jurídica, cujos fundamentos não poderão ser ignorados nem violados pela ação do poder constituinte”

  13. Disponível em < http://www.iabas.org.br/IABAS-V0/rh/edital_psf_052011.pdf>. Acesso em 26 de jun. de 2011.

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Sobre a autora
Thaissa Lauar Leite

Analista Judiciária no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura do Trabalho da 21ª Região (ESMAT-21).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Thaissa Lauar. Princípio do acesso universal aos cargos e empregos públicos e a EC n. 51/06: colisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7231, 19 abr. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103556. Acesso em: 27 abr. 2024.

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