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Justiça e o direito fundamental ao meio ambiente

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Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a justiça ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente como forma de garantir e realizar o mínimo existencial à luz da concepção de justiça de John Rawls. A partir de uma abordagem analítica, desenvolve-se a tese de que o direito fundamental ao meio ambiente se agrega ao rol de direitos fundamentais, argumentando que o mínimo existencial ecológico pode ser sustentado como corolário da dignidade da pessoa humana. Partindo da teoria rawlsiana de justiça, fundamenta-se a tutela ao meio ambiente, objeto de proteção e tutela jurídica, justamente, em virtude de ser a condição da própria existência e da efetivação dos demais direitos humanos. Por fim, sustenta-se que a proteção do mínimo existencial ecológico para todos os indivíduos estaria em conformidade com os pressupostos de um Estado Socioambiental, e tratar-se-ia, em última análise, de uma das formas da realização de uma teoria da justiça.

Palavras-chave: justiça ambiental, John Rawls, mínimo existencial, ética, meio ambiente.


Introdução

A crise ambiental se tornou mais evidente na década de 1960. Iniciou-se, a partir de então, a reflexão acerca irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, e marcando os limites do crescimento econômico. A atual degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise da civilização ocidental, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza. Além da crise ambiental, percebe-se o aumento da difusão da temática ambientalista nas últimas décadas, desde um aumento expressivo dos estudos acerca do meio ambiente na academia, maior produção de reportagens na mídia, aumento da preocupação do meio artístico, mas, principalmente, denota-se uma maior percepção dos sujeitos que o meio ambiente vem se modificando, aquecimento global, extinção de espécies, aumento dos eventos extremos, etc. Esta crise ambiental exposta por tantos juristas e ambientalistas tem como causa última a paradoxal relação entre os homens e do homem com a natureza. Trata-se, no fim de contas, da crise antropocêntrica, ou seja, da crise antropológica tem-se também a crise ecológica.

Permeando esse contexto de crise ambiental, o discurso acerca de justiça ambiental vem se expandindo substancialmente na contemporaneidade, tendo se tornado um ponto de essencial e contínua desenvoltura teórica. O escopo do que justiça ambiental trabalha se ampliou de uma forma que vai muito além de suas previsões iniciais que estavam ligadas a distribuição de riscos ambientais. Apesar da abrangência e da amplitude da temática, tem-se como objetivo tratar da problemática da justiça ambiental e sua relação com a teoria de justiça de John Rawls. Com isso, buscando demonstrar que a justiça ambiental teve um papel importante em desafiar as noções de meio ambiente e também ocupando papel quanto a possibilidades de justiça social, para atingir os objetivos propostos neste trabalho, adota-se o procedimento de revisão da literatura, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, essencialmente doutrinária, mas com eventuais aportes da jurisprudência e da legislação.

O que conecta os direitos humanos fundamentais e a justiça ambiental são as graves injustiças ambientais que implicam em violação desses direitos. Esta relação se torna ainda mais próxima quando se lembra do reconhecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental pela Constituição Brasileira de 1988. Além da norma brasileira, a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Declaração de Estocolmo) em 1972 prevê que o meio ambiente natural e o artificial são essenciais para o bem-estar e para o gozo dos demais direitos humanos fundamentais, incluindo o direito à própria vida. Existe uma óbvia relação entre a preservação do ambiente planetário, direitos humanos e justiça ambiental que decorre da seguinte constatação: “o equilíbrio ecológico do planeta Terra é condição essencial para que não sejam violados os direitos humanos, provocando assim, injustiças ambientais” (Rammê, 2012, p. 110).

Desse modo, neste artigo, em primeiro lugar, trata-se de discutir as origens da justiça ambiental e a teoria de justiça de Rawls. E, em um segundo momento, busca-se explorar as relações destes dois termos com a ideia de um mínimo existencial capaz de garantir a realização dos direitos fundamentais, especialmente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com uma base na teoria rawlsiana. Por fim, espera-se conseguir demarcar os aspectos conceituais do tema aqui referenciado, sua justificação normativa e trazer à tona algumas questões problemáticas acerca de sua efetivação.


Justiça ambiental e a teoria de John Rawls

O termo justiça ambiental tem origem nos movimentos sociais norte-americanos que, a partir da década de 1960, passaram a reivindicar direitos civis aos grupos afrodescendentes. Ao mesmo tempo em que exigiam a diminuição da desigualdade em outras áreas, eles protestavam contra a sua exposição aos rejeitos tóxicos provenientes das indústrias. Como expõe Alier (2007, p. 35) a “justiça ambiental é um movimento social organizado contra casos locais de ‘racismo ambiental’, possuindo fortes vínculos com o movimento dos direitos civil de Martin Luther King nos anos 1960”. Assim, em um primeiro momento, a justiça ambiental se liga ao racismo ambiental, ou seja, a distribuição desproporcional de resíduos tóxicos junto às minorias sociais. É possível compreender o racismo ambiental como sendo a discriminação racial presente nas políticas ambientais. Em outras palavras, é uma discriminação racial deliberada na escolha de certos tipos específico de comunidade para depositar rejeitos e instalar indústrias poluidoras, tudo realizado sob o aval da lei. Além disso, a discriminação racial é a exclusão de grupos raciais dos principais grupos ambientalistas, dos comitês de políticas públicas ambientais e das instituições regulamentadoras.

Deve-se fazer menção que aqueles que exigem justiça ambiental não estão fazendo coro com aqueles que pregam a utilização sustentável e eficiente dos recursos naturais, ou aqueles outros que entendem que as externalidades ambientais deveriam ser compensadas, justiça ambiental trata de discriminação em virtude pertencer a uma minoria social e a decorrente repercussão ambiental. Ou seja, quem apenas prega a sustentabilidade não está preocupado, a priori, com certas discrepâncias sociais que dificultam o acesso aos bens ambientais e, também, aumentam os riscos ambientais.

Sendo assim, é possível afirmar que o movimento por justiça ambiental surgiu vinculado a dois outros movimentos sociais, o primeiro seria o movimento contra a contaminação tóxica e o segundo, contra o racismo ambiental. Várias são as causas que podem ser apontadas para a produção de injustiça ambiental no mundo moderno, tais como o mercado competitivo, a política distante da sociedade, a falta de transparência e os discursos que neutralizam um discurso crítico. O mercado acaba criando uma segregação espacial, pois aloca nas mesmas áreas grupos sociais de baixo poder aquisitivo e riscos ambientais, já as políticas, quando existem, são mais rígidas para as camadas sociais mais baixas; a mídia, controlada pelas grandes empresas, evita que os riscos se tornem públicos e sejam debatidos; e, por fim, as corporações criam retóricas para conquistar a simpatia dos indivíduos.

Com o passar dos anos, o movimento por justiça ambiental aderiu a novos objetivos e novas fronteiras, encontrando adeptos mundo afora, assim, ganhando contornos mais amplos em relação as suas. “Atualmente, o movimento por justiça ambiental abarca todos os conflitos socioambientais cujos riscos sejam suportados de forma desproporcional sobre populações socialmente vulneráveis ou mesmo os países ditos de ‘Terceiro Mundo’” (Rammê, 2012, p. 23). Para uma melhor conceituação, se recorre a Leff (2009, p. 69) que afirma que o movimento por justiça ambiental são movimentos de resistência cultural, de estilo de vida e de defesa do meio ambiente, contra as externalidades de uma economia cada vez mais globalizada. Segundo Alier (2007, p. 343), a justiça ambiental procura uma equanimidade em relação aos conflitos ecológicos distributivos.

A consideração da justiça ambiental como uma demanda social é reveladora de um cenário complexo, visto que as discussões sobre a necessidade de proteção da natureza e de manutenção dos direitos humanos fundamentais se inserem no contexto da chamada crise ambiental, colocada em um campo de tensão na modernidade. As reivindicações por justiça ambiental, portanto, se caracterizam pela percepção de que existe uma má distribuição dos bens e dos riscos ambientais nas sociedades contemporâneas, afetando e até mesmo violando direitos das parcelas mais vulneráveis da população. Além disso, é necessário pontuar que a justiça ambiental não se confunde com a justiça ecológica, esta busca corrigir as formas de atuação humana que levam à degradação da natureza. A justiça ambiental pretende superar as desigualdades impostas pelo processo de produção capitalista, reveladas pela concentração das consequências da degradação da natureza em grupos sociais economicamente frágeis, desse modo, a superação se daria pela instituição de mecanismos de distribuição dos riscos e bens ambientais (Baggio, 2008).

Com o intuito de melhor fundamentar uma proposta de justiça ambiental recorrer-se-á à teoria de John Rawls. A justiça para o filósofo político norte-americano, que está assentada na tradição liberal, se baseia em uma ética deontológica de origem kantiana, segundo a qual o indivíduo, pela razão prática, escolhe livremente seguir a lei moral (Lumertz; Vieira, 2012). Para Rawls as instituições de uma sociedade precisam estar fundamentadas moralmente de tal forma que possam cumprir o papel de garantir soluções democráticas, sendo que o principal objetivo de sua obra é formular uma concepção de justiça que fornecesse uma alternativa ao utilitarismo até então predominante. Além disso, é necessário pontuar que Rawls adota a prioridade do justo sobre o bem, fornecendo à sua teoria um caráter deontológico e não teleológico.

Rawls defende a utilização de critérios para a definição do justo, visto que a disputa sobre o conteúdo da justiça acontece em casos concretos, cada um dos interessados tem uma posição inicial parcial. Para resolver esse problema, Rawls apresenta o conceito de justo por equidade, que coloca a discussão em termos contratuais, sendo assim a escolha de princípios morais não pode estar subordinada a situações particulares. Assim, é necessária uma situação hipotética, na qual os sujeitos se encontram sob um “véu de ignorância". Nessa posição original hipotética, as partes considerariam de forma imparcial os pontos de vista de todos e os demais estariam direcionadas à busca de bens primários, ou seja, bens básicos indispensáveis, que podem ser naturais ou sociais (Albuquerque, 2015). Vale lembrar que Rawls trabalha dois tipos de bens primários: os sociais (que ele aprofunda em sua teoria) e os bens primários naturais. A posição original é a situação mais adequada por garantir a liberdade de reflexão racional pelo sujeito, e, também, por estabelecer a possibilidade de igualdades entre todos. Segundo Rawls:

Parece razoável supor que as partes na posição original são iguais. Isto é, todas têm os mesmos direitos no processo da escolha dos princípios; cada uma pode fazer propostas, apresentar razões para a sua aceitação e assim por diante. Naturalmente a finalidade dessas condições é representar a igualdade entre os seres humanos como pessoas éticas, como criaturas que têm uma concepção do seu próprio bem e que são capazes de ter um senso de justiça. (Rawls, 2008, p. 23).

Com a utilização desse cenário hipotético, Rawls acredita que não existem motivos para que os sujeitos agissem de forma mal intencionada para com os demais, visto que eles agem por regras racionais de escolhas. Desse modo, é possível acreditar em um consenso obtido nessa posição original, o que levaria a dois princípios de justiça.

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Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras. Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. (Rawls, 2008, p. 73)

O princípio da igualdade trata dos critérios de acesso às oportunidades dos indivíduos frente aos bens sociais. A ideia aqui é neutralizar ou diminuir a influência dos fatores arbitrários para evitar que as expectativas de sujeitos possuidores das mesmas habilidades fossem afetadas pela sua classe social. Rawls entende que a maneira pela qual a natureza distribui as vantagens não é justa ou injusta, a natureza é uma roleta natural, onde alguns aleatoriamente acabam por serem mais privilegiados em determinados bens que outros. Contudo, ao contrário da natureza, o sistema de distribuição de recursos pode ser julgado como justo ou injusto. O problema não é apenas redistribuir recursos que foram desigualmente distribuídos, mas, primeiro, mudar as instituições que governam a distribuição de tais recursos, ou seja, modificar os critérios de distribuição. Desse modo, a partir do modo com os bens são concedidos pela natureza é que as instituições devem fazer a distribuição dos recursos existentes (Rigo, 2015).

O segundo princípio faz menção à necessidade de todos agirem cooperativamente para que seja possível usufruir dos bens. O princípio da diferença significa a superação de uma ideia de justiça meramente distributiva, em outras palavras, para este princípio o benefício maior dos mais privilegiados só é possível se os menos favorecidos fossem também beneficiados. Ou seja, só é possível agir de forma desigual na distribuição de recursos, se isso fosse beneficiar os menos favorecidos, sem, contudo, subtrair os seus recursos (Rigo, 2015). Assim, o princípio da diferença inova em fazer das desigualdades, um subcaso das igualdades. Visto que todos possuem os mesmos direitos e deveres, estas desigualdades são justas e equitativas quando acarretam no benefício de todos. Deste modo, justas são as sociedades e instituições que sigam o princípio da diferença, pois elas visam corrigir a distribuição desigual natural, sem acarretar limitações aos beneficiados naturalmente (Lumertz; Vieira, 2012).

A teoria Rawls trata, então, de quatro etapas na institucionalização da justiça e na definição das normas para a distribuição dos bens públicos: (1) contrato político de justiça, formado pela posição original; (2) estabelecimento desse contrato, em uma Constituição; (3) aprovação de leis complementares à Constituição; (4) aplicação das leis pelo judiciário. Nesse sentido, as políticas ambientais devem ser estabelecidas pelo poder legislativo. Segundo Felipe, Rawls entende que é preciso regulamentar o uso dos recursos naturais, sendo essa a única forma de controlar publicamente e institucionalmente o impacto negativo da exploração do ambiente (Felipe, 2006, p. 20).


Mínimo existencial como justiça ambiental e respeito aos direitos fundamentais

A Constituição Federal Brasileira de 1988, ao instituir o Estado Democrático de Direito, consagrou em seu artigo 1º, inciso III, como fundamento a dignidade da pessoa humana. Entende-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada indivíduo que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da sociedade.

O reconhecimento e a promoção da dignidade é uma conquista da história, mas ao mesmo tempo é uma construção da razão. Indica um dever ser. É normativa. É uma qualidade intrínseca do ser pessoa. Define o homem como fim em si mesmo, para usar uma expressão kantiana. E isso, obviamente, não depende de desenvolvimento histórico. Mencioná-la no prelo e/ou nos artigos iniciais e basilares de uma Constituição, significa estabelecer a inviolabilidade do ser humano como pressuposto de toda a estrutura jurídica e social, reconhecendo-o como sujeito do direito, isto é, como portador de direitos e deveres. Estabelecer a dignidade da pessoa humana como fundamento de uma Constituição, tal como o faz a brasileira, significa dizer que ela se constitui no referencial teórico e base de sustentação de toda a estrutura jurídica e social. Ela é um princípio sobre o qual se ergue a ordem constitucional. Significa, portanto, que não pode ser violada e que, ao mesmo tempo, deve ser protegida e promovida (Weber, 2013, p. 198-199).

Decorrem dessa afirmação um feixe de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa proteção contra todo e qualquer ato degradante e desumano e, também, garantia de suas condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunidade (Sarlet, 2009, p. 37). Para Fensterseifer (2008, p. 32), a dignidade da pessoa humana é a matriz axiológica do ordenamento jurídico, o princípio de maior hierarquia da nossa Constituição e a pedra basilar da edificação constitucional do Estado (social, democrático e ambiental) 1.

Além disso, “como um valor fundamental que é também um princípio constitucional, a dignidade humana funciona tanto como justificação moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais” (Barroso, 2015, p. 43). Assim, os direitos humanos devem ser interpretados tendo como parâmetro o valor da dignidade da pessoa humana o que impõe a sua máxima realização e observância plena. Em outras palavras, é exatamente pelo fato de os direitos humanos explicitarem o conteúdo axiológico da noção de dignidade da pessoa humana é que eles são considerados fundamentais, devendo ser realizados na maior medida possível.

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A partir de uma compreensão necessariamente multidimensional e não reducionista da dignidade da pessoa humana, defende-se o reconhecimento de uma dimensão ecológica da dignidade humana. Visto que a dignidade não deve ser restringida a uma dimensão puramente biológica ou física, afinal contempla a qualidade de vida como um todo, inclusive do ambiente em que a vida humana se desenvolve, de modo a assegurar um padrão de qualidade e segurança ambiental mais amplo (Sarlet; Fenstersiefer, 2014a, p. 109). É preciso destacar que a dimensão ecológica da dignidade humana amplia o conteúdo da dignidade em sentindo amplo, pois visa garantir um padrão de qualidade, equilíbrio e segurança ambiental (Fensterseifer, 2008, p. 48).

Em razão de ser a dignidade humana o pilar-mestre ou a pedra fundamental de toda a edificação jurídico-constitucional contemporânea, qualquer modificação conceitual nela provocada acaba por repercutir e projetar-se para todo o sistema jurídico, principalmente no que tange aos direitos fundamentais e a própria conformação do Estado de Direito. (Sarlet; Fensterseifer, 2007, p. 75)

A qualidade e a segurança ambiental se tornam elementos integrantes do conteúdo normativo da dignidade da pessoa humana, sendo necessárias para o desenvolvimento pleno dos sujeitos. Desse modo, não é possível conceber uma vida digna sem um ambiente saudável e equilibrado, em especial devido à densidade axiológica do artigo 225 da Constituição Federal. Isto é, na esfera jurídica contemporânea, com o crescimento das discussões ambientais, o paradigma antropocêntrico sendo superado, abrindo espaço para os diferentes conceitos de antropocentrismo alargado, antropocentrismo ecológico, ecocentrismo, biocentrismo, etc. A existência do ser humano com dignidade depende, por óbvio, da existência deste planeta. Discute-se, portanto, os limites do antropocentrismo das dimensões individual e social da dignidade humana, frente a uma nova dimensão, necessário, a dimensão ecológica. Claro que existem controvérsias sobre a necessidade da existência de uma dimensão ecológica da dignidade humana, todavia tais discussões também aconteceram quando foi defendida existência da dimensão social da dignidade humana. Reconhecer esta dimensão é essencial à própria existência da dignidade humana, visto que não é possível a existência da vida humana sem a existência da vida em geral.

Isso se deve ao fato de que a Constituição transformou a visão que se tinha do bem ambiental que, até então, era um bem público. Após 1988 ele passa a ter natureza difusa, surgindo, na nova ordem constitucional, com três características. A primeira diz respeito ao fato de ser um bem de uso comum do povo, como segunda característica é um bem essencial à sadia qualidade de vida, o que importa à satisfação do fundamento do Estado Socioambiental brasileiro, ou seja, a dignidade da pessoa humana, e, por último, de ser um bem intergeracional, que deve ser garantido e protegido para as gerações presente e futura (Miranda; Calça, 2014, p. 49).

Dessa forma, o processo histórico de conquista dos direitos fundamentais oportunizou que a proteção ambiental fosse inserida neste seleto rol, o que ocasionou que o conteúdo do mínimo existencial, que já contemplava uma dimensão social, devesse se modificar para compreender, também, uma dimensão ecológica, assumindo características socioambientais. Pois, no caminho de realizar as normas expressas no artigo 225 da Constituição Federal se observa que a promoção da sadia qualidade de vida só é possível dentro de padrões mínimos estabelecidos constitucionalmente para o desenvolvimento pleno da personalidade humana, em ambiente com qualidade e segurança.

Assim como outrora os direitos liberais e os direitos sociais formatavam o conteúdo da dignidade humana, hoje também os direitos de solidariedade, como é o caso especialmente do direito ao ambiente, passam a conformar o conteúdo da dignidade humana, ampliando o seu âmbito de proteção. (Sarlet; Fenstersifer, 2007, p. 74)

Diante disso, extrai-se a importância da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Socioambiental de Direito. Este pode ser compreendido como produto das novas reivindicações fundamentais do ser humano e particularizado pela ênfase que confere à proteção do meio ambiente (Leite; Ayala, 2014, p. 43). Segundo Canotilho (1998, p. 44), a qualificação de um Estado como Estado Socioambiental aponta em – pelo menos – duas dimensões jurídico-políticas. Primeiramente, se observa a obrigação do Estado, em cooperação com outros Estados e cidadãos ou grupos da sociedade civil, de promover políticas públicas (econômicas, educativas, de ordenamento) pautadas pelas exigências da sustentabilidade ecológica e, além disso, a segunda dimensão aponta para o dever de adoção de comportamentos públicos e privados amigos do ambiente, dando expressão concreta à assunção da responsabilidade dos poderes públicos perante as gerações futuras. Considerando o exposto, e seguindo Sarlet e Fensterseifer (2014b, p. 33), se considera possível agregar um terceiro eixo às duas dimensões propostas por Canotilho, notadamente o dever do Estado de promover políticas socioambientais que assegurem, igualmente de modo sustentável (mas progressivo), a toda a sociedade as condições para uma vida digna, na perspectiva da garantia de um mínimo existencial não apenas vital, mas socioambiental.

Em vista do conteúdo e da força normativa do princípio (e também valor) jurídico da dignidade da pessoa humana, decorrem dele direitos tanto de natureza defensiva (negativa) como prestacional (positiva). Um exemplo seria a garantia constitucional do mínimo existencial, a garantia das prestações materiais mínimas necessárias a uma vida em patamares dignos (Fensterseifer, 2008, p. 32-33). O princípio da dignidade da pessoa humana se relaciona com o núcleo do mínimo existencial. Para uma realização plena desta dignidade humana é necessária a compreensão de seu caráter ecológico, afinal uma qualidade mínima ambiental é necessária para a pessoa humana, frisa-se que o meio ambiente equilibrado constitui elemento dessa dignidade. “Então resta uma pergunta: Será que devemos reduzir o mínimo existencial ao direito de subsistir?” (Garcia, 2013, p. 34). O conteúdo do mínimo existencial não pode ser confundido com a ideia de “mínimo vital”, pois este diz respeito à garantia da vida humana, sem necessariamente abranger as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida com certa qualidade. Como apontam os autores, não deixar alguém sucumbir à fome, certamente, é o primeiro passo para garantir um mínimo existencial, contudo, não é o suficiente para a garantia de uma existência digna, ainda mais em vista dos novos riscos existenciais postos pela crise ambiental (Sarlet; Fensterseifer, 2010, p. 28).

No Brasil, ainda que inexista uma previsão taxativa e expressa no texto constitucional sobre o direito e a garantia a um mínimo existencial, é possível fazer menção ao amplo rol de direitos sociais que devem ser prestados por parte do Estado. Assim, o que importa, é a percepção de que o direito fundamental ao mínimo existencial independe de expressa previsão constitucional para poder ser reconhecido, visto que decorre diretamente da proteção da vida e da dignidade da pessoa humana 2. Neste contexto, há que enfatizar que o mínimo existencial – compreendido como todo o conjunto de prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada sujeito uma vida com dignidade e, portanto, saudável – tem sido identificado como o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, núcleo este blindado contra toda e qualquer intervenção por parte do Estado e da sociedade. (Sarlet, 2013, p. 37-38).

O reconhecimento do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, dessa maneira, incorpora novos elementos ao conteúdo do mínimo existencial social. Ou seja, pode-se falar agora em uma dimensão ecológica do direito ao mínimo existencial, que, em virtude da necessária agregação com a agenda de proteção e promoção de uma existência digna em termos sociais (portanto, não restrita a um mínimo vital) há de ser designada pelo rótulo de um mínimo existencial socioambiental, coerente, aliás, com o projeto jurídico, político, social, econômico e cultural do Estado Socioambiental de Direito (Sarlet; Fensterseifer, 2010, p. 25). A ideia de mínimo existencial compreende o conjunto de prestações materiais que garantem aos sujeitos uma vida com dignidade, que somente pode ser uma vida em um ambiente saudável, por padrões qualitativos mínimos. A dignidade da pessoa humana é o norte jurídico para definir o mínimo existencial, por isto que esse visa proteger mais do que a mera sobrevivência física (Sarlet; Fensterseifer, 2014a, p. 91).

Um mínimo ecológico de existência tem a ver, consequentemente, com a proteção de uma esfera existencial ambiental que deve ser mantida e reproduzida. Deve-se considerar que o mínimo não está sujeito a iniciativas revisoras próprias do exercício das prerrogativas democráticas conferidas à função legislativa. Logo, aqui compreende-se como a concepção da ideia de mínimo existencial ecológico estabelece relações com o princípio da proibição de retrocesso, pois uma dimensão ecológica existencial deve ser protegida e garantida contra iniciativas que possam, em alguma medida, representar ameaça a padrões ecológicos elementares da vida e da dignidade humana. (Ayala, 2010, p. 317). Diante disso,

há como extrair, ainda, outra constatação de relevo também para os desenvolvimentos subsequentes, qual seja, a impossibilidade de se estabelecer, de forma apriorística e, acima de tudo, de modo taxativo, um elenco dos elementos nucleares do mínimo existencial, no sentido de um rol fechado de posições subjetivas (direitos subjetivos), negativos e positivos correspondentes ao mínimo existencial, o que evidentemente não afasta a possibilidade de se inventariar todo um conjunto de conquistas já sedimentadas e que, em princípio e sem excluir outras possibilidades, servem como uma espécie de roteiro a guiar o intérprete e, de modo geral, os órgãos vinculados à concretização dessa garantia do mínimo existencial (Sarlet, 2013, p. 39).

Somado a isso, percebe-se a preocupação doutrinária de se conceituar e definir, em termos normativos, um padrão mínimo ecológico para a concretização da dignidade humana. Tal preocupação se dá em razão de que a qualidade ambiental retém uma importância essencial para o desenvolvimento da vida humana em toda a sua potencialidade. Diante dessa compreensão, das necessidades humanas básicas, na perspectiva das gerações presente e futura, coloca-se a reflexão acerca da exigência um patamar mínimo de qualidade ambiental, sem o qual a dignidade humana estaria sendo violada em seu núcleo essencial. O âmbito de proteção do direito à vida, frente à presença dos riscos ambientais contemporâneos, para atender ao padrão de dignidade assegurado constitucionalmente, deve ser ampliado no sentido de abarcar a dimensão ambiental em sua esfera normativa (Sarlet; Fensterseifer, 2010). Assim, da mesma maneira que sejam imprescindíveis determinadas condições materiais para assegurar adequados níveis de bem-estar social, sem as quais o pleno desenvolvimento humano, e, até mesmo, a sua inserção política é inviabilizada, também, na dimensão ambiental, é possível falar em um conjunto mínimo de condições materiais em termos de qualidade ambiental, uma vez que, sem o qual, o desenvolvimento da vida humana se encontra prejudicado e em desconformidade com a imposição constitucional que delega ao Estado o dever de tutelar a vida e a dignidade humana contra estas ameaças existenciais. Além de que, sem o acesso às condições existenciais mínimas, nas quais se inclui necessariamente um padrão mínimo de qualidade ambiental, não há como falar em liberdade real, muito menos em um modo de vida digno. Afinal, a garantia do mínimo existencial ecológico (como direito fundamental) se torna, sob certa perspectiva, como uma condição de possibilidade do próprio exercício dos outros direitos fundamentais (Sarlet; Fensterseifer, 2010).

Em sequência, pode-se argumentar que a proteção ambiental possui grande relação à garantia e proteção dos demais direitos sociais, já que o gozo destes últimos somente é possível dentro de condições ambientais favoráveis. Esta preservação de um patamar mínimo de qualidade ambiental deve ser atribuída, tanto na forma de deveres de proteção do Estado como na forma de deveres fundamentais dos atores privados, às gerações humanas presentes, de modo a preservar as bases naturais mínimas para o desenvolvimento – e mesmo a possibilidade – da vida das gerações futuras. Desse modo, o que se apresenta é a imposição da conjugação dos direitos sociais e dos direitos ambientais para efeitos de identificação dos patamares necessários de tutela da dignidade humana, no sentido do reconhecimento de um direito ao mínimo existencial socioambiental, precisamente pelo fato de tal direito abarcar o desenvolvimento de todo o potencial da vida humana até a sua própria sobrevivência como espécie, no sentido de uma proteção do homem contra a sua própria ação predatória (Sarlet; Fensterseifer, 2010).

Nesta mesma linha está a teoria de John Rawls, visto que o filósofo político americano deixa bem claro em seus escritos que viver não é apenas sobreviver, pois uma concepção de justiça deve ter como base fundamental a prescrição de condições mínimas para que a pessoa possa se desenvolver, ou não terá uma vida digna e muito menos poderá atuar como cidadão. Nesse ponto se busca aproximar o princípio da dignidade da pessoa humana com a ideia de cidadania, segundo Cordeiro (2016, p. 296) a dignidade da pessoa humana, como a cidadania, reúne um conjunto de direitos e deveres fundamentais. Ela está ligada a uma comunidade política, dentro da qual os direitos podem ser exercidos, reconhecidos e protegidos. Além disso, cidadania e dignidade exigem a garantia de condições materiais suficientes para que seja possível seu exercício, de modo a promover a participação ativa e responsável dos indivíduos na sociedade. Portanto, dignidade humana e cidadania não são se confundem, interconectam-se.

Visto que a garantia do mínimo existencial é uma exigência fundamental para o exercício da liberdade e da democracia, deve-se ter em mente que ela ainda é insuficiente para a construção política do cidadão e da justiça. Ou seja, estão presentes na teoria de Rawls dois níveis de necessidades materiais a serem observadas, sendo a primeira, as do indivíduo como ser humano e a segunda, as do indivíduo como cidadão. Rawls ao estudar os indivíduos enquanto cidadãos amplia o conteúdo do mínimo existencial para além das condições materiais básicas. Sua ideia de bens primários concentra-se sobre as necessidades políticas do indivíduo, enquanto cidadão. A lista básica de bens primários, que não é um rol taxativo para Rawls, podendo ser ampliada se necessário, está dividida em cinco categorias: (1) os direitos e liberdades fundamentais; (2) liberdade de movimento e livre escolha de ocupação num contexto de oportunidades diversificadas; (3) poderes e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidade nas instituições políticas e econômicas da estrutura básica; (4) renda e riqueza; (5) as bases sociais do autorrespeito. Esses bens, para Rawls, são coisas de que os cidadãos necessitam como pessoas livres e iguais, e exigir esses bens é uma reivindicação válida (Rawls, 2000, p. 228). Importante ressaltar que o conceito de bem comum para Rawls (2008, p. 306) “certas condições gerais, que num sentido apropriado, são igualmente vantajosas para todos” também pode ser utilizado para defender como justa uma posição de distribuição igualitária do bem ambiental.

Afinal, se um sujeito vive abaixo de um certo nível de bem-estar material e social (e se, acrescenta aqui, ambiental), ele simplesmente não pode participar da sociedade como cidadão, e muito menos como cidadão igual aos outros que detém essas condições. Diante disso, Rawls reconhece como elemento constitucional essencial a existência de um mínimo social que supra as necessidades básicas de todos os cidadãos. Pois, seria inócuo falar em igualdade de oportunidades e desigualdades vantajosas para os indivíduos marginalizados se eles não possuíssem sequer o básico para as suas vidas. É algo que anularia o princípio da diferença completamente, tornando-o vazio (Silva, 2015). Portanto,

considerando que muitos aspectos do que normalmente é tido como pertencente ao conteúdo do mínimo existencial estão contemplados na ideia de bens primários, sobretudo no que se refere aos pressupostos do primeiro princípio de justiça, podemos falar no mínimo existencial rawlsiano. Na medida em que insistimos no caráter político de sua concepção de justiça, podemos observar que a garantia de um mínimo existencial é um pressuposto para o bom funcionamento do Estado Democrático ou da democracia em geral. Embora possa haver, como de fato há, muita controvérsia quanto ao conteúdo do mínimo existencial, Rawls, com a ideia dos bens primários, dá importante contribuição no sentido de explicitar exigências para o efetivo exercício da autonomia e da cidadania. Nesse caso, o mínimo existencial não pode ser restringido à satisfação das necessidades físicas dos indivíduos, como se a preocupação fosse apenas com a sua sobrevivência, ou o chamado “mínimo vital”. Para marcar a estreita relação com a dignidade, o mínimo existencial não pode ser atrelado apenas à satisfação das necessidades básicas materiais, mas deve visar o desenvolvimento da pessoa como cidadã (Weber, 2013, p. 209-210).

Rawls afirma que indivíduos em condições precárias têm sua liberdade afetada, exigindo, assim, a existência de uma garantia de direitos mínimos aos cidadãos – o que o autor denomina de bens primários sociais ou mínimo social –, ou os princípios de justiça não teriam sentido algum. Afinal o primeiro princípio, que trata dos direitos e liberdades fundamentais, pode ser precedido de um princípio anterior que prescreva a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, ao menos na medida em que satisfazê-las seja necessário para que eles entendam e tenham condições de exercer esses direitos e liberdades de forma efetiva. Não há dúvida de que algum princípio desse tipo tem que estar pressuposto na aplicação do primeiro princípio 3 (Rawls, 2008). Assim, como o próprio autor afirma, a definição inicial das expectativas apenas com relação a coisas como a liberdade e a riqueza é provisória, sendo, portanto, necessário incluir outros tipos de bens primários, ao qual este estudo propõe o bem ambiental. Na sequência, estuda-se o modelo de um Estado Socioambiental e que seja capaz de realizar a Justiça Ambiental, para que se realize o mínimo existencial ecológico aquilo que Rawls propõe que as instituições façam pelo mínimo social 4.

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Sobre os autores
César Augusto Cichelero

Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL). Doutorando em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com bolsa CAPES. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2018), com bolsa CAPES e integrando o grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2016), com bolsa PIBIC/CNPq e integrando o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas Sociais (NEPPPS). Advogado e colunista.

Cleide Calgaro

Doutora em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Pós-Doutora em Filosofia e em Direito ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Doutoranda em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Mestra em Direito e em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Atualmente é Professora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado - e na Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa"Metamorfose Jurídica”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CICHELERO, César Augusto ; NODARI, Paulo Cesar et al. Justiça e o direito fundamental ao meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7181, 28 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102522. Acesso em: 8 mai. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado na revista OPINION JURIDICA, v. 17, p. 171-189, 2019.

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