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Serviço de mototáxi e direito a inovação

06/02/2023 às 18:45
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Proibir o serviço de mototáxi por aplicativo é fechar os olhos para a dura realidade vivenciada pela população que tem nessa atividade o único meio de chegar à sua casa.

Uma guerra foi declarada pelas Prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo, resta saber se haverá um vencedor.

Após os aplicativos Uber e 99 anunciarem o serviço de mototáxi nessas duas Cidades, criou-se um conflito entre a Administração Municipal e aquelas empresas. O Prefeito de São Paulo editou decreto proibindo essa modalidade de transporte, impondo sanção no caso de desobediência, e no caso do Rio de Janeiro, o Prefeito Eduardo Paz manifestou ser contrário ao serviço em solo carioca, e disse que vai notificar as empresas.

O argumento utilizado por ambas as Prefeituras para proibir o serviço é de que não existe regulamentação para essa atividade econômica no âmbito de cada Cidade, além do risco do aumento de sinistros envolvendo o transporte em motocicletas.

Por conta disso, algumas considerações jurídicas e práticas merecem ser feitas, a fim de saber se o ato administrativo dos gestores municipais passam pelo filtro sagrado da Constituição Federal.

A nossa Carta Magna de 1988, logo no seu artigo 1º, inciso IV, já preconiza como fundamento da República Federativa do Brasil a livre iniciativa. Esse dispositivo deve ser lido em conjunto com o artigo 170 da mesma Constituição Federal, que reforça a livre iniciativa como pedra angular da atividade econômica.

Sendo assim, no Brasil a regra para empreender e criar modelos de negócio, é a liberdade, ou seja, desde que não seja proibido por lei, vale a capacidade de cada empresário em detectar um problema e propor uma solução ao seu potencial cliente.

No caso em exame, estamos falando do serviço de transporte urbano, que é de competência exclusiva da União, nos termos do artigo 21, inciso XX da Carta de 1988. Como forma de dar efetividade a este dispositivo, foi editada a Lei 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

No ano de 2018, ante a necessidade de adequação do serviço de transporte urbano, por conta do surgimento de novas tecnologias e empresas, a lei 13.640/2018 inseriu o serviço de transporte por aplicativos no artigo 4º da Lei 12.587/2012. Percebe-se então que o legislador evoluiu.

Ainda sobre a lei 12.587/2012, merece destacar que ela definiu o que é transporte por aplicativo (artigo 4º), elencou os princípios e diretrizes da Política Nacional de mobilidade urbana, e diz expressamente que o acesso deverá ser universal, além de incentivar desenvolvimento científico e tecnológico.

Deve-se atentar para o artigo 11-A, que estabelece ser exclusivo de Municípios a regulamentação e fiscalização do transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º. Isso não dá aos gestores de Município o poder discricionário de fazer o que bem entender.

A lei, amigo leitor, deve ser interpretada no seu todo, levando em conta a vontade do legislador ao enunciar a norma posta. Ao meu sentir, não foi a intenção da lei 12.587/2012, com as modificações feitas pela lei 13.640/2018, restringir o serviço de transporte urbano, e muito menos autorizar a Prefeitos que simplesmente proíbam o serviço que se pretende ser novo e atender a população.

Mas não para por aí, porque a Constituição Federal, no capítulo destinado aos direitos sociais, no seu artigo 6º, enumera o transporte como um direito básico. Portanto, cabe ao legislador, aos aplicadores da lei, e a Administração Pública, garantir a efetividade desse direito fundamental.

Resta claro que o serviço de mototáxi por aplicativo está devidamente definido pela Lei 12.587/2012, não havendo nenhum artigo que o proíba expressamente, e aqui vale aquela máxima na interpretação do direito, ou seja, se o legislador silenciou, não cabe ao intérprete inovar.

O DIREITO A INOVAÇÃO

Outro ponto de extrema importância diz respeito ao Direito a Inovação, que deve nortear as condutas dos empresários, gestores públicos e dos aplicadores do Direito.

Estamos vivenciando a quarta revolução industrial, a sociedade da informação, em que as pessoas estão cada vez mais conectadas e dependentes de aplicativos para as mais variadas necessidades.

E nossa Constituição Federal de 1988 não silenciou a esse respeito, basta ver o artigos 3º, inciso II que fala em desenvolvimento nacional, e o artigo 218, que expressamente prescreve que o Estado promoverá e incentivará a inovação.

O próprio legislador definiu a inovação, no artigo 64 da Lei Complementar 123/2066 dizendo que é a concepção de um novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando em maior competitividade no mercado.

Portanto, a inovação tem amparo constitucional, e a conseqüência disso é que os gestores públicos devem perseguir na busca do desenvolvimento, de novas práticas, de repensar os atuais modelos de administração pública, se permitindo ao novo, sempre buscando eficiência e benefícios para o cidadão.

Temos que ter em mente que não existe possibilidade de voltar atrás, o mundo está mudando, o mercado de trabalho está mudando, novas tecnologias surgem todos os dias, a inteligência artificial já é uma realidade e desempenha muitas funções, basta ver o CHAT GPT, o super robô que até música compõe. Fechar os olhos para essa realidade é perder tempo e dinheiro, e no caso da gestão pública, deixar de cumprir o princípio da eficiência, desperdiçando verba pública.

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Dito isso, resta evidente que qualquer ato administrativo de Prefeito, ou eventual lei municipal, restringindo o serviço de transporte por aplicativo por motocicleta, a meu ver, trás consigo o vício da inconstitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o caso de serviço de transporte por motorista de aplicativo, no RE 1.054.110 e na ADPF 449, proclamou:

"A proibição ou restrição da atividade de transporte por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência";

"No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal na Lei 13.640 e pela Constituição Federal".

Por fim, trago uma observação acerca do argumento apresentado pelas Prefeituras, de que o serviço de transporte de passageiros realizado por mototáxi, pode aumentar os acidentes e mortes no trânsito.

Quem vive no Rio de Janeiro e em São Paulo é sabedor que as motocicletas já são usadas para o transporte de pequenas cargas, entrega de documentos e comida. E também sabe que, nos bairros periféricos, onde o Estado é ausente, o transporte de passageiros já é feito por mototáxi, sendo certo que em muitas dessas localidades, não existe transporte público, o taxista não entra lá e o Uber recusa a corrida, por ser “área de risco”.

No caso do Rio de Janeiro, o transporte de passageiros por mototáxi já regulamentado, só que pela milícia ou pelo narcotráfico. Não existe favela carioca em que essa atividade funcione sem o consentimento do crime organizado ali instalado.

Proibir o serviço de mototáxi por aplicativo, com os argumentos acima, é fechar os olhos para a dura realidade vivenciada pela população que tem nessa atividade o único meio de chegar à sua casa.

As Prefeituras e seus gestores estão perdendo uma ótima oportunidade de aliar-se as empresas de aplicativos, entender essa tecnologia, usar os dados e informações capturados por elas, e ter uma visão completa da sua Cidade, sabendo quem pega esse tipo de transporte, qual o horário de maior movimento, quais os destinos. E de posse de tudo isso, ofertar soluções para melhorar o transporte público, diminuir engarrafamentos, enfim, as possibilidades são infinitas.

Como disse no início desse texto, travou-se uma guerra onde só tem derrotados, pois as empresas serão desmotivadas em investir em novas tecnologias, o Poder Público perde uma oportunidade de ter acesso a novas tecnologias e melhorar a vida das pessoas, e o povo, ah o povo! Esse parece já estar acostumado a perder, e se dá até ao luxo de cantarolar um trecho dessa canção:

“E ver que toda essa engrenagem

Já sente a ferrugem lhe comer

Êh, ô, ô, vida de gado..”

A engrenagem da máquina pública está enferrujada, e a solução para desemperrar tudo isso tem um nome: inovação.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Fabrício Barros. Serviço de mototáxi e direito a inovação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7159, 6 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102318. Acesso em: 27 abr. 2024.

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