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O contrato “built to suit” e a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Alguns breves apontamentos

13/01/2023 às 17:45
Leia nesta página:

Trata-se de um breve apontamento sobre o novo modelo de contrato denominado “BUILT TO SUIT” no âmbito da administração pública em detrimento da nova lei de licitações e contratos adminsitrativos.

A administração pública há tempos caminha para a diminuição da burocracia, enfrenta idéias e ideais do cidadão comum, como também suas críticas na prestação de seus serviços.

Nesse contexto, cada passo que a gestão pública der, deve ser amparada na legalidade, e outros tantos princípios que bem norteiam o gestor na sua atividade cotidiana ao se deparar com tantas situações, dentre corriqueiras e outras não tão assim.

 Ao caminharmos por qualquer cidade, nos deparamos com prédios públicos, muitas vezes desgastados com o tempo, com precárias instalações para o servidor público que ali trabalha e os usuários cidadãos que precisam de alguma forma interagir com determinado órgão.

Quando se tenta dar um passo a frente, normalmente se constrói um prédio novo ou se aluga outro local, porém, nem sempre o layout final seria o mais adequado para todos.

Nessa seara, a administração pública importou da seara privada o que a doutrina chama de “built to suit”, ou seja, a contratação direta sob medida, instituto jurídico que abordaremos um pouco a seguir.

Primeiramente, vale destacar que o contrato “built to suit”, é um “contrato sob medida” e é amplamente utilizado na Europa e EUA desde a década de 1950.

 Na lição do conceituado administrativista Ronny Charles, em sua recente e bela obra, a nova edição do livro “Leis de Licitações Públicas comentadas”, diz que:

“Built to suit” é uma expressão estrangeira cuja tradição literal poderia ser “construído para servir”. No Brasil, é considerado um negócio jurídico conhecido como “locação sob medida”, “locação sob encomenda” ou “locação com obrigação de fazer”

Relata ainda o mesmo autor sobre a origem desse modelo contratual, vejamos:

“Trata-se de contrato originário do direito norte-americano, uma modalidade de locação na qual as obrigações contratuais de ambas as partes são fixadas antes da construção ou antes da aquisição do imóvel”.

Na mesma proporção que a administração pública busca na esfera privada algumas soluções para seu cotidiano, o direito administrativo tem aumentando sua relação com outros “direitos”, no que tange a sua modernização e aperfeiçoamento, no sentido de alcançar o seu ponto final, que seria gerar serviços públicos com eficiência e eficácia, observando sempre os parâmetros da legalidade.

E o contrato “built to suit” é um desses modelos, pois, traz para dentro da administração pública um tipo de contrato originário na esfera privada, sem ultrapassar suas barreiras coexistentes.

Contudo, para a administração contratar uma “locação sob medida” tem que observar a lei de licitações.

Ademais, é cediço que ao administrador público só cabe agir dentro dos estritos limites definidos pelo ordenamento jurídico, em homenagem à legalidade ampla, devendo observar, ainda, os demais princípios administrativistas para dar legitimidade às suas ações.

Não obstante, o mandamento constitucional retrata em seu art. 37, inciso XXI que a licitação é o princípio basilar a ser observado pelo administrador público, não podendo dela prescindir, exceto nos casos previstos em lei.

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

A lei Nº 14.133, de 1º de abril de 2021, mais conhecida como a nova lei de licitações e contratos (NLLC), em seu art. 1º diz que:

“Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios...”

O renomado jurista José Afonso da Silva, em sua conceituada obra “Curso de Direito Constitucional Positivo” leciona que:

“o principio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regras, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a administração pública. Constitui um principio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público” (São Paulo: Malheiros, 1992, p. 573)

Desta forma, a licitação não só visa acolher a melhor e mais vantajosa proposta para a Administração, como também a assegurar aos interessados a participação na concorrência.

Ademais, o art. 2º da lei nº 14.133/2021 diz textualmente que:

“Art. 2º Esta Lei aplica-se a:

(...)

III - locação;”

Como vemos, a “locação” está inserida na nova lei de licitações e contratos adminsitrativos de forma bastante clara, como também estava na lei anterior.

Porém, como exceção a regra basilar de licitar acima citada, a mesma lei geral de licitações, amparada no texto constitucional acima descrito (Art. 37, XXI), traz a real possibilidade de o gestor público dispensar ou inexigir a licitação, obedecendo o comando do artigo 74, V da lei nº 14.133/2021, combinado com alguns outros apontamentos, fundamentos e justificativas que a mesma lei prevê.

Vejamos o que diz o artigo acima:

“Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:

(...)

V - aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha.”

Vale destacar de pronto, que a lei nº 14.133/2021 trouxe uma mudança em relação a lei nº 8.666/1996, pois, a “locação de imóvel” era tratada na lei anterior como hipótese de dispensa de licitação, e, na nova lei, como inexigibilidade de licitação.

Como vemos acima a lei já prevê a inexigibilidade de licitação para locação de imóvel, basta acertar os detalhes contratuais da avença sob encomenda.

Contudo, é necessário trazer à baila, que o contrato “built to suit”, era diretamente amparado na lei nº 12.462/2011, que instituiu o RDC – Regime Diferenciado de Contratações Públicas.

Vejamos o que diz o art. 47-A do RDC:

“Art. 47-A. A administração pública poderá firmar contratos de locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração.

§ 1º A contratação referida no caput sujeita-se à mesma disciplina de dispensa e inexigibilidade de licitação aplicável às locações comuns.

§ 2º A contratação referida no caput poderá prever a reversão dos bens à administração pública ao final da locação, desde que estabelecida no contrato.

§ 3º O valor da locação a que se refere o caput não poderá exceder, ao mês, 1% (um por cento) do valor do bem locado.”

Não obstante, a Lei nº 14.133/21, determina que, após dois anos da sua publicação, sejam revogados os dispositivos do RDC, o que, consequentemente, abrange o art. 47-A do respectivo diploma, que regula a modalidade de contratação built to suit no âmbito público.

Assim, surge, portanto, a incerteza jurídica acerca da legitimidade da utilização do built to suit pela Administração Pública, bem como a necessidade do delineamento das diretrizes para sua aplicação sob as regras do novo paradigma administrativo: a Lei nº 14.133/21.

Destarte, o built to suit era frequentemente utilizado na iniciativa privada, como contrato atípico. Posteriormente, foi incluído no ordenamento jurídico pelo art. 54-A da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações) e pela Lei nº 12.744/12, concedendo maior higidez na utilização da modalidade.

A nova lei de licitações não incluiu expressamente o built to suit em seu texto normativo, mas determinou a revogação dos artigos pertinentes ao Regime Diferenciado de Contratações (RDC), Lei nº 12.462/11, que faziam a previsão da locação sob medida no âmbito público.

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Porém, o art. 51, da Lei nº 14.133/21 menciona que:

“Art. 51. Ressalvado o disposto no inciso V do caput do art. 74 desta Lei, a locação de imóveis deverá ser precedida de licitação e avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação, dos custos de adaptações e do prazo de amortização dos investimentos necessários.” (GRIFO NOSSO)

A NLLC, trouxe a possibilidade de adaptações nas locações, com a devida amortização do investimento, sem utilizar a ex-pressão “built to suit” ou “locação sob medida” e sem detalhar minuciosamente a sua instrumentalização.

Nesse sentido, a NLLC não trouxe textualmente a possibilidade do “built to suit”, mas também não trouxe sua vedação.

Ademais, tal forma de contrato é possível, haja vista um conjunto de normativos no sentido de agilizar a locação de imóvel pela adminsitração pública.

A partir de um parâmetro jurisprudencial, o a Corte de Contas da União, no Acórdão nº 1301/2013 – Plenário, decidiu que:

“ACÓRDÃO Nº 1301/2013 – TCU – Plenário

(...)

9.2. responder ao nobre Presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho que, nos termos do art. 62, § 3º, I, da Lei nº 8.666/1993 c/c o art. 54-A da Lei nº 8.245/1991 (incluído pela Lei nº 12.744, de 19 de dezembro de 2012), a despeito de a realização de licitação dever ser a regra, admite-se excepcionalmente a contratação direta de locação sob medida (operação built to suit), por meio de licitação dispensável fundada no art. 24, inciso X, da Lei nº 8.666/1993, desde que, além da observância das demais disposições legais aplicáveis ao caso, o terreno onde será construído o imóvel seja de propriedade do particular que será o futuro locador;” grifamos

Como vemos, o Egrégio TCU, mesmo que no âmbito da lei nº 8.666/93, ela admite a possibilidade, devendo ser observada o regramento conjunto da lei de licitações e demais normas aplicáveis ao caso.

Ora, com a NLLC, apesar da revogação dos artigos referentes ao RDC, a possibilidade de locação de imóvel continua, porém, ao invés de ser por dispensa de licitação, ser por inexigibilidade de licitação. Daí, se observados os parâmetros legais da inexigibilidade de licitação em conjunto com os demais normativos legais do âmbito da locação privada, poderia sim, o “built to suit” continuar a ser utilizado.

Nesse diapasão, s.m.j., não há, portanto, óbice à utilização do built to suit (contratação sob demanda) por parte de órgãos e entidades da Administração Pública, sendo esta uma boa alternativa para a gestão pública se modernizar e buscar novos meios de modernizar sua estrutura predial, dentro de um custo razoável, sem precisar construir edificações novas com valores gigantescos.

O referido contrato deve conter as seguintes obrigações do locador:

  • a) adquirir imóvel ou disponibilizar imóvel de sua propriedade;

  • b) elaborar o projeto da obra; c) edificar a construção nos termos das instruções fixadas pelo locatário;

  • c) conceder ao locatário, pelo prazo pactuado, o uso e gozo do imóvel construído, pronto para a finalidade a que se destina.

Aliás, o renomado autor adminstrativista Ronny Charles, nos ensina que:

“É um modelo interessante, pois admite que o órgão ou entidade pública obtenha um imóvel, atendendo suas específicas necessidades, sem a obrigatória imobilização de grandes recursos orçamentários para a conclusão de uma obra ou grande reforma, que, via de regra, exigiriam a realização de um ou vários processos de licitação e contratação, para que o imóvel estivesse pronto para o uso.”

Diante do exposto cima, o “built to suit” encontra amparo jurídico no âmbito da administração pública, mesmo com a lei nº 14.133/2021, sendo um meio eficaz para a administração pública modernizar suas edificações, consequentemente acomodar melhor o servidor público, bem como, aumentar o grau de satisfação do serviço prestado a sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990;

LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm;

SILVA, José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 573;

DE TORRES, Ronny Charles Lopes. “Leis de Licitações Públicas Comentadas”. 11ª Ed. - Salvador. Editora Juspodivm ,2021.

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Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Advogado e Perito Contador; Doutor em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil; Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados Associados; Coordenador Jurídico da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERPA, Júlio Cesar Lopes. O contrato “built to suit” e a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.: Alguns breves apontamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7135, 13 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101988. Acesso em: 27 abr. 2024.

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