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Novíssima Lei cria o crime de estelionato de ativos virtuais

22/12/2022 às 23:54
Leia nesta página:

A novíssima Lei nº 14.478 trata de serviços de ativos virtuais.

Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua analisar sem efeitos exaurientes a novíssima Lei nº 14.478, de 2022, que dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais; altera o Código Penal, para prever o crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros; e altera a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define crimes contra o sistema financeiro nacional, e a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre lavagem de dinheiro, para incluir as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de suas disposições.


Publicada hoje, 22 de dezembro de 2022, a novíssima Lei nº 14.478/2022, que trata de algumas matérias importantes no país, dentre elas, cria um novo crime no Código Penal: estelionato envolvendo ativos virtuais ou valores mobiliários. A nova lei tem um prazo de 180 dias de vacatio legis para entrada em vigor.

Destarte, o novo comando normativo traz o marco legal para o setor de criptoativos. Como o presidente da República não se manifestou sobre o projeto, ocorreu a sanção tácita, ou seja, considera-se que o presidente aprovou o projeto, sem vetos.

A novíssima lei dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais.

As prestadoras de serviços de ativos virtuais somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização de órgão ou entidade da Administração Pública federal. Para os efeitos da Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos:

I - moeda nacional e moedas estrangeiras;

II - moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;

III - instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e

IV - representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.

A determinação da lei em apreço é que o Poder Executivo determine o órgão que fará a regulação do mercado cripto.

Os agentes do setor projetam que as atribuições serão divididas entre o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A norma estabelece diretrizes gerais para a prestação de serviços de ativos virtuais. Traz detalhamentos sobre crimes de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros e altera a lei que dispõe sobre lavagem de dinheiro.

Considera-se prestadora de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como:

I - troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira;

II - troca entre um ou mais ativos virtuais;

III - transferência de ativos virtuais;

IV - custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou

V - participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.

A modificação de maior impacto é a nova figura criminosa denominada fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, inserida no artigo 171-A do Código Penal Brasileiro, in verbis:

Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

A lei ainda introduz o § 4º no artigo 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro, para prever que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual.

Analisando de forma perfunctória o preceito penal introduzido pelo artigo 171-A do CP, percebe-se, claramente, que se trata de crime de ação múltipla ou conteúdo misto alternativo, formado por 5 (cinco) verbos nucleares, ou seja, organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

A pena é de reclusão de 04 a 08 anos, além da multa. Portanto, não cabe arbitramento de fiança durante o flagrante na Unidade Policial pela Autoridade Policial, nem tampouco suspensão condicional do processo. Aqui não há lugar para aplicação da Lei 9.099, de 95.

Outrossim, não há cabimento do Acordo de não persecução penal, a teor do artigo 28-A do Código de Processo Penal, considerando que a pena mínima não é inferior a 4 anos.

Pode-se afirmar que o novo crime é unissubjetivo, plurissubsistente, cabe tentativa, crime material, se consumando com a causação do prejuízo alheio, presente o dolo específico, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio.

A sociedade evolui numa velocidade assustadora, uma rapidez incrível, num piscar de olhos tudo se transforma, o raio passa e a vida muda, um processo de mutação acelerado, sendo certo que com ela deve a ciência jurídica se adaptar a essas profundas mudanças, de forma que as relações sociais sejam sólidas e marcadas pela segurança jurídica.

A vida, sem dúvidas é um processo dinâmico, evolutivo, é muito mais rica que a previsibilidade normativa. Viver em sociedade é um risco permanente, o ser humano é sagaz e interesseiro, portanto, viver exige-se cuidado e zelo, atenção e discernimento, de maneira que as relações intersubjetivas devam ser asseguradas minimamente pelo complexo sistema jurídico, tendente a se viver numa sociedade eticamente justa e equânime.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Novíssima Lei cria o crime de estelionato de ativos virtuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7113, 22 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101742. Acesso em: 27 abr. 2024.

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