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A regulamentação legal do teletrabalho

09/11/2022 às 19:25
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Passado o pior período da epidemia, trabalhadores e empregadores se deram conta de que, dependendo da natureza da atividade exercida, o trabalho à distância apresenta claras vantagens.

RESUMO: O artigo propõe-se a discutir a nova modalidade de contratação regulamentada na Consolidação das Leis do Trabalho pela reforma trabalhista de 2017, o teletrabalho, ou seja, aquele realizado fora das dependências físicas da empregadora, mediante a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Reforma Trabalhista. Teletrabalho

INTRODUÇÃO

A aprovação da chamada reforma trabalhista, Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, modificou o regramento aplicável às relações de trabalho subordinado, criando ou regulamentando novas modalidades de contratação,

É o caso do chamado teletrabalho, ou trabalho realizado fora das dependências da empregadora, que foi devidamente regulamentado pela reforma trabalhista de 2017.

Apenas pouco mais de dois anos após a aprovação da referida reforma, o país foi assolado pela epidemia mundial de Covid-19, que fez com que as autoridades sanitárias implantassem o distanciamento social entre as pessoas como forma de conter a transmissão do vírus, acarretando o fechamento temporário do comércio, das empresas, dos órgãos públicos, das escolas, etc.

Diante da determinação das autoridades sanitárias de que as pessoas permanecessem em suas residências (o popular fique em casa), os empregadores e os trabalhadores tiveram que, forçadamente, se adaptar ao regime do chamado home working, ou seja, da prestação do trabalho diretamente das residências dos trabalhadores, com o uso massivo das novas tecnologias da informação.

Neste período, empregadores e trabalhadores puderam constatar que o chamado home working poderia, em muitos casos, e dependendo da natureza do trabalho desempenhado, ser uma prática benéfica tanto para o trabalhador como para o empregador.

De fato, em tal sistema, o trabalhador deixa de perder longos períodos do dia com o deslocamento para o local de serviço, deixando de enfrentar o trânsito caótico das nossas cidades, além de poder exercer a sua jornada de forma mais flexível, adaptada à sua rotina diária, o que faz com o mesmo tenha mais tempo disponível para o lazer e a convivência familiar.

O empregador, por outro lado, percebeu que o trabalho remoto pode gerar muita economia para as empresas, com diminuição de despesas com aluguel de imóveis, contas de água e luz, manutenção e limpeza dos estabelecimentos comerciais.

Posteriormente, com a vacinação em massa da população e o recrudescimento da epidemia, as medidas de distanciamento social puderam ser relaxadas, sendo retomado em muitos casos o trabalho presencial; entretanto, é certo que os conceitos de home office e home working vieram para ficar, sendo o trabalho à distância, dependendo da natureza dos serviços prestados, extremamente vantajoso para ambas as partes.

Neste contexto, a figura do teletrabalho, ou seja, aquele executado fora das dependências do empregador, mediante a utilização da tecnologia da informação, assume vital importância como nova modalidade de contrato de trabalho.

1 CONCEITO

Conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT):

O teletrabalho é qualquer trabalho realizado em um lugar onde, longe dos escritórios ou oficinas centrais, o trabalhador não mantém um contato pessoal com seus colegas, mas pode comunicar-se com eles por meio das novas tecnologias (MARTINS, 2012)

O artigo 75-B da CLT, por sua vez, conceitua o teletrabalho da seguinte forma:

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo (BRASIL, 2017)

Portanto, a definição legal exclui do conceito de teletrabalho a mera prestação de todo ou de parte do trabalho em ambiente externo, como no caso de vendedores, motoristas, instaladores etc.

Nestes casos, a prestação do serviço fora das dependências da empresa decorre da própria natureza do trabalho, sendo certo, entretanto, que referidos trabalhadores, apesar de não possuírem um local fixo de prestação, normalmente mantém vínculo direto com o estabelecimento comercial do empregador e tem à disposição um espaço físico na empresa para eventual necessidade.

É importante destacar, ainda, para diferenciar completamente a nova modalidade da simples prestação de trabalho externo, que o teletrabalho não é apenas o trabalho em casa ou exercido à distância, sendo indispensável, também, a utilização de tecnologia da informação e da comunicação, conforme estabelecido de maneira expressa no conceito legal.

Neste sentido:

O teletrabalho, em sentido lato, refere-se ao trabalho realizado com a aplicação sistemática de telecomunicações que permitem trabalhar e comunicar à distância, trocando sistematicamente informações e dados (ARAUJO, BENTO, 2002)

Assim, podemos apontar como características fundamentais do teletrabalho:

  1. trabalho realizado total ou parcialmente fora do estabelecimento ou escritório da empregadora;

  2. uso de meios de telecomunicação informatizados;

  3. flexibilidade de horários, na medida em que o trabalhador, em regra, não está submetido a controle de jornada;

  4. descentralização da atividade laboral, que poderá ser realizada onde quer que o empregado se encontre, desde que com o uso dos meios de comunicação.

2. EVOLUÇÃO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO

Como precursora da regulamentação legal do teletrabalho no Direito Brasileiro, é importante citar a Lei nº 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que equiparou os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos, dando nova redação ao artigo 6º da CLT, nos seguintes termos:

Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio (BRASIL, 2011).

Assim, procurou a legislação, de forma genérica, assegurar aos trabalhadores que exercem o trabalho à distância os mesmos direitos dos trabalhadores presenciais, sem qualquer tipo de distinção; entretanto, é certo que não instituiu nova modalidade de contratação, tampouco regulamentou as hipóteses de teletrabalho.

Referida regulamentação somente foi realizada por intermédio da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, que veiculou a chamada reforma trabalhista, e incluiu o capítulo II-A (DO TELETRABALHO), na CLT, incluindo os artigos 75-A a 75-E no diploma legal em questão.

Posteriormente, a recente Lei nº 14.442, de 02 de setembro de 2022, alterou os artigos 75-B e 75-C, e acrescentou o artigo 75-F na CLT, dando a configuração legal atual da nova modalidade de contratação

3. REGULAMENTAÇÃO ATUAL DO TELETRABALHO

Conforme mencionado alhures, o teletrabalho encontra-se regulamentado pelos artigos 75-A a 75-F da CLT, da seguinte forma:

Art. 75-A.  A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo.    

§ 1º O comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.     

§ 2º O empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa

§ 3º Na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa, não se aplicará o disposto no Capítulo II do Título II desta Consolidação.   

§ 4º O regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento

§ 5º O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, bem como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição ou regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.   

§ 6º Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes.    

§ 7º Aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e nos acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado

§ 8º Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes

§ 9º Acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais.     

Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do instrumento de contrato individual de trabalho

§ 1o  Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

§ 2o  Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual. 

§ 3º O empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes. 

 Art. 75-D.  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.              

Parágrafo único.  As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado

 Art. 75-E.  O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

Parágrafo único.  O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador

Art. 75-F. Os empregadores deverão dar prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até 4 (quatro) anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto. (BRASIL, 2022)  

Portanto, de acordo com as disposições legais, a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deve constar expressamente no contrato de trabalho celebrado (artigo 75-C, caput), devendo referido instrumento, na medida do possível, descrever as atividades a serem exercidas pelo trabalhador.

Em tal modalidade, os trabalhados são prestados à distância, mediante o uso de instrumentos telemáticos, por opção dos contratantes, sendo certo que eventuais comparecimentos ao estabelecimento do empregador para a prestação de serviços específicos não descaracteriza o regime de teletrabalho (art. 75-B, §1º).

O trabalhador presencial poderá, a qualquer tempo, alterar o seu contrato para teletrabalho, desde que conte com a concordância do seu empregador, mediante a assinatura de um simples aditivo contratual (artigo 75-C §1º); por outro lado, o empregador poderá determinar unilateralmente a alteração do regime de teletrabalho para o presencial, também com a celebração de aditivo contratual, desde que garantido o prazo mínimo de transição de quinze dias (art.75-C §2º).

O contrato de trabalho deve dispor aceca da responsabilidade pela aquisição e manutenção dos equipamentos a serem utilizados e respectiva infraestrutura (art. 75-D, caput); porém, se os mesmos forem fornecidos pelo empregador, os equipamentos não podem ser considerados como parte da remuneração do empregado (art.75-D, parágrafo único)

Com relação à segurança do trabalho, o empregador tem a obrigação de orientar de forma ostensiva o trabalhador acerca dos cuidados para evitar doenças ocupacionais e acidentes do trabalho, mediante a assinatura por parte do empregado de termo de responsabilidade de seguir as orientações patronais, sendo obrigatória, também, a obediência aos repousos legais (art. 75-B, §9º)

O teletrabalho, quando firmado no regime de trabalho por produção ou tarefa (artigo 75-B, §3º), pressupõe a liberdade do trabalhador para estabelecer seus próprios horários, desde que cumpra com o serviço que lhe foi delegado, não havendo controle de jornada, não se aplicando ao mesmo as disposições referentes à jornada de trabalho previstas no Capítulo II do Título II da CLT.

Por tal motivo, o teletrabalho no sistema de produção ou tarefa foi incluído expressamente no regime de exceção da jornada de trabalho previsto no artigo 62 da CLT, não sendo devido ao trabalhador o pagamento de eventuais horas extras e adicional noturno

Entretanto, a Lei é expressa ao determinar que acordo individual do trabalho poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que, repita-se, sejam respeitados os repousos legais (art. 75-B, §9º), sendo certo que na hipótese de presença de meio de controle patronal de jornada, é possível o reconhecimento de horas extras e adicional noturno.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme destacado na introdução, a epidemia de Covid 19 fez com o mercado de trabalho tivesse que se adaptar, coercitivamente, às determinações sanitárias que procuravam evitar a crescente disseminação da doença, fazendo com que, sem nenhuma preparação prévia, milhares de empregados tivessem que realizar suas atividades profissionais direto de sua residência, com o uso dos dispositivos tecnológicos.

De acordo com estudo elaborado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), em abril de 2020, 46% das empresas do País adotaram o trabalho remoto durante a pandemia de Covid 19, sendo certo que em torno de 50% destas empresas relataram que a experiência com o trabalho remoto superou as expectativas iniciais.

 Agora, passado o pior período da epidemia, e com a possibilidade de retorno à atividade presencial, os trabalhadores e empregadores se deram conta de que, em muitos casos, e dependendo da natureza da atividade exercida, o trabalho à distância apresenta claras vantagens sobre o trabalho presencial, fazendo com que uma situação imposta coercitivamente pelas autoridades sanitárias passasse a ser adotada de forma voluntaria pelas partes envolvidas.

Diante de tal quadro, o teletrabalho assume primordial importância como instrumento de modernização das práticas profissionais, sobretudo para uma nova geração de trabalhadores, que prioriza a qualidade de sua vida, e não quer mais demonstrar uma dedicação quase que exclusiva a vida profissional, em detrimento das relações pessoais e familiares.

As vantagens do teletrabalho são inegáveis, possibilitando ao trabalhador uma melhor alimentação, mais horas de sono e menos horas de deslocamento no trânsito caótico das grandes cidades, maior prática de atividades físicas, esporte e lazer, diminuindo a ocorrência de stress e de várias doenças físicas e psíquicas relacionadas à rotina inadequada de trabalho, sendo assim uma realidade que veio para ficar, representando uma verdadeira revolução na relações de trabalho subordinado.


REFERÊNCIAS

ARAUJO, E. Rodrigues; BENTO, S. Coelho. Teletrabalho e aprendizagem: contributos para uma problematização. Lisboa: Fundação Caluste Gulbenkian, 2002.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 24/10/2022.

______. Lei nº 12.551, de 15 de dezembro de 2011. Altera o art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24/10/2022

______. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24/10/2022.

FIA, Fundação Instituto de Administração. Disponível em <https://fia.com.br>. Acesso em: 24/10/2022

MARTINS, S.P., Flexibilização das Condições de Trabalho. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2012

Sobre o autor
Marcello Espinosa

Procurador do Município de Diadema-SP. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Gestão Pública pela EAESP da Fundação Getúlio Vargas. Advogado militante na área do contencioso cível no Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPINOSA, Marcello. A regulamentação legal do teletrabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7070, 9 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101030. Acesso em: 19 mai. 2024.

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