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Para onde vai o dinheiro da multa eleitoral?

27/09/2022 às 14:10
Leia nesta página:

Se você está descontente com a política, a pior coisa que pode fazer é faltar às eleições sem justificar e pagar a multa, que irá para o cofre dos partidos.

1. ELEIÇÕES NO BRASIL

Desde 1992, em todos os anos pares tem eleição no Brasil. Por este ser um país que gosta muito de esportes, fica mais fácil lembrar das eleições da seguinte forma: as eleições municipais (nas quais elegemos prefeitos e vereadores) são no mesmo ano das Olimpíadas e as eleições gerais (onde elegemos Presidente, Governadores, Senadores e Deputados Estaduais e Federais) são no mesmo ano das Copas de Futebol da FIFA.

De lá pra cá, já foram feitas 8 eleições municipais, e em 2022 teremos a 8ª eleição geral desde que as eleições passaram a ser bienais. Juntando os 2 plebiscitos que já tivemos nesse mesmo período (em 1993 foi feito um plebiscito sobre a forma e o sistema de governo, e em 2005 sobre o Estatuto do Desarmamento), já são 18 votações, sem contar com os segundos turnos e plebiscitos estaduais e municipais, eleições suplementares etc.

Então já deveríamos estar acostumados a ir às urnas e votar, não é mesmo? Afinal, são 30 anos de eleições contínuas.

Apesar disso, ainda há uma resistência muito grande do brasileiro em ir votar, e um desconhecimento muito grande sobre as regras do jogo eleitoral, inclusive sobre as consequências de não votar. Boa parte dessa apatia, já se sabe, é consequência da desilusão geral com a política, principalmente com os grandes casos de corrupção, que parecem nunca parar de acontecer e ser descobertos.

Neste texto, irei tratar de uma das principais consequências de não votar: a obrigação de pagar uma multa eleitoral. Vamos analisar, dentro da legislação, o que justifica a natureza dessa multa, para onde vai o dinheiro, e o que acontece se o eleitor não pagar a multa.


2. QUEM É OBRIGADO A VOTAR

A Constituição do Brasil, no artigo 14, fala dos direitos políticos, e no primeiro parágrafo desse artigo, fala quem é obrigado a ser eleitor e votar, e quem tem esse direito mas não a obrigação (eleitores facultativos).

Pela regra da Constituição, todos os brasileiros alfabetizados que tenham entre 18 e 70 anos no dia da eleição são obrigados a estar alistados como eleitores e a ir votar. Os brasileiros com 16 ou 17 anos, os maiores de 70 anos e os analfabetos de qualquer idade, são eleitores facultativos (podem se alistar e votar, mas não são obrigados a fazer nenhuma dessas duas coisas).

O Código Eleitoral (artigo 6º), por sua vez, traz mais casos em que os brasileiros não são obrigados a votar: se forem inválidos, ou se estiverem fora do país, não são obrigados a se alistar como eleitores nem a ir votar; porém, se estiverem enfermos, fora de seu domicílio, ou se estiverem em serviço (civil ou militar) que os impeça de ir votar (exemplo, bombeiros, pessoal da saúde, etc.) são obrigados a ser alistados como eleitores, mas não a ir votar.

No caso dos inválidos e dos que estiverem fora do Brasil, não é preciso maiores justificações de sua ausência. Inclusive, se o impedimento for permanente, é possível comprovar essa situação uma única vez, sem precisar comprovar novamente a cada eleição. Porém, nos demais casos o eleitor precisa se justificar perante a Justiça Eleitoral a cada votação.

E o Código Eleitoral diz também que os eleitores que não comprovarem ter uma justificativa prevista no próprio Código deverão pagar uma multa, e ainda diz as consequências de não pagar a multa (Art. 7º, § 1º ) .

São sete consequências: 1) não poderá inscrever-se em concursos ou seleções de cargos e funções públicas, ou tomar posse nesses cargos ou funções; 2) não poderá receber seu salário se for servidor público; 3) não poderá participar de concorrência pública ou administrativa com o poder público; 4) não poderá obter empréstimos em estabelecimentos financeiros públicos; 5) não poderá obter passaporte ou carteira de identidade, 6) nem renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo, ou 7) praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Então, o eleitor terá muitos problemas se não votar nem justificar sua ausência, e não pagar a multa. Por isso, pagar a multa parece ser uma saída aparentemente razoável. Afinal, deve ser melhor pagar uma multa (que é pequena) do que dar seu voto a políticos em quem você não confia, ou, pior ainda, receber alguma das outras punições que mencionei acima.


3. PARA ONDE VAI O DINHEIRO

No entanto, esse é um grave engano. Se seu voto beneficia algum político, escolhido por você, a multa eleitoral beneficia a todos os políticos, pois todo o dinheiro arrecadado pelas multas eleitorais é destinado para o Fundo Partidário.

Isso mesmo, o dinheiro das multas sai do seu bolso para o bolso dos partidos.

Isso é o que está na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096 de 1995):

CAPÍTULO II - Do Fundo Partidário

Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por:

I - multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas;

Ou seja, se você está descontente com a política, a pior coisa que pode fazer é faltar às eleições sem justificar e pagar a multa!


4. A MULTA ENCHE O BOLSO DOS PARTIDOS

Em 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atualizou as normas que regulamentam o Cadastro Eleitoral, e estabeleceu que multa será de 3% a 10% desse valor, ou seja, entre R$ 1,05 e R$ 3,51, dependendo de como for fixado pelo juiz eleitoral.

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Parece um valor pequeno, certo? No entanto, quando multiplicamos esse valor pela quantidade de pessoas que deixam de votar e não justificam a ausência, vamos ver que o total que será embolsado pelos partidos é impressionante.

Segundo dados do TSE, o valor aproximado de multas a serem cobradas em 2021 era de R$ 91.952.364,00 - isso mesmo: noventa e um milhões, novecentos e cinquenta e dois mil, trezentos e sessenta e quatro reais. (Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. TSE. Veja como é distribuído o Fundo Partidário. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Marco/veja-como-e-distribuido-o-fundo-partidario)

Por isso, eu repito: se você está descontente com a política, a pior coisa que pode fazer é faltar às eleições sem justificar e pagar a multa!

Concordo com você que está pensando que a lei é injusta, que isso não deveria ser assim, que nem deveria existir o Fundo Partidário, que os valores das multas poderiam ir para outros lugares, como a saúde, educação, ou para remunerar o mesários (que não são remunerados por seu serviço, apenas recebem um auxílio-alimentação pequeno), etc. Mas, pelo menos por enquanto, é o que a Lei diz. E se você não votar em alguém que mude essa regra, outras pessoas vão votar em políticos que vão manter essa regra.


5. O QUE FAZER PARA EVITAR ISSO

Como advogado, meu primeiro conselho é ir votar. Vá, mesmo que você não vote. Compareça, nem que seja para votar nulo ou em branco. Mas não falte. Todos somos igualmente obrigados a ir, e ninguém é melhor que ninguém para faltar, a menos que haja uma razão legal para justificar a ausência.

Se não for votar, justifique sua ausência. Se você não se encontrar em seu domicílio eleitoral no dia das eleições (algumas pessoas fazem isso de propósito), você vai precisar justificar no mesmo dia, seja em um local de votação, ou através do site https://justifica.tse.jus.br/ ou do aplicativo e-Título (saiba como usá-lo em: https://www.tse.jus.br/eleitor/servicos/aplicativo-e-titulo-1).

Se você tiver outra justificativa (como as que o Código Eleitoral indica), pode apresentá-la em até 60 dias depois das eleições, ou 30 dias depois de voltar ao país (se for o caso), e nesses casos vai estar isento da multa, porque justificou. Nesses casos também pode usar o site e o aplicativo que mencionei acima.

Por fim, se você não votar, nem justificar e for notificado para pagar a multa (ou precisar de uma certidão de quitação eleitoral), pode requerer à Justiça Eleitoral a isenção do pagamento da multa, desde que declare ser pobre na forma da Lei, ou seja, que não tem condições de pagar a multa. Isso está previsto na Resolução nº 23.659 de 2021 do TSE: § 3º A pessoa que declarar, sob as penas da lei, perante qualquer juízo eleitoral, seu estado de pobreza ficará isento do pagamento da multa por ausência às urnas. Porém, a declaração deve ser verdadeira, pois mentir à Justiça Eleitoral pode ser considerado crime.

A última solução (se você não for votar, não justificar, não pagar a multa e não conseguir a isenção) seria uma defesa (administrativa ou judicial, depende da notificação que você receber) por meio de um advogado, para defender seus direitos.

Mas, repito, o melhor conselho que posso dar é ir votar, ou pelo menos justificar a ausência.

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Sobre o autor
Renan Apolonio

Advogado, formado pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Especialista em Direito Constitucional, em Direito Público e em Direitos Humanos pela Faculdade Legale. Estudando especialização em Política Internacional. Desenvolve pesquisas sobre Direito Constitucional, Liberdade Religiosa, Direito e Literatura, e Espanhol Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

APOLONIO, Renan. Para onde vai o dinheiro da multa eleitoral?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7027, 27 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100360. Acesso em: 2 mai. 2024.

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