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Como processar uma corretora de criptomoedas estrangeira?

25/09/2022 às 15:00
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A jurisprudência brasileira tem atuado em favor do consumidor brasileiro, instalando cada vez mais medidas que acabem com o abuso praticado pelas corretoras estrangeiras.

A adesão ao mercado de criptomoedas cresceu rapidamente nos últimos anos, sendo o Bitcoin o grande símbolo dessa propagação. Essa expansão, de fato, se deu com a contribuição das grandes corretoras de criptomoedas, conhecidas como exchanges.

Além da falta de regras específicas para o setor de criptomoedas no Brasil, que levam as exchanges a estabelecerem as suas próprias políticas, existe uma segunda questão A dificuldade de uma demanda judicial, em caso de violação de direitos, de uma corretora internacional sem representação formal no Brasil. Por isso, como já explicamos em vídeo, é preciso ter muito cuidado com uma corretora de criptomoedas no exterior. 

Mas antes de tudo, destacamos que, independentemente da corretora ser internacional, em caso de algum prejuízo ao consumidor brasileiro, ela deverá ser submetida às leis do Brasil, pois a relação de consumo foi estabelecida em território brasileiro.

Esclarecida sobre qual legislação aplicável a estes casos, eis que surge uma possível problemática: existe certa dificuldade em cobrar uma empresa sem CNPJ no Brasil; além disso, até mesmo algumas exchanges estrangeiras que oferecem serviços no Brasil, abusam de seu direito de terem sede no exterior, e dificultam todas as formas de cobranças legais.

Logo, este artigo tem o intuito de explicar, resumidamente, como a Lei de Consumo Brasileira abrange o universo das criptomoedas.

Quando uma corretora de criptomoedas pode ser responsabilizada?

Basicamente, qualquer prejuízo que você, consumidor, não tenha dado causa ou que a corretora também tenha culpa (culpa concorrente), poderá ser direcionado à corretora de criptomoedas.

As situações mais pertinentes são prejuízos no mercado de futuros, bloqueio de conta e saldo de criptomoedas, falha de segurança da plataforma,  cancelamento de ordem de compra e venda de criptoativos, conta hackeada ou sumiço das criptomoedas sem vestígios.

Melhor explicando, as corretoras de criptomoedas atuam como intermediárias entre o cliente e o mercado de criptoativos, assim como as corretoras comuns ou bancos, por exemplo. Isso quer dizer que, a responsabilidade destas corretoras é a mesma das demais instituições financeiras em geral.

Sendo assim, podemos atrelar estas situações à uma responsabilidade objetiva das corretoras de criptomoedas, ou seja, independe da sua comprovação de culpa para que ela seja responsabilizada.

Ademais, a obrigação de provar, nas situações de furto de criptoativos deverá recair sobre a corretora, que deverá comprovar que não houve qualquer falha em seus sistemas de segurança quando da realização do ilícito.

Em caso de ser uma corretora internacional, o que diz a lei?

Como regra, as leis brasileiras não podem ser aplicadas a empresas, órgãos e demais pessoas físicas ou jurídicas que estejam sediadas em outros países.

Contudo, a legislação brasileira prevê algumas hipóteses nas quais essa regra pode ser excetuada é o caso, por exemplo, das relações de consumo.

Apesar da possibilidade de aplicação do CDC às relações de consumo com empresas internacionais, para que isso ocorra, é necessário que o fornecedor estrangeiro atue de alguma forma no Brasil, seja exercendo sua atividade diretamente ou apenas anunciando-a, ainda que não tenham sede no Brasil.

Isso quer dizer que, para que você, investidor, consiga ser resguardado pela lei Brasileira, a exchange utilizada para as suas operações deve, ao menos, demonstrar que anuncia/exerce sua atividade no Brasil por exemplo, o site oferece as informações em Português, ou a plataforma oferece anúncios na língua nacional.

Como cobrar uma corretora internacional?

O instrumento utilizado para a citação de uma empresa internacional é chamado de Carta Rogatória. Atravé dela, são realizados atos de cooperação necessários, entre países diferentes, para o andamento do processo em curso no Brasil.

As cartas rogatórias guardam funções diversas, entre elas, o cumprimento de atos processuais (citação e notificação), para requerer a coleta de provas, ou para tratar medidas restritivas de direitos por exemplo, uma execução de valor.

Entretanto, a expedição da carta rogatória apresenta certa dificuldade ao processo, pois o seu envio pode demorar, assim como o recebimento. A resposta de uma citação feita via carta rogatória pode facilmente chegar a 2 anos. 

É neste momento que o conhecimento de algumas estratégias é fundamental dentre elas, a importância de localizar algum representante da empresa que resida em território brasileiro, para que seja possível a citação de forma mais rápida e eficiente.

Hoje em dia, uma grande parcela das exchanges internacionais já possuem algum tipo de representação em território nacional, o que facilita todo o procedimento.

É possível citar através de gerente ou representante da empresa no Brasil?

Um meio de agilizar e garantir o prosseguimento do processo judicial contra uma corretora internacional, é localizando um representante da mesma que esteja situado no Brasil.

Isso porque, através deste representante pode ser efetuada a citação e grande parte dos atos judiciais de forma mais rápida e prática, não havendo a necessidade de expedição de carta rogatória diretamente à empresa internacional.

A citação de pessoa jurídica estrangeira atravé de um gerente ou representante nacional é perfeitamente aceita pela mais atualizada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 

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Mas, vejamos que, localizar um representante da corretora no Brasil e citá-lo nem sempre é a tarefa mais fácil as corretoras abusam do direito de estarem no exterior, e dificultam todas as formas de cobranças legais, negando vinculação com algum representante, ou até mesmo escondendo endereços que sejam possíveis de localizá-los.

Entretanto, nestes casos de ocultação do representante responsável, a justiça brasileira tem reconhecido até mesmo a citação através do Whatsapp, considerando a má-fé das corretoras em se ocultar, vide decisão recente na 2ª Vara Cível de Florianópolis - TJ/SC:

Razão assiste ao autor (evento 10, DOC1) no que diz respeito à omissão, porquanto a decisão nada mencionou quanto ao pedido de citação pelo whatsapp. Assim, ACOLHO os Embargos para sanar a omissão e deferir o pedido de citação pelo aplicativo whatsapp, nos moldes em que requerido na petição inicial. Intime-se. (TJ-SC. Despacho nos autos de nº 5106488-44.2021.8.24.0023/SC; 22/02/202) (grifo nosso).

No mesmo sentido, pode ser realizada a cobrança de exchanges estrangeiras que agora possuem CNPJ no Brasil.

Como exemplo, temos a corretora mundialmente conhecida Binance, que recentemente passou a ser sócia da empresa B. Fintech, localizada no Brasil.

Neste sentido, apesar da empresa Binance alegar não possuir uma presença oficial no Brasil, a justiça brasileira entende o contrário, e vem responsabilizando a companhia B. Fintech em ações de clientes da corretora Binance no Brasil, entendendo integrarem o mesmo grupo econômico, respondendo solidariamente pelos prejuízos causados à consumidores.

Como exemplo, temos a recente sentença proferida na 9ª Cível do Foro Regional II de Santo Amaro- TJ/SP:

BINANCE HOLDINGS LIMITED e B. FINTECH SERVIÇOSDE TECNOLOGIA LTDA. pertencem ao mesmo grupo econômico. De mais a mais, fato notório que a primeira ré realiza suas operações no Brasil por meio da segunda ré. Por conseguinte, torna-se parte legítima para integrar a relação jurídico-processual, fundada a demanda em fato do serviço, uma vez constituída para odesempenho de suas atividades empresariais no país. No mais, imputando ao demandante às demandadas a responsabilidade pela subtração de seus criptoativos, para além de reparar danos morais supostamente causados, resta evidente ser BINANCE HOLDINGS LIMITED e B. FINTECH SERVIÇOS DETECNOLOGIA LTDA. partes legítimas para ocupar o polo passivo da relação jurídico-processual em que veiculada a pretensão reparatória. (TJ-SP. Sentença nos autos de nº1016203-48.2022.8.26.0002; 09/05/2022).

Conclui-se, portanto, que a jurisprudência brasileira tem atuado em favor do consumidor brasileiro, instalando cada vez mais medidas que acabem com o abuso praticado pelas corretoras estrangeiras, que buscam dificultar todas as formas a sua responsabilização.

Assim, a citação de uma exchange estrangeira pode ser feita através do seu gerente no Brasil, filial e até mesmo via WhatsApp.  

Medidas de prevenção anteriores ao investimento

Destacamos que os investidores de criptomoedas precisam ter cautela no momento da escolha da corretora para investimento. Em primeiro lugar, escolha sempre uma corretora confiável e se tiver dúvidas em como fazer esta escolha, veja nosso artigo de como saber se uma corretora de Bitcoin é confiável.

Isso porque, diante de uma eventual falha no processo de consumo, será mais fácil conseguir uma solução com uma corretora séria, solvente, nacional e que exerce suas atividades em território brasileiro.

Seja para uma solução extrajudicial (um acordo, por exemplo), ou até mesmo um processo judicial, o contato é mais simples quando a empresa está em território brasileiro ou possui um representante para tanto.

De fato, as corretoras de criptomoedas que vieram a abrir CNPJ no Brasil ou possuem representantes em território nacional, acabaram se tornando mais seguras para o investimento.

Sendo assim, é de extrema necessidade que você, investidor, tenha cuidado redobrado ao investir em empresas que não apresentem CNPJ em seu site, por exemplo, ou que possuam endereços apenas no exterior, sem qualquer representante no território brasileiro porque isso pode dificultar uma demanda judicial.

Em caso de problemas relacionados a criptomoedas e exchanges nacionais ou internacionais, busque um advogado especialista em Criptomoedas, para a melhor solução da sua questão.

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Sobre o autor
Raphael Souza

Advogado especialista em crimes virtuais. Contatos: https://raphaelsouza.com.br/ | [email protected] |

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Raphael. Como processar uma corretora de criptomoedas estrangeira?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7025, 25 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100269. Acesso em: 27 abr. 2024.

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