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A corrupção e sua relação com os crimes contra a humanidade pelo viés da violação dos direitos humanos

A corrupção e sua relação com os crimes contra a humanidade pelo viés da violação dos direitos humanos

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Resumo: O presente artigo trabalha o seguinte tema A corrupção e sua relação com os crimes contra a humanidade pelo viés da violação dos direitos humanos tem como por objetivo trazer a relação da corrupção com os crimes contra a humanidade pelo viés dos direitos humanos o que é um sério obstáculo ao desenvolvimento e à governança em países democráticos como o Brasil. Como método analítico, o texto examina, além de esclarecer o conceito de corrupção, como as ações corruptas podem violar os direitos humanos. A princípio será contextualizado o conceito, a tipificação e as características de corrupção. Após, os crimes contra a humanidade, a compreensão dos direitos humanos e a correlação jurídica entre corrupção e violação de direitos humanos. Por um terceiro momento a corrupção no Direito Internacional e suas Convenções e por um quarto momento a correlação do direito fundamental à vida, o que levou a resposta positiva de que o crime de corrupção previsto no Código Penal pode ser sim classificado como um crime contra a humanidade com base na Declaração dos Direitos Humanos e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e da Convenção Interamericana contra a corrupção.

Palavras-chave: Corrupção; Crimes Contra Humanidade; Direitos Humanos; Direito Internacional.


1 INTRODUÇÃO

O assunto trabalhado é a corrupção em relação aos direitos humanos. Para aprofundamento definiu-se o tema A corrupção e sua relação com os crimes contra a humanidade pelo viés da violação dos direitos humanos e por delimitação do tema os apontamentos da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e da Convenção Interamericana contra a corrupção.

Assim, o estudo necessitou ter um problema detectado para ser o norteador das pesquisas e solucionar uma dúvida jurídica, sendo este O crime de corrupção previsto no Código Penal pode ser classificado como um crime contra a humanidade com base na declaração dos direitos humanos e das convenções existentes?, e conforme apontado no resumo desse artigo, obteve a resposta afirmativa ao questionamento.

Justifica-se a escolha e trabalho sobre o tema considerando que a naturalização da prática da corrupção promove um tipo de abordagem que se acredita apresentar problemas a seu efetivo controle democrático. Na visão do Direito à corrupção é ilícito retrato de conduta humana que desafia valores éticos os quais devem presidir o manejo da coisa pública. Os atos corruptos podem causar prejuízo aos cofres públicos, levando ao desperdício, a ineficiência por conta do desvio e a diminuição da qualidade de vida do povo, ferindo a dignidade da pessoa humana. E esses fatos possuem relevância para o estudo, pois pouco se encontra em material quanto o prejuízo à vida que a corrupção ocasiona na sociedade. De tal forma, é necessário demonstrar as consequências deletérias dessa prática criminosa para as nações e seus respectivos cidadãos, onde algumas vezes impede de exercer plenamente os direitos civis e políticos, privando-os de seus direitos econômicos e sociais, em qualquer caso criando obstáculos ao progresso e desenvolvimento desses países, prejudicando todos os setores da sociedade e a interferência dos Pactos e Tratados sobre o tema.

O objetivo geral do trabalho é caracterizar o crime de corrupção disposto no código penal como um crime que ultrapassa fronteiras e atinge os direitos humanos e as convenções sobre o tema, e os objetivos específicos baseiam-se em conceituar os termos corrupção, responsabilidade de proteger e crimes contra a humanidade; apresentar a normativa internacional que o brasil é signatário no combate à corrupção; realizar a conexão entre corrupção, direitos humanos fundamentais e internacionais; e, demonstrar os impactos da corrupção para a humanidade.

As linhas teóricas iniciam-se desde o filósofo grego Aristóteles que afirmou que a corrupção é a alteração do estado das coisas, uma modificação, um desvio de conteúdo, assim, podem então afirmar que a corrupção se associa diretamente à ideia de decadência moral e espiritual[3], passando pela análise de autores contemporâneos como Carvalho Ramos que afirma que não é necessário que que ocorra uma série de atos para que se caracterize o crime contra a humanidade, basta que exista essa política ou cenário de ataque sistemático à população civil para que uma única conduta seja considerada um crime contra a humanidade[4], e, Leal e Schneider que concluem que não há dúvidas de que a corrupção está diretamente ligada à violação de direitos fundamentais e humanos, principalmente quando as práticas corruptas são utilizadas como forma de violar todo o ordenamento jurídico, aliás, ter efeitos locais na rede existente de direitos e garantias.

O método geral utilizado foi o Dedutivo: "É o que parte do geral e, a seguir desce ao particular. O raciocínio dedutivo parte de princípios considerados verdadeiros e indiscutíveis para chegar a conclusões de maneira formal[5]. Tendo como pesquisa a forma documental via doutrina, jurisprudência, artigos entre outros.

Observa-se que a proliferação desse delito não tem merecido a devida atenção por parte do direito internacional, havendo a tendência por tratá-lo como um problema de ordem interna que só faz vítimas no Estado em que ocorre. Demonstrar o impacto que pode causar no direito humano e no direito internacional, estendendo as barreiras impostas pelo fenômeno ao desenvolvimento e governabilidade do país e a perda de recursos que poderiam ser aproveitadas pela sociedade brasileira e demonstrar como o tribunal penal internacional puniria esse ato delituoso.


2 A CORRUPÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

A primeira abordagem do trabalho será demonstrar os aspectos da corrupção do direito brasileiro. Para tanto passar-se-á ao conceito, aspectos da criminologia da corrupção e suas características.

2.1 CONCEITO

Nos tempos atuais o país vive em crise institucional e econômica. A cada dia surge escândalos de corrupção que estabelece na sociedade, população a descrença, desilusão com as instituições e a sensação de impunidade que ainda é bastante percebida. A Corrupção vem do latim corruptio que significa corromper, romper ou deterioração. Segundo o dicionário da língua portuguesa Michaelis[6] corrupção significa ação ou efeito de corromper, decomposição, putrefação, depravação, desmoralização, devassidão, sedução e suborno.

Segundo Norberto Bobbio[7], a corrupção:

É um fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de recompensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estadual.

A corrupção está associada à um comportamento que contraria a lei por parte de quem desempenha um papel na estrutura estatal.[8] No ordenamento jurídico a corrupção é classificada em corrupção ativa e passiva. São crimes previstos no Código Penal que são relacionados a ação de oferecer ou aceitar compensações ilícitas para obter vantagens e pessoais.[9] Em ambos os casos o crime de corrupção esse configura na ação consumada do ato no momento em que a proposta de corrompimento é feita independente da participação ou do aceite da outra parte popularmente conhecida como propina ou suborno.[10]

2.2 CRIMINOLOGIA DA CORRUPÇÃO

A criminologia é uma ciência que possui como objeto de estudo dos delitos, dos agentes infratores, das vítimas, do controle social formal e informal, estatal das infrações e a análise da criminalidade.[11] O Código Penal, no art. 59, caput trás o comportamento da vítima como algo necessário para que o juiz estabeleça a pena para a condenação assim necessária.[12]

Conforme o Código Penal a corrupção se classifica como ativa e passiva em seus artigos 317 e 333.[13] A corrupção ativa consiste na ação do agente privado em oferecer vantagens ao funcionário público em troca de benefícios próprios ou de outrem. Quando o crime for cometido por particulares, a corrupção ativa é classificada como um crime praticado por particular contra a administração. Já a corrupção passiva consiste na ação do agente quando solicita ou aceita alguma espécie de benefício podendo ser em forma de dinheiro ou bens em troca da realização de serviços relacionados com sua função pública aceitando para favorecer diretamente o interesse do corruptor.[14]

A lei 12.846 de 1 agosto de 2013 também chamada de Lei Anticorrupção disponibiliza em seu texto a responsabilização administrava e civil de pessoas jurídicas pela prática do crime de corrupção como também os tratados e convenções internacionais promulgados pelo afim de os atos de corrupção e tomar todas as medidas necessárias à responsabilização de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionário público estrangeiro de acordo com os seus princípios jurídicos.[15]

2.3 CARACTERÍSTICAS

Conforme texto acima o crime de corrupção se classifica como ativo e passivo. A corrupção passiva se caracteriza por ser um crime próprio, na ação do agente quando solicita ou aceita alguma espécie de benefício podendo ser em forma de dinheiro ou bens em troca da realização de serviços relacionados com sua função pública aceitando para favorecer diretamente o interesse do corruptor.[16] Já a corrupção ativa se caracteriza por ser um crime comum, que consiste na ação do agente privado em oferecer vantagens ao funcionário público em troca de benefícios próprios ou de outrem.[17] Assim a corrupção se caracteriza pela deturpação e perversão de hábitos e costumes tornando-os imorais e antiéticos.

3 DOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE PELO VIÉS DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS ATINGIDOS PELA CORRUPÇÃO

Nesse capítulo serão apresentados os aspectos da corrupção que ferem os direitos humanos, demonstrando antes quais são os crimes contra a humanidade, o que são os direitos humanos e a correlação jurídica entre esses institutos.

3.1 OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Segundo Carvalho Ramos a evolução do conceito de crimes contra a humanidade fez com que esse vínculo com a situação de guerra fosse totalmente extinto. Sendo assim com o passar dessa evolução um crime contra a humanidade poderia ser praticado mesmo não havendo um contexto de guerra.[18]

Em 17 de Julho de 1998 foi formalizado o Estatuto de Roma. Ele foi responsável pela criação do Tribunal Penal Internacional, como também conhecido Tribunal de Haia que foi estabelecido em Haia no ano de 2002 nos Países Baixos que é uma organização independente que julga indivíduos pelo cometimento de determinados crimes.[19]

Logo em seu artigo 1º do Estatuto traz que[20]:

É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o Tribunal"). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.

Sendo assim, como no Estatuto de Londres, o Estatuto de Roma definiu no seu artigo 7º quais seriam esses crimes contra a humanidade[21]. Vale ressaltar um detalhe por Carvalho Ramos o Estatuto de Roma confirmou essa autonomia do crime contra a humanidade, ou seja, não seria mais necessário um contexto de guerra para assim responsabilizar alguém por essas condutas.[22]

São elencados no artigo 7° do Estatuto de Roma quais são os crimes contra a humanidade:

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

  • a) Homicídio;
  • b) Extermínio;
  • c) Escravidão;
  • d) Deportação ou transferência forçada de uma população;
  • e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
  • f) Tortura;
  • g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
  • h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
  • i) Desaparecimento forçado de pessoas;
  • j) Crime de apartheid;
  • k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.[23]

Nesse mesmo artigo é disposto no Estatuto de Roma que essas condutas são crimes contra a humanidade pois quando cometidas abrangem todos os grupos de gênero que quando são cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer outro civil.[24] Portanto o Estatuto de Roma busca punir aqueles que, em regime ditatoriais ou totalitários que usam a máquina do Estado para promover violações graves de direitos humanos em uma situação de banalização de ataques a população civil.[25]

As principais características dos crimes contra a humanidade são a ausência do nexo necessário com um conflito armado, a ausência de um motivo discriminatório como a condição para a sua caracterização exceto no caso de crime de perseguição, o requisito de um ataque generalizado e sistemático e o elemento relativo (a mens rea).[26]

O Tribunal Penal Internacional no Caso Erdemovic[27] expressou os contornos do crime contra a humanidade considerando a humanidade como vítima que foi adotado no caso em que o tribunal declarou:

Crimes contra a humanidade são graves atos de violência que lesam os seres humanos eliminando o que lhes é mais essencial: vida, liberdade, integridade física, saúde e dignidade. São atos desumanos que, por sua extensão e gravidade, ultrapassam os limites do tolerável pela comunidade internacional, que deve, necessariamente, requerer sua punição. Mas os crimes contra a humanidade também transcendem o indivíduo, uma vez que, quando este vitimado, a humanidade é atacada e negada. Assim, o conceito da humanidade como vítima é o elemento caracterizador dos crimes contra a humanidade.

Para Carvalho Ramos não é necessário que ocorra uma série de atos para que se caracterize o crime contra a humanidade, basta que exista essa política ou cenário de ataque sistemático à população civil para que uma única conduta seja considerada um crime contra a humanidade.[28]

São vários os atos de violação grave de direitos humanos que foram mencionados no artigo 7º no Estatuto de Roma como por exemplo os atos de violação do direito à vida, por meio do homicídio e do extermínio, a escravidão, deportação, ou transferência forçada de população, prisão ou de outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, tortura, crimes sexuais e agressão sexual, escravização sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável, perseguição política, racial, religiosa, nacional, étnico, cultural ou de gênero, ou de função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional que é o caso de da perseguição à comunidade LGBTQIA+, desaparecimento forçado de pessoas e crime de apartheid e uma cláusula que permite que sejam um crime contra a humanidade quaisquer atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física, saúde física e mental.[29]

3.2 COMPREENDENDO OS DIREITOS HUMANOS

No Brasil, os direitos humanos são garantidos pela Constituição Federal de 1998 que foi um grande avanço jurídico. A Constituição garante direito civis políticos, econômicos, sociais e culturais dos cidadãos brasileiros. Tais garantias aparecem no artigo 1º que estabelece a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. No artigo 4º estabelece por exemplo a prevalência dos direitos humanos. Já no artigo 5º é estabelecido o direito à vida, à privacidade, à igualdade, a liberdade, à segurança e nesse mesmo artigo estabelece direitos fundamentais importantes, sejam eles coletivos ou individuais.[30] A Constituição Federal é o marco mais evidente dos direitos humanos no Brasil.

Para o Unicef os direitos humanos pertencem a todos e todas e a cada um de nós igualmente. Os direitos são universais, inalienáveis, indivisíveis, interdependentes, inter-relação, iguais, não discriminatórios, participativos, inclusivos e que os Estado são responsáveis e detentores de deveres e que tem de cumprir as normas e padrões legais consagrados nos instrumentos de direitos humanos.[31] A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 em seu preâmbulo reconhece que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito. Tendo direito à vida, ser reconhecidos iguais perante a lei, à liberdade e a segurança.[32]

Segundo Carvalho Ramos os direitos humanos constituem direitos indispensáveis para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade pois os direitos humanos são direitos essenciais e indispensáveis à vida digna.[33] Kant, no final do século XVIII, defendeu a existência da dignidade intrínseca a todo ser racional, que não tem preço ou equivalente.[34] Na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 traz em seu preâmbulo a proteção internacional dos direitos do homem e os direitos essenciais do homem.[35]

Os direitos humanos, bem como foi exposto acima, são direitos inerentes a todas as pessoas, independentemente da raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outro status. Eles estão normatizados no Direito Internacional no âmbito da ONU, na Carta Internacional dos Direitos humanos, integrada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, no âmbito regional, na Convenção Americana de Direitos Humanos e estão normatizados também na Constituição Federal de 1988.[36]

Os direitos humanos servem para ressaltar e evidenciar que a existência de uma pessoa é de um valor absoluto e que nada é mais superior ou equivalente a essa premissa. Sendo assim a dignidade da pessoa humana é tida como valor incondicional, imensurável, insubstituível e que não admite equivalência.[37]

3.3 A CORRELAÇÃO JURÍDICA ENTRE CORRUPÇÃO E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

É necessário determinar quando os direitos humanos são violados por atos de corrupção, para determinar a relação de causa e efeito. Desde que seja demonstrado que as ações ou omissões de um Estado não estão em conformidade com as normas nacionais e internacionais de direitos humanos, o escopo e o conteúdo das obrigações de direitos humanos devem ser determinados com base em normas internas e tratados internacionais, direitos e costumes ou princípios gerais de direito.[38]

Existem três níveis de obrigações de direitos humanos para os estados: respeitar, proteger e cumprir. A obrigação de proteger impõe ao Estado a obrigação de limitar a prática de quaisquer atos que privem a pessoa do direito ao benefício ou da capacidade de praticá-los. Por outro lado, a obrigação de proteger inclui a obrigação do Estado de prevenir danos irreparáveis de membros da sociedade, de forma que países devam evitar violações de direitos humanos em alguns terços, evitar e eliminar incentivos para violar os direitos de terceiros e fornecer acesso a soluções legais em caso de violação. O não cumprimento dessas obrigações pode levar à responsabilização do Estado em casos de corrupção. Além disso, as obrigações de conformidade exigem que os Estados tomem medidas para garantir que suas necessidades primárias sejam atendidas, especialmente quando eles não podem garantir que suas necessidades primárias sejam atendidas.[39]

A corrupção pode levar indiretamente a violações de direitos humanos quando é uma condição necessária para a violação, é um elemento essencial em uma cadeia de comportamento que acaba levando a violações de direitos humanos. A corrupção também pode ser uma violação distante dos direitos humanos, portanto, a corrupção é um dos fatores que levam a essa violação.[40] É importante observar como violações de direitos humanos e atos de corrupção podem estar conectados. Para Leal e Schneider não há dúvidas de que a corrupção está diretamente ligada à violação de direitos fundamentais e humanos, principalmente quando as práticas corruptas são utilizadas como forma de violar todo o ordenamento jurídico, aliás, ter efeitos locais na rede existente de direitos e garantias.[41]

Dando continuidade a essa discussão, é costume que um ato de corrupção viole diretamente um direito, ou seja, não respeita uma obrigação do país em relação a esse direito. Da mesma forma, um direito é violado diretamente pela corrupção quando um funcionário ou organismo público age para impedir que terceiros tenham acesso e usufruam desse direito. Por outro lado, não se deve esquecer que as práticas corruptas podem infringir indiretamente certos direitos. A observação de um órgão público, ao evitar denúncias de corrupção passiva, ameaça à integridade física dos jornalistas e decreta a censura da mídia. Essas atitudes afetam indiretamente os direitos consagrados na Constituição Federal de 1988, como o direito à liberdade de expressão e à integridade física e moral das vítimas.[42]

Na esfera internacional, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção se preocupa com as ameaças representadas pela corrupção, pois promove a insegurança social e a destruição das instituições democráticas, além de comprometer o desenvolvimento do Estado de direita. Da mesma forma, o Conselho da Europa vê a corrupção como um ataque ao governo, ao judiciário, à economia e à burocracia do Estado.

Além disso, o Conselho Internacional de Política de Direitos Humanos define claramente sua posição sobre o impacto negativo na esfera social. Para esta ONG, que inclui um pequeno grupo de defensores dos direitos humanos díspares, a corrupção cria uma verdadeira provocação à discriminação nas suas mais diversas formas, privações, tiram rendimentos de pessoas vulneráveis e impedem-nas de gozar dos seus direitos políticos e sociais, civis, direitos culturais e econômicos.[43]

Nesse sentido, a Resolução nº 1/18 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos indica que a corrupção na gestão dos recursos públicos impede a capacidade dos governos de atingir as metas relacionadas à saúde, educação e saúde, água, transporte e saneamento são necessários para a realização dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e especialmente das populações vulneráveis.

Sob essa mesma ótica Miranda[44] diz que:

Inegavelmente, muito pior que o ladrão, o homicida, enfim, do criminoso comum, é o corrupto, o dilapidador dos cofres públicos, da moral administrativa, pois esse último, com sua conduta ilícita, acaba atingindo o direito de um número indeterminado de pessoas, impossibilitando investimentos em diversas áreas e projetos sociais, como, por exemplo, os relativos à segurança pública, no combate à fome, à educação, saúde, à construção e reforma de escolas, hospitais etc., enfim, acaba-se privando milhões de brasileiros de suas necessidades básicas, fundamentais para a sobrevivência da pessoa humana.

Por essas razões, a corrupção atenta contra os princípios de igualdade e não discriminação, fundamentais para a organização democrática de um Estado, afetando pessoas de grupos do interior do país, circunstâncias discriminatórias, como imigrantes, pobres, povos indígenas, refugiados etc. Como se pode perceber, não gozam de seus direitos da mesma forma que o resto da sociedade, em grande parte devido à sua adaptação à linguagem e às práticas sociais, tornando-se facilmente vítimas de abusos. Segundo Campos e Bascuñan[45]:

Membros de grupos marginalizados são mais vulneráveis à corrupção, pois não têm a possibilidade de cumprir ou fugir das condições extrajurídica impostas a eles para exercer seus direitos. A discriminação contra a corrupção estrutural é ainda mais intensa, pois é seletiva, como muitas de suas formas operam através de marcadores sociais como etnia, status socioeconômico, gênero, orientação sexual, etc. Em outras palavras, corrupção, especialmente estrutural, tende a preferir o mais fraco, o que ao mesmo tempo reforça sua condição de marginalidade.

Partindo um pouco mais além, não se pode esquecer que o impacto da corrupção pode afetar vários direitos humanos ao mesmo tempo, devido às relações recíprocas que existem entre eles. Por exemplo, observe que se um ato de depravação impede uma família de ter uma casa própria, certamente outros direitos como alimentação, água, saúde e o mais importante, dignidade humana também deve ser afetada.[46]


4 A CORRUPÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL

Nesse capítulo serão abordadas as Convenções Internacionais que tratam sobre os aspectos da corrupção e o compromisso de combate a ela, como forma de tentativa de erradicação pelos países signatários.

4.1 CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO (CONVENÇÃO DE CARACAS, 1996)

A Convenção Interamericana contra a Corrupção adotada em Caracas, Venezuela, no dia 29 de março de 1996, como o primeiro instrumento jurídico internacional a tratar da corrupção e a necessidade de promover e facilitar a cooperação os Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) para combate-la.[47] Segundo a OEA em seu preâmbulo, a corrupção implica a legitimidade das instituições públicas, atenta contra a sociedade, a ordem e a moral, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos, provocam distorções econômicas, vícios na gestão pública, a deterioração da moral social, cria instrumentos que servem para o crime organizado, além de ameaçar e corroer as atividades comerciais e financeiras legitimas.[48]

A Convenção no Brasil foi aprovada pelo decreto legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 4.410 de 7 de outubro de 2002. No Brasil a partir da ratificação de uma convenção ela é incorporada com lei ordinária assim seu cumprimento é obrigatório e válido para todos.[49] A Convenção conta com vinte e oito Estados partes e de acordo com o seu artigo XXI a convenção está aberta para à assinatura dos Estados membros da OEA.[50]

A Convenção em seu preâmbulo e artigo II tem como proposito promover e fortalecer o desenvolvimento dos mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção e promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados, a fim de garantir a eficácia das medidas e ações destinadas a prevenir, detectar, punir e eliminar a corrupção no exercício de funções públicas e especificamente e os atos de corrupção conexos.[51]

A Convenção Interamericana estabelece iniciativas governamentais de combate à corrupção, que podem ser divididas em ações de prevenção e ações para criminalizar o crime e certos atos de corrupção. O artigo III da Convenção Interamericano estabelece uma série de medidas preventivas que as Partes considerarão para reduzir as oportunidades de cometer atos de corrupção. Dentre essas estão por exemplo as normas de conduta para o bom desempenho das funções públicas e mecanismos para tornar efetivos, sistemas para a declaração de receitas, sistemas de recrutamento de funcionários públicos, sistemas para arrecadação e controle da renda do Estado que impeçam a prática da corrupção e sistemas para proteger funcionários públicos.[52]

A Convenção da OEA cobre o lado ativo e passivo do crime, desde a corrupção puramente doméstica até sua dimensão internacional, mas visa exclusivamente a corrupção no exercício de funções públicas. Como podemos observar, o escopo da Convenção Interamericana é amplo. No seu artigo VI identifica quais são os atos de corrupção serão aplicados a Convenção. Em seu parágrafo 1º e suas alíneas a e b aponta o suborno como um ato de corrupção.

A Convenção contém disposições sobre o desenvolvimento progressivo artigo XI que visam a futura classificação de práticas, tais como a adoção de uma determinada decisão por uma autoridade com o objetivo de obter uma vantagem indevida e o uso indevido ou exploração de bens públicos para o seu beneficiar. benefício próprio ou de um terceiro por um funcionário público artigo XI alínea b.[53]

A eficácia da ação internacional anticorrupção depende em grande parte da base jurisdicional por meio da qual as partes aplicam e fazem cumprir suas leis anticorrupção. A Convenção Interamericana busca obter a maior liberdade possível para que os Estados Partes exerçam sua jurisdição na investigação e julgamento do crime. Nesta perspectiva, prevê a territorialidade como base jurisdicional, incluindo a doutrina dos efeitos no artigo IV e a nacionalidade no artigo V § 1º e 2º, bem como demais fundamentos previstos na legislação nacional no artigo V § 4º.[54]

A jurisdição territorial existe em todos os sistemas jurídicos e é eficiente nos atos de corrupção. Por esta razão, a Convenção estendeu o alcance do princípio da territorialidade às situações em que os atos não foram praticados no território nacional, mas que, no entanto, tiveram um impacto significativo nele. A jurisdição penal baseada na nacionalidade, por sua vez, permite, em certos casos ou em circunstâncias especiais, julgar os cidadãos por crimes cometidos no exterior.[55]

O artigo V § 3º[56] estabelece uma obrigação adicional, segundo a qual cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição em relação aos crimes para os quais foi classificado de acordo com esta Convenção, se o suspeito estiver em seu território e a referida parte não o extradita para outro país em razão da nacionalidade do suspeito.[57]

A cooperação entre os Estados é um requisito fundamental no combate às atividades criminosas e é um dos principais objetivos da Convenção da OEA e de outros acordos voltados para o combate à corrupção.[58]

A Convenção Interamericana já exige em seu preâmbulo e no artigo VII que os Estados Partes facilitem a cooperação mútua. O Artigo XIII, por sua vez, estabelece cooperação em matéria de extradição. O parágrafo 2º desta disposição estabelece a obrigação dos Estados Partes de incluir os crimes previstos na Convenção como base para a concessão da extradição em qualquer tratado de extradição que celebrem. O próximo parágrafo estabelece que a Convenção servirá de base jurídica para a extradição na ausência de contratos específicos. Além disso, o artigo 6 do mesmo artigo impõe ao Estado que se recusa a extraditar o acusado a obrigação de levá-lo à justiça.[59]

O Artigo XIV prevê a assistência mútua na obtenção de provas e a cooperação técnica mútua na prevenção, detecção, investigação e punição de infrações penais. O próximo artigo prescreve a assistência mútua no que diz respeito às medidas sobre bens decorrentes de atos de corrupção, indispensável para um combate eficaz à corrupção. O artigo XVI, também de fundamental importância, trata da cooperação em situações relacionadas ao sigilo bancário. O Artigo XVIII dispõe sobre a designação de autoridades para formular e receber solicitações de assistência e cooperação.[60]

Deve-se notar que a Convenção da OEA, como a maioria dos acordos internacionais, estabelece o cumprimento de sua legislação nacional como um limite ao compromisso dos Estados com a cooperação internacional. Os Estados podem, por exemplo, invocar suas leis de sigilo bancário como fundamento para recusar tal cooperação (Artigo XVI § 1). São limites que certamente reduzem a eficácia dos mecanismos que visam garantir a cooperação internacional.[61]

A Convenção exige, em seu artigo XV § 1º, que os Estados prestem assistência na aplicação de sanções na forma de identificação, localização, congelamento, apreensão e confisco de bens obtidos ou derivados da prática dos crimes descritos. A forma como a apreensão de bens é efetuada é deixada ao direito nacional.[62]

A Convenção da OCDE estabelece, em seu artigo 2º, a responsabilidade das pessoas jurídicas, e no artigo 3º § 1º especifica que as sanções penais aplicáveis devem ser efetivas, proporcionais e dissuasivas. A duração das penas deve ser comparável à aplicada ao suborno do funcionário público da Parte e, no caso das pessoas físicas, deve incluir a privação de liberdade por um período suficiente para permitir a assistência mútua e a extradição efetiva. O parágrafo 2° estabelece que se a responsabilidade criminal, de acordo com a ordem jurídica da Parte, não se aplicar às pessoas jurídicas, a Parte deve garantir que as pessoas jurídicas estejam sujeitas a sanções não criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas contra o suborno de um funcionário público estrangeiro, incluindo sanções pecuniárias. O artigo 3º da mesma disposição assegura que o produto da corrupção pode ser retido e confiscado ou que são aplicáveis sanções de efeito equivalente. Finalmente, seu § 4º também prevê a aplicação de sanções civis ou administrativas adicionais a uma pessoa sancionada por suborno de funcionário público estrangeiro.[63]

O controle eficaz da corrupção transnacional requer ferramentas adequadas para investigar e processar todas as partes envolvidas em tais transações. A fim de assegurar que os Estados proporcionem capacidade institucional adequada para a vigilância e investigação de transações suscetíveis à corrupção, a Convenção prevê, em seu artigo III § 9º, a criação, manutenção e fortalecimento de órgãos de fiscalização, a fim de desenvolver mecanismos modernos prevenir, detectar, punir e erradicar práticas corruptas.[64]

O Ordenamento Jurídico Brasileiro encontra-se em conformidade com os termos da Convenção da OEA. Destaca-se a Lei de Acesso à Informação nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 e a Lei de Conflito de Interesses nº 12.813, de 16 de maio de 2013, em relação ao exercício de cargo ou vínculo empregatício no Poder Executivo Federal e entraves após a saída do cargo. O suborno de um funcionário público estrangeiro é considerado crime de acordo com o artigo 337-B do Código Penal Brasileiro. Já a Lei 12.846, de 1 de agosto de 2013 instituiu a responsabilidade estabelecida para pessoas jurídicas envolvidas em atos contra a administração pública brasileira ou estrangeira. Além disso, está em tramitação no Senado Federal proposta que prevê a criminalização do enriquecimento ilícito.[65]

Em 2019, o Comitê Interministerial de Combate à Corrupção (CICC), foi instituído pelo Decreto nº 9.755, de 11 de abril de 2019. O comitê fez um diagnóstico das principais normas e diretrizes que devem ser implementadas para que o governo federal cumpra as diretrizes nacionais e recomendações de organizações internacionais.[66]

Como resultado, o governo federal lançou o plano anticorrupção para o período de 2020 a 2025. O objetivo do plano é estruturar e implementar medidas para melhorar os mecanismos de prevenção dentro do executivo federal, a detecção e responsabilização por atos de corrupção, o avançar no cumprimento e aprimoramento das leis anticorrupção e no cumprimento das recomendações internacionais. No total, foram propostas 142 medidas. No âmbito das medidas preventivas, foram criados o Portal da Transparência e o programa Olho Vivo no Dinheiro Público para promover o controle social.[67]

4.2 CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO (CONVENÇÃO DE MÉRIDA, 2003)

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (United Nations Convention Against Corruption, UNCAC) foi promulgada em 31 de outubro de 2003 e entrou em vigor em 14 de dezembro de 2005.[68] É o único acordo internacional anticorrupção multilateral juridicamente vinculativo. Foi negociado pelos Estados Membros da Organização das Nações Unidas (ONU), adotado pela Assembleia Geral da ONU em outubro de 2003 e entrou em vigor em dezembro de 2005. O tratado reconhece a importância de medidas preventivas e punitivas, aborda a natureza corrupção transfronteiriça com disposições sobre cooperação internacional e a devolução dos rendimentos da corrupção.[69]

Espera-se que os Estados Partes que ratificaram a Convenção cooperem em questões criminais e considerem a assistência mútua em investigações e procedimentos em questões civis e administrativas relacionadas com a corrupção. A Convenção apela também à participação da sociedade civil e de organizações não governamentais nos processos de responsabilização e sublinha a importância do acesso dos cidadãos à informação.[70] No Brasil a Convenção foi aprovada por meio do decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006.[71]

A partir de 1996, a corrupção tornou-se um tema de interesse para os mais diversos países que, em nível regional, iniciaram processos de acordos de ação conjunta sobre o tema. A comunidade internacional expressou seu interesse em traçar um acordo verdadeiramente global capaz de prevenir e combater a corrupção em todas as suas formas. Assim nasceu a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.[72] (Preâmbulo)

A convenção é composta por 71 artigos, divididos em 8 capítulos e contendo 68 páginas.[73] A Convenção nos seus artigos 1, 2, 3 e 4 trata das finalidades da convenção que são promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficiente a corrupção, promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos, promover a integridade, a obrigação de render contas e a devida gestão dos assuntos e dos bens públicos, suas definições e traz os efeitos da corrupção por funcionário público toda pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial de um Estado Parte já designado ou empossado, permanente, ou temporário, remunerado, ou honorário, seja qual for o tempo dessa pessoa no cargo, o seu âmbito de aplicação que aplicará, de conformidade com suas disposições, à prevenção, à investigação, e à instrução judicial da corrupção e do embargo preventivo, da apreensão, do confisco e da restituição do produto de delitos identificados de acordo com a presente Convenção e a proteção da soberania os Estados Partes cumprirão suas obrigações de acordo com a presente Convenção em consonância com os princípios de igualdade soberana e integridade territorial dos Estados, assim como de não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.[74]

Dos artigos 5 ao 14 trata das políticas e das práticas de prevenção à corrupção, a Convenção das Nações Unidas estabelece que os Estados Partes implementem políticas anticorrupção capazes que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, como integridade, transparência e responsabilidade.[75]

Devem também tomar medidas para ampliar o acesso dos cidadãos às finanças públicas e estimular a participação da sociedade nesse processo, bem como tomar medidas para prevenir a lavagem de dinheiro. Por fim, ele destaca que a independência do judiciário e do Ministério Público é essencial para o combate à corrupção.[76]

A Convenção das Nações Unidas prevê medidas para prevenir a corrupção não só no setor público, mas também no setor privado. Isso inclui: desenvolver normas de auditoria e contabilidade para empresas; impor sanções civis, administrativas e criminais efetivas e de caráter inibitório para futuras ações; promover a cooperação entre a aplicação da lei e empresas privadas; prevenir conflitos de interesse; proibir a existência de dinheiro duplo nas empresas; e desencorajar a isenção de impostos ou redução de despesas consideradas suborno ou outro comportamento relacionado.[77]

Dos artigos 15 ao 42 trata da penalização e aplicação da lei, a Convenção das Nações Unidas Exorta os Estados Partes a introduzir classificações criminais em seus sistemas jurídicos, cobrindo não apenas as formas básicas de corrupção, como suborno e desvio de fundos públicos, mas também atos que contribuem para a corrupção, como obstrução da justiça, tráfico de influência e dinheiro. lavagem de corrupção. A sanção por corrupção está condicionada à existência de mecanismos que permitam ao sistema de justiça criminal levar a cabo medidas de detenção, processo, punição e reparação para o país.[78]

A Convenção instrui os Estados Partes a tratar o suborno como crime e o define como a promessa, oferta ou concessão, direta ou indireta, de vantagem injustificada a um funcionário público ou outra pessoa física ou jurídica para agir ou não agir. Exercer suas funções oficiais. Da mesma forma, quem busca ou aceita a mesma vantagem indevida comete crime de suborno.[79]

O artigo 25 estabelece a obstrução da justiça que influencia nos potenciais testemunhas que podem fornecer provas através do uso da força, ameaças ou intimidação; e interferir pelos mesmos meios no exercício das funções de funcionários ou membros do Tribunal.[80]

Dos artigos 43 ao 50 trata da cooperação internacional que enfatiza todos os aspectos da luta contra a corrupção requerem cooperação internacional, como assistência jurídica mútua na coleta e transferência de provas, em processos de extradição, bem como investigações conjuntas, rastreamento, congelamento de bens, apreensão e confisco do produto da corrupção.[81]

Os Estados Partes podem rejeitar pedidos de extradição se a perseguição for observada com base no sexo, raça, religião, nacionalidade, etnia ou convicções políticas. Em qualquer caso, embora não seja obrigatório, a Convenção recomenda consultar o país solicitante antes da rejeição, para permitir que sejam fornecidas informações adicionais que possam levar a um resultado diferente.[82]

E dos artigos 51 ao 59 trata da recuperação de ativos que é um princípio fundamental da Convenção. Os Estados Partes devem prestar-se mutuamente ampla cooperação e assistência nesta área para promover os interesses das vítimas e dos legítimos proprietários desses recursos.[83]

Os Estados Partes devem exigir que suas instituições financeiras verifiquem a identidade de seus clientes, determinar a identidade dos destinatários da conta coletiva, impor maior controle sobre as contas de funcionários públicos seniores, relatar transações suspeitas às autoridades competentes, e impedir o estabelecimento de bancos sem presença física.[84]

O artigo 53 estabelece sobre a recuperação direta que tem o foco na possibilidade de os Estados Partes terem um regime que permite a outro Estado Parte iniciar processos civis para recuperar ativos ou intervir ou agir no processo interno para fazer cumprir seu pedido de indenização. Dessa forma, os Estados Partes podem iniciar ações civis nos tribunais de outra parte para estabelecer o direito à propriedade dos bens adquiridos por meio de suborno. E os tribunais devem ser capazes de ordenar que os infratores por suborno compensem outro Estado parte e reconhecer, em ordens de confisco, o pedido de outra parte como o legítimo proprietário da propriedade. A vantagem do processo civil é útil quando o processo penal não é possível, uma vez que a morte ou a ausência do suspeito permite estabelecer a culpa com base no direito civil, com procedimentos processuais diversos.[85]

A United Nations Office on Drungs na Crime (UNODC) como como guardião da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o UNODC atua para promover a ratificação da Convenção, fornecer assistência técnica, apoiar a realização de conferências dos Estados Partes, promover a implementação efetiva e eficiente da Convenção, ajudar os Estados Partes a respeitar a convenção e facilitar a sua ratificação universal.[86]

Por iniciativa do UNODC, em novembro de 2009, mais de 1.000 delegados de 125 países se reuniram em Doha, no Catar, para revisar a implementação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. A principal conquista foi a criação de um mecanismo para monitorar a implementação da convenção. Pelo acordo, todos os estados serão monitorados a cada cinco anos para avaliar como estão cumprindo suas obrigações. Essa avaliação é feita por meio de um software, que inclui um checklist sobre a aplicação da convenção. Os resultados dessas avaliações, com base em processos de autoavaliação e visitas de especialistas internacionais, serão coletados nos relatórios de avaliação dos países. Em outras palavras, de agora em diante, os estados serão julgados pelo que estão realmente fazendo contra a corrupção e não apenas por suas promessas. Além disso, essa avaliação mostrará as lacunas existentes em cada país e, portanto, norteará a atuação do UNODC em termos de cooperação técnica.[87]


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta do presente trabalho foi de estudar a corrupção e sua relação com os Crimes Contra a Humanidade pelo viés da violação dos Direitos Humanos: os apontamentos da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e da Convenção Interamericana Contra a Corrupção. Para que houvesse o desenvolvimento da pesquisa foi trabalhado o seguinte problema: O crime de corrupção previsto no Código Penal pode ser classificado como um crime contra a humanidade com base na declaração dos direitos humanos e das convenções existentes? A resposta obtida após todo conteúdo exposto foi o da hipótese positiva levantada no início da pesquisa: Sim, o crime de corrupção previsto no Código Penal pode ser classificado como um crime contra a humanidade com base na declaração dos direitos humanos e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e da Convenção Interamericana contra a corrupção.

A diversidade dos sistemas jurídicos nacionais e das respectivas legislações anticorrupção torna necessária a elaboração de normas internacionais com vista a uma harmonização mínima. Ademais, o combate efetivo contra a corrupção não seria possível sem a cooperação interestadual e internacional, necessária para superar tanto as inconsistências que esta diversidade apresenta, quanto a falta de mecanismos internacionais eficientes no julgamento dos sujeitos envolvidos.

Existem muitas variações através das quais os atos corruptos podem se manifestar. Nisso, são inegáveis seus males nas sociedades democráticas, acentuando problemas como a pobreza e a falta de oportunidades para as classes menos favorecidas, na medida em que os recursos destinados à melhoria das estruturas do Estado e à promoção de políticas públicas são desviados de seus verdadeiros fins. Diante desse cenário, o grau de fragilização de diferentes direitos fundamentais saúde, vida, devido processo legal, governo majoritário é incomensurável. É verdade que práticas supostamente corruptas contradizem objetivos constitucionais orientados para questões socioeconômicas, países em crescimento e a realização dos valores humanos.


REFERÊNCIAS

  1. ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.214.
  2. Tribunal Internacional Penal para a Ex-Iugoslávia, Caso Tadic, julgamento de 7-5-1997)
  3. Ramos, A. C. Curso de direitos humanos / André de Carvalho Ramos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
  4. (GIL, 1987, p. 29)
  5. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Melhoramentos*, 2021. Editora MelhoramentosDisponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/. Acesso em: 14 set. 2021
  6. BOBBIO, N. MATTEUCCI, N. PASQUINO, G. Dicionário de política trad. Carmen C, Varriale et ai; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1ª ed., 1998. p 291.
  7. RASSI, J. D.; FILHO, V. G. O Combate à Corrupção e Comentários à Lei de Responsabilidade de Pessoas Jurídicas (Lei Nº 12.846, 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015. E-book.
  8. CNJ Serviço: Entenda as diferenças entre corrupção ativa e passiva. Agência CNJ de Notícias. 29 de mar. 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-entenda-as-diferencas-entre-corrupcao-ativa-ou-passiva/. Acesso em: 14 set. 2021
  9. BEZERRA, M. O. Corrupção: um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995Gomes, C. L. G. Manual de Criminologia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. E-book.
  10. BRASIL. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República. não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 14 set. 2021

Abstract: This article works on the following theme "Corruption and its relationship with crimes against humanity through the violation of human rights" aims to bring the relationship between corruption and crimes against humanity through the perspective of human rights. a serious obstacle to development and governance in democratic countries like Brazil. As an analytical method, the text examines, in addition to clarifying the concept of corruption, how corrupt actions can violate human rights. First, the concept, classification and characteristics of corruption will be contextualized. Secondly, crimes against humanity, the understanding of human rights and the legal correlation between corruption and human rights violations. For a third moment the corruption in International Law and its Conventions and for a fourth moment the correlation of the fundamental right to life, which led to the positive answer that the crime of corruption provided for in the Penal Code can be classified as a crime against humanity based on the Declaration of Human Rights and the United Nations Convention against Corruption and the Inter-American Convention against Corruption.

Keywords: Corruption; Crimes Against Humanity; Human rights; International right.


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