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Aspectos criminais da Lei nº 8.666/1993.

Crimes licitatórios e correlatos

Aspectos criminais da Lei nº 8.666/1993. Crimes licitatórios e correlatos

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O presente estudo analisa os crimes licitatórios previstos no Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, Lei 8.666/1993, abordando desde aspectos administrativo e penais, até os processuais; além de comentar sobre crimes correlatos.

Resumo: O presente estudo trata sobre uma análise dos crimes licitatórios previstos no Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, Lei 8.666/1993, abordando desde aspectos administrativos sancionatórios; comentando as diversas formas de fraudes em licitações, e também a parte processual penal da referida lei. Além disso, foram feitas menções aos crimes correlatos, ou seja, aqueles crimes que geralmente ocorrem concomitantemente com os licitatórios. Esta pesquisa objetiva, portanto, através de uma investigação jurídica, crítica e descritiva, analisar os tipos penais administrativos desse Estatuto, juntamente com seus anexos; a fim de verificar, com base nas fontes legais, doutrinárias e jurisprudenciais, se os referidos institutos contribuem para o efetivo funcionamento do sistema criminal brasileiro. Utilizou-se de conhecimentos jurídicos diversos, principalmente do Direito Penal, Processo Penal, Administrativo e Constitucional.

Palavras-chave: Crimes Licitatórios. Fraudes em Licitação. Lei 8.666/93. Direito Penal e Processo Penal Brasileiro


INTRODUÇÃO

O Estatuto Geral das Licitações e Contratos, Lei 8.666/1993, regula como devem ocorrer as seguintes modalidades de licitação: concorrência, tomada de preços, convite, leilão e concurso; Além de estabelecer seus tipos: menor preço, melhor técnica, e técnica e preço. A referida lei estabelece todos os detalhes desde os princípios, passando pelas fases interna e externa dos certames licitatórios, características dos contratos administrativos, sanções, crimes, penas e recursos.

Licitações acontecem todos os dias no Brasil, uma vez que a Administração Pública precisa construir obras, comprar medicamentos, vender bens, enfim, prestar e contratar serviços. E como o Poder Público utiliza dinheiro público, os certames licitatórios são necessários para garantir uma melhor economia e publicidade da utilização desse dinheiro. Entretanto, isso nem sempre acontece, pois os escândalos envolvendo fraudes em licitações são muito comuns no nosso cotidiano. Por isso, se mostra necessário um estudo sobre o tema para clarear nosso entendimento.

Os crimes licitatórios estão previstos do art. 89 ao 99 da lei 8.666/93, e os aspectos processuais penais, do art. 100 ao 108. Além do mais, cabe ressaltar a importância de entender o caráter sancionatório previsto na lei, tanto administrativo quanto criminal, suas penas e multas. Destarte, esses delitos não ocorrem isolados, eles geralmente vêm acompanhados de outros correlatos. Para o desenvolvimento do trabalho, baseou-se numa pesquisa teórica bibliográfica, com a finalidade de analisar legislação, doutrina e jurisprudência; estruturando as ideias e apresentando de uma maneira inteligível.


1. CONCEITO DE CRIME

A sociedade é quem sempre conceituou o crime, termo este designado às práticas consideradas mais graves e merecedoras de maior punição. Cabe ao Poder Legislativo criar a tipicidade e responder perante às necessidades contemporâneas, e aos interesses de cada povo e de cada época. Observa-se que o crime tem três tipos de conceitos: material, formal e analítico.

De acordo com a doutrina de Nucci, o conceito material é aberto e diz ao parlamento quais condutas merecem ser transformadas em tipos penais incriminadores. Já o formal, é uma espécie de definição do direito sobre o delito, constituindo a conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação de sanção, assim, trata-se de um derivado do conceito material, porém, formalizado. Entretanto, o que mais nos interessa é o conceito analítico, pois, ele é a concepção da ciência do direito. É uma definição formal dividida didaticamente para uma melhor inteligibilidade.

Conforme destaca o doutrinador Nucci (2014, p. 120):

Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito. Justamente quanto ao conceito analítico é que se podem encontrar as maiores divergências doutrinárias.

Dessa forma, o crime é entendido majoritariamente como um fato típico, antijurídico e culpável. Além disso, percebemos que não pode haver delito sem reprovação social, logo, a coletividade escolhe os ilícitos mais relevantes que devem ser penalizados. Afinal, delito é o ilícito que o povo deseja ver punido com pena e não com qualquer outro tipo de sanção.

Dessa maneira, cabe perceber que os crimes submetem seus autores a penas de reclusão ou detenção, enquanto as contravenções admitem prisão simples. Além de serem cominadas penas privativas de liberdade, isolada, alternativa ou cumulativamente com multa. Por outro lado, nas contravenções admite-se a possibilidade de fixação apenas de multa.

Ressalta-se que o crime tem seus sujeitos ativo e passivo, o seu objeto, e suas classificações que vão desde crimes comuns e próprios, até progressivos e completos. Assim, com a finalidade de melhor estudo e aplicação de cada um dos tipos penais incriminadores, levando em consideração o momento consumativo, o sujeito e outros fatores da infração penal.


2. CONCEITO DE LICITAÇÃO

Licitação é um procedimento administrativo no qual a Administração Pública segue os princípios constitucionais que a guiam (princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, igualdade e probidade administrativa), e escolhe a proposta de fornecimento de serviço, obra ou bem mais vantajosa para o erário. Conforme nos explica Motta (2005, p. 2):

A licitação constitui, portanto, o instrumento de que dispõe o Poder Público para coligir, analisar e avaliar comparativamente as ofertas, com a finalidade de julgá-las e decidir qual será a mais favorável. Esse instrumento é obrigatório, como mencionado em diversos dispositivos da Carta Magna (art. 22, XXVII, com redação dada pela Emenda Constitucional 19/98; art. 37, XXI; art. 175).

Bandeira de Mello (2007, p. 507), afirma que pode se conceituar licitação como um procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.

Além disso, cabe observar que o referido certame visa alcançar um objetivo dúbio: proporcionar aos entes governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso, uma vez que a competição entre particulares tende a fazer isso. E assegurar aos administrados o direito de participar destes negócios que as pessoas governamentais pretendam realizar com os empresários.

As licitações são divididas em modalidades, que são elas: concorrência, tomada de preços, convite, leilão, concurso e pregão. Cada uma com suas peculiaridades, finalidades e valores, bem explicados na Lei 8.666/1993, e na Lei 10.520/2005. Já os tipos de licitação são: menor preço, técnica e preço, e melhor técnica.

É notório que esses procedimentos são de grande relevância, e orientam o setor das compras públicas, que é um mercado bastante ativo e que não para. Entretanto, muitos agentes públicos e particulares usam artifícios para burlar as leis em troca de benefício próprio, prejudicando a sociedade e o desenvolvimento do país. Por isso, é relevante o estudo dos crimes licitatórios, daqueles anexos a eles, das referidas penas, e do respectivo processo penal associado a esses casos.


3. ASPECTOS ANTERIORES AOS CRIMES LICITATÓRIOS PREVISTOS NA LEI 8.666/93

Antes de adentrar aos crimes licitatórios propriamente ditos, que vão desde o art. 89 até o art. 99 da lei 8.666/93, é relevante tecer alguns breves comentários sobre alguns aspectos presentes nessa lei que dizem respeito à finalidade, vedações, responsabilidade, ilegalidade, sanções, infrações penais e multas.

O art. 3º da lei nacional das licitações esboça sobre a finalidade da licitação e sua ética. Ele diz que o objetivo é selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, preferencialmente com o menor preço. Entretanto, nem sempre o menor preço é a proposta mais vantajosa, uma vez que outros fatores podem preponderar, como a melhor técnica, por exemplo. A ética explícita no art. 3º está relacionada com os princípios básicos expressos no art. 37 da CF, que regem o processo e o procedimento.

No seu § 1º e nos seus incisos, o art. 3º estabelece as vedações aos agentes públicos, ou seja, normas para a criação de um caráter competitivo e de igualdade de oportunidades entre os licitantes. Outros dispositivos adiante também constituem garantias aos direitos dos licitantes, e cujo desrespeito pode abalar o caráter competitivo do processo. Em síntese, são regras para evitar alguns vícios comuns em editais. Então, percebe-se que o referido artigo visa evitar a frustração da competição e o estabelecimento de preferências, distinções e tratamento diferenciado.

Já no que diz respeito à responsabilidade solidária em caso de superfaturamento, a lei deixa claro que em qualquer dos casos de dispensa, se ficar comprovado o preço além do mercado, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública, o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público, que é, no caso, o ordenador de despesas. Conforme o art. 43, inciso IV, a comprovação de preço de mercado em casos de inexigibilidade e dispensa deve ser feita pelos meios de que dispõe a Administração Pública.

3.1 SANÇÕES AOS AGENTES ADMINISTRATIVOS E AOS CONTRATADOS

Os agentes administrativos podem responder civil e criminalmente além das sanções previstas na própria Lei. O art. 82 explicita que serão sancionados aqueles agentes que praticarem atos em desacordo com os preceitos da Lei ou frustrarem os objetivos da licitação, já explicados anteriormente.

O art. 83 traz um vislumbre sobre os crimes licitatórios, uma vez que afirma que aqueles crimes simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo. Lembrando que a tentativa ocorre quando iniciada a execução, ela não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, segundo nos ensina o art. 14, inc. II do nosso Código Penal. Entretanto, ao punir os crimes tentados, a Lei de Licitações deve ser vista segundo o sistema penal adotado por nós, uma vez que o Código Penal adotou o critério objetivo para a configuração do crime. Sobre isso, Nucci nos ensina que existem quatro teorias fundamentadoras da punição da tentativa: subjetiva, objetiva, subjetivo-objetiva e sintomática. Nos interessa a objetiva, conforme ele ressalta (2014, p. 277):

(...) b) objetiva (realística ou dualista): o objetivo da punição da tentativa volta-se ao perigo efetivo que o bem jurídico corre, o que somente se configura quando os atos executórios, de caráter unívoco, têm início, com idoneidade, para atingi-lo. É a teoria adotada pelo art. 14, II, do Código Penal brasileiro. Leva-se em consideração tanto o desvalor da ação quanto ao desvalor do resultado. A redução da pena torna-se, então, obrigatória, uma vez que somente se poderia aplicar a pena igual a que seria cabível ao delito consumado se o bem jurídico se perdesse por completo – o que não ocorre na figura da tentativa.

Para compreender melhor as sanções aos agentes administrativos, é importante relembrar o conceito de servidor público, que inclusive está expresso no art. 84 da Lei licitatória. A norma conceitua servidor público, para os fins da Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público. Logo, percebe-se que é um conceito mais abrangente do que aquele expresso na lei dos servidores públicos da União. O § 1º abarca a definição aos empregados de empresas paraestatais e demais controladas. O § 2º aumenta em um terço a pena sempre que os autores dos delitos forem ocupantes de cargo em comissão ou de função pública. Assim, fica evidente que o parágrafo desestimula a corrupção e ressalta concepções básicas do servidor no âmbito constitucional.

O art. 85 destaca o âmbito de incidência das infrações penais previstas no Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos. Percebe-se que a referida abrangência é completa, total, uma vez que engloba União, Estados, Distrito Federal, Municípios, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas e outras entidades sob o controle direto e indireto dos entes políticos.

O art. 86 trata das sanções ao contratado que está em atraso injustificado. O dispositivo sujeita o contratado à multa de mora, desde que previamente fixada no instrumento convocatório ou no contrato administrativo. Conforme o § 1º, a multa não impede a rescisão do contrato e outras sanções previstas. O § 2º informa que a multa será aplicada após regular processo administrativo, sendo a multa descontada da garantia do contratado, desde que ele exerça o seu direito à defesa, cabe notar. Já o § 3º, determina que se o valor da multa ultrapassar o valor da garantia, o contratado arcará com a diferença, que poderá ser debitada dos pagamentos devidos pela Administração, ou cobrada judicialmente.

O edital deverá informar o valor da multa de mora, pois, não é razoável que a inexecução e os percentuais das multas fiquem a critério do contratante. Entretanto, elas não devem ser abusivas, devem ter uma certa proporcionalidade, uma razoabilidade em relação às faltas cometidas, e também em relação à lesividade do bem protegido.

O art. 87 explicita as sanções ao contratado pela inexecução total ou parcial do contrato, o que acarreta: advertência; multa; suspensão temporária de licitar ou contratar com a Administração Pública; e declaração de inidoneidade enquanto existirem os motivos da sanção ou até a reabilitação. Existe diferença entre as multas, a multa moratória tem a finalidade de evitar o atraso no cumprimento do objeto contratual; já a multa compensação é aquela que ocorre quando há eventual inadimplemento.

O inciso IV traz uma novidade, apresenta a figura da reabilitação, concedida sempre que o contratado ressarcir o ente público pelos prejuízos causados, e depois do prazo da sanção. O § 4º explicita as competências para a declaração de inidoneidade, ou seja, Ministro de Estado, Secretário Estadual e Municipal são competentes. Também sobre inidoneidade, destaca-se que o Tribunal de Contas da União, que declara a inidoneidade de licitante comprovado como fraudador, conforme o art. 46 da lei 8.443/92. Assim, impondo suspensão de 5 anos, mais rigorosa do que aquela expressa no Estatuto das Licitações.

Deve-se comentar que o referido Estatuto, no tocante à responsabilização e aplicação de sanções, aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, quando alguma pessoa jurídica, por causa de algum objetivo ilícito, constitui-se com uma forma traçada com o fim de concomitantemente permitir esses objetivos ilícitos e ocultar irregularidades. Logo, os sócios são responsabilizados quando se verifica a utilização da pessoa jurídica para fins obscuros, que geram prejuízo a terceiros.

O art. 88 situa as sanções aos contratados, ou seja, às empresas ou aos profissionais. Sanções como declaração de inidoneidade e suspensão temporária, também poderão ser aplicadas a esses sujeitos, que em razão do contrato, tenham praticado fraude fiscal no recolhimento de tributos; atos ilícitos com o fim de frustrar os objetivos da licitação; e demonstrar não possuir idoneidade para celebrar contrato com a Administração Pública.


4. CRIMES LICITATÓRIOS PROPRIAMENTE DITOS: AS FRAUDES EM LICITAÇÕES

Dentre os crimes praticados por funcionário público contra a administração pública em geral, o Código Penal, em seu art. 326, tratava sobre a violação do sigilo da proposta de concorrência; e o art. 335 sobre impedimento, perturbação ou fraude de concorrência. Entretanto, eles foram revogados pela lei 8.666/93, sendo tipificados em artigos que serão tratados posteriormente.

Além disso, conforme a lei 8.137/90, art. 4º; constitui crime contra a ordem econômica: abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando total ou parcialmente, a concorrência, mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas. Também constitui crime contra a ordem econômica formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas; ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas; ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. Com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.

Percebe-se que com a legislação específica das licitações e contratos, constitui-se crime tudo aquilo que frustre, dificulte ou impeça o certame. Há de se perceber que essa tipificação penal está sob o manto do princípio da moralidade administrativa, em todas as suas etapas. Além do mais, tal conduta justifica-se como uma forma de combater relações corruptas entre empreiteiros e o Estado. Ressalta-se que como corrobora nossa Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal, conforme o art. 5º, XXXIX c/c art. 22, I.

O primeiro crime licitatório, o art. 89 da lei 8.666/93 diz que: dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, recebe uma pena de detenção, de 3 a 5 anos, e multa. O parágrafo único dispõe que na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Os institutos da dispensa e inexigibilidade de licitação estão previstos no artigo 17 para licitação dispensada, art. 24 para licitação dispensável, e art. 25 para licitação inexigível. A primeira ocorre em alienações de bens móveis e imóveis da Administração Pública, subordinada a existência de interesse público devidamente justificado, ocorrendo avaliação prévia e sendo dispensada a licitação em casos de dação em pagamento e doação, por exemplo. As licitações são dispensáveis, conforme explicitam os 35 incisos do art. 24, por exemplo, em casos de emergência, calamidade pública e grave perturbação da ordem. Por fim, o certame é inexigível em três possibilidades, quando há fornecedor exclusivo; quando se tratar de contratação de artista consagrado; e quando se referir aos serviços técnicos previstos no art. 13 da lei 8.666/93.

Percebe-se que para a caracterização objetiva do art. 89, caput, da lei 8.666/93, há uma dispensa de comprovação da determinação do prejuízo econômico para a entidade pública. Assim, por exemplo, o fracionamento de contrato de serviço público contínuo e permanente feito por uma prefeitura, com o objetivo de evitar a prévia licitação, caracteriza a conduta do art. 89, caput. Ou seja, cabe notar que não é suficiente o gestor agir com negligência, uma vez que a referida lei não pune tal conduta.

Observa-se que as instruções de criminalização de condutas no Estatuto das Licitações, objetivam amparar a Administração Pública, tipificando circunstâncias em que licitantes ou agentes públicos tentem obter vantagens ilegais, lesando o patrimônio público. É importante destacar que os crimes descritos na lei 8.666/93 não admitem modalidade culposa, ou seja, a simples tentativa é punida, conforme explicita o art, 83, que prevê além da sanção penal, a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo. Assim, para a caracterização do crime, deve haver uma ação ou uma omissão bem definida.

Para configurar o art. 90, que explicita que: frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação; com pena de detenção de dois a quatro anos, e multa. Deve haver uma vontade de descumprir a lei, e além disso, deve estar também presente uma vantagem econômica na omissão ou na ação, para caracterizar este crime. Logo, a conduta delituosa só é efetivada quando for demonstrada a finalidade, o objetivo de obter para si ou para outrem, vantagem originária da adjudicação do objeto da licitação.

O art. 91, diz que patrocinar interesse privado, direta ou indiretamente, perante a Administração, ocasionando instauração de licitação ou celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Judiciário, dá uma pena de detenção de seis meses a dois anos, e multa. Assim, conclui-se que como há uma dependência da invalidação do certame ou do contrato, acaba sendo bem custoso a aplicação dessa pena, tornando-a altamente ineficaz e necessitando de aperfeiçoamento legislativo.

Já o art. 92 trata sobre uma vantagem contratual para o empresário, dispõe a lei que admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer alteração ou vantagem no contrato, inclusive de prorrogação, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com a Administração, sem autorização da lei, ou pagar fatura com preterição da ordem cronológica, ou seja, desprezando-a, cabe pena de detenção de dois a quatro anos e multa. O parágrafo único inclui o contratado, explicando que aquele que tenha comprovadamente concorrido com a consumação da conduta delituosa, obtendo vantagem indevida nessas modificações ou prorrogações contratuais, também está sujeito à punição.

Diante disso, percebe-se que só poderiam haver alterações contratuais se elas fossem previamente acordadas em cláusulas, ou até mesmo na lei ou no instrumento convocatório. Sobre a ordem cronológica de pagamento, observa-se que o art. 5º da lei 8.666/93 trata do assunto, explicitando que ela deve ser respeitada, exceto em casos de relevante interesse público e prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada. Em síntese, é preciso descumprimento da lei, favorecimento do licitante, e dolo, já que a modalidade culposa aqui não é punida.

O artigo 93 do Estatuto Licitatório tipifica que pra quem impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório, cabe uma pena de detenção de seis meses a dois anos, e multa. Logo, há uma ligação com o art. 4º da referida lei, que explicita que todo licitante tem direito à observância do procedimento licitatório previsto nesta lei, desde que não perturbe ou impeça a realização dos trabalhos. Entretanto, há que se observar que existem casos em que algumas medidas precisam ser tomadas, como no caso de impetração de mandado de segurança para suspender ou anular procedimento ilegal, caracterizando assim, uma perturbação legítima. Ou até mesmo um recurso administrativo previsto na própria lei. Cabe lembrar que antes da lei 8.666/93, o Código Penal trazia a figura do crime de impedimento, perturbação ou fraude de concorrência, que foi substituído pelos artigos 90, 93, 95, 96 e 98 da referida lei especial.

O art. 94 esclarece que devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento de licitação, ou proporcionar a outrem a oportunidade de devassá-la, recebe pena de detenção de dois a três anos, e multa. Ressalta-se que o art. 3º §3º confirma o sigilo do conteúdo das propostas, até a respectiva abertura. Ou seja, devassar seria abrir o envelope e conhecer a proposta antes da abertura oficial, ou saber o valor por qualquer outra fonte confiável. Fica evidente que a prática deste crime afronta a igualdade entre os licitantes e acaba beneficiando o transgressor e maculando o certame como um todo.

Já o art. 95 tipifica que afastar ou tentar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; causa uma pena de detenção de dois a quatro anos, e multa, além da pena respectiva à violência. Conforme o parágrafo único, recebe a mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, por causa de vantagem oferecida por outrem. Percebe-se que aqui há uma pequena semelhança incompleta entre os crimes de corrupção passiva e ativa. Vejamos, o licitante será penalizado se desistir da licitação por uma vantagem oferecida por outrem, porém, não seria punido se fosse o caso de ele mesmo solicitar a vantagem indevida. Percebe-se que há uma lacuna na lei, que gera incoerência.

O artigo 96 da lei 8.666/93 tipifica a conduta propriamente dita de fraudar, ou seja, burlar, lesar a Fazenda Pública, o fisco; por meio de licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente. Os incisos especificam as condutas: elevando arbitrariamente os preços; vendendo como perfeita ou verdadeira, mercadoria danificada ou falsificada; entregando uma mercadoria por outra; alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato. Ficando estabelecida assim uma pena base de detenção de 3 a 6 anos, e multa.

Observa-se que esta tipificação diz respeito apenas a bens e mercadorias, e em nenhum momento cita obras e serviços. Diante disso, cabe ressaltar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nos Embargos de Declaração no Inquérito 3.331, uma vez que essa corte decidiu que quem frauda licitação para contratação de obras e serviços não pratica o tipo penal do art. 96. Vejamos:

(...) 6. Em razão do princípio da taxatividade (art. 5º, XXXIX, da CR), a conduta de quem, em tese, frauda licitação ou contrato dela decorrente, cujo objeto é a contratação de obras e serviços, não se enquadra no art. 96, I, da Lei 8.666/93, pois esse tipo penal contempla apenas licitação ou contrato que tem por objeto aquisição ou venda de bens e mercadorias. (...)

Portanto, vislumbra-se a facilidade de aplicação desta norma, já que ela explica bem a identificação e a relação entre o ato e o funcionamento do artigo. Apesar de haver algumas discussões doutrinárias sobre a constitucionalidade de alguns incisos, uma vez que poderiam ferir certos princípios constitucionais, como os princípios da livre concorrência, garantia do direito da livre propriedade, legalidade e tipicidade. O artigo 97 diz que admitir a licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado como inidôneo, justifica uma pena de detenção de 6 meses a 2 anos, e multa. Além do mais, conforme o parágrafo único, incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração Pública. Assim, conclui-se que o crime do servidor consuma-se quando o licitante inidôneo é classificado, tem sua proposta aceita ou o seu ajuste celebrado. Vejamos o entendimento de Romano (2015, p.11):

Entendemos que a classificação do licitante para os fins de licitação, não importam no ato indicado pelo tipo penal, pois a participação somente será, tecnicamente viável, a partir do momento em que o responsável pela licitação analisa todos os aspectos que envolvem a regularidade jurídica, econômica, fiscal e operacional do licitante. O ato de classificar o licitante importa na análise da proposta, a qual poderá ser posterior à análise da habilitação, tal como ocorre nas modalidades de tomada de preços e concorrência, ou anterior, como ocorre na modalidade pregão. Assim, no ato de classificar ou desclassificar o licitante não é feita análise sobre a idoneidade do candidato, mas sim no momento em que o responsável pela licitação verificar os requisitos de habilitação. A segunda hipótese se refere à celebração do contrato com pessoa ou profissional inidôneo. Diferentemente da figura anterior, o momento da formalização do contrato administrativo apresenta‐se definido em lei, o que facilita o trabalho do intérprete quanto ao momento consumativo do tipo penal. Diz o art. 60 da Lei n. 8.666/93 que os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos, ressalvados os contratos relativos a direitos reais sobre imóveis que são formalizados por instrumento público lavrado em cartório. Assim, pode‐se verificar que o crime descrito no art. 97 da Lei n. 8.666/93, consistente em celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo somente estará consumado no momento em que for efetivamente formalizado o contrato, vale dizer, no momento em que a autoridade pública competente registra seu autógrafo no respectivo instrumento. Para os efeitos do tipo penal em comento, não se faz necessária a publicação do extrato do contrato, pois este é requisito de vigência, e não de validade.

Já em relação ao parágrafo único, percebe-se que o momento consumativo é diverso daquele citado no caput, uma vez que ele ocorre na apresentação das propostas contidas nos envelopes, juntamente com os documentos de habilitação. Ressalta-se que o interessado vem a licitar quando demonstra seu desejo, sua intenção de celebrar contrato com o Poder Público, logo, quando se apresenta num órgão público, se sujeitando às regras do instrumento convocatório.

De acordo com o artigo 98 da Lei 8.666/93; obstar, ou seja, criar obstáculo, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais licitatórios, ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito: pena de detenção de 6 meses a dois anos e multa. Atentando bem ao art. 98, percebe-se que ele trata sobre o crime de frustrar a participação em licitação. Logo, cabe lembrar que dentro do certame licitatório existem vários princípios, dentre eles o princípio da competitividade que impõe vedações ao agente público, conforme explícito no art. 3º caput, e § 1º, I. Assim, o caput mostra que o procedimento licitatório objetiva observar os princípios constitucionais correlatos.

Já o § 1º, I; apresenta as vedações aos agentes públicos, dentre elas a conduta de frustrar o caráter competitivo da licitação. Diante disso, percebe-se que o crime tratado desrespeita o objetivo do certame licitatório, no que diz respeito à participação de todos aqueles interessados, especialmente aqueles que precisam de um cadastro anterior. Cabe ressaltar que conforme o art. 34 do Estatuto das Licitações, os órgãos da Administração Pública responsáveis por realizar licitações deverão manter registros cadastrais para efeito de habilitação. Dessa forma, o art. 98 objetiva uma eficiência e uma regularidade na Administração, fazendo com que haja o maior número possível de participantes, zelando assim sempre pela proposta mais vantajosa ao poder público.

O art. 99 explica sobre a pena de multa cominada nos artigos 89 a 98 da lei 8.666/93. Ela consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente obtida pelo agente, conforme o caput do referido artigo 99. Os §§ dão maiores detalhes sobre a aplicação da multa, vejamos: Segundo o § 1º, os índices de aplicação da multa não poderão ser inferiores a 2%, nem superiores a 5% do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Assim, por exemplo, se o valor do contrato administrativo for de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); a multa aplicada não poderá ser inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais); e nem superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Além disso, conforme o § 2º do art. 99, o produto dessa arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Sobre as penas na Lei de Licitações, Marçal Justen Filho comenta que: “a Lei poderia ter utilizado mais amplamente sanções de cunho pecuniário ou restritivas de direito e deixar em segundo plano as penas privativas de liberdade ”(JUSTEN FILHO, 2010, p. 590).

Para complementar, conforme os comentários de Nucci sobre os critérios para a substituição da pena privativa de liberdade por multa; Fica claro que o art. 60, § 2º, do Código Penal mostra ser viável a substituição da pena privativa de liberdade, aplicada em montante não superior a seis meses, por multa, respeitados os critérios dos incisos II e III do art. 44 do Código Penal: primariedade, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do condenado, motivos e circunstâncias do crime. Por sua vez, o art. 44, § 2º do referido Código estabeleceu que em condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos. Sobre isso, Nucci comenta (2014, p. 398):

Surgiu, então, o debate na doutrina e na jurisprudência, com duas posições:

I – o art. 44, § 2º, cuja redação advém da Lei 9.714/98, por ser lei mais recente, revogou o disposto no art. 60, § 2º, do CP. Logo, para as penas privativas de liberdade, não superiores a um ano, torna-se cabível a substituição por uma multa;

II – o art. 60, § 2º, do Código Penal, cuidando especificamente da multa, é norma especial, afastando a aplicação da regra geral. Por isso, somente para condenações a até seis meses tornar-se-ia possível a referida substituição.

Preferimos a segunda posição. De fato, a norma específica prevalece sobre a regra geral. Teremos, então, o seguinte quadro de opções para o julgador:

a) se a pena privativa de liberdade não ultrapassar seis meses, pode o magistrado substituí-la por uma multa ou por uma restritiva de direitos;

b) se ultrapassar seis meses, mas não um ano, o juiz pode substituí-la por uma restritiva de direitos, mas não por multa.

Portanto, diante desses breves comentários à parte criminal do Estatuto das Licitações, é importante destacar que os crimes contra as licitações e as contratações são ilícitos de dupla sujeição passiva; uma vez que afetam bens e valores da Administração Pública, e o interesse da própria sociedade, ou seja, o interesse público.


5. ASPECTOS PROCESSUAIS PENAIS DA LEI 8.666/93

É relevante relembrar que nenhuma criminalização pode dispensar o devido processo legal, que trata de uma das características do Estado de Direito, constituindo a ampla defesa e o contraditório. De acordo com o artigo 100 da lei 8.666/93, os crimes referentes são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la. Já que, conforme o art. 129, I, da Constituição Federal, é função institucional privativa do Ministério Público, promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei. Entretanto, nada antecipa sobre a outorga ou não de outros direitos e poderes processuais a terceiros no desenvolvimento da consequente relação processual.

Além disso, segundo o §2º do Código de Processo Penal; seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. De acordo com a doutrina de Renato Brasileiro de Lima (2012, pp. 291-294), a ação penal pública incondicionada é denominada assim porque a atuação do Ministério Público não depende da manifestação da vontade da vítima ou de terceiros. Ou seja, verificando a presença das condições da ação e havendo justa causa para o oferecimento da denúncia, a atuação do Parquet prescinde do implemento de qualquer condição. Por sua vez, diz-se que a ação penal pública é condicionada quando o Ministério Público depender de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

O artigo 101 da lei 8.666/93, caput, diz que qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência. Ou seja, percebe-se que há uma faculdade, o dispositivo faculta a qualquer pessoa a iniciativa de provocar o Parquet. Conforme o parágrafo único; quando a comunicação for verbal, deverá ser lavrado termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas.

O art. 102 mostra que quando em autos ou documentos de que conhecerem os magistrados, os membros dos Tribunais ou Conselhos de Contas, ou os titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes, verificarem a existência dos crimes previstos nesta Lei, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Conforme explica o jurista Motta (2005, p. 557):

A regra deve ser lida com o § 2º do art. 74 da Carta Magna. Determina que os magistrados, membros dos Tribunais de Contas e titulares dos órgãos do sistema de controle, constatando a ocorrência de qualquer dos crimes definidos como tais pela Lei, remetam ao Ministério Público os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Registre-se, nesse ponto, não somente a Lei Federal 8.443/93 (Lei Orgânica do TCU) como também a Resolução 15, de 15/6/93, do TCU, que aprova o seu Regimento Interno.

Já de acordo com o artigo 103 da Lei Geral das Licitações, será admitida ação penal privada subsidiária da pública, se esta não for ajuizada no prazo legal, aplicando-se, no que couber, o disposto nos artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal. O art. 29 do CPP diz que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. O art. 30 do CPP diz que ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representa-lo caberá intentar a ação privada.

Assim, segundo a doutrina de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, a ação penal privada subsidiária da pública encontra previsão constitucional expressa no art. 5º, LIX, da CF; no art. 29 do CPP e no art. 100 § 3º do CP, estando assim no título reservado aos direitos e garantias fundamentais, não podendo ser suprimida do ordenamento nem por emenda constitucional, sendo verdadeira cláusula pétrea. Além do mais, sobre essa ação, conforme os referidos autores:

Tem cabimento diante da inércia do MP, que, nos prazos legais, deixa de atuar, não promovendo a denúncia ou, em sendo o caso, não se manifestando pelo arquivamento dos autos do inquérito policial, ou ainda, não requisitando novas diligências. É uma forma de fiscalização da atividade ministerial, evitando eventuais arbítrios pela desídia do Parquet. É uma mera faculdade, cabendo ao particular optar entre manejar ou não a ação, gozando como regra do prazo de seis meses, iniciados, contudo, do encerramento do prazo que o MP dispõe para atuar, ou seja, normalmente cinco ou quinze dias, a depender da existência ou não de prisão. (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 183).

O art. 104 da Lei Geral das Licitações fixa o procedimento processual. Conforme o dispositivo, recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 dias para apresentação de defesa escrita, contado da data de seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5, e indicar as demais provas que pretenda produzir. Conforme a jurisprudência brasileira, como trata-se de uma lei especial, ela deve ser aplicada em prevalência ao CPP, respeitando o princípio da especialidade.

O art. 105 delimita que ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa e praticadas as diligências instrutórias deferidas ou ordenadas pelo juiz, será aberta sucessivamente, o prazo de 5 dias a cada parte para alegações finais. Segundo o art. 106, decorrido esse prazo, e conclusos os autos dentro de 24 horas, terá o juiz 10 dias para proferir a sentença. O art. 107 expressa que da sentença cabe apelação, interponível no prazo de 5 dias. E o derradeiro art. 108 evidencia que no processamento e julgamento das infrações penais definidas no Estatuto das Licitações; assim como nos recursos e nas execuções que lhe digam respeito, serão aplicados subsidiariamente o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.

Recapitulando estes últimos artigos processuais, fica estabelecido que eles preveem procedimentos para a audição de testemunhas de acusação e de defesa; diligências instrutórias e abertura sucessiva de prazo de cinco dias para as alegações finais de cada parte; conclusão dos autos em 24 horas, tendo o juiz dez dias para a sentença; apelação no prazo de cinco dias; e aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.


6. CRIMES CORRELATOS

Os crimes licitatórios dificilmente ocorrem sozinhos, geralmente eles são acompanhados de condutas como: lavagem de dinheiro, associação criminosa, cartel, corrupção, dentre outras. Sobre lavagem de dinheiro, cabe destacar os comentários de Conserino sobre o superfaturamento de contratos públicos (2011, p.31):

Através de superfaturamento de contratos de engenharia, arquitetura, prestação de serviços com a realização de desvios de verbas públicas e pagamento de propinas para integrantes da pessoa política (União, Estado ou Município). Pode-se aditar um contrato público majorando-se sensivelmente o valor contratualmente fixado sob o pretexto de preservar a equação do equilíbrio econômico-financeiro mediante aditamentos, sem quaisquer licitações. Especificamente em relação prestações de serviço poder-se-ia também proceder a falsas medições de coletas de lixo, por exemplo, destinando os valores remanescentes ao pagamento de propina a funcionários públicos que dirigiram e favoreceram determinado certame licitatório para que a empresa X vencesse a licitação de coleta de lixo ou qualquer serviço congênere.

Já a formação de cartel, de acordo com o autor, está dentre as condutas que afetam a ordem econômica, sendo a mais grave, uma vez que destrói a concorrência de mercado, violando os direitos dos consumidores em geral; seja aumentando preços, dividindo mercados ou restringindo ofertas. Além do mais, o cartel prejudica a novidade no mercado, já que os concorrentes são impossibilitados de aperfeiçoar os processos de produção de bens e serviços. Como exemplo, cita-se a existência de cartéis de empresas de gás industrial atuantes no Brasil, visando o controle absoluto do mercado nacional, sugerindo a existência de fraudes em licitações de empresas públicas e privadas sediadas em diferentes Estados.

Outros crimes correlatos bem comuns com os licitatórios são os delitos de associação criminosa e corrupção. A associação criminosa está elencada no art. 288 do Código Penal e estabelece que caracteriza uma associação criminosa associarem-se 3 ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes, com pena de reclusão de 1 a 3 anos. Já a organização criminosa, está prevista na lei do crime organizado, lei 12.850/2013.

Ela estabelece que considera-se organização criminosa a associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional, conforme o art 1º, §1º da referida lei.

Esses crimes geralmente são imputados aos acusados de fraudes em licitações justamente por eles agirem sempre em grupo, realizando conluio na escolha do vencedor. Entretanto, muitas vezes o Ministério Público utiliza do instituto da associação criminosa somente para requerer a prisão temporária de alguns acusados, uma vez que o delito está previsto no rol da lei da prisão temporária nº 7.960/93; abusando assim da autoridade que lhe foi concebida.

Por sua vez, os crimes de corrupção também normalmente são imputados juntamente com os delitos licitatórios. A corrupção ativa se caracteriza quando o particular oferece vantagem indevida a um funcionário público, para obter algum benefício, ou seja, quando um empresário oferece propina a algum integrante da comissão de licitação para obter vantagem no certame licitatório; a pena para este crime é de reclusão de de 2 a 12 anos de prisão, além de multa, e está previsto no art. 333 do Código Penal.

Já a corrupção passiva ocorre quando o funcionário público solicita uma vantagem indevida a um particular, ou seja, seria o inverso da situação, quando alguém da comissão de licitação solicita propina a algum empresário para beneficiá-lo no certame, a sua pena é de reclusão de 2 a 12 anos além de multa, e está previsto n art. 317 do Código Penal. Ressalta-se que esses crimes de corrupção, são crimes formais, ou seja, não importa se a propina é aceita ou não, o simples oferecimento/solicitação da vantagem indevida já caracteriza o crime.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, os aspectos criminais da lei 8.666/93 se mostram bastante detalhados, juntamente com as sanções administrativas aos agentes públicos e aos particulares. Por sua vez, os aspectos processuais penais da referida lei se mostram mais simples e objetivos. Já os crimes correlatos são um meio termo, a depender da legislação aplicada.

Esta pesquisa se mostra relevante uma vez que aprofunda os conhecimentos penais, processuais penais e administrativos, tanto em legislações quanto em doutrinas e jurisprudências.

Trata-se de um tema de grande interesse social, pois abarca as condutas, as infrações, os crimes que ocorrem todos os dias no setor das compras públicas realizadas tanto pelos entes públicos. Além dos delitos mais correlacionados a essas infrações, ou seja, acontecimentos do cotidiano que nem sempre são tratados com a devida importância, causando uma ignorância estrutural na sociedade.

Conclui-se que o presente estudo contribui para uma prática mais eficaz nas atividades profissionais relacionadas aos temas. Como por exemplo: no trabalho defensivo de um advogado; no trabalho investigativo de um delegado; na função acusatória de um promotor; nas atividades dos integrantes de uma comissão de licitação; nas práticas dos consultores em licitação; nos estudos de acadêmicos, dentre outras. Por sua vez, cabe salientar que a legislação sobre crimes licitatórios apesar de estar bem detalhada, precisa ser atualizada e aperfeiçoada, já que data do ano de 1993, e precisa ser complementada.

Mostra-se mais coerente substituir as penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, e por multas; pois sabemos que o cárcere de nada adianta, além de estar superlotado e ser um estado de coisas inconstitucional; não ressocializa, pelo contrário, antissocializa, especializa no crime organizado.

Além disso, tais condutas em sua maioria não são cometidas com violência e visam sempre vantagens econômicas, logo, a aplicação de multas faz mais sentido. Além do mais, os agentes ativos dos crimes licitatórios e correlatos são empresários e funcionários públicos, ou seja, pessoas com poder econômico, logo, podem pagar.

Assim, a arrecadação do valor das multas e do sequestro e leilão dos bens dos criminosos condenados, seria revertido em favor da sociedade, beneficiando escolas, hospitais, institutos sociais, dentre outros; em vez de simplesmente aprisionar e dar prejuízos imensos para o Estado.

Cabe ressaltar também, que o tema deve ser mais conhecido por motivos de garantias constitucionais, porque existem muitas investigações que são baseadas em meras ilações do Ministério Público, sem provas, caracterizando um abuso do poder de indiciar, e dos institutos das prisões cautelares (prisão temporária e prisão preventiva); destruindo reputações, abusando da autoridade e ignorando os direitos constitucionais.


REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CONSERINO, Cassio Roberto. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2011.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2010.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. I. 2. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos. 10. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

ROMANO, Rogério Tadeu. Crimes contra a Licitação. p. 11. Disponível em: https://www.jfrn.jus.br/institucional/biblioteca-old/doutrina/Doutrina380-crimes-contra-a-licitacao.pdf. Acesso em: 19 de dezembro de 2019.

STF. EMB. DECL. NO INQUÉRITO 3.331 MATO GROSSO. Primeira Turma. Relator: Min. Edson Fachin. DJ: 03/05/2016. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10974898. Acesso em: 15 de dezembro de 2019.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012.


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