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Resenha da obra 'Uma breve história da justiça distributiva' de Samuel Fleischacker

Resenha da obra 'Uma breve história da justiça distributiva' de Samuel Fleischacker

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Nessa pesquisa de natureza histórico-descritiva, Fleischacker percorre alguns dos mais importantes pensadores que já refletiram sobre a ideia de justiça distributiva.

Introdução

“Uma breve história da justiça distributiva” é uma pesquisa de natureza histórico-descritiva que visa a resgatar a história por detrás da ideia hodierna de que todos os cidadãos, enquanto indivíduos, merecem uma determinada quantia mínima de bens materiais e que esses recursos devem ser providos pelo Estado[1].

O trabalho de Samuel Fleischacker foi motivado por sua inquietação relativa ao pouco estudo que acreditava ter sido dedicado à história da justiça distributiva enquanto virtude cívica, e como esse pouco estudo tem contaminado a compreensão acerca do tema, especialmente através de pensadores que o autor acredita terem sido mal compreendidos em suas reflexões sobre o tema.

Sua metodologia de trabalho partiu de um rastreamento histórico-cronológico do termo “justiça distributiva”, identificando autores que tenham refletido sobre o assunto e buscando encaixar essas reflexões com os contextos históricos em que esses autores escreveram, com o intuito de afastar a autoridade que é atribuída à suposta antiguidade da ideia.

A hipótese inicial de Fleischacker é que a ideia moderna de justiça distributiva, entendida como uma redistribuição obrigatória de bens e recursos por parte do Estado, lastreada em um direito legal e coercitivamente exigível por parte dos indivíduos, é muito recente e, ao contrário do que se imagina, nunca encontrou no direito de propriedade seu maior inimigo.

Embora deixe o leitor ciente de que tem uma visão rawlsiniana de justiça distributiva, Fleischacker não se dedica a defender a justiça distributiva enquanto virtude cívica, nem mesmo convencer o leitor de que é algo digno, bom, positivo ou necessário. Interessa-lhe saber o caminho percorrido pela ideia da justiça distributiva, revisitando cronologicamente os autores e tentando contextualizar esses autores com os debates importantes das épocas em que viveram e como tudo isso afetou o objeto de sua pesquisa.

Além de esclarecer o que acha, pode ter sido mal-entendido ou falha de interpretação do trabalho de outros pensadores, Fleischacker consegue demonstrar como a justiça distributiva aristotélica foi de mérito moral e honrarias políticas distribuídas por merecimento a direitos individuais relativos a bens e recursos baseados em necessidade.

Estudar a forma como a sociedade muda seu jeito de pensar e se relacionar com o mundo e com determinados objetos ao longo do tempo também convida e provoca o leitor a refletir sobre outras ideias de natureza moral sobre as quais a sociedade tenha mudado de opinião e sentimento.                


De Aristóteles a Adam Smith

Como Fleischacker pretende rastrear as ideias e discussões sobre justiça distributiva ao longo do tempo, para tentar entender como chegou-se à noção que ele chama de moderna, logo no início ele apresenta aquilo que entende por justiça distributiva e quais os debates e discussões centrais atinentes à essa compreensão.

A justiça distributiva, em seu sentido moderno (atual), para Flesichacker, invoca o Estado para garantir que a propriedade seja distribuída por toda sociedade de modo que as pessoas possam suprir com um certo nível (mínimo) de recursos materiais.

O autor coloca que, atualmente, essa noção de justiça distributiva é uma ideia predominante, e que as discussões mais atuais sobre o assunto focam na quantidade de recursos que se deve garantir e no grau de interferência do Estado para assegurar que esses recursos sejam distribuídos.

Mas, para sustentar sua hipótese de que, na maior parte da história humana, quase ninguém defendeu, nem como ideal ou utopia, que as necessidades materiais deveriam ser satisfeitas, Fleischacker recorre àqueles autores que foram e são, frequentemente, citados como fontes da noção moderna, e atual, de justiça distributiva, e investiga como aqueles autores pensaram e escreveram sobre justiça distributiva, sempre dentro dos contextos históricos de suas épocas.

Fleischacker inicia sua pesquisa com Aristóteles, como sendo aquele primeiro autor a utilizar o termo justiça distributiva.

Aristóteles viveu entre a.C 384 a a.C. 322 e foi um, talvez “O” Filósofo grego clássico. Sujeito virtuoso, escreveu sobre tudo, desde cloaca de pato a raio laser. Foi aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. É conhecido como um dos fundadores da filosofia ocidental.

O que Fleischacker busca nos textos deste filósofo é afastá-lo como referência teórica para a compreensão atual, já que, dentro do contexto de seu tempo, Aristóteles entendia a justiça distributiva como uma forma de se distribuir e reconhecer honrarias políticas a quem as tivesse merecido.

Além de não tratar de justiça distributiva aplicada à vida privada ou individual do cidadão, ele a vislumbrava como algo relacionado aos direitos políticos; seu conceito é centrado na ideia de distribuição de bens como consequência de mérito moral, de reconhecimento por algo feito ou conquistado.

Aristóteles estava envolvido com o que seriam as grandes questões de sua época (e muitas a frente dela) e o objeto de muitas de suas reflexões era a democracia enquanto forma de governo destinada a garantir a liberdade dos cidadãos, mas enquanto cidadãos políticos.

É importante notar que nesse contexto, liberdade deve ser entendida como a era para o povo daquela época. A chamada liberdade dos antigos é o termo muitas vezes utilizado para expressar a liberdade política dos gregos antigos. A pólis é o centro do mundo e da sociedade, e os indivíduos não são importantes. Não existia, naquela época, qualquer aproximação daquilo que hoje entendemos como liberdades individuais.

Naquele período, a Justiça era dividida em duas categorias:

  • Justiça distributiva – honrarias e posições de autoridade política devem ser distribuídos de acordo com mérito.
  • Justiça corretiva – visava a reparação, pelos culpados, pelas injúrias às vítimas, de acordo com o grau e extensão dos danos causados.

Assim, Flesichacker conclui que, ao contrário do que dito por alguns autores que citam Aristóteles como primeiro a usar o termo justiça distributiva em seu sentido moderno, ele nunca mencionou nem refletiu sobre justiça distributiva com uma organização de Estado referente a posse material de seus cidadãos.

Depois de Aristóteles, teria sido Cícero, na obra De offici (44 a.C.), a próxima contribuição significativa ao tema, já que ele teria contrastado justiça com benevolência. A justiça poderia ser coercitiva e legalmente exigida, a benevolência, não. A caridade é uma virtude do reino de Cristo, a justiça do reino de César e esta tinha prioridade sobre aquela.

De acordo com a pesquisa de Fleischacker, passaram-se mais de 1.500 anos até que alguém se dedicasse a refletir sobre algo relativo ao tema. Hugo Grócio (1583-1645) fez uma nova contribuição e introduziu uma distinção entre o que chamou de “justiça expletiva” e a “justiça atributiva”.

A justiça expletiva “governa tudo o que a lei humana faz ou deve fazer e as reivindicações que ela procura satisfazer são correspondentemente denominados direitos legais e estritos”[2]. Esses direitos eram, portanto, legal e coercitivamente exigidos.

A justiça atributiva estava amparada na solidariedade, caridade e benevolência.

Ainda no Século XVII, Samuel Puffendorf (1632-1694) trabalhando em cima dos estudos de Grócio, cunhou a expressão “direitos imperfeitos” para descrever o objeto da justiça atributiva; direitos imperfeitos não podem ser legalmente exigidos (nem coercitivamente), apenas moralmente.

Puffendorf até concebia a exigibilidade de direitos imperfeitos, mas acreditava que impor este remédio (cumprimento coercitivo dos direitos imperfeitos) seria pior do que conviver com a doença.

Direitos perfeitos seriam o direito à vida, à integridade, liberdade, propriedade, reputação. Direitos imperfeitos seriam aqueles decorrentes de mérito ou de necessidades da pessoa que pede ajuda e só poderiam ser exigidos coercitivamente, “na eclosão de uma grave necessidade”[3].

Nesse contexto, surgem as Poor Laws, programas de assistência aos pobres. Fleischacker afasta a suposição de que as Poor Laws pudessem servir de origem para a compreensão moderna de justiça distributiva porque o dever e a obrigação de assistência aos pobres eram de natureza moral, não legal.

Os pobres tinham direito a determinada ajuda caso preenchessem algumas condições, inclusive a de trabalho. Não se tratava de um direito baseado em lei, segundo o qual todos teriam quaisquer direitos pelo simples fato de serem cidadãos (membros de uma pólis).

Fleischacker destaca que o período que compreende o período medieval até a modernidade foi caracterizado pela crença pacífica e dominante de que os pobres mereciam ser pobres e continuar pobres, mas que, mesmo assim, houve ao menos três tradições igualitárias nesse período:

  • 1) Experimentos cristãos de vida comunal – pregava a indiferença frente aos bens materiais, preparando os fiéis para a nova vinda de Cristo.
  • 2) Propostas platônicas – minimizar diferenças entre ricos e pobres para reduzir a violência e aumentar a solidariedade comunal.
  • 3) Republicanismo cívico – distribuição de riquezas para diminuir corrupção e elevar a capacidade da pólis de manifestar a vontade de todos os cidadãos.

O Século XVIII

O Século XVIII foi um período muito importante para a humanidade em razão de mudanças de paradigmas sociais. Também conhecido como Iluminismo ou Século das Luzes, foi um período de grande agitação de ideias centradas na razão em contraposição à metafísica. O novo paradigma trouxe a razão como autoridade e legitimidade das ideias intelectuais e científicas.

Foi nesse período em que houve um fortalecimento de ideais de liberdade, progresso, tolerância, fraternidade, constitucionalismo, separação Igreja-Estado entre outras que mudaram a forma com que as pessoas enxergavam a vida e outras pessoas.

Como seria de se imaginar, nesse período surgem alguns dos principais pensadores das ciências sociais, entre as quais o direito. Especialmente para o tema, Fleischacker destaca Rousseau, Kant e Adam Smith.

Rousseau foi um importante filósofo e teórico político e foi um dos principais nomes do Iluminismo. Ele viveu entre 1712-1778 e acreditava que o progresso da sociedade era sempre conquistado com muita dificuldade, na base do erros e acertos em que se avança duas casas e volta uma, como num tabuleiro de jogos. Entretanto, isso não deveria ser motivo para que os cidadãos não fossem politicamente ativos, pois todos os males sociais poderiam ser resolvidos e superados através da política. Ele acreditava que o homem nascia bom, mas que era eventualmente corrompido pela sociedade. Ferrenho defensor do direito de propriedade, acreditava ser esse o mais importante direito de cidadania.

Sua mais consagrada obra foi “O contrato social”[4]. O contrato social idealizado por Rousseau tentava preservar a liberdade do homem e ao mesmo tempo garantir a segurança e o bem-estar da vida em sociedade. Baseava-se em uma troca de liberdade individual (natural) em prol da liberdade coletiva (civil) como forma de melhor atender aos interesses do bem comum, já que a vida é melhor e mais conveniente em sociedade. A forma disso ser viabilizado seria percebendo todos cidadãos como iguais.

Novamente, é importante contextualizar, a preocupação da igualdade era no tratamento pela lei, sempre pela perspectiva do lado público do indivíduo, sempre na condição de cidadão e sua relação com o Estado. Não se falava ainda em igualdade sob a perspectiva do indivíduo e suas necessidades em esferas pessoais e privadas; a igualdade era estritamente política. Para Rousseau, um sistema equitativo de justiça só poderia existir em uma sociedade política-democrática em que as leis refletissem a igualdade entre todos os cidadãos.

Rousseau não se dedicou a refletir sobre a pobreza enquanto um mal individual, pessoal, nem “O contrato social” o fez, mas apenas enquanto um mal social de natureza política. Muita riqueza gera vaidade e desigualdade gera inveja e ódio; todos problemas sociais e políticos.

Embora não tenha se dedicado a refletir sobre a pobreza em seu aspecto individual e privado, sua ideia de igualdade contribuiu para outras reflexões que, ainda que de uma maneira não-linear, influenciaram outras ideias que acabariam por influenciar outros pensadores.

Depois de Rousseau, o próximo pensador que contribuiu significativamente para a ideia de justiça distributiva foi Adam Smith, que, para muitos, é o pai da economia moderna e um dos mais importantes teóricos do liberalismo econômico. Ele viveu entre 1723 e 1790.

A grande obra de Smith foi “A riqueza das nações”[5] e seu grande mérito, para Fleischacker, teria sido a forma como enxergava a pobreza e sua atitude para com os pobres.

Teria sido ele o primeiro a dar mais atenção à questão da pobreza na vida privada das pessoas e teria sido ele o primeiro ocidental de quem se tem notícia a admitir explicitamente a possibilidade de se utilizar o poder do Estado para poder impor “deveres de beneficência” e ao assim fazer, finalmente associa o termo justiça distributiva à ideia de reivindicações de propriedade.

Smith acreditava que a redistribuição de riquezas poderia se dar de três formas:

1 – Transferência direta de propriedade de ricos para pobres

2 – Maior tributação aos ricos do que aos pobres

3 – Emprego de receitas públicas em recursos que beneficiarão, prioritariamente, os pobres

Ele acreditava na mobilidade e ascensão social. Para Smith, a educação pública era uma necessária obrigação do Estado e ele acreditava que ninguém merecia ser pobre.

Se ninguém merece ser pobre, todos têm o mesmo valor enquanto indivíduo, ricos e pobres; logo, erradicar a pobreza seria um dever da sociedade, não um ato de bondade ou de caridade.

Pobres que trabalhavam deveriam ter acesso a educação que lhes possibilitasse capacidade de julgamento moral e político. O pensamento de Smith estava sintonizado com a ideia de “faça com os outros como queres que façam contigo”, quebrando a noção de que a pobreza diria algo sobre tipo de pessoas em comparação à apenas sua sorte ou fortuna.

Smith representa, para Fleischacker, a quebra no paradigma, com relação à igualdade das pessoas enquanto indivíduos.

O próximo grande pensador que contribuiu para justiça distributiva, na concepção de Fleischacker, foi Immanuel Kant. Prussiano, Kant viveu entre 1724 e 1804 e é considerado um dos principais filósofos da era moderna.

Fleischacker coloca que Kant não só era contemporâneo de Adam Smith, mas um ávido leitor do britânico. Embora um rigoroso defensor do direito de propriedade, é considerado o primeiro grande autor a defender explicitamente que ajudar os pobres era dever do Estado e não uma obrigação privada.

Neste ponto, Fleischacker destaca que os motivos e argumentos de Kant para defender as duas posições não eram exatamente claras e só eram encontradas em textos esparsos, pois supostamente seu interesse pela política foi “limitado e descontínuo”.

Sem prestar muita atenção ao que já havia sido escrito sobre o tema, Kant categorizou justiça em 3 planos distintos, Justiça protetora (possibilidade), Justiça comutativa (realidade) e Justiça distributiva (necessidade).    

“A justiça protetora deveria nos dar a forma da lei (o que torna a lei possível), a justiça comutativa o conteúdo da lei (sua realidade), e a justiça distributiva o mesmo mecanismo pelo qual as leis se fazem cumprir (se tornam necessárias) coercitivamente.”[6]

Fleischacker destaca que Kant teria usado o termo justiça distributiva divorciado do sentido aristotélico ou grociano, porém, outras ideias de Kant podem ter influenciado o sentido e a forma como a ideia de justiça distributiva é percebida hoje em dia.

Embora reconhecesse que não seria possível impedir alguém em estado de necessidade de desrespeitar o direito de propriedade, Kant entendia que essa violação era injusta e deveria ser considerada injusta pela lei.

Para ele não havia incompatibilidade entre direito de propriedade e tributação, e aceitava que a tributação fosse revertida em escolas, hospitais e outras instituições de ajuda aos doentes, pobres e órfãos.

Fleischacker critica os argumentos de Kant em prol desse posicionamento, pois Kant acreditava que se havia pessoas mais ricas do que outras, era porque em algum momento as pobres teriam sido roubadas. Riquezas e pobreza só poderiam ser geradas mediante fraude e roubo.

A falha nesse pensamento, segundo Fleischacker, seria que ele parte da premissa que os bens da natureza seriam em quantidade suficiente e divisível equitativamente para que todos tenham um mesmo tanto.

Os motivos pelos quais Kant entendia ser dever do Estado ajudar os pobres em contraposição aos cidadãos seriam de natureza moral. Haveria mais vantagens morais em ter o Estado ajudar os pobres a transferir essa obrigação para os indivíduos.

Para Kant, ao ajudar os pobres e distribuir sua generosidade, os ricos esperavam um tratamento ainda mais respeitoso. Se os ricos têm prazer ao ajudar os pobres também seria errado porque quem ajuda os outros por prazer não é virtuoso. A lógica é simples “quando distribuo caridade, eu me bajulo pensando que sou melhor do que a pessoa que estou ajudando. Logo, ainda que a ajude materialmente, a degrado moralmente.”[7]

E quando alguém se julga superior aos outros, há uma clara violação moral, pois é necessário considerar que todo mundo é um fim em si mesmo e tem exatamente o mesmo direito a uma vida boa.

Todos os seres humanos têm direito às coisas boas da vida, por isso a caridade deveria ser compreendida como uma dívida de honra e não uma exibição de caridade ou bondade.

Kant partia do pressuposto que todos os seres são iguais em valor, sendo essa uma das afirmações mais célebres de sua “Metafísica dos costumes”[8].

O grande avanço nesse sentido era que, ao contrário do que dito por Aristóteles, a partir de Kant as pessoas tinham valor não pelas virtudes que possuíam, mas por serem possuidores de racionalidade, o valor estava em si mesmo.

Aqui houve uma importante mudança no paradigma:  era necessário ajudar os outros a obter uma boa vida através de um mínimo de bens que todos precisam para exercitar suas vontades racionais. Ajudar o outro passou a ser um dever e não altruísmo, todos precisam ajudar os outros a desenvolver seus talentos.

   Fleischacker acredita que Kant chegou bem perto de formular a forma moderna de justiça distributiva, mas que o primeiro a ter feito isso teria sido Graco Babeuf.

François Nöel Babeuf ou Gracchus Babeuf (1760 – 1797) foi um jornalista e agitador da Revolução Francesa, importante por seu papel na Conspiração dos Iguais. Fleischacker aponta que ele teria sido o primeiro a proclamar explicitamente que a justiça exige que o Estado redistribua bens para os pobres. Sua assertiva atribuía a todos um direto pleno – perfeito, estrito e coercitivo – a uma participação igual em toda riqueza.

Sua grande contribuição teria sido converter “não viver em pobreza” num direito político, defendendo que todos têm direito a um certo status econômico.                  


De Babeuf a Rawls

Fleischacker destaca que, na maior parte do Século XIX, a crença predominante era a de que apenas os incapazes de trabalhar deveriam receber auxílio do Estado. Esse direito não decorria apenas do fato de alguém não ter condições de se manter.

No início do Século XX, Alfred Marshall defendeu que o principal e mais importante interesse da economia seria a possibilidade de erradicar a pobreza.

O New Deal (1933-1937), que foi um pacote de medidas destinadas a recuperar superar a grande depressão de 1933 nos Estados Unidos, previa um seguro social a todos os cidadãos acima de uma certa idade. Isso incluía direito à moradia, emprego adequadamente remunerado, à assistência médica, boa educação e proteção contra os temores econômicos da velhice, como doença, acidente e desemprego.

A esposa de Roosevelt, Eleanor, ajudou redigir a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948[9]. A carta falava sobre direito a seguro social, aos bens econômicos sociais e culturais indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da liberdade, à proteção contra o desemprego, à alimentação, vestuário, habitação e cuidados médicos.

Ainda que nenhum país tivesse adotado uma estrutura legal que viabilizasse uma ação legal para obtenção desses benefícios, o fato da comunidade internacional ter adotado tal declaração revela que em meados do Século XX a noção de justiça distributiva ou social estava firmemente estruturada na consciência moral popular.

 Sucede que uma maior comoção com relação à situação dos pobres também gerou uma reação contrária à justiça distributiva. Entre os reacionários, Fleischacker destaca Joseph Townsend, que insistia na inferioridade dos pobres enquanto pessoas. Ele (Townsend) acreditava que a fome motivava os pobres e militou contra a provisão pública de auxílio aos pobres e a abolição dos Poor Laws.

O “excepcionalismo do pobre” era uma ideia reacionária e significava um retrocesso à conquista do Iluminismo referente à igualdade humana. Os defensores do excepcionalismo dos pobres poderiam ser considerados darwinistas sociais, e acreditavam que como inferiores, era inútil ajudar os pobres, pois eventualmente desapareceriam como grupo. A fome dos pobres era útil para o resto da sociedade, representando uma mera questão de sobrevivência dos mais aptos, como cunhado por Herbert Spencer, 8 anos antes de Darwin lançar sua obra “Evolução das espécies”.

Para Spencer, toda ajuda aos pobres seria um equívoco já que todo o esforço da natureza estaria em se livrar deles. Não havia problemas em caridade e ajuda privada aos pobres, mas tal atitude seria desvantajosa na medida em que prolongaria a vida dos inaptos. Já a caridade forçada seria de todo indesejável, pois esmagaria o sentimento de solidariedade e alimentaria, nos pobres, queixas e reclamações.

Entusiasmado defensor do libertarismo, Spencer não admitia que o Estado intervisse para ajudar os pobres, por violação ao direito de propriedade. Todo o propósito do governo deveria ser garantir a toda pessoa a liberdade mais plena, logo, tributar para qualquer outro fim que não fosse garantir a liberdade, seria equivalente a dar modo a vida dos outros, inadmissível tanto quanto ser forçado a ter determinada crença religiosa. Para Spencer, o governo não deveria fazer o bem, mas apenas evitar o mal.

Entre as reações contrárias à ideia de redistribuição de bens com base no fundamento da justiça, Fleischacker destaca três escolas filosóficas.

Positivismo (Augusto Comte – 1798-1857) – Doutrina filosófica que coloca sob suspeita todos os tipos de discurso moral, inclusive o discurso de justiça. O positivismo lógico questiona o significado de afirmações éticas e religiosas.

Saint Simon e Comte estavam mais preocupados em elaborar planos de ações políticas que diziam como transformar a sociedade ao invés de entender por que a sociedade seria moralmente criticável, daí porque poderiam ser considerados os precursores do socialismo. O positivismo lógico defendia que afirmações éticas e religiosas eram desprovidas de significado.

“O positivismo sempre foi atomista e sempre considerou a observação, e não o pensamento abstrato, como o modo paradigmático, talvez o único modo, de apreender cada fato individual.[10]”

Para algumas escolas positivistas, ainda que a redistribuição de bens fosse aceita, a dificuldade estava em aceitar o fundamento, ou linguagem da justiça, uma vez que a doutrina coloca sob suspeita, todos os tipos de discurso moral, inclusive o da justiça, já que seria uma questão de “ética pura”. Positivistas estão mais conectados com questões que tratam sobre “fatos puros”.

A ideia do positivismo está intrinsicamente ligada a uma supervalorização da ciência e, por isso, tenta reduzir tudo um “empreendimento científico”, isto é, tenta formatar os pensamentos como procedimentos de parte de um experimento científico, ou, caso não seja possível “ridicularizá-los como irracionais ou vazios”.[11]

Enquanto positivistas, conde de Saint-Simon e Auguste Comte estavam mais preocupados com ciências sociais que levassem a planos de ação política sobre COMO transformar a sociedade ao redor, ao invés de analisar POR QUE tal sociedade estaria daquela forma (moralmente criticável).

A compreensão desses autores, segundo Fleischacker, era de que a ciência se fundamenta em fatos observáveis, não em metodologia idealista, como defendido por Hegel. Assim, o positivismo tende a ser atomista e acredita que cada peça da ciência pode ser conhecida individualmente, ainda que admitida a ideia de que uma ciência se constrói a partir de outras ciências.

A observação, em vez do pensamento abstrato, seria, portanto, a única forma paradigmática de se conhecer um fato individual. O problema da ética ou com a ética se daria ao fato de não conseguir coloca-la em “fundamentos sólidos”, já que os princípios fundacionais das teorias éticas não são observáveis enquanto fatos.

Marxismo (Karl Marx – 1818-1883) -  Doutrina filosófica que coloca a sociedade e não o indivíduo como centro da liberdade humana. Considera o individualismo uma doutrina fabricada por “certa história social”.

Para Fleischacker, Marx teria sido a figura mais influente a condenar as desigualdades entre ricos e pobres. Sua contribuição foi a concepção segundo a qual a natureza humana seria um produto das sociedades humanas, e as sociedades humanas seriam capazes de mudanças radicais.

Ainda assim, conquanto Marx tenha sido um ferrenho defensor da redistribuição de bens, Fleischacker acha que seria um equívoco entendê-lo como um defensor da justiça distributiva.

Marx acreditava que a justiça seria um instrumento inadequado para o socialismo e rejeitava a apresentação do socialismo como prioritariamente destinado a redistribuir bens sociais, pois não era correto separar distribuição econômica da produção econômica, uma vez que “a estrutura da distribuição é inteiramente determinada pela estrutura da produção”[12].

Disso resulta que na visão de Marx, de acordo com Fleischacker, o principal objetivo do socialismo seria humanizar a atividade econômica através de humanização da produção e distribuição.

Uma das principais críticas de Marx à ideia de justiça era que os seres humanos não poderiam ser considerados principalmente como indivíduos, mas como membros de um grupo social.

No mundo idealizado por Marx, nenhum indivíduo sacrificaria sua individualidade pelo bem comum social, pois não haveria essa distinção entre indivíduo e sociedade. As sociedades agiriam em prol de seus indivíduos, mesmo quando esses indivíduos agissem para promover o bem comum; estilo três mosqueteiros: um por todos e todos por um.

Para Marx, seríamos todos produtos das nossas relações sociais porque seríamos mais plenos quando em sociedade e não individualmente isolado. O individualismo seria apenas uma doutrina fabricada por uma “certa história social”.

Marx acreditava, essencialmente, que a sociedade, e não o indivíduo, seria o locus ou o centro da liberdade humana e a linguagem moral (justiça inclusa) seria desumanizadora. Na sociedade ideal de Marx, não haveria justiça.                  

  • Utilitarismo (Jeremy Bentham – 1748-1832) – Doutrina filosófica que sustenta que o que é bom e moral deve, necessariamente, ser aquilo que maximiza prazer e satisfação do maior número de pesoas em contraponto àquilo que causa sofrimento.

A terceira escola da filosofia que se opunha a ideia de justiça distributiva foi o Utilitarismo de Bentham e Mill, embora Bentham sempre tenha se demonstrado preocupado com o sofrimento dos pobres.

O utilitarismo enquanto doutrina social (econômica) não é simpática a ideia de direitos absolutos, já que a premissa central é a de que, aquilo que é moralmente melhor é necessariamente aquilo que é melhor para um maior número de pessoas, portanto, os interesses individuais não podem se sobrepor aos direitos de uma coletividade.

É bom e é moral aquilo que maximizar a felicidade e minimizar o sofrimento da maior parte das pessoas. Sob o ponto de vista filosófico, o trunfo dos utilitaristas era perseguir um procedimento de decisão em que os conflitos morais manifestos pudessem ser resolvidos, por isso a obsessão por um único princípio que estivesse na base de toda reflexão moral: o que é melhor para o maior número de pessoas?

Isso reduzia as questões políticas ou morais a questões de fato, tornando o utilitarismo uma escola da filosofia de menor abstração e mais ação.

A crítica do utilitarismo a outras escolas filosóficas era de que elas se ocupavam mais com entender “por que” ao invés de “resolver”, a finalidade da filosofia moral estava mais comprometida com “autocompreensão” do que “mudança de seu ambiente”.

Por esta ótica, os utilitaristas são os filósofos que mais contribuíram na utilização das ciências sociais no esforço de aprimorar políticas públicas, pois a maximização da felicidade tinha um significado bem concreto.

Os utilitaristas não eram contra a redistribuição de bens sociais, pelo contrário, estavam entre os principais instigadores de movimentos em prol de um Estado de bem-estar social, mas apenas eram contra a ideia de justiça distributiva em seu sentido hodiernamente empregado.

Antes de abordar Rawls, a quem Fleischacker atribui o moderno conceito de justiça distributiva, o autor categorizou os pensadores que, a partir de Smith, influenciaram o tema.

Um primeiro grupo é chamado de “Reacionários”, para quem qualquer auxílio do Estado para os pobres era condenável (direito de propriedade) e não viam distributivismo como um componente de justiça; se muito, caridade, limitada ao campo privado.

O segundo grupo são os positivistas que tentavam “cientificar” tudo, superando qualquer linguagem moral nas ciências sociais.

A terceira escola, socialismo marxista, pretendeu abolir a linguagem de moralidade e de justiça, mas não por motivos científicos.

O quarto grupo, os utilitaristas aceitavam o componente moral, mas o reduziram a um único princípio: maximizar felicidade e minimizar sofrimento coletivo, o que reduzia, em muito, o espaço para justiça enquanto virtude especial ou mesmo soberana.                  


John Rawls – Uma teoria de justiça

Antes de Rawls, portanto, a linguagem moral e, por conseguinte de justiça, na questão de distribuição de bens sociais e redução de pobreza estava desprestigiada. Fleischacker acredita que o trabalho de Ralws, “Uma teoria de justiça”[13] tornou a filosofia moral não-utilitarista respeitável novamente.

Para isso, afastou-se da misticidade do discurso de moralidade como uma provisão divina e aceitou que sistemas morais são criações de sociedades humanas.

Além disso, empregou aplicabilidade prática à sua teoria, que, assim como o utilitarismo, poderia ser utilizada para solucionar questões controversas. Rawls adverte, contudo, que sua pretensão é apenas solucionar problemas da justiça social, ou seja, justiça da estrutura básica da sociedade.

Por isso, buscou desenvolver uma alternativa contratualista que tivesse virtudes comparáveis, senão todas as virtudes do utilitarismo. Sua divergência com o utilitarismo estava na ênfase rigorosa de importância no indivíduo, versus a coletividade, daí seu primeiro princípio, aquele mais elementar: “cada um possui uma inviolabilidade fundada na justiça, a qual nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode sobrepujar”[14].

Para Rawls,

“uma concepção de justiça é um conjunto de princípios que nos permitem escolher entre os arranjos sociais que determinam a divisão dos benefícios produzidos por uma sociedade e subscrever um consenso com relação a quinhões distributivos apropriados”[15].

Portanto, a justiça deveria se ocupar apenas dos bens primários e mais necessários.

Em Aristóteles, mérito era o critério definidor da justiça distributiva e a distinguia da justiça corretiva: em Rawls, justiça distributiva nada tem a ver com mérito moral, porque quase todos os elementos que nos definem, estão fora do nosso controle. Ao invés, ganhou realce o preceito da necessidade.

Utilizando premissas marxistas, Rawls sustentava que se os talentos e energia moral são produtos da sociedade, então não lhe parecia certo acreditar que os indivíduos sejam responsáveis por tê-los ou não.

O desafio de Rawls não era, contudo, apoiar ou discordar de Marx, mas sim assentar entre positivistas e utilitaristas que o foco no indivíduo poderia ser tão cientificamente rigoroso e respeitável quanto o deles.

Os utilitaristas ganharam respeito por conseguirem conjugar a linguagem moral num sistema de ideias redutoras de complexidade, havia apenas um princípio moral que poderia ser verificado empiricamente, pelo menos em tese.

Daí porque Rawls estava mais interessado em demonstrar como sua visão de moralidade individualista poderia conviver com o desafio de oferecer um procedimento claro, rigoroso e científico.

Ele buscou, ao longo de seus estudos, apresentar um sistema que seria completo e coerente, isto é um sistema que pudesse responder (falso ou verdadeira) a todas as afirmações que foram formuladas dentro do sistema.

Buscando dar contornos matemáticos, utilizou a otimalidade de Pareto, ou regra maxim, e estabeleceu que uma sociedade seria justa se, e somente se, maximizasse as expectativas de um indivíduo representativo de seu grupo em pior situação.

Rawls formulou seus princípios de forma clara e precisa:

  1. Cada pessoa deve ter direito igual ao sistema total mais extenso de liberdades básicas iguais compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos.
  2. As desigualdades sociais e econômicas devem ser arranjadas de modo que ambas:
  3. Sejam para o benefício máximo dos menos favorecidos, consistente com o princípio de poupança justa, e
  4. Estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos sob condições de igualdade equitativa de oportunidades.

Essa é, com efeito, a noção moderna de justiça distributiva, é dizer, este é o núcleo duro da concepção atual do conceito, que conseguiu harmonizar máximas de senso comum com arcabouço intelectual mais rigoroso.

A importância de Rawls para o tema é tamanho que Fleishacker, ao citar Nozeck, crítico da teoria de Rawls, diz que depois de Rawls a maior parte dos trabalhos escritos sobre o assunto tenta dialogar com sua teoria. Ou se utiliza em algum grau os princípios de Rawls ou se justifica por que não o está fazendo.

Esse registro significa que aos olhos de Fleischacker, Rawls seria o marco teórico sobre o tema, tanto que a última parte de seu último capítulo chama-se “Depois de Rawls”.

A este título, o autor aborda algumas questões que entendia ser uma espécie de prosseguimento dentro da própria teoria de justiça de Rawls. A primeira delas trata sobre o alcance da distribuição. Quais bens devem ser distribuídos e em qual quantidade? Uma indagação que se reveste de criticismo à teoria seria se o princípio da diferença realmente captaria as exigências da justiça distributivo.

Fleischacker classifica dois espectros de pensadores utilizando Rawls como posição central. À esquerda de Rawls estariam aqueles que acreditam que somente uma igualdade estrita refletiria o valor igual de cada cidadão dentro da democracia.

A igualdade estrita poderia ser compreendida como uma espécie de garantia mínima de determinados bens, ou seja, ninguém poderia ficar abaixo de um determinado nível, ainda que houvesse diferenças maiores do que aquelas admitidas pelo Princípio da Diferença.

À direita de Rawls, por sua vez, estariam aqueles que acreditam que o respeito igual aos seres humanos exige apenas um mínimo de garantia e que as desigualdades acima dessa garantia mínima teriam vantagens sociais e morais a favor delas.

Dworking, por exemplo, defende que o ideal seria um mundo no qual nenhum indivíduo invejaria o “pacote de recursos” de outra pessoa.

A crítica ou dúvida é se os bens primários de Rawls devem ser o parâmetro da distribuição da justiça distributiva ou se ao invés de bens primários, a justiça distributiva deveria se ocupar de distribuir felicidade.

Ao bem estabelecer que a justiça distributiva deve ocupar-se da distribuição de bens sócios primários ou mais básicos por parte das instituições, Rawls conseguiu reduzir o alcance do objeto da justiça distributiva. Críticos pós-rawlsinianos, entretanto, não estão convencidos de que esses bens primários sejam a substituição ideal para a felicidade ou bem-estar dos cidadãos.

Alguns pensam que as sociedades deveriam buscar igualar ao acesso a vantagens que todos têm. Outros que as sociedades deveriam preocupar-se em igualar uma capacitação básica dos indivíduos. Esses críticos sustentam que os bens primários não conseguiriam captar suficientemente as diferenças entre as pessoas, que podem variar enormemente com base nas circunstâncias concretas.

Outra questão importante relacionada ao alcance da distribuição a ser enfrentada pela justiça distributiva de Rawls diz respeito à responsabilidade pelas necessidades dos menos afortunados. Somos responsáveis pelas necessidades de quem?

Rawls defendeu que os Estados teriam deveres distributivos para com seus próprios cidadãos, mas há quem sustente que os mesmos direitos poderiam ser estendidos a residentes estrangeiros.

Até o momento, diz-se que o mais célebre crítico à Rawls seria Robet Nozick, autor da obra “Anarquia, Estado e Utopia”[16], lançada aproximadamente três anos após da “Uma Teoria de Justiça”.

Em síntese, sua obra propõe uma concepção de justiça diametralmente oposta à de Rawls, segundo a qual ninguém teria direito a quaisquer bens materiais além daqueles que adquiriu como propriedade privada. Ninguém teria qualquer direito a bens que se destinam a colocar essa pessoa em determinada condição material.

Nozick acredita que, necessariamente, as pessoas têm relação pela sorte ou vida dos outros: é dizer, se A é abastado e B não o é, não necessariamente A tem responsabilidade pela infortuna de B; logo, não seria razoável com base no argumento da justiça que A fosse obrigado a dar alguns de seus bens a B para satisfazer suas necessidades pessoais.

A teoria de justiça de Nozick tem 3 princípios:

  1. Princípio de justiça na aquisição – Apropriação de coisas que não se tem;
  2. Princípio de justiça na transferência – Legitimidade na transferência (voluntária, violenta, coagida);
  3. Princípio da retificação – Destinado a corrigir situações em que há transferência sem que sejam observados os princípios anteriores.

Desses princípios decorrem basicamente 3 proposições:

  1. A pessoa que adquire um bem de acordo com o princípio de justiça na aquisição, tem o direito a esse bem;
  2. A pessoa que adquire um bem, de acordo com o princípio de justiça na transferência, de outra pessoa que tem direito ao bem, tem direito a ele;
  3. Ninguém tem direito a um bem exceto por meio das aplicações repetidas dos itens 1 e 2.

Sob essa perspectiva, uma distribuição é justa quando todos têm direito aos bens que possuem de acordo com aquela distribuição.

Fleischacker destaca que outros pensadores que concordam com os princípios de Rawls, sobretudo aqueles que pregam que o bem primário mais importante seria a base social de auto respeito, defendem que além de bens primários, o Estado deveria se preocupar em distribuir bens simbólicos, como recursos culturais, capital de reconhecimento.

Essa compreensão é lastreada na ideia de que os indivíduos somente podem realizar sua liberdade quando as sociedades lhes proporcionam condições favoráveis ao desenvolvimento de suas capacidades.

Após percorrer a linha cronológica que leva até a compreensão moderna da justiça distributiva, no epílogo, Fleischacker reflete sobre qual o valor de um breve estudo sobre o tema. O autor acredita que há um ganho filosófico ao se examinar a história das ideias.

O autor destaca ainda que o principal obstáculo para que a compreensão moderna viesse à tona não estaria arraigada em crenças absolutistas relativas ao direito de propriedade, mas sim, na crença de que pobres e não-pobres seriam dois tipos de pessoas e que os pobres mereceriam ser pobres e manter-se pobres.

Fleischacker pensa que o que mudou não foram novos argumentos ou descobertas fatuais sobre as teorias morais, mas, essencialmente, a sensibilidade das pessoas, baseada na forma como as circunstâncias da pobreza foram apresentadas.

Ainda, aprender a história de uma ideia moral ajuda-nos a melhor entender porque defendemos ou rejeitamos algumas ideias. Conhecê-las em maior grau de completude permite-nos um maior distanciamento crítico da autoridade de alguns discursos sobre crenças morais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006.

KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Trad. Cléia Aparecida Martins, Bruno Nadai, Diego Kosbiau e Monique Hulshof. Editora Vozes, Ltda., Petrópolis, 2013 e Editora Universitária São Francisco, São Paulo, 2013.

NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Trad. Fernando Santos, Ed. WMF Martins Fontes, São Paulo, 2011.

RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Trad. Almiro Piseta e Lenita M. R. Esteves, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1997.

ROUSSEAU, Jean Jaques. O contrato social - princípios do direito político. Trad. Edson Bini. Ed.Edipro, 2ª ed, São Paulo, 2015.

SMITH, Adam. A riqueza das nações. Trad. Maria Teresa Lemos de Lima. Juruá Editora Ltda., 1ª ed, Curitiba, 2006.


Notas

[1] FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006.

[2] FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006, pág. 34.

[3] Idem, pág. 38.

[4] ROUSSEAU, Jean Jaques. O contrato social - princípios do direito político. Trad. Edson Bini. Ed.Edipro, 2ª ed, São Paulo, 2015.

[5] SMITH, Adam. A riqueza das nações. Trad. Maria Teresa Lemos de Lima. Juruá Editora Ltda., 1ª ed, Curitiba, 2006.

[6] FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006, pág. 101.

[7] FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006, pág. 105.

[8] KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Trad. Cléia Aparecida Martins, Bruno Nadai, Diego Kosbiau e Monique Hulshof. Editora Vozes, Ltda., Petrópolis, 2013 e Editora Universitária São Francisco, São Paulo, 2013.

[9] Disponível no endereço eletrônico http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf , em 05/06/2018.

[10] FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006, pág. 138/139.

[11] Idem, 138.

[12] FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006, pág. 142.

[13] RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Trad. Almiro Piseta e Lenita M. R. Esteves, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1997.

[14] FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Trad. Álvaro de Vita. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2006, pág. 161.

[15] Idem, 162.

[16] NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Trad. Fernando Santos, Ed. WMF Martins Fontes, São Paulo, 2011.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Andre. Resenha da obra 'Uma breve história da justiça distributiva' de Samuel Fleischacker. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5604, 4 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66722. Acesso em: 17 maio 2024.