Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/64221
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O dano social como expressão da constitucionalização da responsabilidade civil

O dano social como expressão da constitucionalização da responsabilidade civil

Publicado em . Elaborado em .

O dano social constitui avanço no tema de responsabilidade civil, uma vez que a nova modalidade está em consonância com a constitucionalização do direito civil e, sobretudo, com o maior postulado do ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa humana.

 

 

 

Resumo: Este estudo apresenta de forma teórica e jurisprudencial as questões atinentes ao dano social advindo da constitucionalização do instituto da responsabilidade civil. Primeiramente, aponta os aspectos pertinentes à responsabilidade civil de forma global, seu conceito, elementos, espécies e excludentes. Após, e de forma simplificada, trata acerca do dano como pressuposto indispensável à configuração do dever de indenizar, ressaltando suas classificações doutrinárias. Adiante, estuda de forma aprofundada os aspectos relacionados ao dano social na atual quadra doutrinária e jurisprudencial. Ao final, conclui que a jurisprudência pátria tem admitindo o dano social como forma de reparar a sociedade como um todo, em virtude de um rebaixamento social evidente.

 

Palavras-chave: Constitucionalização; Responsabilidade Civil; Danos Sociais.

 


1. Introdução

O presente trabalho pretende analisar o dano social dentro do contexto da constitucionalização da responsabilidade civil, realizando o esmiuçamento do referido instituto e apontando suas tendências hodiernas.

A análise aqui proposta será de cunho doutrinário e jurisprudencial e abordará os principais aspectos e repercussões existentes acerca do tema.

A responsabilidade civil pode ser entendida como a atribuição a alguém do dever de arcar com os prejuízos causados a outrem por ato seu ou de terceiro sob sua responsabilidade.

Em um primeiro momento, a responsabilidade civil cuidava apenas dos danos tradicionalmente conhecidos, quais sejam, o dano material, incluindo-se nele os lucros cessantes e danos emergentes e o dano moral.

Contudo, com a constitucionalização do direito civil, em especial, da responsabilidade civil, houve um alargamento quanto às espécies de danos indenizáveis, o que culminou na eclosão de novos danos, tal como o dano social.

Por ser modalidade surgente, o dano social ainda apresenta pouca repercussão no cenário doutrinário e jurisprudencial atual, daí a importância de se estudar o tema, avaliando suas possibilidades de incidência.

A fim de perquirir acerca do instituto, este trabalho, no primeiro capítulo, fará uma breve análise da responsabilidade civil, seus elementos, pressupostos, espécies e causas excludentes.

O segundo capítulo, por sua vez, terá por objeto a análise, sintética, do dano indenizável como um dos pressupostos indispensáveis à responsabilidade civil. Neste ponto, serão estudadas as principais espécies de danos, sua configuração e quantificação.

Por fim, o terceiro e último capítulo apresentará o tema fulcral deste trabalho, vez que apreciará as principais implicações e questionamentos existentes na doutrina acerca do novel instituto do dano social, bem como outros apontamentos de cunho teórico e jurisprudencial.

 


2. Da Responsabilidade Civil e seus pressupostos

Antes de abordar o tema central deste trabalho, mister discorrer, ainda que de maneira sucinta, acerca da responsabilidade civil e seus requisitos configuradores.

 

2.1 Conceito

O Código Civil Brasileiro trata da responsabilidade civil, dentre outros dispositivos, no artigo 186 in verbis: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002).

Pela análise do mencionado dispositivo legal, percebe-se que o instituto da responsabilidade civil traduz a ideia de reparação de um dano, isto é, todo dano causado a outrem deverá ser indenizado ou compensado, desde que respeitados os requisitos legais para tanto.

A professora Maria Helena Diniz define responsabilidade civil da seguinte forma:

Aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (DINIZ, 2007, p.34).

Pode-se afirmar, pois, que a responsabilidade civil tem como principal escopo regular as relações jurídicas quando da existência de um dano e, por conseguinte, do dever de indenizar.

Acerca do tema, importante a consideração feita por Carlos Roberto Gonçalves:

O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos. (GONÇALVES, 2012, p.22).

 

É preciso, em arremate, pontuar a diferença existente entre o instituto das Obrigações e o da Responsabilidade civil, como ensina Pablo de Saulo Saul Santos: “A obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro”. (SANTOS, 2012, p. 02).

Assim, tem-se que a responsabilidade civil e um dever jurídico decorrente da violação de outro originário e objetiva, sobretudo, reparar o dano resultante de uma conduta humana.

 

2.2 Dos elementos da responsabilidade civil ou pressupostos do dever de indenizar

Pela simples leitura do art. 186 do CC, percebe-se que são quatro os elementos da responsabilidade civil, os quais serão rapidamente apreciados.

 

2.2.1. Conduta humana

O primeiro elemento da responsabilidade civil é a conduta humana que pode ser entendida como o ato praticado por uma pessoa por meio de ação ou omissão, de forma voluntária, pelo próprio agente ou por terceiro sob sua responsabilidade, capaz de gerar dano ou prejuízo indenizável a outrem.

Atente-se que a referida conduta pode ser de autoria do próprio agente causador do dano ou de terceiro que esteja sob sua responsabilidade:

 

(…) anote-se que além de responder por ato próprio, o que acaba sendo a regra da responsabilidade civil, a pessoa pode responder por ato de terceiro, como nos casos previstos no art. 932 do CC. Pode ainda responder por fato de animal (art. 936 do CC), por fato de uma coisa inanimada (arts. 937 e 938 do CC) ou mesmo por um produto colocado no mercado de consumo (arts. 12, 13, 14, 18 e 19 da Lei 8.078/1990). (TARTUCE, 2016, p.505).

 

Acerca da conduta humana, importa discorrer acerca do caráter lícito ou ilícito que ela pode assumir, uma vez que pode se basear na ideia de culpa, quando for subjetiva, exigindo, nestes moldes, a ilicitude; ou na ideia de risco, quando configura-se objetiva, em que o dever de reparar fundamenta-se no risco propriamente dito. É o que ensina Gagliano e Pamplona Filho:

 

Sem que ignorarmos que a antijuridicidade, como regra geral, acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade, entendemos que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Em outras palavras: poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009, p.31)

 

Desta forma, mesmo lícita, a conduta humana pode ser passível de gerar o dever de indenizar.

 

2.3.2. Culpa ou dolo do agente

A culpa em sentido amplo, isto é, a culpa estrita (stricto sensu) e o dolo, se refere tão somente à responsabilidade civil em sua espécie subjetiva, sendo imprescindível a esta teoria.

Desta feita, quando se perquire de responsabilidade civil subjetiva, mostra-se fundamental verificar se o agente promotor do evento lesivo agiu de forma deliberada, por dolo, isto é, tendo consciência na vontade de violar o direito; ou o fez mediante falta de diligência, ou seja, por culpa (negligência, imperícia, imprudência)2.

Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 59) conceitua culpa como “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível.”. Segundo o professor, são elementos caracterizadores da culpa: a) a conduta voluntária com resultado involuntário; b) a previsão ou previsibilidade; e c) a falta de cuidado, cautela, diligência e atenção. Neste sentido, Cavalieri ensina que “em suma, enquanto no dolo o agente quer a conduta e o resultado, a causa e a consequência, na culpa a vontade não vai além da ação ou omissão. O agente quer a conduta, não, porém, o resultado; quer a causa, mas não quer o efeito” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 59).

Anote-se que, de acordo com o Flávio Tartuce (2016, p. 507), a culpa pode ser classificada quanto à origem, à atuação do agente, ao critério de análise pelo aplicador do direito, à sua presunção e quanto ao grau. No entanto, as referidas classificações não serão destrinchadas neste trabalho por se desviarem de seu tema fulcral.

 

2.2.3. Nexo Causal

A obrigação de indenizar está condicionada à configuração de um liame entre a conduta e o dano indenizável, isto é, o nexo de causalidade. Este pode ser definido como a verificação de causa e efeito entre a conduta humana voluntária e o dano constatado.

De acordo com Tartuce (2016, p. 513), o nexo causal “constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado -, e o dano suportado por alguém”.

Com efeito, para surgir o dever de indenizar, imprescindível identificar se a conduta praticada foi realmente a causadora do evento lesivo, a partir de indagações acerca da noção de causa, o que, consoante Miguel Maria Serpa Lopes, não é tarefa fácil:

 

Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço. (LOPES, apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009, p.127)

 

Deveras, a responsabilidade civil, ainda que na modalidade objetiva, exige, para sua configuração, a existência do nexo de causalidade entre o dano e conduta do agente, notadamente porque, uma vez ausente esta relação de causalidade, não haverá dever de indenizar. Neste sentido:

 

Na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica ou lato sensu, que inclui dolo e a culpa estrita (art. 186 do CC). Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilidade sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo único, do CC). (TARTUCE, 2016, p. 514).

 

Como cediço, existem situações que excluem o nexo de causalidade, afastando, pois, o dever de indenizar. Tratam-se das excludentes de responsabilidade civil, as quais serão pontuadas adiante.

I) Estado de necessidade: previsto no art. 188, II do CCB, o estado de necessidade pode ser entendido como a violação do direito de alguém com o intuito de afastar o perigo atual ou iminente, em caso de extrema necessidade, observados os limites indispensáveis para a cessação do perigo. Não se olvide que, se o terceiro atingido não for o causador da situação ensejadora do estado de necessidade, poderá exigir indenização do agente causador do dano, ainda que este tenha agido em estado de necessidade. Neste caso, o agente poderá ajuizar ação de regresso contra o verdadeiro culpado. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009, p.103)

II) Legítima Defesa (art. 188, I, primeira parte do CC): ocorre quando alguém causa um dano por revidar de forma imediata, uma agressão atual ou iminente e injusta a um direito seu ou de terceiro, com o uso moderado dos meios para tanto. Neste caso não há que se falar em dever de indenizar a vítima. De acordo com Rui Stoco (1998, p. 75), o presente instituto se diferencia do estado de necessidade, na medida em que existe agressão direcionada à pessoa ou a seus bens. Lado outro, no estado de necessidade, não há, em verdade, uma agressão, mas um perigo de dano iminente a uma coisa3.

III) Exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal: não haverá o dever de indenizar quando o agente gerar o dano no exercício regular de um direito ou, ainda, no cumprimento do dever que lhe foi imposto por lei (art. 188, I segunda parte do CC). Nesse cenário, Maria Helena Diniz afirma que “se alguém no uso normal de seu direito lesar outrem não terá qualquer responsabilidade pelo dano, por não ser um procedimento ilícito. Só haverá ilicitude se houver abuso do direito ou exercício irregular ou anormal” (DINIZ, 2007, p.105). Destaque-se que tal excludente não se aplicará caso o agente causador do dano exceda os limites razoáveis do exercício de seu direito, isto é, pratique abuso de direito (art. 187 CCB).

IV) Caso fortuito ou força maior: previsto no art. 1.058, parágrafo único, do CC, caracteriza-se pelo acontecimento de fatos imprevisíveis ou inevitáveis alheios à vontade do agente.

V) Fato de terceiro: quando o dano não for causado pela vítima, nem pelo agente, tem-se o fato de terceiro que se consubstancia na responsabilização de alguém alheio à relação entre a vítima e o agente causador do dano. É preciso destacar que a responsabilidade por fato de terceiro deverá ser devidamente comprovada, isto é, o acusado deve demonstrar que o dano resultou de um ato de terceira pessoa.

VI) Culpa exclusiva da vítima: a culpa da vítima é outra excludente de responsabilidade civil e pode ser dividida em exclusiva, quando a vítima exclui toda a responsabilidade do causador do dano e tem que assumir os prejuízos causados; e concorrente quando a vítima e o agente são corresponsáveis pelo dano causado, o que poderá ensejar a compensação das culpas ou a divisão proporcional do prejuízo. Assim, só haverá exclusão do nexo causal quando a culpa for exclusiva da vítima, sendo certo que nos casos de concorrência de culpas ou causas, a indenização será minorada mais ainda sim persistirá (art. 945, CC).

VII) Cláusula de não indenizar: a cláusula de não indenizar, adstrita à responsabilidade contratual, consiste na inserção de uma cláusula no contrato pela qual uma das partes declara, com anuência das outras, que não se responsabilizará por eventuais prejuízos decorrentes da obrigação. Sílvio Sálvio Venosa elenca como requisitos básicos da cláusula de não indenizar, a bilateralidade do consentimento e não-colisão com preceito cogente de lei, ordem pública e bons costumes. Afirma, ainda, que referida cláusula não pode ser inserida nos contratos de adesão e nos consumeristas (VENOSA, 2004, p. 52).

Por se relacionar ao tema central deste trabalho, o último pressuposto indispensável à configuração da responsabilidade civil será analisado na próxima seção, em separado.

 


3. Dano indenizável

Só se poder falar em indenização quando houver um prejuízo indenizável4.

Cavalieri Filho conceitua o dano da seguinte forma:

 

[...] a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, que se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 96)

 

Tradicionalmente, aponta-se como espécies de dano, o material que compreende os danos emergentes e os lucros cessantes e o moral, os quais, a teor da Súmula n.º 37 do Superior Tribunal de Justiça, podem ser cumulados (dupla cumulação).

Adotando-se a classificação proposta por Flávio Tartuce (2016, p. 522), existe, na atual quadra, tendência em se reconhecer novos danos, chamados danos contemporâneos, quais sejam, os danos estéticos, danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance.

Neste ponto, passa-se a abordar sucintamente as espécies de dano para então, ao final, adentrar no objeto deste trabalho: o dano social.

O dano material é aquele que gera reflexos na seara patrimonial de quem o suporta. Nos dizeres de Maria Helena Diniz (2007, p.63) o dano patrimonial “vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.”

Esta espécie de dano compreende, ainda, as perdas e danos, que, por sua vez, engloba o lucro cessante e o dano emergente5.

O dano moral, noutra senda, é aquele que gera reflexos na esfera psicológica ou moral da vítima, não lhe atingindo o patrimônio. A Constituição da República de 1988 assegura o direito à reparação pelo dano moral, no artigo 5º, incisos V e X, previsão reproduzida no art. 6º, VI, do código consumerista6.

O professor Yussef Said Cahali define o dano moral da seguinte maneira:

[...] é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral(honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)" (CAHALI, 1998, p.20)

 

Acerca do dano moral, é preciso ressaltar que sua configuração não se baseia em qualquer tipo de ofensa ao bem imaterial integrante da personalidade do indivíduo. É dizer que o dano moral não pode se sustentar em qualquer abalo comezinho e hodierno, há que existir uma lesão psicológica e moral descomunal, imperiosa, degradante.

Apesar de não ser considerado espécie de dano contemporâneo, a matéria atinente ao dano moral ainda possui celeuma doutrinária e jurisprudencial no que tange ao quantum compensatório.

Deveras, não é possível tarifar um valor a título de compensação por danos morais, especialmente porque o valor compensatório tem por escopo não indenizar a vítima, mas, isto sim, atenuar a dor ou o sofrimento por ela suportado.

De toda sorte, ante a ausência de critérios objetivos para a quantificação, percebe-se que na fixação do dano moral, o magistrado deverá levar em conta as circunstâncias do fato, as condições financeiras do agente e da vítima, de forma que o valor compensatório não se constitua nem por um lado, enriquecimento sem causa, nem por outro, quantia irrelevante aos olhos do lesante.

Resta, em arremate, pontuar que, na esteira da jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça, a compensação por dano moral, nos casos em que houver ofensa a dignidade da pessoa humana, independe de demonstração de dor e sofrimento, configurando-se, em tais casos, o que se convencionou chamar de dano in re ipsa, veja-se:

 

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE EM OBRAS DO RODOANEL MÁRIO COVAS. NECESSIDADE DE DESOCUPAÇÃO TEMPORÁRIA DE RESIDÊNCIAS. DANO MORAL IN RE IPSA. 1. Dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento, sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana. 2. A violação de direitos individuais relacionados à moradia, bem como da legítima expectativa de segurança dos recorrentes, caracteriza dano moral in re ipsa a ser compensado. 3. Por não se enquadrar como excludente de responsabilidade, nos termos do art. 1.519 do CC/16, o estado de necessidade, embora não exclua o dever de indenizar, fundamenta a fixação das indenizações segundo o critério da proporcionalidade. 4. Indenização por danos morais fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de efetivo afastamento do lar, valor a ser corrigido monetariamente, a contar dessa data, e acrescidos de juros moratórios no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês na vigência do CC/16 e de 1% (um por cento) ao mês na vigência do CC/02, incidentes desde a data do evento danoso. 5. Recurso especial provido (BRASIL, 2012).

 

O dano in re ipsa constitui nítido exemplo da constitucionalização do direito civil, sobretudo da responsabilidade civil, com o enfoque nos valores constitucionais, especialmente o fundamento de todo o ordenamento jurídico, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

O dano estético, classificado como dano contemporâneo, traduz-se na deformidade estética, isto é, aquela que causa má impressão ou até mesmo repugnância ou sensação vexatória em quem a possui. (GONÇALVES, 2012, p.368).

Não se olvide que o dano estético não se confunde com o dano moral. Enquanto este se consubstancia em um sofrimento psíquico, moral, aquele se traduz na alteração morfológica do indivíduo que causa desconforto ou repulsa. Por serem diferentes, os danos morais e estéticos podem ser cumulados, nos termos da Súmula n.º 387 do STJ7.

O dano moral coletivo também integra o feixe de danos contemporâneos e pode ser entendido como o dano que alcança uma determinada camada da sociedade. Neste sentido, Tartuce (2016, p. 545) afirma que “os danos morais coletivos atingem direitos individuais homogêneos e coletivos em sentido estrito, em que as vítimas são determinadas ou determináveis. Por isso a indenização deve ser destinada para elas, as vítimas”.

A título de exemplo, relembre-se o emblemático caso das pílulas de farinha, pílulas anticoncepcionais Microvilar da Schering do Brasil, em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela configuração do dano moral coletivo, haja vista a extensão do dano às consumidoras (BRASIL, 2007).

O dano moral coletivo, nada obstante a possibilidade de se configurar em diversos âmbitos, como o ambiental, é radicado no código consumerista, especialmente no que dispõe o art. 6º, VI do referido normativo8.

O professor Flávio Tartuce (2016, p. 551), a fim de caracterizar e diferenciar o dano moral coletivo, aponta as seguintes características, a saber: a) atinge vários direitos da personalidade; b) envolve direitos individuais homogêneos ou coletivos em sentido estrito, isto é, possui vítimas determinadas ou ao menos determináveis9; c) a compensação é destinada às próprias vítimas.

Outra espécie de dano contemporâneo é o que decorre da perda de uma chance, isto é, da real expectativa, dentro do razoável, de que algo ocorreria. Assim, pretende-se a reparação pela perda de uma chance séria e real que ocorreria caso as coisas seguissem o rumo inicialmente esperado.

Sérgio Savi, um dos proponentes do dano pela perda de uma chance, consigna, com o objetivo de atribuir objetividade na caracterização do referido dano, que a perda de uma chance restará configurada quando a probabilidade da oportunidade for superior a 50% (cinquenta por cento) (SAVI, apud TARTUCE, 2016, p. 552).

A perda de uma chance encontra lugar especial nos casos em que não se pode imputar a responsabilidade direta do agente pelo dano causado. Em casos tais, o agente pode ser responsabilizado pela perda de uma chance, não respondendo pelo resultado direto para o qual contribuiu, mas pela oportunidade que ele minou com sua conduta. A título de exemplo, cite-se recente aresto do colendo Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a perda de uma chance na apuração da responsabilidade civil em que o agente, por erro médico, reduziu as possibilidades sérias e reais de cura do adoentado, veja-se:

 

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL. AUSÊNCIA. ACOMPANHAMENTO NO PÓS-OPERATÓRIO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE.POSSIBILIDADE. ERRO GROSSEIRO. NEGLIGÊNCIA. AUSÊNCIA. (…) 7. Por ocasião do julgamento do REsp 1.254.141/PR, a 3ª Turma do STJ decidiu que a teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil, ocasionada por erro médico, na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente. 8. A visão tradicional da responsabilidade civil subjetiva; na qual é imprescindível a demonstração do dano, do ato ilícito e do nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e o ato praticado pelo sujeito; não é mitigada na teoria da perda de uma chance. Presentes a conduta do médico, omissiva ou comissiva, e o comprometimento real da possibilidade de cura do paciente, presente o nexo causal. 9. A apreciação do erro de diagnóstico por parte do juiz deve ser cautelosa, com tônica especial quando os métodos científicos são discutíveis ou sujeitos a dúvidas, pois nesses casos o erro profissional não pode ser considerado imperícia, imprudência ou negligência. 10. A dúvida sobre o diagnóstico exato da paciente foi atestada por vários especialistas, não sendo possível, portanto, imputar ao recorrente erro crasso passível de caracterizar frustração de uma oportunidade de cura incerta, ante a alegada "ausência de tratamento em momento oportuno" (e-STJ fl. 519). 1. Recurso especial conhecido parcialmente, e nessa parte, provido. (BRASIL, 2017).(Destaque-se).

 

Por fim, resta discorrer acerca do tema central deste trabalho, qual seja, o dano social e sua expoência como arquétipo da constitucionalização da responsabilidade civil.

 


4. Do Dano Social

O dano social integra a classificação dos chamados danos contemporâneos e foi idealizado pelo Professor Antônio Junqueria de Azevedo, segundo o qual, os danos sociais:

 

(…) são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população. (AZEVEDO, 2004, p. 376).

 

Como se vê, o dano social constitui nova modalidade de dano reparável, que se distingue dos danos materiais, morais, estéticos e dos danos morais coletivos. Advém de condutas socialmente reprováveis que atingem o nível de vida da sociedade, podendo repercutir, causando rebaixamento, tanto na esfera moral quanto patrimonial.

A doutrina e a jurisprudência já reconheceram a legitimidade do dano social. Neste sentido, veja-se que na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado o enunciado n.º 455 com o seguinte teor:

 

Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas. (BRASIL, 2011),

 

A título de exemplo na jurisprudência, destaque-se o famoso caso “Toto Bola” atinente à fraudação no sistema de loterias no Rio Grande do Sul. Na oportunidade, constatou-se que a loteria fraudava as chances de o consumidor sagrar-se vencedor, razão pela qual o Tribunal de Justiça do Estado fixou valor indenizatório a título de dano social, destinando-o a um fundo de proteção ao consumidor da região, veja-se:

 

(...) 1. Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.

2. Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.

3. Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o torto”, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.

4. Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do consumidor. (...)

(RIO GRANDE DO SUL, 2007).

 

A indenização perseguida pela prática de dano social tem caráter punitivo e deverá ser arbitrada pelo magistrado, em prol da sociedade. O tipo de dano em comento envolve a mácula de direitos difusos10, em que são atingidas vítimas indeterminas, o que justifica a destinação da indenização a um fundo de proteção. Neste sentido, “se os prejuízos atingiram toda a coletividade, em um sentido difuso, os valores de reparação devem também ser revertidos para os prejudicados, mesmo que de forma indireta” (TARTUCE, 2016, p. 547).

O dano social está diretamente ligado à constitucionalização do direito civil e o abandono do viés egoístico da codificação anterior. A novel modalidade prestigia especialmente a solidariedade, conferindo maior importância aos valores relacionados à sociabilidade, sobretudo ao mais valioso preceito constitucional: a dignidade da pessoa humana.

De fato, a dignidade da pessoa humana é o centro do ordenamento jurídico na atual conjuntura, notadamente após a consagração do princípio como fundamento da República (art. 1º, III da CF).

A valorização da pessoa humana em detrimento das estruturas arcaicas ora ditadas no âmbito da responsabilidade civil, fez com que houvesse o alargamento das possíveis hipóteses de reparação.

Deveras, com a constitucionalização do Direito, houve a releitura da principal função da responsabilidade civil, de forma que o enfoque deixou de ser o agente causador do dano, para dar lugar à reparabilidade da vítima que suporta o injusto. Assim, a punição do lesante dá lugar à reparação da vítima. Neste sentido, ensina Gustavo Trepedino:

 

Os preceitos ganham, contudo, algum significado se interpretados com especificação analítica da cláusula geral de tutela da pessoa humana prevista no Texto Constitucional no art. 1º, III (a dignidade como valor fundamental da República). A partir daí, deverá o intérprete afastar-se da ótica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de contemplar novas hipóteses de ressarcimento, mas, em perspectiva inteiramente diversa, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificado (TREPEDINO, 2004, p. 27).

 

Durante a evolução da responsabilidade civil, em especial, durante a constitucionalização do referido instituto, o legislador, como forma de diminuir o descompasso entre a legislação e a velocidade do progresso tecnológico e social, deu tom genérico à matéria, conferindo-lhe cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, com o escopo de dar ao intérprete maior liberdade na adequação da norma ao caso concreto.

Se por um lado a constitucionalização da responsabilidade civil deu maior abertura ao intérprete e, por conseguinte, maior perenidade às normas, por outro, fez com que a segurança jurídica fosse atingida pela incerteza e abertura de um universo indeterminado de possibilidades.

Neste sentido, a responsabilidade civil, antes reprimida pelas estruturas arcaicas de um direito civil voltado ao patrimonialismo e, notadamente, à pessoa do lesante, passou a admitir de maneira um tanto quanto desenfreada a reparabilidade de danos até então inimagináveis. Neste sentido adverte a ilustre professora Maria Celina Bodin de Moraes:

 

O alargamento da noção de dano ressarcível, todavia, veio ocorrendo de maneira avassaladora. Com efeito, fala-se hoje em dano ao projeto de vida, dano por nascimento indesejado, dano hedonístico, dano de mobbing, dano de mass media, dano de férias arruinadas, dano de morte em agonia, dano de brincadeiras cruéis, dano de descumprimento dos deveres conjugais, dano por abandono afetivo e assim por diante. O aumento desordenado de novas espécies de dano fez surgir o temor, antecipado por Rodotà, de que “a multiplicação de novas figuras de dano venha a ter como únicos limites a fantasia do intérprete e a flexibilidade da jurisprudência” (DE MORAES, 2006, p. 241).

 

Nesse contexto, destaca-se o dano social, como expressão desse alargamento promovido pela constitucionalização da responsabilidade civil e, especialmente, pela consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento primeiro do ordenamento jurídico.

Com efeito, a maior maleabilidade e liberdade na configuração do dano reparável, dentro do contexto constitucional acima descrito, faz com que as o dimensionamento prático da responsabilização pelo dano social seja de difícil elucidação, vez que, se tomada de forma apressada, poderá ensejar exemplos pitorescos e não condizentes com a real finalidade do instituto.

Neste cenário, Junqueira de Azevedo ensina sobre o que pode ser considerado comportamento socialmente reprovável capaz de ensejar responsabilidade por dano social. Segundo o autor, o dano social existe quando se percebe um rebaixamento imediato no nível de vida da população, quando, por exemplo, atinge questões relacionadas à segurança (segurança de vida e integralidade física e psíquica), diminuindo a tranquilidade social ou quebra a confiança, em situações contratuais ou paracontratuais redutoras da qualidade de vida no aspecto coletivo. Além disso, o professor considera exemplo de dano social, os comportamentos que são negativamente exemplares, isto é, aqueles que se fossem repetidos a toda sorte, causariam constrangimento e rebaixamento do nível de qualidade de vida da sociedade (JUNQUEIRA, 2004, p. 381)11.

Quanto à destinação da indenização pelo dano social, o professor da USP idealizador da nova modalidade, defende que seria aceitável destiná-lo a um fundo, tal como acontece com os danos ambientais e com arrimo no art. 883, parágrafo único do Código Civil. No entanto, à luz da cultura norte-americana, o autor defende a possibilidade de a indenização por dano social ser revertida pela própria vítima que propôs a demanda. Na visão do autor, a compensação por danos sociais só poderia ser revertida a um fundo quando órgãos da sociedade, como Ministério Público, ajuizassem a ação de ressarcimento. Assim, em suas palavras:

 

O autor, vítima, que move a ação, age também como um “promotor público privado” e, por isso merece a recompensa. Embora esse ponto não seja facilmente aceito no quadro da mentalidade jurídica brasileiro, parece-nos que é preciso recompensar, e estimular, aquele que, embora por interesse próprio, age em benefício da sociedade. Trata-se de incentivo para um aperfeiçoamento geral (JUNQUEIRA, 2004, p. 383).

 

Outro ponto relevante refere-se à possibilidade de o magistrado reconhecer, de ofício, a existência de dano social.

A princípio, em se tratando de questão de ordem pública, poderia o juiz, com arrimo no Código de Defesa do Consumidor (art. 1º) e, ainda, no princípio da reparação integral dos danos (art. 6º, VI), reconhecer de ofício a existência de dano social, arbitrando, por conseguinte, o valor compensatório.

No entanto, há entendimento da 2ª Seção do colendo Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de se reconhecer, de ofício, a existência de danos sociais ou difusos em demandas que tramitam perante o Juizado Especial Cível, especialmente por entender que o autor da ação individual não teria legitimidade para pleitear a fixação de dano social, eis que não pode pedir em nome próprio, direito da coletividade (BRASIL, 2014).

Assim, para haver condenação em danos sociais, segundo a parca jurisprudência do STJ quanto ao assunto, é preciso que haja pedido expresso e, além disso, que referido pleito seja feito no bojo de ação coletiva (BRASIL, 2014).

Essas são as considerações que se pode fazer com o que há disponível na doutrina e na jurisprudência quanto ao tema em questão. Importa notar, no entanto, que a tendência de alargamento das possibilidades de dano indenizável é constante presente na atual quadra e que, certamente, outras espécies de dano surgirão com o escopo fundamental de tutelar a dignidade da pessoa humana.

 


5. Conclusão

O presente estudo analisou o instituto do dano social, como decorrência da constitucionalização da responsabilidade civil.

Apresentou-se, durante todo o trabalho, as diversas posições doutrinárias e jurisprudenciais que direcionam o tema, especialmente no que tange ao surgimento e configuração do novel instituto.

De fato, a questão posta em voga é moderna no cenário jurídico, principalmente porque envolve o arbitramento de uma indenização destinada a todos, indistintamente.

Como se viu, a novel espécie de dano está diretamente atrelada à constitucionalização do direito civil, especialmente no que tange ao postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e seus princípios consectários, como a solidariedade.

O dano social pretende, sobretudo, valorizar as estruturas sociais, muitas vezes indiretamente atingidas por danos que até então não eram reparáveis neste nível.

De fato, apenas com a nova modalidade de dano, foi possível criar um mecanismo de reparação da sociedade como um todo. A indenização arbitrada de modo a compensar o dano social suportado é, via de regra, destinada à fundo que pretende promover ações sociais reparatórias.

Por ser ainda incipiente, muitos outros aspectos serão tratados pela doutrina e jurisprudência nos próximos anos, tais como a prestação de contas das indenizações recebidas pelos fundos, a quantificação do referido dano, e, até mesmo, a possibilidade de alargamento de suas possibilidades.

De mais a mais, importante reconhecer que o dano social constitui avanço no tema de responsabilidade civil, uma vez que a nova modalidade está em consonância com a constitucionalização do direito civil e, sobretudo, com o maior postulado do ordenamento jurídico: a dignidade da pessoa humana.

 


Referências

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coord.).O Código Civil e sua interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

 

BRASIL. Código civil. Coordenação de Clarissa Boraschi Maria. 22ª ed. São Paulo Saraiva, 2016.

 

_______. Código de defesa do consumidor. Coordenação de Clarissa Boraschi Maria. 22ª ed. São Paulo Saraiva, 2016.

 

_______.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial. Brasília, 05 de out. 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> acesso em 14 de agosto de 2017.

 

_______. Enunciados V Jornada de Direito Civil. 2011. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil> Acesso em 14 de agosto de 2017.

 

_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 387. É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num=%27387%27> Acesso em 14 de agosto de 2017.

 

______ Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 866.636/SP. Terceira Turma. Relatora: Min. Nancy Andrighi, 29 de novembro de 2007. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200601043949&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea> acesso em: 14 de agosto de 2017.

 

______ Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.292.141/SP. Terceira Turma. Relatora: Min. Nancy Andrighi, 04 de dezembro de 2012. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1200226&num_registro=201102652643&data=20121212&formato=PDF> acesso em: 14 de agosto de 2017.

 

______ Superior Tribunal de Justiça. Rcl 13.200/GO. 2ª Seção. Relator: Min. Luís Felipe Salomão, 08 de outubro de 2014. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1355711&num_registro=201301978357&data=20141114&formato=PDF> acesso em: 14 de agosto de 2017.

 

______ Superior Tribunal de Justiça. Rcl 12.062-GO. 2ª Seção. Relator: Min. Raul Araújo, 12 de novembro de 2014. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1365001&num_registro=201300900646&data=20141120&formato=PDF> acesso em: 14 de agosto de 2017.

 

______ Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1622538/MS. Terceira Turma. Relatora: Min. Nancy Andrighi, 24 de março de 2017. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1583830&num_registro=201600652704&data=20170324&formato=PDF> acesso em: 14 de agosto de 2017.

 

Cahali, Yussef Said. Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1998, 2ª edição.

 

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v.5.

 

_______ Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 26ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v.5.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil. 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2009.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 7a. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 4.

 

MORAES, Maria Celina Bodin de. A Constitucionalização do Direito Civil e seus efeitos sobre a Responsabilidade Civil. Direito, Estado e Sociedade - v.9 - n.29 - p 233 a 258 - jul/dez 2006. Disponível em <http://www.jur.puc-rio.br/revistades/index.php/revistades/article/view/295/267> acesso em 14 de agosto de 2017.

 

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais – Rel. Des. Ricardo Torres Hermann – j. 12.07.2007.

 

TARTUCE, Flávio.Manual de Direito Civil: volume único. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2016.

 

TREPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade o ordenamento civil-constitucional brasileiro. In:Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 27.

 

SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875>. Acesso em 14 de agosto de 2017.

 

STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

 

VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. Volume 1. 4a Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2004


Notas

 

2 A negligência é o descaso, a falta de atenção; a imperícia trata-se de inabilidade profissional no exercício de uma atividade técnica; e a imprudência é a falta de cautela, resultante de um ato impulsivo, precipitado.

3 Na primeira, há uma agressão dirigida à pessoa ou a seus bens. No estado de necessidade, não se configura uma agressão, porém desenha-se uma situação fática, em que o indivíduo vê uma coisa sua na iminência de sofrer um dano. A fim de removê-lo ou evitá-lo, sacrifica a coisa alheia. (STOCO, 1997, p. 75).

4 Anote-se que alguns doutrinadores contemporâneos já estão cogitando de responsabilidade civil sem dano, tais como Flávio Tartuce e Pablo Malheiros da Cunha Frota (TARTUCE, 2016, p. 533).

5 Os danos emergentes consubstanciam-se no valor que efetivamente se perdeu, é o prejuízo efetivo. Por outro lado, os lucros cessantes se traduzem na perda de um lucro sobre o qual havia expectativa de se auferir.

 

6 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; e X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988).

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (BRASIL, 1990).

 

7 Súmula n. º 387 - É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. (BRASIL, 2009).

8 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (BRASIL, 1990).

 

9  Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - omissis;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, 1990).

 

10 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; (BRASIL, 1990).

 

11 Neste sentido exemplifica o autor: “Se, por exemplo, uma empresa de transporte aéreo atrasa sistematicamente os seus vôos, não basta, na ação individual de um consumidor, a indenização pelos danos patrimoniais e morais da vítima. É evidente que essa empresa – ou outra que a imite – está diminuindo as expectativas de bem-estar de toda a população. É muito diferente o passageiro sair de casa confiante quando ao cumprimento dos horários de seus compromissos ou, nas mesmas condições, sair na angústia do imprevisível. As sociedades têm um nível de qualidade de vida que é até mesmo mensurado estatisticamente, por exemplo, com os índices de desenvolvimento humano (IDH)”. (JUNQUEIRA, 2004, p. 381).


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Bárbara Christina Guimarães. O dano social como expressão da constitucionalização da responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5384, 29 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64221. Acesso em: 8 maio 2024.