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Novas luzes sobre o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da execução criminal

Novas luzes sobre o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da execução criminal

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Examinam-se questões como a competência para instaurar e a forma de instruir o procedimento disciplinar para apuração de falta e aplicação de sanções administrativas no curso da execução penal.

RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de analisar o Procedimento Administrativo Disciplinar que ocorre no âmbito das casas prisionais, tendo como acusado aquele que cumpre pena no estabelecimento penal, de forma a delimitar, com exatidão, a quem compete cada ato, separando aquilo que compete ao Diretor da Casa Prisional e aquilo que compete ao Poder Judiciário. Da mesma forma, aproveita-se o tema para analisar a controvérsia sobre a “prescrição” da pretensão do Estado em punir administrativamente aqueles que estão sob a sua tutela.

PALAVRAS-CHAVE: Procedimento Administrativo Disciplinar, Divisão de Competências, Mérito do Ato Administrativo, Audiência de Justificação, Separação de Poderes, Prescrição.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Delimitação da competência do Diretor da Casa Prisional e da competência do Juízo da VEC – Proibição de análise do mérito administrativo pelo Poder Judiciário – Ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes. 3. A prescindibilidade da audiência de justificação. 4. Consectários lógicos da decisão administrativa que reconhece a falta grave. 5. Ofensa ao Princípio da Legalidade e aos Princípios da Federação e da Separação de Poderes (CF). 6. Ofensa a dispositivos da legislação infraconstitucional. 7. A questão da prescrição envolvendo faltas disciplinares. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO

A partir do julgamento do Recurso Especial n. 1.378.557 (Recurso Repetitivo), restou editada a súmula 533 do STJ, que passou a exigir a instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar para o reconhecimento de faltas graves:

Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado

Ocorre, contudo, que a súmula – isoladamente considerada – dá causa a prejuízos sérios às pessoas presas, as quais acabam por aguardar meses e meses (quiçá anos) pela realização de um PAD (Procedimento Administrativo Disciplinar), para, só então, terem a solenidade aprazada (sem mencionar o tempo de espera da própria solenidade, após a designação da data), tudo isso “regredidos cautelarmente” até a realização das chamadas “audiências de justificação” (uma espécie de prisão preventiva aplicada na execução penal que, muito embora conte com massivo apoio da jurisprudência, em verdade, não encontra amparo em nenhuma norma legal).

Antes da súmula, podemos dizer resumidamente que o tramitar processual acontecia da seguinte maneira. As faltas graves de fuga e acusação de crimes ficavam dispensadas do PAD, restando a exigência do procedimento administrativo para as demais faltas. Então, com ele (ou mesmo sem, quando se tratasse de fuga ou de crime), era feita mais uma audiência em Juízo. Porém, no caso gaúcho, as audiências em Juízo eram praticamente reservadas aos casos das faltas que não contavam com o procedimento da fase administrativa. Ou seja, nos casos em que havia PAD, não havia audiência judicial. Por outro lado, nos casos em que não havia PAD, era realizada uma solenidade na presença de um Juiz de Direito.

Hoje, após a edição da súmula, o trabalho está incoerentemente dobrado, pois: constatada a falta, é feito PAD para todas as espécies de infrações disciplinares (incluindo-se fugas e práticas de delitos), onde é ouvido o apenado e são produzidas as provas pertinentes, para então, depois (na chamada audiência de justificação perante o Juiz), o apenado ser novamente ouvido e serem novamente produzidas provas. Hoje, a autoridade administrativa reconhece ou não a falta disciplinar e pune o apenado administrativamente. Só que o Juiz da VEC também analisa a acusação de falta grave, instrui o feito, produz provas, ouve o apenado, para então decidir se reconhece ou não a prática de falta grave (e, em assim o fazendo, aplica aquilo que chama de “consequências legais”, o que no seu entender são penalidades de aplicação automática diante do reconhecimento da falta grave).

Ora, o exercício da ampla defesa e do contraditório – justamente os fundamentos que levaram a súmula a exigir o PAD para todo e qualquer caso – não pode ser mais prejudicial ao apenado, do que se ficasse sem aquele procedimento de defesa.

Hoje, no entanto, é exatamente o que vem acontecendo. Os apenados do sistema prisional estão sendo punidos por perseguirem seus direitos. A garantia do PAD, consagrada com a edição da súmula, acabou por ferir de morte outro princípio tão fundamental quanto, que é o da celeridade processual. E, como o direito envolvido aqui é a liberdade do indivíduo, a demora processual está a causar prejuízos incomensuráveis (quiçá irreparáveis) aos integrantes do sistema prisional.

De qualquer maneira, parte dessa problemática se esvai se olharmos para o acórdão que deu origem à súmula, a fim de entendermos os motivos que levaram os ministros do STJ a seguirem este caminho.

Resumidamente, e desde já adiantando a discussão, podemos enumerar que o STJ afirmou textualmente o seguinte:

  • o Juízo da VEC não tem competência para determinar a instauração de PADs
  • o Juízo da VEC, igualmente, não tem competência para reconhecer ou deixar de reconhecer faltas graves
  • a competência para o reconhecimento de faltas graves é do Diretor do estabelecimento prisional
  • a competência para aplicar sanções ao apenado que praticar faltas graves é do Diretor do estabelecimento prisional
  • a competência do Juízo da VEC está restrita a aplicar (ou não) um ou alguns dos chamados “consectários legais”
  • ainda, poderá o Judiciário exercer o controle de legalidade/constitucionalidade dos atos administrativos, quando provocado, sob pena afrontar a inércia da jurisdição
  • consequência lógica disso é que os tais “consectários legais” não são de aplicação obrigatória em qualquer caso
  • o apenado é ouvido pelo Juízo da VEC, em audiência de justificação (se necessário), para que este decida se aplica ou não os assim chamados “consectários legais”
  • a audiência de justificação é prescindível

De qualquer maneira, nos itens a seguir, exploraremos melhor a tese, com o que passamos diretamente ao seu exame.


2 Delimitação da COMPETÊNCIA do Diretor da Casa Prisional e da competência do Juízo da VEC – Proibição de análise do mérito administrativo pelo Poder Judiciário – Ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes

De forma bastante objetiva, podemos extrair do acórdão em questão que as faltas disciplinares, por ocorrerem no âmbito das casas prisionais, estão submetidas ao crivo e à análise dos Diretores dos respectivos estabelecimentos. Somente a estes cabe a análise da falta, o reconhecimento ou não da mesma como falta grave e a sua respectiva punição. Ao Juízo da VEC (Vara de Execução Criminal), por outro lado, ao receber a comunicação administrativa de que foi reconhecida uma falta grave, cabe apenas analisar o que fazer com essa notificação, isto é, quais serão os efeitos para o PEC (Processo de Execução Criminal). Assim, abre-se ao magistrado a possibilidade de decidir se é o caso (ou não) de aplicar as consequências jurisdicionais que a lei prevê, quais sejam: regressão de regime, alteração da data-base e perda da remição (aliás, a lei sequer fala que deve haver audiência para tal desiderato).

Veja-se que ao Poder Judiciário não compete – sequer – a homologação (ou não) do PAD; afinal, ele não é órgão revisor da esfera administrativa. O procedimento administrativo é completamente autônomo em relação à função jurisdicional. Não existe uma atribuição do Judiciário para analisar, homologar, sancionar, etc., uma decisão administrativa. Para isso existe o Recurso Administrativo, previsto no art. 29 do RDP.

Nem mesmo a natureza mista da execução penal pode ser desculpa para a intromissão do Poder Judiciário na atividade administrativa das rotinas prisionais (onde se insere também a disciplina penitenciária), conclusão facilmente extraída da obra de Guilherme de Souza Nucci (2007b, ps. 941/942):

O entroncamento entre a atividade judicial e a administrativa ocorre porque o Judiciário é o órgão encarregado de proferir os comandos pertinentes à execução da pena, embora o efetivo cumprimento se dê em estabelecimentos administrados, custeados e sob a responsabilidade do Executivo. É certo que o juiz é o corregedor do presídio, mas a sua atividade fiscalizatória não supre o aspecto de autonomia administrativa plena de que gozam os estabelecimentos penais no País, bem como os hospitais de custódia e tratamento.” (o grifo é nosso)

De qualquer maneira, evidentemente que não se pode excluir o PAD da apreciação do Poder Judiciário, até mesmo por previsão constitucional (art. 5º, XXXV, da CF). Porém, admitir que o Poder Judiciário possa agir sem provocação, também importa em violação ao princípio da inércia da jurisdição (“ne procedat judex ex officio”). Dito de outra forma, o Juiz não pode receber o PAD e decidir homologá-lo ou não. Não lhe compete fazer isso.

O próprio RESP n. 1.378.557 deixa isso claro, quando o Min. Marco Aurélio Bellizze afirma:

Assim, embora o juiz da Vara de Execuções Criminais possa exercer, quando provocado, o controle de legalidade dos atos administrativos realizados pelo diretor do estabelecimento prisional, bem como possua competência para determinadas questões no âmbito da execução penal, não lhe é permitido adentrar em matéria de atribuição exclusiva da autoridade administrativa, no que concerne à instauração do procedimento para fins de apuração do cometimento de falta disciplinar pelo preso, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. (pág. 24)

Trata-se de verdadeiro princípio do Processo Penal, mais especificamente da Jurisdição Penal. Buscando auxílio na definição de Aury Lopes Jr (2012, p. 447):

Como decorrência do sistema acusatório anteriormente explicado e para garantia da imparcialidade (princípio supremo do processo), a inércia da jurisdição significa que o poder somente poderá ser exercido pelo juiz mediante prévia invocação. Vedada está a atuação ex officio do juiz (daí o significado do adágio ne procedat iudex ex officio).

Portanto, veja-se que a jurisprudência deixa claro que o Juiz poderá analisar o caso “quando provocado”, ou seja, quando o ato administrativo for impugnado judicialmente. Somente mediante provocação é que o Poder Judiciário pode agir (“ne procedat judex ex officio”). Provocação de quem? Dos atores processuais que fazem parte do cenário processual penal: Ministério Público, Apenado, Defesa Técnica, etc.

Havendo provocação, daí sim compete ao Poder Judiciário o controle da legalidade/constitucionalidade dos atos e decisões proferidas pelo Diretor do presídio (função de controle dos atos administrativos). Não pode o magistrado, porém, substituir-se de ofício ao Diretor da casa prisional e, no caso de não concordar com a decisão administrativa, simplesmente proferir outra em seu lugar (como historicamente ocorre). Mesmo nesse caso, o Juiz não homologará ou deixará de homologar o procedimento. Ele analisará as alegações trazidas pelas partes e, então, caso verifique uma ilegalidade ou uma inconstitucionalidade, deverá ele anular o procedimento.

Veja-se que o Juízo da VEC não pode se intrometer na seara administrativa. Caso a direção do estabelecimento prisional decida que o fato está prescrito, que é (ou não é) falta grave, que não é o caso de apuração por qualquer outro motivo, então este tem total autonomia para assim agir. Na suspeita do magistrado de que possa a direção estar envolvida em ilegalidades, deve acionar outros meios de fiscalização. Mas não pode usar o apenado para tal controle. Questões administrativas são resolvidas nesta seara exclusivamente, em nenhuma outra. As consequências dos atos administrativos para o processo de execução criminal, por outro lado, é que serão da competência do magistrado titular da VEC. Dito de outra forma, os efeitos penais do reconhecimento da falta é que serão submetidos à apreciação do Poder Judiciário (daí a natureza mista da execução penal).

Entretanto, não pode o Juízo da VEC adentrar na seara administrativa, sob pena de afrontar dispositivos legais e constitucionais.

Vejamos o voto condutor do aresto, da lavra do Min. Marco Aurélio Bellizze. São várias as passagens que podemos transcrever para ilustrar o argumento (oriundo do RESP n. 1.378.557 citado acima):

Nas disposições gerais da referida seção (Subseção I), os arts. 47 e 48 estabelecem que o poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, bem como na restritiva de direitos, será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado.

Assim, no âmbito da execução penal, a atribuição de apurar a conduta faltosa do detento, assim como realizar a subsunção do fato à norma legal, ou seja, verificar se a conduta corresponde à uma falta leve, média ou grave, é do diretor do presídio, em razão de ser o detentor do poder disciplinar, conforme disposto nos aludidos dispositivos legais.

Logo, a aplicação de eventual sanção disciplinar também será da atribuição do diretor do estabelecimento prisional

...

Corroborando esse entendimento, o art. 54 da LEP é claro ao estabelecer que as sanções dos incisos I a IV do art 53, quais sejam, advertência verbal, repreensão, suspensão ou restrição de direitos e isolamento na própria cela, ou em local adequado, serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento.

...

Não se olvida que, em razão do cometimento de falta de natureza grave, determinadas consequências e sanções disciplinares são de competência do juiz da execução penal, quais sejam, a regressão de regime (art. 118, I), a revogação de saída temporária (art. 125), a perda dos dias remidos (art. 127) e a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade (art. 181, § 1º, d, e § 2º).

Todavia, a regra geral estabelecida na Lei de Execução Penal é que a sanção disciplinar seja aplicada pelo diretor do estabelecimento prisional, ficando a cargo do juiz da execução apenas algumas medidas, conforme se depreende do parágrafo único do art. 48:

...

Dessa forma, constata-se que a Lei de Execução Penal não deixa dúvida ao estabelecer que todo o "processo" de apuração da falta disciplinar (investigação e subsunção), assim como a aplicação da respectiva punição, é realizado dentro da unidade penitenciária, cuja responsabilidade é do seu diretor, porquanto é quem detém o exercício do poder disciplinar.

Somente se for reconhecida a prática de falta disciplinar de natureza grave pelo diretor do estabelecimento prisional, é que será comunicado ao juiz da execução penal para que aplique determinadas sanções, que o legislador, excepcionando a regra, entendeu por bem conferir caráter jurisdicional.

Portanto, a competência do magistrado na execução da pena, em matéria disciplinar, revela-se limitada à aplicação de algumas sanções, podendo, ainda, quando provocado, efetuar apenas controle de legalidade dos atos e decisões proferidas pelo diretor do presídio, em conformidade com o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CF/1988, art. 5º, inciso XXXV).

...

Dessarte, verifica-se que a defesa do sentenciado no procedimento administrativo disciplinar revela-se muito mais abrangente em relação à sua oitiva prevista no art. 118, § 2º, da LEP, que algumas decisões interpretam, sem base legal, tratar-se de audiência de justificação, tendo em vista que esta tem por finalidade tão somente a questão acerca da regressão de regime, a ser determinada ou não pelo juiz da execução.

Nota-se que os procedimentos não se confundem. Ora, se de um lado, o PAD visa apurar a ocorrência da própria falta grave, com observância do contraditório e da ampla defesa, bem como a aplicação de diversas sanções disciplinares pela autoridade administrativa; de outro, a oitiva do apenado tem como único objetivo a aplicação da sanção concernente à regressão de regime, exigindo-se, por óbvio, que já tenha sido reconhecida a falta grave pelo diretor do presídio.

Com efeito, conquanto a execução penal seja uma atividade complexa, pois desenvolve-se nos planos jurisdicional e administrativo, da leitura dos dispositivos da Lei de Execução Penal, notadamente do seu artigo 66, que dispõe sobre a competência do juiz da execução, conclui-se que não há nenhum dispositivo autorizando o magistrado instaurar diretamente procedimento judicial para apuração de falta grave.

Assim, embora o juiz da Vara de Execuções Criminais possa exercer, quando provocado, o controle de legalidade dos atos administrativos realizados pelo diretor do estabelecimento prisional, bem como possua competência para determinadas questões no âmbito da execução penal, não lhe é permitido adentrar em matéria de atribuição exclusiva da autoridade administrativa, no que concerne à instauração do procedimento para fins de apuração do cometimento de falta disciplinar pelo preso, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. (os grifos são nossos)

Veja-se que a transcrição acima é longa mas necessária. O que resta evidenciado é que compete ao Magistrado com atuação na VEC apenas apreciar se é o caso de aplicação das sanções previstas na lei. Porém, a decisão sobre a  instauração, a instrução e o reconhecimento acerca da existência da falta grave cabem exclusivamente ao Diretor do Presídio, que é quem detém o Poder Disciplinar.

O Min. Marco Aurélio Bellizze transcreve ainda trecho de doutrina especializada, a qual também se pede licença para reproduzir (JULIOTTI, 2011, p. 79):

O presente dispositivo estabelece que o poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa. E esse exercício pressupõe, evidentemente, a instauração do procedimento e a consequente decisão. Não pode o Juiz, bem por isso, invadir a esfera de atribuição dada ao administrador pela lei, sob pena de substituir por critérios próprios a opção dele quanto ao mérito administrativo. Só é dado ao Magistrado intervir para examinar a legalidade do ato, afastando vícios e resguardando direitos. (grifamos)

A corroborar essa orientação, pode-se citar igualmente a obra de Guilherme de Souza Nucci (2007b, ps. 941/942), a qual assevera com todas as letras:

O poder disciplinar é exercido pela autoridade administrativa (art. 47, LEP), o que confere o caráter misto à execução da pena (parte dela é conduzida pelo juiz; outra parte é fruto da administração do presídio).

As faltas apuradas serão devidamente comunicadas ao juiz da execução penal para produzir os reflexos na individualização executória da pena, podendo implicar regressão de regime, perda de dias remidos, impedimento de saída temporária, dentre outros (art. 48, parágrafo único, LEP). (o grifo é nosso)

Em outras palavras, o poder disciplinar é exercido pela autoridade administrativa. Ao juiz compete, tão somente, aferir as consequências penais daquele reconhecimento administrativo. É a lição expressa e categórica de Guilherme de Souza Nucci.

Concluindo seu voto, o Min. Marco Aurélio Bellizze analisou o caso posto em julgamento e afirmou com todas as letras:

Na hipótese dos autos, conforme se verifica do termo de audiência às fls. 20/22, o Juiz da Vara de Execução Penal da Comarca de Porto Alegre/RS, notificado da recaptura do apenado Fabiano Cougo, instaurou procedimento judicial para apurar o cometimento de falta grave pelo detento e, após a manifestação da defesa e do Ministério Público na audiência de justificação, reconheceu a prática de falta disciplinar de natureza grave, determinando a alteração da data-base para futuros benefícios, deixando, contudo, de regredi-lo para o regime mais gravoso, tendo em vista que o apenado já se encontrava no regime fechado.

Assim, o referido procedimento encontra-se em total descompasso com os dispositivos da Lei de Execução Penal, porquanto o magistrado usurpou a atribuição exclusiva do diretor do presídio para apuração e reconhecimento da falta grave, valendo ressaltar, ainda, que sequer havia a necessidade de realização dessa audiência judicial, em razão da impossibilidade de regressão do regime carcerário, não sendo a hipótese, por conseguinte, sequer de aplicação do art. 118, inciso I e § 2º, da Lei nº 7.210/1984. (grifamos)

Das transcrições acima, percebe-se que a delimitação de competências deve ser assim entendida:

  • Diretor da Casa Prisional: instauração, instrução e reconhecimento (ou não) das faltas disciplinares, aplicação de algumas sanções, representação ao Juiz sobre o caso;
  • Juiz da Vara de Execuções Criminais: realização de audiência para oitiva do apenado (se entender necessário, adiante demonstrar-se-á que a mesma é dispensável), aplicação de algumas sanções (igualmente, se verificar que é o caso).

Veja-se que, inclusive, em uma passagem do seu voto, o Min. Marco Aurélio Bellizze chega ao ponto de afirmar que a oitiva prevista no artigo 118, § 2º, da LEP, é chamada erroneamente – e sem base legal – de audiência de justificação. Afirma o Ministro que o equívoco decorre do fato de que a audiência referida não tem por finalidade justificar nada, nem analisar se o caso é de falta grave ou não. Na verdade, a audiência se presta, apenas, para deliberar acerca da regressão de regime, que será então determinada ou não pelo Juiz da execução:

oitiva prevista no art. 118, § 2º, da LEP, que algumas decisões interpretam, sem base legal, tratar-se de audiência de justificação, tendo em vista que esta tem por finalidade tão somente a questão acerca da regressão de regime, a ser determinada ou não pelo juiz da execução.

Aliás, permitir que o Juiz possa reconhecer como falta grave um fato que a autoridade administrativa não reconheceu dessa forma, é o mesmo que permitir que o Poder Judiciário possa se imiscuir no mérito de um ato administrativo. Ora, nosso sistema jurídico não permite tal situação, sob pena de afronta ao princípio federativo da repartição de poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

E tão séria é a importância do princípio, que foi elevado expressamente à categoria de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, incisos I e III, da CF).

Da jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, retiramos que:

Conquanto seja possível a revisão judicial dos atos administrativos, o exercício do controle jurisdicional limita-se à legalidade de tais atos, sendo vedado ao Poder Judiciário apreciar o mérito destes, sob pena de ferir o princípio constitucional da separação dos poderes. (Recurso Cível Nº 71006082291, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Rosane Ramos de Oliveira Michels, Julgado em 13/12/2016)

O mesmo ocorre no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cuja matéria se encontra pacificada no âmbito da 1ª Seção (informativo 382):

A regularidade do processo administrativo disciplinar deve ser apreciada pelo Poder Judiciário sob o enfoque dos princípios da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, sendo-lhe vedado incursionar no chamado mérito administrativo. (MS 14.134-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/8/2009)

A 3ª Seção da corte Superior não diverge desse entendimento (informativo 300):

O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar a análise de mérito do ato impugnado. (MS 12.629-DF, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/8/2007)

Ainda do âmbito do STJ, e mesmo que diga respeito a um PAD contra funcionário público (em razão de falta disciplinar no exercício da função), retiram-se valorosas lições que em tudo são aplicáveis ao PAD oriundo das casas prisionais:

Outrossim, o controle jurisdicional do PAD restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e a legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo, a impedir a análise e valoração das provas constantes no processo disciplinar. Precedentes. (MS 21.544/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 07/03/2017)

Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 941) refere três possibilidades de controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário: o controle dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Quanto aos motivos, citando o eminente Caio Tácito, afirma o ilustre doutrinador (MELLO, 2007, ps. 941/942):

Em repetidos pronunciamentos, os nossos Tribunais têm modernamente firmado o critério de que a pesquisa da ilegalidade administrativa admite o conhecimento, pelo Poder Judiciário, das circunstâncias objetivas do caso. Ainda recentemente, em acórdão no RE 17.126, o STF exprimiu, em resumo modelar, que cabe ao Poder Judiciário apreciar a realidade e a legitimidade dos motivos em que se inspira o ato discricionário da Administração.

Se inexiste o motivo, ou se dele o administrador extraiu consequências incompatíveis com o princípio de Direito aplicado, o ato será nulo por violação de legalidade. Não somente o erro de direito como o erro de fato autorizam a anulação jurisdicional do ato administrativo.

Quanto à finalidade, verdadeiramente se trata da questão do desvio de finalidade do ato administrativo. Ou seja, será o manejo de uma competência em descompasso com a finalidade para a qual foi instituída. Um exemplo de desvio de finalidade trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello seria a prática de ato pelo agente em razão de razões particulares, estranhas ao interesse público (MELLO, 2007, p. 944).

Por fim, quanto à causa do ato, trata-se de observar a relação de adequação entre os pressupostos do ato e seu objeto (MELLO, 2007, p. 945). Ou seja, é preciso que haja uma relação de causalidade, de compatibilidade lógica entre a sua causa (o fato que lhe deu origem) e o seu conteúdo.

Concluindo sua análise, refere o renomado doutrinador que este controle do Poder Judiciário jamais pode ir além dos limites de significação objetivamente desentranháveis da norma legal (MELLO, 2007, ps. 955/956). Isto é, não pode ir além de questões de legalidade. Para ele (MELLO, 2007, p. 956):

O campo de apreciação meramente subjetiva – seja por conter-se no interior das significações efetivamente possíveis de um conceito legal fluido e impreciso, seja por dizer com a simples conveniência ou oportunidade de um ato – permanece exclusivo do administrador e indevassável pelo juiz, sem o quê haveria substituição de um pelo outro, a dizer, invasão de funções que se poria às testilhas com o próprio princípio da independência dos Poderes, consagrado no art. 2º da Lei Maior.

Hely Lopes Meirelles comunga de idêntico entendimento, quando faz as seguintes afirmações em sua obra (1996, ps. 609/611):

É um controle a posteriori, unicamente de legalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege.

Sua limitação é apenas quanto ao objeto do controle, que há de ser unicamente a legalidade, sendo-lhe vedado pronunciar-se sobre conveniência, oportunidade ou eficiência do ato em exame, ou seja, sobre o mérito administrativo.

O que o Judiciário não pode é ir além do exame de legalidade, para emitir um juízo de mérito sobre os atos da Administração.

A competência do Judiciário para a revisão de atos administrativos restringe-se ao controle da legalidade e da legitimidade do ato impugnado. Por legalidade entende-se a conformidade do ato com a norma que o rege; por legitimidade entende-se a conformidade do ato com a moral administrativa e com o interesse coletivo (princípios da moralidade e da finalidade), indissociáveis de toda atividade pública.

Talvez o autor que mais tenha aprofundado o tema do CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS, tenha sido o Prof. Juarez Freitas. Em sua obra, o autor profere lições que não divergem dos doutrinadores anteriores (2004, p. 226):

controle judicial haverá de ser o de “administrador negativo”, em analogia com o de “legislador negativo”, exercido no controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos. Porque, como dito, se é certo que o Poder Judiciário não pode dizer, substitutiva e positivamente, como o administrador deveria agir, está obrigado a emitir juízo sobre como não deveria agir, em função dos princípios superiores do sistema administrativo, não mais prosseguindo a posição passiva de outros tempos.

Logo, o que se tem no caso analisado (e que não foi dito de forma expressa pelo Min. Marco Aurélio Bellizze no julgamento do RESP 1.378.557) é uma evidente situação em que o Poder Judiciário, historicamente, vem se intrometendo na seara administrativa para julgar o próprio MÉRITO administrativo, ainda que disso não tenha se apercebido.

Com essas balizas fixadas, entende-se o porquê da necessidade do PAD. Será nele que haverá o reconhecimento ou não da falta grave. Depois, encerrado este procedimento, o feito será remetido a Juízo, quando então o Juiz:

  • Se provocado, anulará o PAD, por algum vício;
  • Na ausência de provocação determinará (ou não) a regressão de regime, a alteração da data-base e a perda da remição (mas não poderá se imiscuir na competência do Diretor do Presídio, reconhecendo ou não a suposta falta grave).

Assim, as atuais situações em que o Poder Judiciário ordena a instauração de PADs, homologa ou deixa de homologar procedimentos ou profere decisões em que reconhece fatos como faltas graves revelam-se absolutamente ilegais/inconstitucionais.


3 A prescindibilidade da audiência de justificação

Um dos grandes registros que pode ser extraído do acórdão é a afirmação textual no sentido de que a chamada audiência de justificação é dispensável. Ou seja, trata-se de ato processual que não tem necessidade de existir.

O Min. Marco Aurélio Bellizze registrou a seguinte lição:

Impende ressaltar, por oportuno, que, não obstante a decisão de regressão seja da competência do juiz da execução, o preceito normativo sequer determina que essa oitiva prévia seja pessoal, em audiência específica para tal finalidade.

No Estado de São Paulo, por exemplo, por ocasião do 1ª Encontro de Execução Criminal e Administração Penitenciária, realizado na cidade de Mogi das Cruzes, em que participaram todas as autoridades responsáveis pela execução penal, ficou estabelecida a seguinte diretriz:

ENUNCIADO 7. A oitiva do sentenciado, a que se refere o artigo 118 da Lei de Execuções Penais, pode ser feita por escrito ou realizada pelo diretor da unidade prisional, na presença de advogado.

Ou seja, revela-se absolutamente dispensável a audiência judicial de justificação. Em verdade, se o apenado foi assistido por advogado particular/Defensoria Pública na seara administrativa, estão atendidos os preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. E, se nessa audiência, o apenado já foi ouvido, cumprido estará o requisito do § 2º do artigo 118 da LEP.

Como salientado acima, a doutrina também conforta essa ideia, como se verifica da transcrição já feita da obra de Guilherme de Souza Nucci (2007b, p. 960), a qual refere expressamente que o poder disciplinar é exercido pela autoridade administrativa (conforme art. 47 da LEP), enquanto que ao Juiz compete analisar os reflexos do reconhecimento da falta na individualização executória da pena, podendo implicar regressão de regime, perda de dias remidos, impedimento de saída temporária, dentre outros (art. 48, parágrafo único, da LEP).

Ou seja, o Juiz analisa os reflexos do PAD na execução penal, de maneira que a audiência será dispensável se o apenado já tiver sido ouvido perante a autoridade administrativa. Veja-se que a LEP não exige que o apenado seja ouvido pessoalmente pelo magistrado titular da VEC.

E nesse contexto é que o STJ entendeu que revela-se imprescindível a realização de PAD, pois é lá na seara administrativa que tudo acontece. Ao Juízo da VEC compete apenas e tão somente decidir acerca da aplicação (ou não) daquilo que é equivocadamente chamado de “consequências legais”.

A má compreensão do Poder Judiciário acerca do teor do acórdão, porém, vem ocasionando prejuízo irreparável aos apenados. Afinal, ao decidir por realizar audiências de justificação para toda e qualquer falta, ao mesmo tempo que exige PAD para tudo, o Poder Judiciário acaba por tornar um direito do apenado em malefício. O direito ao PAD acompanhado de um defensor acaba por se tornar um pesadelo, e isso não pode ocorrer. Uma injustiça não pode ser reparada apenas para substituí-la por outra (como vem ocorrendo hoje, em que apenados ficam aguardando em regime mais severo – chamada regressão cautelar – por uma audiência que pode levar até 1 ano ou mais). É preciso que se dê coerência ao sistema processual penal. E, no presente caso, a coerência manda que as audiências de justificação em Juízo sejam dispensadas, exatamente como destacado pelo Min. Marco Aurélio Bellizze, ao citar o exemplo do Estado de São paulo e o Enunciado 7, editado por ocasião do 1ª Encontro de Execução Criminal e Administração Penitenciária (realizado na cidade de Mogi das Cruzes).

É a única solução que coloca tudo em seu devido lugar. Sem mencionar que essa forma de proceder termina por desafogar o Poder Judiciário, na medida em que não precisa ficar realizando audiências a esmo, sem necessidade.


4 Consectários lógicos da decisão administrativa que reconhece a falta grave

Costuma-se dizer que a regressão de regime e a perda de dias remidos são consectários lógicos do reconhecimento da falta grave, como se fosse algo de aplicação automática. Contudo, a partir da leitura do acórdão, verifica-se que isso não é bem assim.

Se o reconhecimento da falta é matéria exclusiva da competência do Diretor do Presídio, e se ao Juiz compete apenas ouvir o apenado, quando julgar necessário, para decidir se aplica as penalidades que lhe compete, isso significa dizer que a regressão de regime (ou qualquer dos consectários previstos em lei) não são de reconhecimento obrigatório. Serão critérios de proporcionalidade/razoabilidade que levarão o Juiz a decretar tais sanções. Observa-se, portanto, que as sanções não são corolário lógico e muito menos de aplicação obrigatória. Muito pelo contrário, são de imposição facultativa. Estão a disposição do Magistrado, mas isso não quer dizer que sempre tenha que aplicá-las. Até porque, pela falta, o apenado já terá sido punido anteriormente pela Direção da casa prisional e pode ser que a sanção aplicada tenho sido suficiente para a responsabilização do fato. Logo, o Magistrado tem a opção de de aplicá-las ou não.

Pensar de forma diferente, isto é, que são obrigatórias por se tratarem de um consectário lógico, seria o mesmo que tornar a possibilidade de audiência judicial um ato inútil. Isso porque, na medida em que a Casa Prisional é quem decide sobre a falta grave, e vindo o procedimento (PAD) para Juízo, bastaria o próprio Cartório Judicial calcular e aplicar as penalidades a todo e qualquer caso de forma automática. Não haveria nenhuma necessidade – sequer – de apreciação judicial a respeito. E este não parece ter sido o escopo da lei. Seja pela utilização da Interpretação teleológica (de acordo com a sua finalidade), seja pela utilização da interpretação sistemática (enquanto norma inserida em uma sistema), a conclusão é a mesma.

Assim, forçoso o raciocínio de que as tais “consequências” legais são, na verdade, de aplicação facultativa.


5 Ofensa ao Princípio da Legalidade e aos Princípios da Federação e da Separação de Poderes (CF)

Considerando os elementos que foram trazidos acima, podemos observar que o Poder Judiciário extrapola seguidamente a competência que lhe foi atribuída pela Lei de Execução Penal (ao proferir decisão que invade a atribuição exclusiva do Diretor do Presídio), o que implica dizer que há uma afronta direta ao Princípio da Legalidade, insculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Da mesma maneira, estando o Poder Judiciário histórica e sistematicamente adentrando no mérito administrativo, verifica-se violação frontal e direta dos Princípios Federativo e da Separação dos Poderes, como previstos no artigo 2º e no artigo 60, § 4º, incisos I e III, todos da Constituição Federal.

Por fim, o princípio da inércia da jurisdição é de caráter supralegal, consequência natural do sistema acusatório inaugurado pela Constituição Federal. Como bem destacado por Aury Lopes Jr (2012, p. 233):

… não prevê nossa Constituição – expressamente – a garantia de um processo penal orientado pelo sistema acusatório. Contudo, nenhuma dúvida temos da sua consagração, que não decorre da “lei”, mas da interpretação sistemática da Constituição.

Assim, ainda que de forma implícita, pode-se extrair com tranquilidade a conclusão de que a inércia da jurisdição é efetivamente um princípio jurídico-constitucional, em razão da interpretação sistemática do texto magno (como já salientado pelo Prof. Aury Lopes Jr. nas transcrições anteriores). Este, ao fim e ao cabo, resta igualmente violado, na medida em que o Poder Judiciário age sem a devida provocação (ofendendo o brocardo ne procedat iudex ex officio).


6 Ofensa a dispositivos da LeGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Considerando, outrossim, os fundamentos trazidos anteriormente, forçoso concluir que o Poder Judiciário, igualmente, desborda daquilo que lhe atribui a Lei de Execução Penal, havendo afronta assim aos artigos 47, 48, 54, 118, 125, 127 e 181, todos deste diploma legal.

Os arts. 47 e 48 estabelecem que o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado:

Art. 47. O poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares.

Art. 48. Na execução das penas restritivas de direitos, o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado.

Parágrafo único. Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, §§ 1º, letra d, e 2º desta Lei.

Outrossim, o art. 54 assegura quais sanções são da competência do Diretor do Estabelecimento Prisional e quais são do Juiz da Vara de Execuções Criminais:

Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

§ 1o A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

§ 2o A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

Sabe-se que determinadas consequências e sanções são da competência do juiz da execução penal: a regressão de regime (art. 118, I), a revogação de saída temporária (art. 125), a perda dos dias remidos (art. 127) e a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade (art. 181, § 1º, d, e § 2º):

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.

Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal.

§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;

b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;

c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

d) praticar falta grave;

e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

§ 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras "a", "d" e "e" do parágrafo anterior.

Assim, da leitura atenta dos dispositivos, e na esteira do entendimento sedimentado pelo STJ em sede de Recurso Repetitivo, a reorientar toda a jurisprudência brasileira, verifica-se que a atual prática processual afronta cada um dos dispositivos acima, na medida em que o Poder Judiciário exerce competência que não lhe foi atribuída, qual seja, a de reconhecer a prática de faltas graves, além de determinar a instauração de PADs, sem ter a autoridade necessária para isso. Em verdade, tais atribuições são do Diretor do Presídio, sendo que a competência do Juízo de Direito é limitada a: (1) analisar quais os efeitos da decisão administrativa ao Processo de Execução Criminal; e (2) se provocado, efetuar o controle de legalidade/constitucionalidade).

Porém, o Poder Judiciário, ao deixar de aplicar corretamente os comandos legais referentes aos dispositivos citados, termina por afrontar de forma direta cada um deles, tornando possível a via recursal especial, por ofensa direta aos artigos 47, 48, 54, 118, 125, 127 e 181 da LEP.

Não suficiente a afronta aos dispositivos da LEP, forçoso ainda concluir que a iniciativa do Poder Judiciário no sentido de agir sem provocação, ao determinar a instauração de PADs ou mesmo imiscuir-se nas atribuições de autoridades administrativas sem provocação (ex officio), acaba por afrontar o artigo 3º do Código de Processo Penal, em sua combinação com o artigo 2º do Novo Código de Processo Civil, os quais trazem o Princípio da Inércia da Jurisdição, lá do processo civil, para o processo penal.


7 A questão da prescrição envolvendo faltas disciplinares

Muita confusão tem cercado esse tema. O principal equívoco que se verifica na prática, principalmente por parte dos atores judiciais, é no sentido de misturar a prescrição administrativa com a prescrição penal. Vejamos um exemplo de acórdão nesse sentido:

Prescrição do PAD: Consoante entendimento pacificado no STF, os artigos 36 e 37 do RDP do Rio Grande do Sul não têm o condão de regular prescrição penal. Razoável que assim seja, eis que o art. 22, da Constituição Federal, é taxativo ao delimitar a competência da União para legislar sobre direito penal. Assim, não havendo prazo específico na Lei de Execuções Penais, para instauração do Procedimento Administrativo Disciplinar, usa-se por analogia o menor prazo prescricional disposto no art. 109 do CP, ou seja, 03 (três) anos. Não transcorridos 03 anos entre a data da recaptura e a data da instauração do PAD. Preliminar afastada. (Agravo Nº 70073123168, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lizete Andreis Sebben, Julgado em 10/05/2017)

O mesmo tipo de entendimento equivocado vem sendo “pacificamente” reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, como destacado na decisão acima, em acórdão do Tribunal de Justiça do nosso Estado. Contudo, todas decisões envolvidas, ao tratar da matéria, fazem referência expressa ao HC n. 92.000/SP, deixando de aprofundar a questão. O problema é que, mesmo este julgado referido, não aprofundou a análise da referida problemática.

Na verdade, o HC n. 92.000/SP trata apenas do TERMO INICIAL para a contagem do prazo prescricional, o que no caso restou fixado como sendo a data da recaptura. Quanto ao mais, o STF manteve a decisão proferida no HC n. 56.053/SP, oriundo do STJ, que era a decisão atacada pelo remédio constitucional.

Indo, na sequência, junto ao STJ, para analisar o teor do referido julgado, percebemos que a análise também foi superficial, limitando-se a reproduzir o entendimento igualmente “pacificado” naquele Superior Tribunal. Há, no entanto, grande dificuldade em se encontrar qual seria o julgado original, isto é, aquele que teria fixado o entendimento tão seguidamente reproduzido e até hoje não questionado.

Rastreando a pesquisa aos primeiros acórdãos do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, chegamos ao ano de 2003, oportunidade em que o Min. Paulo Medina, ao relatar o HC n. 24.266/SP, aparentemente analisou o tema pela primeira vez. Pelo menos é o único acórdão que não remete a nenhum anterior, sendo que na linha cronológica parece realmente ser o pioneiro no assunto (os demais acórdãos que lhe antecedem apenas analisavam outras questões relativas às faltas graves que não a prescrição da própria falta administrativa). Mas a prescrição propriamente dita, esta somente apareceu a partir deste julgado. E, mesmo nele, a questão passou ao largo. Vejamos o voto do Min. Paulo Medina:

Pretende a parte impetrante o reconhecimento da prescrição da infração disciplinar que embasou a decisão que determinou, em detrimento do paciente, a regressão ao regime fechado e o perdimento dos dias remidos anteriores à data da falta.

Em face da ausência de previsão legal de prescrição das infrações disciplinares praticadas na execução penal, requer a aplicação analógica do menor prazo prescricional previsto na lei penal, ou seja, 02 (dois) anos.

A infração disciplinar em que incorreu o paciente encontra-se prevista no art. 50, II, da Lei nº 7210/85, consistindo na fuga ou evasão.

O ato de fuga constitui-se em infração permanente, razão pela qual a prescrição bienal argüida iniciaria-se somente com a recaptura.

A prática da falta disciplinar pelo réu ocorreu em 16/06/1997, havendo sido recapturado em 11/09/2000, sendo este o marco inicial do prazo prescricional de 02 (dois) anos invocado.

Digno de nota que, mais uma vez, o assunto não foi aprofundado. Veio ele trazido ao STJ pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que atacava decisão do Tribunal de Justiça daquele Estado para fazer prevalecer, dos prazos prescricionais do Código Penal aplicados, aquele que fosse menor (já que a LEP era silente a respeito). Mas, em momento algum foi feita qualquer análise no sentido de qual seria o prazo prescricional correto. Nem mesmo se aquele prazo do artigo 109 do CP seria o correto a se aplicar no âmbito da disciplina administrativa penitenciária. O recorrente, no caso a Defensoria Pública daquele Estado, elaborou o recurso competente já partindo do pressuposto inicial de que a prescrição era a do artigo 109 do Código Penal, discutindo apenas qual dos incisos seria o aplicável (pleiteava, no caso, em face da omissão legislativa, o reconhecimento do menor prazo previsto, entendimento este que prevaleceu e terminou por orientar toda a jurisprudência nacional).

Porém, o que se verifica é que o equívoco jurisprudencial decorre de uma interpretação falha da legislação penal e processual penal, bem como da legislação administrativa e constitucional, como já foi dito alhures.

No caso específico da prescrição, deve-se separar as esferas administrativa e penal, exatamente como fez o Min. Marco Aurélio Bellizze, ao analisar o caso que originou a súmula 533 do STJ. Prescrição administrativa e prescrição penal não se confundem, muito embora a jurisprudência e os operadores constantemente incorram nesse erro.

Segundo Damásio de Jesus (2001, p. 17), na obra mais completa sobre o assunto prescrição: “Prescrição penal é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não-exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo.”

Elencando os fundamentos da prescrição em nossa legislação penal, Damásio aponta os 3 que, no seu entender, seriam os principais (2001, ps. 18/19):

  • o decurso do tempo;
  • a correção do condenado; e
  • a negligência da autoridade.

Veja-se que ao analisarmos mais a fundo o instituto, já nos elementos que fundam a prescrição podemos extrair a conclusão de que há uma prescrição administrativa (regida pelas legislações estaduais, no exercício da competência suplementar), que deve ser reconhecida quando houver inércia da autoridade ADMINISTRATIVA, e uma prescrição penal, para quando houver inércia por parte do Poder Judiciário. Logo, as duas coisas não se misturam. Novamente, forçosa a conclusão de que a prescrição das faltas administrativo-disciplinares não pode ser regulada por lei penal. Seria a direta interferência de uma esfera na outra, o que não pode ocorrer sob pena de afrontar o Princípio da Separação de Poderes, além de outros dispositivos constitucionais e legais.

Da análise, também, da obra de Guilherme de Souza Nucci (2007a, ps. 580/581), extrai-se valorosa lição, quanto ao conceito de prescrição:

É a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo. Não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo em vista o decurso do tempo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social.

Ou seja, mais uma vez o destaque de que a prescrição penal aplica-se para reconhecer a falta de interesse do Estado na repressão do CRIME, e não de uma falta administrativa. O uso da palavra não foi em vão pelo autor. De fato, todo cientista do direito deve se utilizar da precisão terminológica, justamente para melhor analisar o objeto de estudo (o contrário, isto é, a imprecisão não é característica da pesquisa científica, onde também se enquadra a pesquisa jurídica). Em outras palavras, partindo-se dessa premissa, que se revela basilar, podemos afirmar com elevado grau de exatidão, inclusive com substrato nas lições de NUCCI, que a prescrição penal se aplica para a punibilidade de CRIMES.

O mesmo autor faz ainda uma breve análise acerca da apuração das faltas e imposição de sanções (NUCCI, 2007b, p. 960). Infelizmente, não analisou a questão da prescrição. Mas, como já salientado à exaustão acima, mesmo este autor reconhece que a seara administrativa não se mistura com a seara da execução penal. Uma coisa é o poder disciplinar, exercido pela autoridade administrativa; outra coisa, bem diferente, são os reflexos que o reconhecimento da falta pela autoridade administrativa terão na execução penal (conforme já destacado pelos escritos de Nucci (2007b, ps. 941/942), referidos anteriormente)

Logo, inexorável a conclusão no sentido de que o prazo prescricional da falta administrativa deve ser o do Regimento Disciplinar Penitenciário – RDP, não tendo nenhum sentido a aplicação do artigo 109 do Código Penal para o âmbito da apuração das faltas graves, que são faltas administrativas, de cunho disciplinar. Como as faltas administrativas não são crimes, não devem sofrer a incidência da legislação penal.

O que se percebe é que o equívoco jurisprudencial (que persiste até hoje) reside justamente na aplicação inadequada de dispositivos de leis federais na ausência de leis específicas, problema já percebido e descrito por Wellington Pacheco Barros (2005, pp. 33/34):

O grande problema na compreensão e assimilação do processo administrativo, e, como de regra, de todo o direito administrativo, reside na ausência de leis específicas e de aplicação de leis de outros entes ou mesmo de fontes doutrinárias, muitas delas de aplicação inadequada.

Na resolução de conflitos administrativos municipais ou estaduais, não raramente, por ausência de regras de processo administrativo em cada um destes entes, se remete às regras federais sem nenhum pejo de violação ao princípio federativo. A remissão às regras de processo administrativo somente pode ocorrer com expressa autorização legislativa.

E muitas vezes isso é aplicado, mesmo na constância de regras expressas

Então, no plano do dever-ser, como que deveria ocorrer a análise da prescrição nas faltas disciplinares? Primeiramente, destacamos que se deve olhar o assunto sob o prisma do Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul (Decreto n. 46.534/09).

O RDP regula a prescrição nos artigos 36 e 37:

Art. 36 - Considerar-se-á extinta a punibilidade pela prescrição quando, a partir do conhecimento da falta, não ocorrer a instauração do Procedimento Disciplinar no prazo de 30 (trinta) dias. (Alterado pelo Decreto 47.594/2010)

Parágrafo único - Nos casos de fuga, inicia-se o cômputo do prazo a partir da data do reingresso do preso no sistema prisional, oportunidade em que será comunicada imediatamente a recaptura ao Poder Judiciário para que proceda da forma do art. 22, III. (Alterado pelo Decreto 47.594/2010)

Art. 37 - O Procedimento Disciplinar deverá ser concluído no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da sua instauração, podendo ser prorrogado por 30 (trinta) dias na hipótese de justificada necessidade. (Alterado pelo Decreto 47.594/2010)

Parágrafo único - A prorrogação que trata o caput deste artigo será concedida pela autoridade administrativa a quem o Conselho Disciplinar estiver vinculado e, caso o procedimento não seja concluído no prazo previsto, será considerado prescrito.

A primeira coisa que se deve ter em mente é que faltas disciplinares são atribuição das Casas Prisionais, como já destacado alhures. Então, forçoso concluir que o Poder Judiciário não pode “determinar” que seja instaurado nenhum procedimento. O máximo que se poderia cogitar é do Poder Judiciário noticiar algum fato para a Direção do estabelecimento penal envolvido para que tome as providências que entender pertinentes (como instaurar um procedimento se ainda estiver no prazo legal). Porém, neste espectro de atuação, a Casa Prisional teria total liberdade para oficiar de volta, respondendo que entende não ser o caso de falta grave, por exemplo, ou mesmo que o fato já está prescrito pelo regimento penitenciário.

De qualquer forma, considerando-se a seara administrativa, deve-se analisar a data do fato e a data de instauração do PAD. Se superior a 30 dias, verifica-se prescrição. Da mesma forma, a prescrição ocorre se o procedimento se alongar além do permitido. Segundo a norma regimental gaúcha, o procedimento disciplinar deve ser concluído no prazo de sessenta dias, a contar da sua instauração, podendo ser prorrogado por trinta dias na hipótese de justificada necessidade.

O primeiro equívoco é entender que a prescrição tratada pelo RDP seria prescrição PENAL. De fato, dela não se trata. A prescrição penal, cuja competência exclusiva para legislar é da União, encontra-se regulada no Código Penal. Mas disso não se trata quando o assunto é faltas administrativas. As faltas disciplinares são faltas administrativas e como tais devem ser tratadas, circunscritas ao âmbito do poder disciplinar. Cabe, neste passo, destacar o art. 24 da Constituição Federal, que determina ser competência também dos Estados e Municípios (em conjunto com a União) legislar sobre direito PENITENCIÁRIO. E é aqui que se enquadram as regras de prescrição de faltas administrativas disciplinares, praticadas dentro do sistema penitenciário.

A sua repercussão penal, posterior, é outro assunto e que deve sofrer interpretação diversa (os efeitos penais do reconhecimento administrativo de uma falta grave é que recaem sob o olhar do Poder Judiciário). Mas a apuração, análise e sanção de uma alegada falta grave é um problema administrativo disciplinar, sujeito à legislação administrativa penitenciária. Neste passo, possível a análise da prescrição administrativa enquanto fato administrativo, ocorrido no âmbito disciplinar.

Logo, se o Juízo da VEC não pode se imiscuir em tarefas exclusivas da Direção Prisional (como o poder disciplinar), da mesma maneira não pode interferir em questões como a prescrição administrativa penitenciária.

A prescrição do Código Penal, que deve ser lida da maneira como registrado no acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (“não havendo prazo específico na Lei de Execuções Penais, para instauração do Procedimento Administrativo Disciplinar, usa-se por analogia o menor prazo prescricional disposto no art. 109 do CP, ou seja, 03 [três] anos”), deve assim ser entendida apenas para que o magistrado aplique aquelas chamadas “consequências legais”, se entender que é o caso de aplicá-las. Ou seja, notificado acerca do reconhecimento de uma falta grave, terá o magistrado até 3 (três) anos para decidir se: regride o regime do apenado, altera a data-base e decreta a perda de 1/3 da remição (digno de nota que pode optar por todas, nenhuma, apenas uma ou, até mesmo, a combinação de duas delas).

Dito de outro modo: a prescrição administrativa da falta disciplinar deve ser aquela prevista no regulamento administrativo respectivo (quando previsto nas legislações estaduais); já para os efeitos PENAIS do reconhecimento administrativo da falta (aplicação ou não dos “consectários legais”), daí sim será o caso de aplicação analógica do prazo prescricional do artigo 109 do Código Penal, por omissão da LEP.

Afinal, são esferas diferentes, a penal e a administrativa. Cada uma com regramentos próprios e consequências próprias. Tanto que a jurisprudência mansa e pacífica a respeito é a seguinte:

As instâncias das esferas civil, penal e administrativa são autônomas e não interferem nos seus respectivos julgados, ressalvadas as hipóteses de absolvição por inexistência de fato ou de negativa de autoria. (Precedente: RMS 26.510/ RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 26/3/2010) (RMS 26951 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 17-11-2015 PUBLIC 18-11-2015)

Dessa forma, é perfeitamente cabível que a prescrição administrativa tenha regramento diferenciado da prescrição penal. Uma esfera não interfere na outra. A prescrição administrativa atinge tão somente a pretensão da Direção da casa prisional em investigar e punir o apenado por uma alegada falta ADMINISTRATIVA.

Vejamos um outro caso. Por exemplo, o art. 142 da Lei 8112/90, que prevê os prazos de prescrição para a punição disciplinar no âmbito administrativo do servidor público federal. Ninguém dirá que a norma é inconstitucional. E por quê? Porque editada de forma escorreita, seguindo os trâmites legais e, também, porque as esferas administrativa e penal são independentes. Ninguém pensaria em dizer que os prazos do Código Penal teriam aplicabilidade às faltas ali previstas.

O Regimento Disciplinar Penitenciário (RDP) não é diferente. De fato, a única diferença é que o fundamento para a sua edição não está no artigo 22 da Constituição Federal, como equivocadamente se aponta, simplesmente porque ele não regula prazos de prescrição penal. Ele nunca pretendeu isso. Basta olhar o art. 1º dele para se perceber isso:

Este Regimento Disciplinar destina-se a estabelecer os princípios básicos da conduta, da disciplina, direitos e deveres dos presos no Sistema Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul

E, neste passo, ele se enquadra como norma afeita ao artigo 24 da Constituição da República, onde está a chamada competência concorrente/suplementar dos entes federativos:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Logo, a previsão normativa dos artigos 36 e 37 do RDP não tem nada de inconstitucional, pois regulam a prescrição para apuração de faltas ADMINISTRATIVAS, no âmbito do exercício do poder disciplinar inserido na atribuição dos Diretores de casas prisionais. Ou seja, trata-se de legislação PENITENCIÁRIA, que, por se inserir dentro do Poder Executivo (administração pública), acaba por se inserir na esfera do direito administrativo. Inclusive, não por outra razão, chama-se de Administração Prisional.

Assim, sendo a LEP omissa, incide a hipótese dos parágrafos do artigo 24 da CF/88 de exercício da competência suplementar. Ou seja, o Estado tem toda a legitimidade (competência plena) para editar normas que regulem matéria omissa na legislação federal, até que sobrevenha legislação federal a respeito. Portanto, perfeitamente constitucionais os artigos 36 e 37 do RDP.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 777), “Os Estados também podem suprir o rol de matérias do art. 24, I a XVI, da Constituição, colmatando possíveis vazios normativos, muitos dos quais oriundos da inércia do legislador.”

O mesmo se tira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn n. 3.098/SP:

O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não-cumulativa ou suplementar (art. 24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena "para atender a suas peculiaridades" (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º).

A “pá de cal” sobre o assunto parece vir, novamente, da lição de Guilherme de Souza Nucci (2007b. p. 942), que é de clareza solar:

Dessa maneira, é preciso frisar caber à União, privativamente, a competência para legislar em matéria de execução penal, quando as regras concernirem à esfera penal ou processual penal (art. 22, I, CF). Sob outro aspecto, quando envolver matéria pertinente a direito penitenciário, vinculada à organização e funcionamento de estabelecimentos prisionais, normas de assistência ao preso ou ao egresso, órgãos auxiliares da execução penal, entre outros temas correlatos, a competência legislativa é da União, mas concorrentemente com os Estados e Distrito Federal (art. 24, I, CF) (o grifo é nosso).

Na verdade, a confusão tem origem na questão já destacada pelo Min. Marco Aurélio Bellizze, em que Juízes acabam por interferir de maneira equivocada na atividade disciplinar – no próprio mérito administrativo –, que é atribuição exclusiva do Diretor das Casas Prisionais. A realidade é que cada um tem esferas próprias de atuação, com regramentos próprios, valendo o mesmo para a prescrição.

Dessa forma, aplicar o art. 109 do Código Penal a casos equivocados termina por afrontar de forma direta o dispositivo legal em questão, assim como atinge os artigos 22 e 24 da Carta Magna, de forma inclusive a permitir o manejo dos recursos extraordinários (Especial e Extraordinário).


8 CONCLUSÃO

Em função de tudo o que foi exposto, não restam dúvidas que o Poder Judiciário – junto com os demais atores judiciais – vem historicamente adentrando no mérito de atos administrativos, muito embora não tenha tido a intenção de fazê-lo. Ao permitir que se possa oficiar órgãos administrativos da forma como se faz hoje (ordenando a instauração de procedimentos disciplinares) e ao enfrentar o mérito dos atos administrativos (relegando o administrador prisional a um segundo plano, como se suas decisões não tivessem validade), o Poder Judiciário causa inúmeros transtornos e injustiças – muito embora, repita-se, não tenha sido essa jamais a sua intenção.

O acompanhamento da jurisprudência reiterada, assim como do dia-a-dia das Varas de Execuções Criminais, permite afirmar com absoluto grau de convicção que os Juízes (e os demais atores judiciais) dão tudo de si para fazer o sistema funcionar. Os agentes e serventuários envolvidos são verdadeiros guerreiros dentro do sistema público. Afinal, diferentemente de outras varas com competências mais glamorosas, a execução criminal não recebe a atenção que mereceria receber, até para implementar todas as políticas públicas que seriam necessárias. E a imagem junto à sociedade não é das melhores, pois quem atua perante a área prisional recebe olhares “duvidosos”, tendo em vista que lida com “bandidos” (fato que tem se agravado com as recentes questões envolvendo o agravamento da crise da Segurança Pública).

Nesse sentido, olha-se com parcimônia e afirma-se que, muito embora bem-intencionados, os agentes envolvidos acabaram por colaborar com uma injustiça gritante ao longo de anos de decisões “reiteradas”, sem jamais questionar os fundamentos e motivos dessas decisões. Nem mesmo Defensores, Promotores e Advogados passaram ilesos em relação a isso. A responsabilidade, decididamente, não é exclusiva do Poder Judiciário. O problema é que cabe a este a última palavra, o que acaba por deixá-lo mais em evidência, apenas isso. Mas devemos lembrar que a Magistratura decide a partir daquilo que lhe é apresentado.

Nesse passo, é importante que se dê a devida atenção aos problemas levantados neste estudo. É preciso sair daquela atuação “no automático” que o dia-a-dia impõe, para que se possa questionar o Processo de Execução Criminal com a profundidade que ele merece.

Assim, depois de tudo o que restou apresentado, algumas conclusões podem ser extraídas:

  • a competência para instaurar, conduzir a instrução do PAD, reconhecer a prática de uma falta grave e aplicar sanções administrativas é do Diretor do estabelecimento prisional
  • o Juízo da VEC não tem competência para determinar a instauração de PADs
  • o Juízo da VEC, igualmente, não tem competência para reconhecer ou deixar de reconhecer faltas graves
  • a competência do Juízo da VEC está restrita a aplicar (ou não) um ou alguns dos chamados “consectários legais” (que não são de aplicação obrigatória em qualquer caso)
  • se provocado, poderá o Judiciário exercer o controle de legalidade/constitucionalidade dos atos administrativos
  • Na ausência de provocação determinará (ou não) a regressão de regime, a alteração da data-base e a perda da remição (mas não poderá se imiscuir na competência do Diretor do Presídio, reconhecendo ou não a suposta falta grave).
  • a audiência de justificação é prescindível
  • diante da omissão na LEP, a prescrição de faltas disciplinares será aquela regrada nas legislações estaduais, quando houver essa previsão

Diante desse quadro de conclusões que o estudo impõe, e até para otimizar a atuação processual penal nos feitos atinentes à execução criminal, poder-se-ia sugerir inclusive a seguinte forma de agir, quando do aporte nos autos da notícia do reconhecimento administrativo de uma falta grave:

  • vista dos documentos para o Ministério Público e a Defesa (constituída ou Pública) para analisarem o procedimento e formularem as alegações pertinentes (se as entenderem necessárias);
  • na ausência de requerimentos, o Juiz apreciará se é o caso de aplicação (ou não) de uma, todas ou apenas algumas das consequências que entender cabíveis (regressão de regime, alteração de data-base e/ou perda da remição);
  • no caso de haver alegações, poderá então (agora devidamente provocado) declarar a ilegalidade/inconstitucionalidade, se entender que estas existem; ou, na hipótese de entender não haver nenhum vício, apreciar se é o caso de aplicação dos efeitos referidos no item anterior.

Proceder dessa maneira parece atender de forma conciliadora e integral a todos os princípios processuais mencionados acima, tanto os constitucionais como os legais. Da mesma forma, haveria um grande incremento de agilidade na procedimentalização dos PADS e na sua apreciação judicial (que inclusive dispensaria audiências desnecessárias). De outra banda, o apenado veria o seu direito apreciado com agilidade, fato que teria como efeito direto a própria pacificação das casas prisionais (hoje superlotadas, algumas à beira de um colapso).

Pode-se inclusive dizer que é semelhante a uma negociação do tipo “ganha-ganha” (do inglês “win-win negotiation”), pois: de um lado, ganha o apenado em justiça e celeridade; ao mesmo tempo, do outro lado, ganha o Poder Judiciário que, ao não precisar realizar audiências a esmo, pode direcionar o foco do seu trabalho para questões mais práticas, como a própria fiscalização prisional ou mesmo a análise dos pedidos formulados pelos jurisdicionados. Ainda, uma consequência feliz e inesperada da solução apresentada: ganha também o Poder Executivo, pois, não havendo mais necessidade de audiências de justificação, também não há mais a necessidade de transporte de presos, o que gera uma grande economia de recursos para o Estado.


9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Wellington Pacheco. Curso de processo administrativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 3ª edição, revisada e atualizada, de acordo com a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2009

FREITAS, Juarez. Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004

JESUS, Damásio de. Prescrição Penal. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001

JULIOTTI, PEDRO de JESUS. Lei de Execução Penal anotada. São Paulo: Editora Verbatim, 2011

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – parte geral – parte especial. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTILHOS, Everton Hertzog. Novas luzes sobre o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da execução criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5201, 27 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60500. Acesso em: 18 maio 2024.