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A Constituição de 1834: influências e reflexos na história do constitucionalismo brasileiro

A Constituição de 1834: influências e reflexos na história do constitucionalismo brasileiro

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Democrática, a Constituição de 1934, embora tenha vigorado por pouco tempo, representou o início de uma nova fase na vida do país: estabeleceu os primeiros direitos fundamentais e a dissociação dos Poderes, criou o Tribunal do Trabalho e a legislação trabalhista, dentre outras inovações. Conheça um pouco mais sobre esta Carta.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre os aspectos jurídicos ocorridos na Constituição brasileira de 1934. Em um primeiro plano, foram explanados os acontecimentos históricos que propiciaram a promulgação de dita Constituição, citaram-se o movimento de 1930, as alterações provocadas pelo Governo Provisório e a Revolução Constitucionalista de 1932. Discorreu-se, também, sobre os principais aspectos da Constituição em análise, demonstrando o aspecto democrático e inclusivo previstos pelo constituinte. Utilizaram-se legislação e doutrina pátria para o desenvolvimento do estudo. A reflexão sobre este período da história do Brasil se torna importante na atualidade, especialmente porque retrata como o país reagiu em momentos de crise política, instabilidade democrática e falta de efetividade das constituições. O método de abordagem empregado é o dialético. Utilizou-se a pesquisa exploratória. Quanto aos procedimentos técnicos, fez-se uso da pesquisa bibliográfica e da pesquisa documental.

Palavras-chave: Crise. Democracia. Direitos Fundamentais.


1 - Introdução

A história do constitucionalismo brasileiro apresenta uma alternância entre estado democrático e governo autoritário. Foram editadas oito constituições: as de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1969 e 1988.[1] Souza Neto e Sarmento (2016, p. 97) ensinam: “Se sobram consituições, faltou-nos constitucionalismo”, especialmente no período abordado no presente trabalho, marcado por dois golpes de estado.

O primeiro golpe, em 1930, determinou o fim da República Velha e o início de um período de quinze anos de preeminência política de Getúlio Vargas, primeiro como chefe do Governo Provisório, depois como presidente eleito indiretamente de acordo com as regras da Constituição de 1934 e, finalmente, a partir de novembro de 1937, como ditador, à frente do Estado Novo.

No período de 1934 a 1969, cinco constituições vigoraram no país, duas promulgadas, três outorgadas. Logo após a outorga da primeira Constituição em 1824, já surgiram os primeiros movimentos sociais de descontentamentos, até a elaboração da terceira Constituição brasileira, em 1934.

Vários conflitos antecederam o texto constitucional de 1934, dentre os quais merecem destaque o Cangaço Nordestino (1896 a 1939), a Revolta da Chibata (1910), a Guerra do Contestado (1912 a 1916) e a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (1922). Na época, o ambiente constitucional externo era de crise do liberalismo. O constitucionalismo social procurava conciliar respeito aos direitos individuais e a democracia como promoção da igualdade material e por meio de direitos sociais da intervenção do Estado na economia (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016,  p. 117).

O objeto do presente trabalho é a análise do texto constitucional de 1934, abordando o momento político, social e econômico do país. A reflexão sobre este período da história do Brasil se torna importante na atualidade, especialmente porque retrata como o país reagiu em momentos de crise política, instabilidade democrática e falta de efetividade das constituições. Como bem assinalou Miguel Reale, “a vida do Direito é o diálogo da história”.

O método de abordagem utilizado é o dialético, o que possibilitou verificar com mais rigor o objeto em análise, justamente por ser posto frente a frente com o teste de suas contradições possíveis.

Concernente ao tipo de pesquisa, quanto aos propósitos, utiliza-se, ao longo deste trabalho, a pesquisa exploratória, pois, como ensina Antônio Carlos Gil (1996, p. 45), ela “[...] tem por objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses”. A intenção principal é o “aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições”. Quanto aos procedimentos técnicos, empregam-se a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental.

Como referencial teórico, o trabalho está ancorado nas obras de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, Direito Constitucional, história e método de trabalho, e de Gilberto Cotrim, História e consciência do Brasil.


2 - O Brasil no período de 1930-1942: agricultura, indústria e classe operária 

O período de 1930 a 1942 é marcado pelas dificuldades acarretadas pelo grande choque da depressão mundial, pela retomada após 1933, revertida com a crise norte-americana de 1937, e pelas dificuldades associadas ao início da Segunda Guerra Mundial. Na esteira da crise aumentou consideravelmente o peso do Estado na economia. Teve continuidade a intervenção na política cafeeira – embora transferida do controle paulista para o controle do governo federal – e multiplicaram-se as iniciativas estatais no domínio da economia, inicialmente com ênfase no terreno normativo.

Somente a partir do final dos anos 1930 começa a ganhar corpo o Estado produtor de bens e serviços, em muitos casos por meio de sociedades de economia mista, das quais o governo federal era acionista majoritário. A crise externa acarretou forte desvalorização cambial, que, conjugada à modesta redução do nível de atividade e ao controle de importações em muitos momentos na década de 1930, gerou forte reorientação da demanda em benefício de produtores domésticos em concorrência com importações. A partir de 1930, ganhou raízes mais profundas um modelo que já se podia vislumbrar em versão mais branda na República Velha, calcado em intervenção estatal e alta proteção (ABREU, 1999, p. 1).

A economia brasileira, baseada na agricultura, produção de matéria-prima e gêneros tropicais, destinados à exportação, enfrentava as oscilações do mercado internacional.  O café, principal produto de exportação desde o império, contribuiu para a expansão capitalista, promovendo o desenvolvimento de rede ferroviária, a ampliação dos portos e serviços urbanos. Difundiu o trabalho assalariado no campo e na cidade, possibilitou o aumento no mercado consumidor e estimulou a produção manufatureira e industrial, chegando a abastecer dois terços do mercado mundial.

Com o aumento da produção interna e dos novos concorrentes Colômbia, Nicarágua e das Colônias Africanas de países europeus, que despejavam cada vez mais café nos mercados internacionais, ocorre uma queda brusca no preço da saca (COTRIM, 2002, p. 244-245).

Dadas a crise do café e a Primeira Guerra Mundial, a indústria brasileira se desenvolve para atender à demanda interna. Em 1889 havia no Brasil pouco mais de 600 fábricas e 54.000 operários. Trinta e um anos depois, em 1920 havia 13.336 fábricas e 275.000 operários, 233 usinas de açúcar com 18.000 operários, 231 salinas com 5.000 operários, 31% delas em São Paulo, 13,3% no Rio Grande do Sul, 11,5% no Rio de Janeiro e 9,3% em Minas Gerais. Trinta por cento dos trabalhadores eram mulheres e crianças que trabalhavam por baixos salários e em condições subumanas. A classe média assume funções no comércio, bancos e repartições públicas (COTRIM, 2002, p. 248).

Por causa dos constantes acidentes de trabalho envolvendo principalmente crianças e dos baixos salários e longas jornadas sem descanso, iniciam-se os primeiros protestos e reivindicações. Surgiram assim os primeiros sindicatos e organizações operárias para lutar pelos seus direitos, destacando-se o anarquismo, ideia trazida, sobretudo, pelos imigrantes pelos italianos.

Em julho de 1917, ocorre a primeira grande greve da história brasileira. Mais de 50 mil operários vão para as ruas, fazem passeatas, comícios e piquetes, levantam barricadas para se defender da polícia. Assustados com o movimento, o governo e os industriais resolvem negociar. Caso todos voltassem ao trabalho, prometeram não puni-los, aumentar os salários e melhorar as condições de trabalho, mas essas concessões eram provisórias (COTRIM, 2002, p. 249).

Em 1922 é fundado o Partido Comunista Brasileiro (PCB), inspirado na vitória dos comunistas da Revolução Soviética de 1917, que representava a esperança de uma vida justa e digna para os operários.[2]


3 - Era Vargas

Getúlio Vargas é uma das figuras políticas mais representativas do Brasil e, também, uma das mais difíceis de se definir. À época em que governou dividiu opiniões. Foi ditador, foi democrático, foi polêmico, controverso. Não obstante foi responsável pelo desenvolvimento econômico, pela nacionalização e valorização das riquezas do Brasil. A ele devemos a criação de importantes empresas estatais como, por exemplo, a Petrobras, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Usina de Volta Redonda.

 O governo getulista pode ser dividido em três grandes fases: governo provisório (1930 a 1934); governo constitucional (1934 a 1937); governo ditatorial (1937 a 1945).

3.1 - O Governo Provisório (1930 a 1934) 

Em 1929, as lideranças de São Paulo deram fim à aliança com os mineiros, conhecida como “política do café-com-leite”, recomendando o paulista Júlio Prestes (PRP) como candidato à presidência da República. Os mineiros apoiavam o governador mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Com essa ruptura entre o PRP e o PRM nasce a Aliança Liberal, oriunda da união entre Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, lançando o governador gaúcho Getúlio Vargas para presidente da República e o governador paraibano João Pessoa para vice-presidente. A Aliança Liberal trazia um programa de reforma com alguns avanços, dentre eles: a instituição do voto secreto; a criação de leis trabalhistas e o incentivo à produção industrial (COTRIM, 2002, p. 267-268).

Em março de 1930, foram realizadas as eleições para presidente da República, eleições estas que deram a vitória ao candidato paulista Júlio Prestes. As lideranças dos estados que formaram a Aliança Nacional se recusam a aceitar este resultado, acusando de fraudulenta tal eleição. A revolta ganha força com o assassinato de João Pessoa, governador da Paraíba, por motivos pessoais e políticos.

Em 3 de outubro estoura a luta armada nos estados de Minas, Rio Grande do Sul, Paraíba e Pernambuco. Reconhecendo o avanço da guerra civil, os militares do Rio de Janeiro, liderados pelos generais Mena Barreto e Tasso Fragoso, depõem o presidente Washington Luís no dia 24 de outubro, e o poder é entregue a Getúlio Vargas. Prestes é exilado e Getúlio assume a chefia do "Governo Provisório" em 3 de novembro de 1930, data que marca o fim da República Velha, e dá-se início à primeira forma de legislação social e de estímulo ao desenvolvimento industrial (COTRIM, 2002, p. 268).

Recebendo o poder, Getúlio Vargas tratou de tomar medidas para assumir o controle político do país. Nomeou ministro de Estado de sua inteira confiança e, entre as suas primeiras providências, dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais, concentrando nas mãos do Governo Provisório o Poder Executivo e Legislativo em todas as suas funções e atribuições até a aprovação da nova Constituição. Também extinguiu os partidos políticos, além de ter suspendido a Constituição Republicana de 1891 e suas garantias, nomeado interventores para chefiar os governos estaduais, os quais indicariam prefeitos para todos os municípios (CLÁUDIO NETO; SARMENTO, 2016, p. 116).

Os “revolucionários” que apoiaram a chegada de Getúlio Vargas ao poder não constituíam uma corrente única e homogênea. O grupo era formado por elementos de diversas tendências políticas, dentre as quais se destacavam o Tenentismo[3] e as Oligarquias Estaduais (Minas e Rio Grande do Sul).[4]

Na qualidade de chefe da Revolução, Getúlio Vargas empenhava-se em evitar choques políticos entre os grupos que o apoiavam. Exercia o papel de mediador político, procurando harmonizar, na medida do possível, as diferentes forças sociais.

O governo de Getúlio Vargas, que no período de 1930 a 1934 tinha tomado medidas de emergência para combater a crise internacional (como comprar e queimar sacas de café e organizar os sindicatos para que eles fossem subordinados ao governo e, com isso, conter as tensões sociais, prática conhecida como populismo), precisava agora de uma base legal que o sustentasse e confirmasse no poder. Essa base seria a Constituição de 1934.

3.2 - Revolução Constitucionalista de 1932 (Revolta de São Paulo)

A Revolução Constitucionalista é também conhecida como Revolução de 1932 ou Guerra Paulista e foi o movimento armado ocorrido no estado de São Paulo, entre julho e outubro de 1932. Tinha por objetivo derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

O movimento cresceu a partir do ressentimento local, com o fato de Vargas governar por decreto, sem uma Constituição e em um governo provisório. O golpe de Estado também afetou São Paulo, ao corroer a autonomia que os estados brasileiros gozavam durante a vigência da Constituição de 1891. Foi a primeira grande revolta contra o governo de Getúlio Vargas (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p. 116).

De acordo com Hannah Arendt (1971, p. 34), as revoluções têm sua origem na época moderna e são os únicos acontecimentos políticos em que encaramos inevitavelmente o problema do recomeço súbito da história. Como experiência de um novo princípio, a ideia de liberdade também é crucial nas revoluções, na medida em que significa não apenas a liberdade constitucional, mais antiga, mas o ato de tornar os três grandes direitos – vida, liberdade e propriedade –, inalienáveis aos homens. Esta relação implica algo que modifique a textura da sociedade, a partir da ideia criada pela Revolução Americana, em que, pela primeira vez, a pobreza aparece não mais como condição inseparável da humanidade.

No caso em estudo, o governo Vargas foi revelando aos poucos, suas principais características: centralizador, preocupado com a questão social dos trabalhadores e interessado em defender as riquezas nacionais. Isso logo assustou a oposição política de São Paulo, que, de fato, desejava a volta da República Velha.

Para enfrentar o governo de Vargas, a oligarquia paulista do PRP formou uma frente única com o Partido Democrático (PD), que tinha apoiado a Revolução de 1930, mas estava descontente com a nomeação do interventor João Alberto Lins e Barros para governar São Paulo (COTRIM, 2002, p. 270).

Conforme o movimento e o ressentimento contra o presidente Vargas ganhavam força e seu governo revolucionário se estabelecia, o Governo federal passou a especular que uma das metas dos revolucionários era a secessão de São Paulo da federação brasileira. No entanto, o argumento separatista foi usado como tática do governo Vargas para instigar a população do resto do país contra os paulistas. Não há evidência de que os comandantes do movimento procuravam a independência de São Paulo (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p. 116).

Em poucos meses, o Estado de São Paulo se rebelou contra o governo federal. Contando com a solidariedade de parte das elites políticas dos Estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os políticos de São Paulo esperavam uma guerra rápida. No entanto, a revolta de São Paulo foi militarmente esmagada em 2 de outubro de 1932.


4 - Em meio aos conflitos nasce a Constituição brasileira de 1934

O primeiro passo para a Constituinte foi dado em 14 de maio de 1932, quando o Governo Provisório edita o Decreto nº 21.402, que fixa o dia 3 de maio de 1933 para as eleições da Assembleia e cria a comissão para elaboração do anteprojeto. Em 1º de novembro de 1932 foi editado o Decreto 22.040, que regulamentou tal comissão e fixou um quórum de um terço de seus membros para a instalação de suas reuniões e de maioria absoluta para as deliberações (POLETTI, 2012, p. 15-16).

Uma primeira intervenção de João Mangabeira, na segunda sessão, marca bem o tom dos debates e a preocupação, até aquele momento inédita, na condução histórica dos nossos assuntos de governo. Está registrado na ata: “[...] todas as Constituições modernas têm como orientação acabar com as desigualdades sociais. Se a Constituição brasileira não marchar na mesma direção, deixará de ser revolucionária para se tornar reacionária” (POLETTI, 2012, p. 17).

O anteprojeto procurava coibir os excessos do ultrafederalismo e buscava fortalecer a União, submetendo-lhe às políticas militares, que se constituíam em famosos exércitos policiais, organizados pelos estados à revelia do Poder Central, que sobre elas nenhuma autoridade exercia (POLETTI, 2016, p. 20).

Era evidente a troca de classe dominante: antes a oligarquia cafeeira, agora industriais, classe média e militares, exceto em Minas Gerais e Rio Grande do Sul, onde PRM e PRR continuavam no domínio da política. A nova constituição precisaria refletir isso. Na Europa, os regimes fascistas e autoritários estavam em ascensão. A influência da constituição de Weimar, que estabelecia uma república federalista com executivo forte, foi muito grande. Também a constituição da Espanha de 1931 foi fonte de inspiração para os criadores da carta brasileira – em sua maior parte, pessoas do próprio governo.

Em 5 de abril de 1933 é editado o Decreto nº 22.621, dispondo sobre a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, seus componentes e regimento interno. A Constituinte seria composta por 254 deputados, sendo 214 eleitos pelo sistema proporcional e 40 representantes classistas eleitos pelos sindicatos (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p.118).

No dia 15 de novembro de 1933 é instalada a Constituinte, e a Comissão Constitucional passa a apreciar o anteprojeto da Comissão do Itamaraty, composta por 26 membros (um de cada Estado, um do Distrito Federal, um do território do Acre, e quatro representantes classistas), sendo presidida pelo jurista Carlos Maximiliano. Em março de 1934 essa Comissão apresenta o parecer e o substituto do anteprojeto. A Assembleia Constituinte trabalhou neste substituto do anteprojeto até 16 de julho de 1934, data da promulgação da nova Constituição (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p.118 ).

A Constituição brasileira de 1934, promulgada em 16 de julho pela Assembleia Nacional Constituinte, foi redigida "para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico" (BRASIL, 1934), segundo o próprio preâmbulo. O cumprimento à risca de seus princípios, porém, nunca ocorreu. Ainda assim, ela foi importante, por institucionalizar a reforma da organização político-social brasileira – não com a exclusão das oligarquias rurais, mas com a inclusão dos militares, classe média urbana e industriais no jogo de poder. 

4.1 - Características da Constituição de 1934

Com a manutenção dos princípios básicos da carta anterior, o Brasil continuava sendo uma república dentro dos princípios federativos, ainda que o grau de autonomia dos estados fosse reduzido.

            Ocorreu a dissociação dos poderes, com independência do Executivo, Legislativo e Judiciário, além da eleição direta de todos os membros dos dois primeiros. O Código eleitoral formulado para a eleição da Constituinte foi incorporado à Constituição. 

O Poder Legislativo seria composto pela Câmara dos Deputados, com a colaboração do Senado Federal (Art. 22), e por dois tipos de representantes, ambos com quatro anos de mandato: os representantes do povo, eleitos por sufrágio universal e direto, pelo sistema proporcional, e os representantes das profissões equivalentes a um quinto da representação popular (Art. 23) eleitos indiretamente pelas associações (pecuária, comércio, indústria, profissional liberal e funcionário público) (BRASIL, 1934).

O Senado promoveria a coordenação entre os poderes federais, manteria a continuidade administrativa, velaria pela Constituição, colaboraria na feitura das leis e praticaria os demais atos de sua competência (Art. 88). Não participaria do processo Legislativo, salvo para tratar de temas definidos pela própria Constituição (Art. 91) (BRASIL, 1934).

A criação do Tribunal do Trabalho e respectiva legislação trabalhista, incluindo o direito à liberdade de organização sindical, voltado para dirimir questões entre trabalhadores e empregados regidos pela legislação social (Art.122), foi inscrita no âmbito da esfera do Executivo (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p.120).

A Constituição de 1934 também cuidou dos direitos fundamentais: a) o direito de todos à educação, com a determinação de que esta desenvolvesse a consciência da solidariedade humana; b) a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, inclusive para os adultos, e intenção à gratuidade do ensino imediato ao primário; c) o ensino religioso facultativo, respeitando a crença do aluno; d) a liberdade de ensinar e garantia da cátedra; e) o princípio da igualdade perante a lei, instituindo que não haveria privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissão própria ou dos pais, riqueza, classe social, crença religiosa ou ideias políticas; f) a obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer prisão ou detenção ao juiz competente para que a relaxasse e, se ilegal, requerer a responsabilidade da autoridade coatora; g) o habeas-corpus, para proteção da liberdade pessoal, e o mandado de segurança, para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade; h) a proibição da pena de caráter perpétuo; i) a isenção de impostos ao escritor, jornalista e ao professor; j) a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; k) o voto feminino, direito há muito reivindicado, que já havia sido instituído em 1932 pelo Código Eleitoral do mesmo ano (BRASIL, 1934).

Democrática, a Constituição de 1934 representou o início de uma nova fase na vida do país, entretanto vigorou por pouco tempo, entre julho de 1934 e 10 de novembro de 1937.

Referem Souza Neto e Sarmento (2016, p. 122):

Em 11 de julho de 1935, invocando a Lei de Segurança Nacional recém-editada, que proibia a existência de partidos que visassem à subcesão, pela ameaça ou violência, da ordem política nacional, o Governo dissolve a Aliança Nacional Libertadora, adotando como pretexto um discurso de Luís Carlos Prestes, seu Presidente de honra, que clamara pela derrubada do “governo odioso” de Vargas. Meses depois, eclode a Intentona Comunista, rebelião militar armada, que atingiu as cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro. A partir de então, as instituições políticas de 1934 só conservariam a aparência de vida.

Vargas inicia sua fase de autoritarismo ascendente, e o Congresso aprova em 18 de dezembro de 1935 três emendas constitucionais autorizando o Presidente a declarar a comoção intestina grave em qualquer parte do território nacional. Para tanto, autorizou o poder Executivo a punir servidores militares e civis envolvidos em movimentos subversivos das instituições sociais. Em 21 de março de 1936, Vargas declara comoção intestina grave por noventa dias e a prorroga sucessivamente por mais três vezes.

A partir de 1936, iniciam-se as articulações para novas eleições. Lançaram-se como candidatos Armando Salles de Oliveira, de esquerda, e José Américo de Almeida, da situação. Como a Constituição de 1934 não admitia reeleição, parte da sociedade que era a favor do governo defendia o “continuísmo”, que seria a manutenção de Vargas no poder. Nesse ambiente e se sentindo ameaçado, Vargas, por meio do general Góes Monteiro, divulga em 30 de setembro de 1937 um suposto plano comunista para tomada de poder, que ficou conhecido como Plano Cohen, levando o Congresso a aprovar declaração de estado de guerra.

Em 10 de novembro de 1937, tropas da Polícia Militar e do Exército cercam o Congresso, impedindo os parlamentares de entrarem. À noite Vargas divulga, via rádio, uma “Proclamação ao Povo Brasileiro” justificando a ruptura da Constituição e a outorga da Nova Carta. Essa Carta foi essencial, pelo fato de a de 1934 não ter sido capaz de assegurar a paz e o bem-estar da nação, necessária em razão da “profunda infiltração comunista” (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p. 122-124). Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas outorga a Constituição de 1937, redigida por Francisco Campos – intelectual de forte inclinação autoritária.


Considerações finais

Como se fez notar, foram o movimento de 1930, as alterações provocadas pelo Governo Provisório e a Revolução Constitucionalista de 1932, que esculpiram o ano de 1934.

Assim, e de diferente modo não poderia ter sido, visto que a tônica da Constituição de 1934 recaiu sobre o Estado social. Evocavam-se os anseios da sociedade, amparados pelo forte teor social, incutido à Constituição de 1934 mediante a introdução dos direitos sociais, que, embora se impusessem dominantes, não suprimiram os direitos individuais já estabelecidos pela primeira declaração republicana, mas proporcionaram-lhes dimensão nova.

A Constituinte, recheada das mais diversas correntes de pensamento, uma vez que composta por deputados “classistas”, representantes dos empregados e dos empregadores, de profissionais liberais e de funcionários públicos, foi acolhida com entusiasmo pela população, o que, vale lembrar, não ocorreu em vista da primeira Constituinte republicana.

Manteve-se o Brasil como uma república democrática, liberal e federativa. Se teria sido boa para os interesses da nação e funcional para o sistema político do País, isso só o tempo poderia dizer e, para a Constituição de 1934, o tempo foi ligeiro. Por isso, o teste de democracia moderna no Brasil teria de aguardar até 1946, quando a outra constituição liberal-democrática foi promulgada.


Referências

ABREU, Marcelo de Paiva. O Brasil e a economia mundial: 1930-1945, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Lisboa: Moraes Editores, 1971.

ARRUDA, Marcos; CALDEIRA, Cesar. Como surgiram as Constituições brasileiras. Rio de Janeiro: FASE, 1986.

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: Senado, 1934. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitestream/handle/id/137602/Constituicoes_Brasileiras_v3_1934.pdf?sequence-10>. Acesso em: 28 abr. 2014.

COTRIM, Gilberto. História e consciência do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2002.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1994.

PACHECO, Cláudio. Tratado das Constituições brasileiras. 14 v. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957-1965.

PEREIRA DE SOUZA NETO, Cláudio; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional, teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

POLETTI, Ronaldo. Constituições brasileiras. v. III, 3. ed. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publlicações, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012.

VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v. 8. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.


Notas:

[1] Embora promulgada como Emenda à Constituição de 1964, muitos constitucionalistas consideram se tratar de uma nova Constituição.

[2] Fundado em 1922, na esteira da euforia mundial socialista provocada pela Revolução Bolchevique, vitoriosa na Rússia em 1917, perdurou até 1992, sendo extinto por seus próprios militantes, por ocasião de seu X Congresso.

[3] Buscavam a centralização do poder, a nacionalização das riquezas do país e se opunham ao coronelismo, que contaminava o sistema eleitoral. Para que alcançassem seus objetivos, necessitavam de tempo. Por isso, apoiavam o governo provisório, viabilizando assim as mudanças sociais que gostariam de implantar.

[4] Desejavam que o governo convocasse uma Assembleia Nacional Constituinte para elaborar nova Constituição para o país. O plano de setores mais tradicionais da oligarquia (São Paulo) era recuperar o poder através de novas eleições, já que confiavam no seu domínio dos mecanismos do sistema eleitoral



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Tatiane Alves; ORRO PRIETO , Carla Janaina. A Constituição de 1834: influências e reflexos na história do constitucionalismo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5319, 23 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55403. Acesso em: 17 maio 2024.