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O dano existencial como indenização extrapatrimonial autônoma

O dano existencial como indenização extrapatrimonial autônoma

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O instituto do direito existencial, de origem italiana, vem gerando discussões doutrinárias e jurisprudências, pode situar-se como uma espécie do gênero dos danos imateriais?

RESUMO: A proposta do presente trabalho foi a análise do instituto do direito existencial, de origem italiana, que vem gerando discussões doutrinárias e jurisprudências, situando-o como uma espécie do gênero dos danos imateriais previstos no âmbito da responsabilidade civil. Teve como objetivo a distinção do dano existencial em relação aos outros direitos de mesma espécie, bem como se verificou a possibilidade de cumulação entre estas, além da formulação de seu conceito como sendo os danos e as graves limitações em relação à vida pessoal do indivíduo, ou impedimento deste de usufruir das diversas formas de relações pessoais e sociais.

Para o desenvolvimento da pesquisa foi feito uso de instrumentos como pesquisas bibliográficas, artigos científicos e o detalhamento comparativo entre a Constituição Federal e as leis positivadas. Foram utilizados ainda os recentes julgados dos Tribunais Superiores acerca do tema, propondo-se à análise das diversas posições acerca do problema apresentado. Concluiu-se pela constatação da autonomia do direito existencial, enquanto direito extrapatrimonial, efetivando os ditames constitucionais de proteção máxima aos direitos da personalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Direito existencial. Responsabilidade civil. Personalidade.


1.INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil se mostra com um dos temas mais dinâmicos do Direito, pois a reparação dos danos causados a outrem deve acompanhar a evolução das relações sociais. Nesse contexto, surge a figura do dano existencial, que se configura como um novo tipo de direito extrapatrimonial, ainda tímido no ordenamento jurídico nacional, mas que vem ganhando cada vez mais relevância.

A problemática deste trabalho girará em torno da questão do dano existencial como um dano extrapatrimonial autônomo e não como uma espécie do dano moral, bem como se existe a possibilidade de se cumula-lo com outras espécies de dano.

Uma das hipóteses que será levantada é a de que o dano existencial deve ser considerado como um dano diverso do dano moral na medida que os elementos caracterizadores deste último não se coadunam com a conceituação de dano existencial.

Nesse sentido, considerar o dano existencial como uma modalidade de dano moral, pode ensejar um prejuízo maior ainda para a vítima, pois com isso, o dano moral abarcaria grande parte dos prejuízos causados à pessoa, colocando em cheque o princípio da reparação total/integral, vigente em nosso ordenamento jurídico.

Não obstante, assim como o dano estético, já reconhecido e consagrado pela doutrina e jurisprudência, a cumulação do dano existencial com o dano moral, por exemplo, seria plenamente possível haja vista se tratarem de danos distintos, ensejando responsabilidade pelo causador do prejuízo, quando de sua configuração.

Assim, a possibilidade de sua cumulação com outros danos é plenamente possível no âmbito civilista haja vista o reconhecimento do mesmo na seara trabalhista, considerando que em nada diverge no que diz respeito a suas consequências para a vítima, esteja sua existência configurada na relação empregatícia ou na relação civil.

O objetivo geral será demonstrar o dano existencial como direito autônomo que pode ser pleiteado cumulativamente com outros direitos. No que tange aos objetivos específicos, estarão inseridos o de contextualizar e conceituar dano existencial, especificar os danos extrapatrimoniais, demonstrar a viabilidade da cumulação do dano existencial com outras espécies de dano, identificar as características diferenciadoras do dano existencial em relação ao dano moral, verificar as decisões jurisprudenciais acerca do reconhecimento da autonomia do dano existencial, tratar sobre o princípio da reparação integral, já que o mesmo norteia a relação de responsabilidade civil.

O tema do presente trabalho se justifica pois desde o início da história do direito já se ouve falar sobre as formas de reparação pelo dano causado a outrem. A responsabilização pelo dano provocado ao patrimônio de outra pessoa, teve, com o passar dos anos uma evolução significativa, saindo dos métodos temerosos adotados na época em que vigorava a lei de talião, onde o corpo humano servia como objeto de reparação, até chegar aos métodos atuais de responsabilização, onde esta, não pode ultrapassar o patrimônio material do indivíduo causador do dano.

O princípio da dignidade da pessoa humana, em muito contribuiu para que os temidos métodos de reparação outrora adotados fossem modificados, utilizando-se agora de um método mais humanístico de reparação, sem, no entanto, deixar a vítima do dano desamparada.

No ordenamento jurídico nacional, vigora o princípio da reparação total, segundo este, a vítima deve ser reparada de tal forma que a deixe o mais próximo ao estado em que se encontrava antes do dano sofrido. Não obstante, em certos casos, o dano causado extrapola o mero dano material, causando, não muito raro, danos que se conhecem atualmente como extrapatrimoniais, a exemplo do dano moral, estético e o existencial, que ora se apresenta como uma nova espécie de dano extrapatrimonial.

A figura do dano existencial é relativamente nova em nosso ordenamento e, em virtude disso, configura-se um debate na doutrina e jurisprudência acerca de sua configuração e aplicação.

O presente estudo foi motivado justamente por esse debate existente principalmente no sentido de se saber se o dano existencial se configura ou não como uma nova espécie de dano, alheio a ideia de dano moral, a exemplo do dano estético que teve a sua autonomia reconhecida e sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça.

O tema tem ganhado relevância jurídica, tendo em vista que alguns tribunais brasileiros já se posicionam favoráveis ao reconhecimento e à cumulação de tal direito quando da reparação do dano. Especialmente na área trabalhista os juristas vêm reconhecido tal direito ao trabalhador que tem o seu planejamento de vida afetado de maneira negativa por consequência das ações proibidas e ilícitas do empregador.

Sendo assim, torna-se pertinente a análise e o estudo de tal direito, na tentativa de esclarecer melhor o seu conceito, e a possibilidade de sua aplicação, na medida que a divergência doutrinaria e jurisprudencial acerca de tal tema acaba por ocasionar insegurança jurídica ao lesado.

A contribuição teórica para a comunidade científica será a análise do dano existencial nos seus mais variados aspectos, ressaltando-se o tratamento constitucional, legal e jurisprudencial acerca da possibilidade de seu reconhecimento especialmente no que tange ao reconhecimento de sua autonomia.

A contribuição prática da pesquisa será revelada na medida em que a sociedade tomará conhecimento da existência de mais um direito que lhes é garantido e que apesar dos conflitos existentes há a possibilidade de sua aplicação, pois, como se mostrará no desenrolar do presente trabalho, alguns tribunais brasileiros já têm reconhecido este direito, bem como a sua autonomia. A sociedade estará sendo informada que o reconhecimento de tal direito como direito autônomo, estará se consagrando o princípio da reparação integral.

Quanto à natureza, a pesquisa será um resumo das principais posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do reconhecimento e da autonomia do dano existencial, bem como dos princípios e normas que dão embasamento ao estudo sobre o referido direito e as outras espécies de dano extrapatrimonial.

Quanto aos objetivos, a pesquisa será explicativa, na medida em que se fará uma análise do cabimento do direito ao dano existencial, abordando o surgimento histórico desse direito, os princípios norteadores a lei e principalmente, as posições sobre a sua admissibilidade no âmbito da reparação civil.

 Para o desenvolvimento da pesquisa far-se-á uso de instrumentos como pesquisas bibliográficas, artigos científicos e o detalhamento comparativo entre a Constituição Federal e as leis positivadas. Será utilizado ainda, os recentes julgados dos Tribunais Superiores acerca do tema, propondo-se à análise das diversas posições acerca do problema apresentado.

Quanto ao método de abordagem, a pesquisa privilegiará o dedutivo, onde serão enumerados minunciosamente fatos e argumentos a fim de que se chegue ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio da reparação integral, que justifica o posicionamento acerca do reconhecimento e a autonomia de tal direito aos que forem vítimas do dano existencial.

Quanto aos métodos de procedimento, far-se-á o uso do método comparativo, na medida em que se fará um paralelo sobre as várias posições adotadas pelo Judiciário em relação ao reconhecimento do dano existencial, bem como o método histórico, haja vista ser necessário entender como ocorreu a evolução dos entendimentos jurisprudenciais no mundo acerca desse direito, para, assim, entender a possibilidade de sua aplicação no contexto fático brasileiro.

Quanto à técnica de pesquisa, será utilizada a documentação indireta, baseada em estudos bibliográficos que abrangem a doutrina civilista acerca da responsabilidade civil, códigos, artigos científicos, bem como, a jurisprudência dos tribunais.

Para selecionar e organizar as ideias, far-se-á o uso de resumos e resenhas com a finalidade de sistematizar o conteúdo da pesquisa, possibilitando, assim, a sua total compreensão.


2.CONTEXTO HISTÓRICO

É possível se afirmar que o surgimento do dano existencial se deu de fato na Itália, na década de 1990. Os professores da Universidade de Trieste, Paolo Cendon e Patrizia Ziviz utilizaram pela primeira vez a expressão dano existencial para identificar e agrupar casos que não poderiam se enquadrar nas outras espécies de dano já consagradas na Itália até então.

Assevera o professor Facchini Neto (2012, p. 239) que:

Paolo Cendon, professor daquela universidade, juntamente com a professora Patrizia Ziviz, analisando a jurisprudência sobre danos biológicos, identificaram vários casos que, a rigor, não poderiam ser decididos sob aquele rótulo. Em artigos doutrinários escritos para a Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, nos anos de 1993,94, cunharam a expressão danno esistenziale para agrupá-los.

Como bem lembra o professor, um dos casos mais emblemáticos para a identificação do dano existencial   foi julgado pela corte de cassação italiana, em decisão de nº 8.827, julgada em 31 de maio de 2003.

O caso judicial se refere a uma circunstância de erro médico ocorrido durante um parto cesáreo, em que uma criança nasceu tetraplégica e com atrofia cerebral, destinada a viver irreversivelmente em estado vegetativo, menciona o autor, que além dos danos patrimoniais, dos danos biológicos do filho e dos danos morais, os pais sofreram um específico tipo de dano, denominado de dano existencial. (FACCHINI NETO, 2012)

Na França, também é possível se verificar situações onde se reconhece o dano existencial, embora com outra nomenclatura. Cita-se como exemplo: “préjudice d’établissement”, indeniza-se a perda da esperança de se seguir uma vida normal, a vítima se vê constrangida a renunciar algo que afetará o seio familiar, como por exemplo, a perda da chance de se casar; “préjudice d’accompagnement”, aqui, procura-se indenizar o parente de uma pessoa acometida por uma doença grave e que tem sua rotina de vida completamente mudada. No contexto francês outros exemplos de danos equivalentes ao dano existencial também podem ser mencionados, como o “préjudices extra-patrimoniaux exceptionnels”; “préjudices extrapatrimoniaux évolutifs”; “préjudice d’agrément” (dano ao lazer). (FACCHINE NETO, 2012).

No Brasil, a tutela dos direitos da pessoa foi ganhando novas dimensões com o decorrer do tempo, o que antes se tinha como uma “quase utopia”, hoje, se tem por realidade, ainda mais com o advento da Constituição Federal de 1988, que abarcou de maneira humanística a proteção dos direitos da pessoa, pautada na ideia da dignidade da pessoa humana protegendo o indivíduo de qualquer espécie de dano ou ofensa.

Assim aduz Almeida Neto (2012 apud LORA, 2013, p. 13):

Quando a Constituição Federal elencou no seu art.1º, III, a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República, consagrou a obrigatoriedade da proteção máxima à pessoa por meio de um sistema jurídico-positivo formado por direitos fundamentais e da personalidade humana, garantindo assim o respeito absoluto ao indivíduo, propiciando-lhe uma existência plenamente digna e protegida de qualquer espécie de ofensa, quer praticada pelo particular, como pelo Estado.

Isto posto, percebe-se que a Constituição Federativa do Brasil, ao elencar na sua prolixidade os direitos e garantias do indivíduo, objetivou a proteção do mesmo, de maneira plena, concedendo além dos direitos em si, as garantias para que os mesmos sejam efetivados, e é pautado nessa ideia, que a admissão do dano existencial no ordenamento pátrio se torna possível.

Ao discorrer sobre o dano existencial no âmbito jurídico brasileiro, o TST em recente acórdão prolatado no processo nº TST-RR-523-56.2012.5.04.0292 pela 7º Turma, tendo como Ministro relator Mello Filho, menciona que:

O dano existencial é um conceito jurídico oriundo do Direito civil italiano e relativamente recente, que se apresenta como aprimoramento da teoria da responsabilidade civil, vislumbrando uma forma de proteção à pessoa que transcende os limites classicamente colocados para a noção de dano moral (...)

O conceito foi aos poucos sendo absorvido pelos Tribunais Brasileiros, especificamente na seara civil, e, mais recentemente, tem sido pautado no âmbito da Justiça do Trabalho. No âmbito da doutrina justrabalhista o conceito tem sido absorvido e ressignificado para o contexto das relações de trabalho como representativo das violações de direitos e limites inerentes ao contrato de trabalho que implicam, além de danos materiais ou porventura danos morais ao trabalhador, igualmente, danos ao seu projeto de vida ou à chamada “vida de relações”. (BRASIL, 2012)

Denota-se segundo o relatado, que o entendimento no Brasil acerca do dano existencial é relativamente recente e que a incorporação do mesmo vem sendo absolvida de maneira paulatina na área civil e trabalhista.

É possível se afirmar que o dano existencial no contexto brasileiro ainda é objeto de muita discussão, principalmente no que atine à sua caracterização e autonomia.


3.CONCEITO DE DANO EXISTENCIAL

Ao tratar sobre o que vem a ser o dano existencial, Lora (2013, p.20), menciona que o dano existencial “é a lesão ao conjunto de relações que propiciam o desenvolvimento normal da personalidade humana, alcançando o âmbito pessoal social”.

Esse é um conceito que abrange de forma genérica o que vem a ser o dano existencial, não obstante, existe posicionamentos que apresentam um conceito mais restrito sobre o instituto, por exemplo, voltado à seara trabalhista, onde o dano existencial tem se configurado com certa frequência.

Neste sentido, pode-se afirmar que:

O dano existencial no Direito do Trabalho, também chamado de dano à existência do trabalhador, decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade; ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal. (BOUCINHAS FILHO; ALVARENGA, 2013, p.30)

Deste modo, é imperioso notar que sob a ótica do direito trabalhista, o dano existencial se configura pelas jornadas exaustivas de trabalho a que são submetidos os empregados, fazendo com que estes tenham prejuízos em sua vida social, familiar, amorosa, etc.

Assim entendeu o TRT da 9ª região, no RO 28161-2012-028-09-00-6:

Caracteriza-se o dano existencial quando o empregador impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, impossibilitando-o de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal, nos termos dos artigos 6º e 226 da Constituição Federal. (BRASIL,2012)

Destarte, a rotina laboral excessiva é, sem sombra de dúvidas, o que mais dá ensejo à configuração do dano existencial, no que concerne a relação empregatícia.

Hildemberg Alves da Frota, ao tratar das noções fundamentais sobre o dano existencial menciona que o dano existencial constitui uma espécie de dano imaterial, que acarreta à vítima a impossibilidade total ou parcial de executar, prosseguir ou dar prosseguimento ao seu projeto de vida, diz ainda o autor que essa impossibilidade pode se dar nas mais diversas dimensões, familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional, profissional, etc. (FROTA, 2013, p.63)

Soares (2009 apud ALVARENGA, 2013, p. 31) por sua vez, considera que o dano existencial "abrange todo acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de maneira consistente - temporária ou permanentemente - sobre a sua existência"

Em apertada síntese aos posicionamentos em epígrafe, é possível se afirmar que o dano existencial é o dano causado ao planejamento de vida de uma pessoa, vindo a impossibilitar substancialmente ou consideravelmente o seu desenvolvimento de vida social, familiar, religioso bem como as suas relações afetivas, consiste o dano existencial em um dano que pode afetar as mais diversas áreas da vida do indivíduo vitimado.

Ainda não há na doutrina e jurisprudência um conceito bem definido e categórico acerca desse instituto, existindo, no entanto, como pode se observar do anteriormente exposto, uma ideia predominante, que insere na ideia de dano existencial, o prejuízo à realização dos projetos de vida do vitimado. Isso se dá em parte pelo simples fato de ser, o dano existencial, um assunto relativamente recente no contexto doutrinário e jurídico brasileiro.

Exemplo disso, é o acórdão prolatado em março de 2015 pela 4ª turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no processo de Nº TST-RR-154-80.2013.5.04.0016 que tem como relator o ministro João Oreste Dalazen, este aduz que “A doutrina, ainda em construção, tende a conceituar o dano existencial como o dano à realização do projeto de vida em prejuízo à vida de relações. O dano existencial, pois, não se identifica com o dano moral”.

Como se vê pelo recente julgado, o Colendo TST reconhece que o instituto ora em comento ainda não se encontra categoricamente conceituado, o que não impossibilita obviamente o seu reconhecimento e aplicabilidade.


4.CARCTERÍSTICAS DO DANO EXISTENCIAL

Além dos elementos intrínsecos e necessários à configuração do dano e a respectiva responsabilização, quais sejam, conduta, nexo de causalidade e o dano, torna-se necessário elencar outros elementos que constituem o dano existencial.

Há na doutrina e jurisprudência entendimentos distintos sobre o que vem a ser o dano existencial, alguns entendem que o mesmo nada mais é do que mera espécie de dano moral, Sonia Mascaro Nascimento assim se posiciona:

Num primeiro momento o dano moral restringia-se à dor, à angústia, ao sofrimento. Hoje em dia, no entanto, seu espectro foi ampliado para abarcar todos os bens personalíssimos.

O dano moral é gênero que envolve diversas espécies de danos extrapatrimoniais, tais como: dano à imagem, dano estético, dano à honra, assédio moral e sexual, dano à intimidade, dano à vida privada, condutas discriminatórias, direitos de personalidade, bem como o dano existencial. (NASCIMENTO, 2014)   

Não obstante esse entendimento, é posicionamento majoritário aquele que entende o dano existencial como uma espécie de dano extrapatrimonial, distinto do dano moral, já que possui características próprias que o difere dos demais danos extrapatrimoniais.

Verifica-se pelo histórico do ordenamento jurídico brasileiro, que há uma tendência de se querer caracterizar todo novo dano como sendo uma espécie de dano moral, tenha-se como exemplo o dano estético, que até a edição da Súmula 387 em setembro de 2009, entendiam alguns como uma mera espécie de dano moral, não podendo, portanto, ser cumulado com o dano moral na medida que deste não se diferenciava. Com a edição da referida súmula o STJ pôs fim ao debate, consolidando o entendimento favorável à autonomia do dano estético.

Impende esclarecer que o dano existencial, nada tem a ver com o dano moral, em suma, consiste o dano existencial no prejuízo causado ao planejamento de vida do indivíduo. Esclareça-se que tal prejuízo refere-se a alterações de caráter não pecuniário, que descaminham o curso normal da vida, impedindo a realização das aspirações e vocações do indivíduo vitimado, este se vê impossibilitado de escolher o seu próprio destino, consistindo em uma ameaça ao que o sujeito tem como sentido de existência, ao sentido da vida. Diz-se existencial justamente porque o dano provoca um impacto que tem por consequência o vazio existencial na pessoa que perde a razão de ser. (FROTA, 2013).

Verifica-se, portanto, que aquele que é vitimado e sofre com o dano existencial acaba por perder as perspectivas de um presente e um futuro gratificante, por mínimo que seja, já que se vê obrigado a renunciar os objetivos de vida, que se tornam total ou parcialmente inviabilizados por uma conduta ilícita de um terceiro.

Destarte, torna-se perceptível uma das principais diferenças entre dano existencial e dano moral. Enquanto este se configura pelo abalo íntimo do indivíduo, aquele, foge à esfera meramente psíquica da vítima, abalando efetivamente a vida relacional com as outras pessoas, isso porque não se pode falar em dano existencial, sem se falar em relações interpessoais, já que o mesmo não se adstringe à pessoa individualmente considerada.

Nesse sentido, Frota (2010, apud COLNAGO, 2013, p.55) esclarece que:

[...] Ao participar do mundo com os outros, o ser-aí se liga aos demais seres-aí e se torna um ser-no-mundo-com-os-outros: está no mundo, morada em que vive em indispensável coexistência e ao qual atribui sentido constantemente. Ser-no-mundo, conhece o mundo, nele sabe se movimentar e se orientar, nele encontra a sua morada. Sercom- os-outros, consciente da presença dos demais, a qual lhe é necessária, sem a qual não se completa.

Para Colnago (2013), o dano existencial distingue-se do dano moral porque o primeiro atinge um aspecto público do indivíduo, ou seja, sua relação com outros seres, com o mundo social, enquanto o segundo consiste na lesão ao patrimônio imaterial subjetivo do indivíduo. Posiciona-se a autora, portanto, pelo reconhecimento da autonomia do dano existencial frente ao dano moral.

Acerca da sua autonomia, assim se posiciona o Colendo TST acerca do dano existencial:

Embora exista no âmbito doutrinário razoável divergência a respeito da classificação do dano existencial como espécie de dano moral ou como dano de natureza extrapatrimonial estranho aos contornos gerais da ofensa à personalidade, o que se tem é que dano moral e dano existencial não se confundem, seja quanto aos seus pressupostos, seja quanto à sua comprovação (BRASIL, 2012, grifo nosso)

Ainda sobre o assunto, o mesmo Tribunal confirma seu posicionamento quando do julgamento do Recurso de Revista nº -154-80.2013.5.04.0016 ao afirmar que:

[...] O dano existencial, pois, não se identifica com o dano moral. (...)O Direito brasileiro comporta uma visão mais ampla do dano existencial, na perspectiva do art. 186 do Código Civil, segundo o qual “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. A norma em apreço, além do dano moral, comporta reparabilidade de qualquer outro dano imaterial causado a outrem, inclusive o dano existencial. (BRASIL, 2013, grifo nosso)

A jurisprudência pátria, sem dúvidas, tem reconhecido o dano existencial em determinadas situações, mas para que a vítima seja reparada dos alegados prejuízos aos planejamentos de vida, existe a necessidade da efetiva comprovação do dano sofrido, e que além disso, haja a razoabilidade no projeto de vida frustrado, é necessário, que haja a possibilidade, probabilidade de realização do projeto de vida, sendo que um outro futuro deverá ser programado, com as limitações que o dano impôs. (BEBBER, 2009 apud ALVARENGA, 2013, p.48)

Destarte, frise-se que para a configuração do dano em estudo, há de haver necessariamente o dano ao projeto de vida do indivíduo, sendo que este deve ser possível, razoável e concretizável, posto que não haveria razoabilidade em se indenizar o alegado prejuízo a determinados planos mirabolantes de um sujeito.

Ao elencar determinados elementos caracterizadores do dano existencial Frota (2013) menciona que este dano tem por característica ocasionar uma alteração nas relações familiares, sociais, culturais, afetivas, etc. Aduz ainda que, o instituto em comento materializa-se como uma renúncia involuntária às atividades cotidianas, o que acaba por comprometer a própria esfera de desenvolvimento pessoal. Seguindo em sua linha de raciocínio o autor diz que os setores que podem ser atingidos são os mais variados, cite –se como exemplo, as relações familiares, sociais, religiosas, atividades recreativas e demais outras.

Isto posto, é possível afirmar que o dano existencial tem como características predominantes o fato de uma pessoa se submeter involuntariamente a uma rotina que a priori não tinha planejado para si, em virtude de um ato ilícito de um terceiro. Ademais, é também característico o fato de esta espécie de dano afetar a relação interpessoal do indivíduo, nos mais diversos aspectos, religioso, amoroso, laboral, etc., não se restringindo o dano ao seu próprio eu, como é característico do dano moral.

Por fim, frise-se que há a renúncia involuntária dos planos de vida, mas para que seja reconhecido o direito a uma possível indenização faz-se indispensável que esses planos de vida sejam razoáveis e possíveis, cabendo à vítima o ônus quanto à prova do dano efetivamente sofrido.

Quanto a este último aspecto, já decidiu o TRT da 4ª Região que na relação de emprego a realização de horas extras exorbitantes caracterizam comprovação presumida dos danos morais, seria segundo o citado Tribunal, uma consequência lógica de realização das horas extras. Apesar deste entendimento o Eg. TRT da 23ª Região adotou entendimento diametralmente oposto ao considerar que “o descumprimento da legislação trabalhista no tocante às horas extras enseja tão somente os efeitos pecuniários correspondentes; e o dano existencial não se revela in re ipsa, dependendo de comprovação do prejuízo suportado”. (BRASIL, 2013).

Aduz o c. TST que o dano moral e o existencial têm pressupostos de comprovação peculiares e distintos, segundo o esposado em decisão recente tem-se que:

[...] Embora exista prova da sobrejornada, não houve na instrução processual demonstração ou indício de que tal jornada tenha comprometido as relações sociais do trabalhador ou seu projeto de vida, fato constitutivo do direito do reclamante(...)trata-se da impossibilidade de presumir que esse dano efetivamente aconteceu no caso concreto, em face da ausência de prova nesse sentido. Embora a possibilidade abstratamente exista, é necessário que ela seja constatada no caso concreto para sobre o indivíduo recaia a reparação almejada. Demonstrado concretamente o prejuízo às relações sociais e a ruína do projeto de vida do trabalhador, tem-se como comprovado, in re ipsa, a dor e o dano a sua dignidade. O que não se pode admitir é que, comprovada a prestação em horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte. (BRASIL, 2012, grifo nosso)

Diferentemente do que decidiu o Tribunal Regional da 4ª Região, o Colendo TST entende que a realização de horas extraordinárias de serviço não configura por si só e automaticamente o direito à indenização por danos existenciais, sendo necessário e imperioso, a comprovação do efetivo prejuízo às relações sociais, cabendo ao lesado o ônus dessa prova.


5A VIABILIDADE DE CUMULAÇÃO DO DANO EXISTENCIAL COM OUTRAS ESPECIES DE DANO

Danos Extrapatrimoniais em Espécie

A doutrina, unanimemente, tem diferenciado o dano em duas grandes espécies, quais sejam, danos patrimoniais, estes, afetam o patrimônio do indivíduo que sofre o dano, podendo configurar-se em dano emergente (aquilo que a vítima efetivamente perdeu) e lucro cessante (são os efeitos mediatos ou futuros do patrimônio, aquilo que se deixou de ganhar).

O lucro cessante é uma perda do lucro esperado, uma frustração da expectativa de lucro, citado dano caracteriza-se por causar uma diminuição potencial do patrimônio da vítima. (CAVALIERE FILHO, 2014)

Por outro lado, existem os danos extrapatrimoniais, que englobam sem muita discussão duas espécies de dano, o dano moral e o dano estético. Resta-nos esclarecer e distinguir o que vem a ser cada um desses danos para melhor entendimento do conteúdo aqui discutido.

Dano moral

O dano moral é uma espécie de dano não patrimonial, enquadra-se no que doutrinariamente se convencionou chamar de dano extrapatrimonial, danos estes que ultrapassam a esfera patrimonial do indivíduo vindo a abalar o emocional e o psíquico do mesmo, não bastando para sua configuração os contratempos enfrentados diariamente, sem indícios de vexame ou humilhação.

Segundo Cavaliere Filho, (2014, p.111) a mera contrariedade não basta para configurar o dano moral, nesse sentido assevera que:

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto além de fazerem parte do nosso dia a dia, no trabalho, no transito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Verifica-se, portanto, nessa linha de raciocínio, que é também a entendida pela jurisprudência majoritária, que o dano moral prescinde ao mero dissabor cotidiano, que necessita, para sua configuração, do efetivo abalo psíquico do indivíduo.

Em estudo sobre o tema Stolze (2012, p.95) diz que “ o dano poderá atingir outros bens da vítima, de cunho personalíssimo, deslocando o seu estudo para a seara do denominado dano moral”. Segundo o mesmo autor, trata-se o dano moral de lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, e traz como exemplos o direito à vida à integridade física, psíquica, moral etc.

Segundo Bittar (1993 apud STOLZE, 2012, p.95) os danos morais podem ser vistos da seguinte forma:

Qualificam-se como danos morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais, aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).

Por ser um dano essencialmente emocional, desvinculado da noção de propriedade material o dano moral encontra barreiras que em tese dificultariam a sua comprovação. Sob essa indagação, qual seja, de como comprovar o dano moral, é que Cavaliere Filho (2014) diz sem mais delongas, que se prova o dano moral com a prova do fato lesivo, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do fato ofensivo, diz o ilustre autor, que provada a ofensa, estará provado o dano moral à guisa de consequência natural dos fatos.

Dano estético

Tem-se como dano estético aquele que causa deformidade, aleijão, defeitos físicos permanentes na vítima do dano, não apenas danos meramente patrimoniais ou de cunho íntimo psicológico caracterizadores do dano moral.

Na doutrina e jurisprudência travou-se um debate acerca da autonomia do dano estético, se este inseria-se no que se convencionou chamar de dano moral ou se na verdade seria uma espécie distinta deste último podendo inclusive ser cumulado com o mesmo.

Existe hoje, entendimento doutrinário que não admite a autonomia do dano estético, considerando este, como uma espécie de dano moral, Cavaliere Filho (2014, p.136) ao argumentar sobre o tema, menciona que: “continuo convicto de que o dano estético é modalidade de dano moral e que tudo se resume a uma questão de arbitramento. ”

Destarte, entende o autor a impossibilidade de cumulação entre dano estético e dano moral por entender justamente que ambos não se diferem, sendo o dano moral mais genérico, abrangendo, portanto, o dano estético.

Não obstante esse entendimento, a jurisprudência do STJ já pacificou essa discussão ao editar a Súmula nº 387 dispondo que “é licita a cumulação das indenizações do dano estético e do dano moral. ”

Dessa forma, com a edição da mencionada súmula o STJ reconheceu expressamente a possibilidade de cumulação do dano existencial com o dano moral, admitindo assim, a sua autonomia em face deste último.

A possibilidade da Cumulação

O dano moral abrange o indivíduo na sua esfera íntima e subjetiva, ou seja, é a dor, o sofrimento, o vexame, o desconforto, a humilhação, em suma é a “dor na alma”. Ocorre que o dano existencial não se resume à pessoa do indivíduo, pois o bem jurídico que este tutela é a possibilidade que foi retirada ou prejudicada do indivíduo se relacionar com outras pessoas, com o mundo social em sua volta, de colocar em prática os planos que tenha elaborado para sua vida.

Nesse sentido, assevera Almeida Neto (2005, p.48):

Nos danos da espécie existencial, o ofendido se vê privado do direito fundamental, constitucionalmente assegurado, de, respeitando o direito alheio, livre dispor do seu tempo fazendo ou deixando de fazer o que bem entender. Em última análise, ele se vê despojado de seu direito à liberdade e á sua dignidade humana.

Apesar de não estar o dano existencial categoricamente conceituado, isso não impede que seja reconhecido ou aplicado no caso concreto. Antigamente, o dano moral se limitava à dor e à angústia. Entretanto, o direito é dinâmico de forma que se adapta à sociedade no decorrer dos tempos. Nesse sentido, com a evolução da vida em sociedade, o aspecto do dano moral foi ampliado consideravelmente, tendo como principal marco a Constituição Federal de 1998 que dentre outras matérias, procura dar ênfase à proteção dos direitos da personalidade de forma integral.

Do princípio da dignidade humana, decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Quando a carta magna assegura o livre exercício dos direitos sociais, da liberdade e do bem estar, este tendo como intuito a busca da felicidade, na verdade ela está prevendo valores que devem ser efetivados, não podendo ser vistos apenas como normas principiológicas, mas sim como uma valoração que se abstrai da interpretação teleológica do espirito humanista adotado pela Constituição brasileira, no sentido de dar concretude ao objetivo da norma.

Dentro dos direitos da personalidade encontramos os direitos imateriais ou extrapatrimoniais. São nesses que se encontram como espécies o dano moral e o dano existencial. Apesar da semelhança entre os institutos, não são sinônimos. É certo que os dois protegem os direitos imateriais, bem como a pessoa na sua personalidade. Ocorre que se exteriorizam de forma diversa.

Segundo Soares (2009, p.46):

A distinção entre o dano existencial e o dano moral reside no fato de que este é essencialmente um sentir, e aquele é um não mais poder fazer, um dever de agir de outra forma, um relacionar-se diversamente do pretendido, em que ocorre uma limitação ao desenvolvimento normal da vida da pessoa.

Logo, é possível perceber que além do dano em seu íntimo, o indivíduo se vê prejudicado e frustrado dos prazeres de sua existência, decorrente de um ato ilícito. O crescimento e realização profissional ou pessoal que outrora imaginou e projetou para sua trajetória de vida, se vê distante em virtude da destruição e dano profundo sofrido pelo seu projeto de realização como ser humano.

O dano que a pessoa vem a sofrer ocorre em suas atividades realizadoras enquanto ser humano e ser social (relações sociais, culturais, afetivas, etc), incidindo negativamente sobre o complexo de relações do indivíduo, repercutindo direta ou indiretamente, temporária ou permanentemente, sobre a sua existência, e não apenas no seu caráter psíquico-sociológico por si só e/ou individualmente considerado.

Nas lições de Bolcinhas Filho (2013, p. 243):

Ainda que o ato ilícito seja devidamente reparado e indenizado, o prejuízo que esse dano causou ao indivíduo, impedindo-o de desfrutar do convívio com seus amigos, fazendo-lhe perder a oportunidade de ver seus filhos crescerem e, por vezes, privando-o até mesmo do direito de exercer seu credo religioso, subsistirá.

Diante do exposto, em que pese os direitos extrapatrimoniais em alguns casos derivarem do mesmo ato ilícito no caso concreto, tratam e tutelam objetos jurídicos diferentes, produzindo efeitos nitidamente distintos, não sendo possível se falar em absorção de um pelo outro.

Em sendo o projeto de vida possível, razoável e concretizável, como os bens jurídicos tutelados, as formas de exteriorização e reconhecimento serem distintas, não há óbice à cumulação do dano existencial com as outras espécies de dano extrapatrimonial, não podendo se deixar a questão se resumir ao arbitramento do magistrado de todos os danos imateriais dentro do dano moral, por exemplo.

Perceptível, pois, a tendência ao reconhecimento da autonomia do dano existencial, pois em inúmeros casos, além do indivíduo sofrer dano em seu íntimo, dano este de ordem moral, ele também sofre dano enquanto ser social, este de ordem existencial, constituindo um plus não abrangido pela reparação moral.    

Não obstante a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca dessa autonomia do dano existencial é notório que os tribunais pátrios vêm decidindo no sentido de aceitar a sua independência como direito extrapatrimonial, considerando o mesmo como um aprimoramento e evolução do instituto da responsabilidade civil.

Nesse sentido, foi levada a discussão perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul caso em que se discutiu o dever de indenização por erro odontológico de cirurgião dentista onde o Desembargador Relator Leonel Pires  decidiu pela condenação do profissional liberal, considerando que a esfera existencial da pessoa humana foi afetada de maneira a ensejar prejuízos aos direitos de personalidade e, de forma mais ampla à tutela da pessoa humana, afetando de sobremaneira interesses transindividuais não patrimoniais. (BRASIL, TJ-RS APELAÇÃO CÍVEL 70046849121).

Mais recentemente, o conceito de dano existencial vem sendo absorvido pelos tribunais trabalhistas. Na seara do direito do trabalho, a discussão sobre as limitações ao direito da personalidade abrange também às relações com terceiros que potencialmente poderiam ter sido construídas, mas que foram excluídas do seu horizonte de escolhas.

A grande questão surgida na Justiça do Trabalho está ligada ao ônus da prova, se a mera configuração de jornadas extraordinárias habituais muito além da jornada normal de trabalho caracterizaria, por si só o dano existencial, ou se o reclamante teria o ônus de provar que sua esfera existencial fora afetada em decorrência do ato ilícito do empregador.

Nesses termos, já foi decidido pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) no processo 0001137- 93.2010.5.04.0013 (RO), JOSÉ FELIPE LEDUR, em 16/05/2012, que a mera prestação de jornada extraordinária excedente ao limite legal já configura dano existencial, dada a violação de direitos fundamentais do trabalhador. O entendimento da corte se exteriorizou como se fosse uma decorrência lógica: comprovada a jornada excessiva, decorreria o dano existencial pela impossibilidade do convívio familiar, dificultando as relações pessoais e sociais do trabalhador. Assim, não terá necessidade de o empregado demonstrar o “prejuízo de relações” por ele sofrido. (BRASIL, TRT- RO-0001137- 93.2010.5.04.0013, 2012)

Contudo, existem decisões trabalhistas em sentido contrário, mais especificadamente, no TST. Em um de seus julgados, com decisão proferida em agosto de 2015, a suprema corte trabalhista afirma que:

É importante esclarecer: não se trata, em absoluto, de negar a possibilidade de a jornada efetivamente praticada pelo reclamante na situação dos autos (ilicitamente fixada em 70horas semanais) ter por consequência a deterioração de suas relações pessoais ou de eventual projeto de vida: trata-se da impossibilidade de presumir que esse dano efetivamente aconteceu no caso concreto, em face da ausência de prova nesse sentido. Embora a possibilidade, abstratamente, exista é necessário que ela seja constatada no caso concreto para sobre o indivíduo recaia a reparação almejada. Demonstrado concretamente o prejuízo às relações sociais e a ruína do projeto de vida do trabalhador, tem-se como comprovado, in re ipsa, a dor e o dano a sua personalidade. O que não se pode admitir é que, comprovada a prestação em horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte. (BRASIL, TST- RR- 523-56.2012.5.04.0292, 2012, grifo nosso).


6CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do estudo realizado, ficou perceptível que o desrespeito às normas legais de modo a privar do ser humano a garantia dada pelo ordenamento de se sentir um ser social, pode lhe causar danos irreversíveis, fazendo com que sua vida tome um rumo diferente daquele anteriormente planejado, fazendo com que chances sejam perdidas, relações sejam enfraquecidas e sonhos sejam frustrados.

É necessário, para se dar efetividade à valoração dada constitucionalmente à proteção integral dos direitos da personalidade, que não se confunda o dano existencial com o moral, pois a sua não distinção e consequentemente o arbitramento judicial absorvido pelo dano moral, inviabilizaria a reparabilidade existencial.

Constatou-se que, no mundo contemporâneo, repleto de agitação e com o intenso desgaste sofrido por qualquer pessoa, as atividades recreativas e sociais, além de ser a forma de o indivíduo buscar a felicidade, são também seu ponto de equilíbrio, tanto físico como psíquico, que não se pode conceber a privação.

Os operadores do direito, não só os advogados mas principalmente os magistrados no âmbito de suas decisões, devem abandonar a clássica distinção do binômio dano moral/dano material e optar por uma visão mais precisa do que ocorre no fato concreto, longe da visão abstrata do interior das câmaras dos tribunais.

Chegou-se à conclusão de que a correta classificação do dano existencial como um dano extrapatrimonial autônomo servirá para efetivar o princípio que rege a responsabilidade civil, qual seja, o princípio da reparação integral, na medida em que se adequarão os padrões de tutela do direito protegido ao verdadeiro dano sofrido no fato concreto, de forma a serem melhor especificados.

Mais especificamente, o estudo apontou que os direitos da personalidade formam o pilar da dignidade da pessoa humana, ganhando ênfase com o advento da Constituição Federal de 1998 e que merecem, além de proteção, a sua efetivação. A evolução da responsabilidade civil caminha para a valorização cada vez maior dos direitos imateriais do indivíduo.

No sentido dessa conclusão, se mostra a tendência mundial, verificada através do cenário de relações internacionais, da valorização do lazer e do bem estar como meios de inserção do indivíduo no seio social e desconexão dele de qualquer atividade que lhe retire o seu plano existencial, visto que desde a revolução industrial o homem vem sendo protegido e valorizado com relação ao meio em que vive e o direito a sua existência digna deve prevalecer sobre outros direitos, quando da ponderação de bens jurídicos, em uma possível situação de conflito de direitos.

Outro ponto constatado é que o dano extrapatrimonial assume inúmeras vertentes, sendo gênero do qual são espécies, exemplificadamente, o dano moral, o dano estético e o dano existencial e que é possível a cumulação entre eles, afinal foi demonstrado que apresentam autonomia, merecendo tratamento distinto, inclusive no que tange ao quantum indenizatório.

Ficou demonstrado que o reconhecimento e a indenização do dano existencial se farão necessários para evitar a prática de outros atos que venham a modificar de forma involuntária e prejudicial à vida de alguém, influindo na qualidade de sua existência. É por conta desse fato, que o quantum indenizatório deve ser auferido o bastante para que sejam prevenidos novos danos, bem como que o agente se sinta coagido a não agir mais daquela forma, tendo portanto, caráter ressarcitório e educativo/exemplar.

Durante o trabalho destacou-se ainda a valorização do ser humano em relação ao seu bem estar, a sua qualidade de vida enquanto ser que vive em sociedade e que tem o direito de se sentir como tal. Diante desta visão, reconheceu-se a necessidade de proteção às atividades realizadoras do indivíduo e a sua sustentabilidade no meio em que vive.

Portanto é importante destacar que a reparação do dano existencial urge diante da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, na medida em que todos os direitos do homem, principalmente no que diz respeito ao capítulo dos direitos sociais da nossa carta magna, devem ser vistos no aspecto da sustentabilidade humana. Os direitos sociais de segunda geração, traduzem a fase do bem estar social, em que o indivíduo é visto como ser integrante do meio em que vive, e não apenas como um objeto deste meio.

Diante de todo o exposto, é de se concluir que, estando presentes a existência de prejuízo considerável ao projeto de vida e as relações sociais do indivíduo, o ato ilícito a que ele se sujeitou e o nexo de causalidade entre ambos, é inegável que se reconheça o dano existencial na forma de indenização extrapatrimonial autônoma, atendendo aos ditames da dignidade da pessoa humana, o respeito aos direitos da personalidade e a reparação integral dos danos, sendo medida de inteira justiça.


THE EXISTENCIAL DAMAGE AS COMPENSATION OFF-BALANCE SHEET AUTONOMOUS

ABSTRACT

The purpose of this study was the analysis of the existential rights institute, of Italian origin, which has generated doctrinal discussions and case law, placing it as a species of the genus of immaterial damages provided for under the liability. Aimed to distinguish the existential damage in relation to the other rights of the same kind, and it was found the possibility of overlapping between them, in addition to formulating its concept as the damage and the severe limitations on the individual's personal life, or prevented from attending to enjoy the various forms of personal and social relationships. For the development of the research was done using instruments such as literature searches, scientific papers and the comparative breakdown between the Federal Constitution and the laws positivadas. Were also used, the recent trial of the Superior Courts on the subject, proposing an analysis of the different positions on the problem presented. It concluded by the finding of the autonomy of existential right, while off-balance sheet law, effecting the constitutional principles of maximum protection of personality rights.

KEYWORDS: Existential law. Civil responsability. Personality.


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