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Art. 41-a da Lei 9504/97: uma análise da captação ilícita do sufrágio (compra de votos) incluindo pesquisa de campo

Art. 41-a da Lei 9504/97: uma análise da captação ilícita do sufrágio (compra de votos) incluindo pesquisa de campo

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O Brasil ao longo de sua história tem tido significativa evolução no campo eleitoral, que pode ser comprovado através dos registros históricos que elencam inúmeros fatos como: corrupção eleitoral, fraudes, troca de favores, uso ilegal da administração.

INTRODUÇÃO

Importa refletir diante de uma maior e mais profunda compreensão acerca da captação ilícita do sufrágio, fenômeno conhecido popularmente como “compra de votos”, conduta que passou a ser tipificada com advento do art. 41-A da Lei 9504/97.

Com base em discussões atuais sobre da temática e considerando que a sociedade brasileira clama pela moralidade e honestidade de seus representantes políticos, fato observado, através de protestos nas ruas em diversas cidades do país, é, portanto, bastante oportuno compreender a forma de agir daqueles que disputam os pleitos eleitorais, uma vez que há a obrigatoriedade de obediência às regras e princípios eleitorais previstos no ordenamento jurídico vigente e de igual modo analisar a percepção do eleitor a respeito da prática ilícita e repugnante da compra de votos.

É importante reconhecer também que embora haja um arcabouço de leis e princípios para proteger o sistema eleitoral não é raro hoje em dia ouvir falar no meio social, tanto de candidatos, como de políticos já eleitos, também dos próprios eleitores, que é cada vez mais comum as idéias e os bons projetos de governo sucumbirem ao poder econômico dos candidatos e seus partidos no processo eleitoral. Opiniões que não são diferentes daquelas pronunciadas por especialistas e pesquisadores do assunto que apontam a compra de votos como uma prática bastante comum em nosso País, na atualidade.

Dessa forma é bastante oportuno discutir e compreender a captação ilícita do sufrágio numa perspectiva científica, tomando por base o pensamento doutrinário, o posicionamento dos tribunais e não menos importante ouvir diretamente parcela de eleitores, através de pesquisa de campo e nesta, o que pensam os jovens, pois estes são futuros eleitores e não podem ficar alheios ao processo eleitoral e nem de seus debates e tudo mais que gira em torno da democracia. As opiniões diretas acerca da temática manifestadas pela população, com aplicação de questionários, fortaleceram o presente trabalho, dando uma maior dimensão do problema.

Tudo isso é ponto basilar para compreender, de forma crítica, fatores que ocasionam vícios na vontade do eleitor, conforme a tipificação do art. 41-A da Lei 9504/97.

Não se deve olvidar de que meles que assolam nossa sociedade não tenham ligação direta com eleições de candidatos desonestos, desprovidos de qualquer moralidade, que se apropriam direta ou indiretamente dos recursos públicos, desviando-os da finalidade a que se destinam, como está sendo percebido através da Operação Lava Jato, ainda em curso.

A disputa pelos cargos públicos no Brasil remete a grandes paradoxos para o direito e para a sociedade. A disputa livre dos concorrentes deságua na realidade que hoje se evidencia, tendo o império domínio do poder econômico de alguns, impossibilitando que pessoas menos abastadas, possuidoras de boas idéias, mas destituídas de patrocínio financeiro, cheguem ao poder. Isso torna praticamente impossível que um candidato com esse perfil leve suas idéias a frente, a um grande número de eleitores, levando a óbito um debate político amplo e a real democracia.

Ultimamente tem sido demonstrado que as pessoas que já ocupam cargos públicos tendem a explorá-lo em benefício pessoal ou de seu grupo político, e, neste contexto, é muito difícil barrar a reeleição dos mandatários do povo para impedir que o grupo dominante participe da disputa pelo poder, além do mais, já há uma apropriação dos meios que geram reeleição.

O processo eleitoral tem um papel de extrema importância na democracia, pois dele decorre a função de organizar o acesso ao poder, de forma que a vontade do cidadão seja livre, no momento de escolher seus governantes. É por meio da preservação da lisura dos pleitos eleitorais que a democracia é firmada, tornando possível a ocorrência de eleições livres, justas, nascidas da ativa e verdadeira participação do cidadão. O direito eleitoral possui o escopo de regulamento dessa escolha, a ser realizada legitimamente pela sociedade.

Assim, a captação ilícita de sufrágio popularmente conhecida como "compra de votos", no Brasil tem direta ligação com o coronelismo, evidenciando uma prática sinônima de autoritarismo e impunidade. As raízes do coronelismo provêm da tradição patriarcal brasileira e do arcaísmo da estrutura agropecuária no interior do país. Os coronéis (chefes políticos) exerceram poder de modo distinto, e depois da Revolução de 1930, essas práticas perduraram até os dias atuais, empregadas por grandes fazendeiros, comerciantes, religiosos, industriais e profissionais liberais, dentre outros.

O presente estudo se justifica na necessidade de se por a baila o problema, implicado em vertentes que incitam a busca do justo-jurídico, dentro do que impõe o Estado Democrático de Direito.

Dentro desse conjunto, os instrumentos utilizados foram à pesquisa bibliográfica realizada em publicações atuais de autores especializados no assunto, bem como da jurisprudência, mormente a de âmbito da legislação eleitoral e, como dito, o trabalho de campo, possui igual importância porque expõe o problema de forma clara. Os dados levantados foram transformados em gráficos que estão demonstrados.

A abordagem é do tipo dedutivo, visto que parte de teorias e leis mais gerais para a ocorrência de fenômenos particulares. E ao mesmo tempo indutivo, porque estuda os fenômenos mais abrangentes, indo das constatações mais particulares às leis e teorias mais gerais.

Sob essa ótica, o presente trabalho possui o objetivo geral de fazer uma reflexão científica e igualmente crítica, tendo o suporte à doutrina, a jurisprudência e a percepção direta dos eleitores acerca do art. 41 da Lei n.° 9.504 de 30 de setembro de 1997. Os objetivos específicos se propõem a: Contextualizar o Direito Eleitoral, diferenciar Crime Eleitoral e Capitação Ilícita de Sufrágio e demonstrar de forma prática dados aferidos em trabalho de campo sobre a compra de votos em eleições.

É oportuno destacar que os detentores de mandatos eleitorais eleitos através de pleitos realizados ao arrepio da lei precisam ser combatidos, tendo como ponto de partida um processo eleitoral sem vícios, porque, do contrário, ter-se-á enraizado um arsenal de governantes descomprometidos, ausente qualquer responsabilidade com a coisa pública, deixando a população a mercê da própria sorte. E nada isso é compatível com a democracia e nem com a vontade da maioria dos brasileiros.


1. CONTEXTUALIZAÇÃO A CERCA DA CAPTAÇÃO ÍLICITA DE SUFRÁGIO(COMPRA DE VOTOS )

Historicamente o processo eleitoral brasileiro vem sofrendo atentados. Fato este que viciada a lisura do pleito dava lugar ao interesse privado daquelas pessoas que queriam chegar ao poder, manter-se nele, ou, ainda, eleger sucessores para de modo indireto continuar comandando.

Atualmente cresce a conscientização da sociedade, forçando para que seja obedecido o princípio da moralidade nas relações eleitorais em face do grave e explícito comportamento de, em muitas oportunidades, haver o uso de dinheiro em espécie, doação de cestas básicas, medicamentos, prestação de serviços médicos e outras vantagens com a finalidade de angariar votos.

Herval Sampaio Júnior considera o maior mal que aflige o processo eleitoral, a captação ilícita de sufrágio, ou como é conhecido popularmente compra de votos, que segundo o autor tem relação com diversos abusos no processo eleitoral, principalmente o econômico. (SAMPAIO JÚNIOR, 2014, p. 353).

Além da tipificação do art. 41-A da Lei 9504/97 é imperioso ressaltar que a moralidade é Princípio Constitucional expresso no art. 37, caput, da Constituição da República de 1988, presente também no artigo 14, § 9°, dentre outros, donde reabriram os debates referentes à repercussão da ética e da moral na prática das relações jurídicas, que aqui são destacadas as de natureza eleitoral. Assim, a exigência de eleições probas, não está no campo da abstração, haja vista a exigência do texto Constitucional.

Diante desta realidade este trabalho pretenderá ao final buscar respostas para o seguinte problema: ocorre compra de votos durante as eleições?

Considerando essa problemática em um momento ímpar de nossa história recente, mais precisamente, em fevereiro de 1997, a CNBB (Confederação dos Bispos do Brasil) lança o projeto “Combatendo a Corrupção Eleitoral”. Esse projeto deu continuidade a campanha da fraternidade de 1996 cujo tema foi fraternidade e política.

Isso porque:

a Campanha Eleitoral de 1996 foi marcada por inúmeros casos noticiados de compra de votos, uma forma de exploração das carências e misérias de um eleitorado, que entre a cruz e a espada optava pela subsistência, em detrimento da democracia e igualdade eleitoral (Cerqueira e Cerqueira, 2009, p. 379).

Conforme descrição de Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira a partir daí, em 1996, houve uma grande mobilização por todo o País com a realização de pesquisa de campo sobre compra de votos e, após isso, audiências públicas foram realizadas como a de Fortaleza-CE, ocorrida nos dia 11 e 12 de maio de 1998, onde se lançou a coleta de assinaturas para a sonhada iniciativa popular. A participação em massa foi fortalecida através da Rede Vida de Televisão e a rede Católica de Rádio. Tudo isso culminou com a coleta de mais de um milhão de assinaturas, resultado na Lei 9840/99, que incluiu o art. 41-A na Lei 9504/97, foi publicada no Diário Oficial da União em 29 de setembro de 1999, vigorando para as eleições de 2000 e seguintes. Neste cenário Cerqueira e Cerqueira (2009, p. 379) destacam: “a iniciativa, portanto, foi da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), junto de diversas outras entidades, inclusive não governamentais (ONGs)”.

A cerca do conceito, também conhecida como “compra de votos”, é o ato do candidato de doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, com o fim de conseguir votos, bens ou vantagens de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública.

Encontra-se prevista no art. 41-A da Lei n.° 9.504/97, tem a seguinte redação:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor, com o fito de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990.

Tomando como base o texto legal, verifica-se que as condutas que caracterizam a infração consistem naquelas levadas a efeito pelo candidato e que denotem as ações de doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, bem ou vantagem de qualquer natureza inclusive emprego ou função pública, com o fim de obter-lhe o voto, e que tenham sido praticadas no intervalo de tempo que medeia o registro da candidatura e o da eleição. Neste sentido, o Tribunal Superior Eleitoral entende que para a penalização, faz-se necessária a prova da participação, direta ou indireta, ou, ao menos, do consentimento do candidato:

[...]

2.2 O TSE entende que, para a caracterização da captação de sufrágio, é indispensável a prova de participação direta ou indireta dos representados, permitindo-se até que o seja na forma de explícita anuência da conduta objeto da investigação, não bastando, para a configuração, o proveito eleitoral que com os fatos tenham auferido, ou a presunção de que desses tivessem ciência.

[...]

(REspe n° 21.327, rel. Min. Ellen Gracie, de 04.03.2004)

[...]

2. A caracterização da captação ilícita de sufrágio pressupõe a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos: a) prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) fim específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato.

[...]

(AgR-REspe n.° 815659, rel. Min. Nancy Andrighi, de 01.12.2011)

Na realidade não importa a natureza do bem ou vantagem que é colocada à disposição, oferecida, prometida ou entregue a alguém, com o fito de obtenção de voto, podendo ser de variadas espécies, desde aquelas representativas de valor econômico, financeiro, que possam ser quantificadas, individualizadas, materializadas, até mesmo aquelas que tenham conotação de benefício moral, com conteúdo imaterial, ou que se revelem em atos de apoio ou até mesmo prestígio.

Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra, afirmam que constitui o crime de captação de sufrágio o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, sujeitando-se ao infrator a pena de multa e cassação do registro ou do diploma (VELLOSO e AGRA, 2014, p. 530-531).

Conforme esclarecimentos de Herval Sampaio Júnior para o TSE, em resumo, conceituou a captação ilícita de sufrágio como oferecimento de promessa ou vantagem ao eleitor, com o fim de obter voto (SAMAPAIO JÚNIOR, 2014, p. 354).

Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra também lecionam que na disputa eleitoral, busca-se a captação do sufrágio, de maneira lícita, uma vez que faz parte da própria essência da propaganda política eleitoral. No entanto o que precisa ser reprimido é a captação adquirida de modo ilícito, com o uso de artimanhas, da compra de votos, tendo como intuito exclusivo vencer as eleições, pouco importando o meio de obtenção de votos, acarretando, assim, um resultado danoso ao processo eleitoral e a democracia brasileira.

Nesse contexto, considera-se que o reconhecimento da captação ilícita de sufrágio significou grande avanço da legislação eleitoral, tendo em vista o prestígio à liberdade de intenção de voto do eleitor. Daí ressaltar-se que a Lei 9504/97 veio mostrar à população a necessidade de se fazer protagonista no processo de participação e controle do poder político, no sentido de buscar, sempre, o aperfeiçoamento da democracia brasileira (VELLOSO e AGRA, 2014, p. 530 - 531).

Importante destacar os momentos para ocorrer à captação ilícita de sufrágio. Assim, lei estipulou termos a quo e ad quem, para ocorrer a Captação Ilícita de Sufrágio, ou seja, "desde o registro" até o "dia da eleição", é tema que desperta grande atenção da doutrina, se não vejamos:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, f"-.` prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990. (grifo nosso)

Marcos Ramayana (2010, p. 617- 618), sobre o assunto, manifestou o seguinte:

A questão é interessante, porque o Tribunal Superior Eleitoral registra entendimento de que o termo a quo é a partir do requerimento do registro de candidatura, e não do deferimento do mesmo (Acórdãos n° 19.229/01, Relator Ministro Fernando Neves, e n° 19.566/02, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo).

A mesma doutrina nos conduz ao entendimento segundo o qual a fixação, pelo legislador, de prazo inicial e final da captação ilícita de sufrágio não teria atendido a boa técnica redacional. Sustenta esse raciocínio alegando que nos anos que não ocorrem eleições, existiria a prática de clientelismo político. Assim, ocorrendo tais ilicitudes, ensejaria, unicamente, a análise do art. 299 do Código Eleitoral e, também, "a preparação para uma futura impugnação ao pedido de registro de candidatura, por abuso do poder econômico ou político." (RAMAYANA, 2010, p. 618).

É legítimo que, durante o processo eleitoral, os candidatos busquem angariar votos, mas para tanto devem observar as regras estabelecidas, com utilização dos instrumentos e meios que o ordenamento jurídico autoriza. Não podem ser levados a efeito técnicas, formas e instrumentos que promovam a desigualdade entre os candidatos concorrentes ao pleito eleitoral, nem tampouco podem ser desenvolvidas práticas e condutas ilícitas que levem os eleitores a adotar posições deturpadas ou distorcidas, incapazes de eleger qualquer candidato não fossem as ilicitudes perpetradas, não conducentes ao livre exercício do direito de voto.

Igualmente importante é delimitar atos que caracterizam captação ilícita de sufrágio na visão TSE. De tal sorte que o Tribunal Superior Eleitoral, já assentou que as hipóteses relacionadas a seguir caracterizam captação ilícita de sufrágio: a) doação de cestas básicas em troca de voto; b) fornecimento de carteira de habilitação em troca de votos; c) doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza — no período crítico compreendido do registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, presume-se o objetivo de obter voto, sendo desnecessária a prova visando a demonstrar tal resultado; d) distribuição de padrão de luz em troca de voto; e) manutenção em período eleitoral de "cursinho pré-vestibular" gratuito e outras benesses, às vésperas da eleição, revelam o intuito do candidato em obter votos; f) doação de telhas e pregos a eleitor em troca de voto, dentre outras várias situações.

Na ementa a seguir, podemos observar, entre outros aspectos, a concretização de uma das modalidades previstas no art. 41-A da lei 9.504/97, notadamente quanto à conduta de "doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública". Referida situação resta comentada, a seguir, no item de n.° 4, ao qual se destaca.

Pois vejamos:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AIJE. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES EM TROCA DE VOTOS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. CARACTERIZAÇÃO. POTENCIALIDADE. CASSAÇÃO DO REGISTRO APÓS A ELEIÇÃO. NEGADO PROVIMENTO.

1. A alegada ofensa ao art. 6° da Lei Complementar n° 64/90 não foi debatida no v. acórdão regional, carecendo, pois, do indispensável prequestionamento. Incidência das Súmulas nos 211/STJ e 282/STF.

2. A investidura de novo magistrado no exercício da jurisdição eleitoral insere-se nas exceções ao princípio da identidade física do magistrado, nos termos do art. 132 do Código de Processo Civil. Precedente.

3. Ao acusado cabe defender-se dos fatos delineados na inicial, independentemente da qualificação jurídica a eles atribuída. Ausência de violação aos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil. Precedentes.

4. O e. TRE/BA, soberano no exame do conjunto probatório dos autos, entendeu caracterizada a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n° 9.504/97) pela contratação temporária de 25 pessoas, entre julho e novembro de 2008, por José Venâncio Sobrinho - então prefeito do Município de Ponto Novo/BA - em troca de votos em favor de Anderson Luz Silva e Nelson Maia, candidatos a prefeito e vice-prefeito. (Grifo nosso)

5. Configuração, ainda, do abuso do poder político (art. 22 da Lei Complementar n° 64/90), uma vez que o recorrente José Venâncio Sobrinho, valendo-se da condição de prefeito, beneficiou as candidaturas dos recorrentes Anderson Luz Silva e Nelson Maia, violando assim a normalidade e a legitimidade das eleições. (grifo nosso)

6. Existência de potencialidade apta a desequilibrar o pleito, considerando o quantitativo de pessoas contratadas e a pequena diferença de votos entre o primeiro e segundo colocados no pleito.

7. Para se afastar a conclusão do TRE/BA quanto à prática das referidas condutas e sua potencialidade, seria necessário o reexame de fatos e provas, providência inviável nas instâncias extraordinárias, a teor das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF.

8. O art. 22, XV, da Lei Complementar n° 64/90 - vigente à época dos fatos - não se aplica ao caso concreto, uma vez que a captação ilícita de sufrágio acarreta a cassação do registro ou diploma, ainda que a decisão tenha sido prolatada após a eleição.

9. Recurso especial eleitoral desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral N° 2572-71.2010.6.00.0000 — Classe 32 — Ponto Novo — Bahia - Acórdão de 24.03.2011)

O Tribunal, de maneira unânime, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Após, temos destacado ementa em que ficou constatada captação ilícita de sufrágio, que se deu através de doação de cestas básicas:

RECURSO ORDINÁRIO. CAPTAÇÃO IRREGULAR DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. DOAÇÃO DE CESTAS BÁSICAS. PROMESSA DE VOTO. PROVIMENTO.

1. Captação ilícita de sufrágio comprovada, da análise do conjunto fático-probatório carreado aos autos, bem como do decidido no RO n° 741, Rel. Min. Gomes de Barros, DJ de 6.5.2005 e no RCED n° 616, de minha relatoria, julgado na sessão de 23.5.2006.

2. Recurso ao qual se dá provimento, para cassar o diploma de Roberto Barros Filho e aplicar-lhe multa de 25 mil UFIRs, nos termos do art. 41-A da Lei n° 9.504/97.

(Recurso Ordinário n°907 - Rio Branco/AC - Acórdão de 17/08/2006 — Rel. Min. José Augusto Delgado — pub. em 31/08/2006, Pág. 126)

O Tribunal, de maneira unânime, proveu o recurso, na forma que votou o relator. Outro, conforme ementa abaixo o Tribunal Superior Eleitoral entendeu como captação ilícita de sufrágio, o fornecimento de carteira de habilitação, com o objetivo de angariar votos:

RECURSO ORDINÁRIO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FORNECIMENTO DE CARTEIRA DE HABILITAÇÃO EM TROCA DE VOTOS. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. Hipótese na qual o contexto fático-probatório revela o intuito do candidato de angariar votos, mediante o fornecimento de carteiras de habilitação. Recurso desprovido.

(Recurso Ordinário n.° 777 - Macapá/AP - Acórdão de 06/04/2006 — Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes)

Neste caso o TSE, de modo unânime, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Na ementa a seguir é apresentada decisão do TSE a respeito de doação de telhas e pregos a eleitor:

Recurso especial - Investigação judicial - Prefeito - Abuso do poder - Art. 22 da Lei Complementar n° 64/90 - Não-caracterização - Doação de telhas e pregos a eleitor - Captação vedada de sufrágio - Art. 41-A da Lei n° 9.504/97 - Configuração - Constitucionalidade - Cassação de diploma -Possibilidade. Gravações clandestinas Prova ilícita - Provas dela decorrentes -Contaminação. Ausência de ofensa aos arts. 22 e 23 da Lei Complementar n° 64/90 e aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da proporcionalidade e da não-admissão das provas ilícitas. Art. 5°, incisos LIV, LV e LVI, da Carta Magna.

1. Não há intempestividade do recurso especial se, em decorrência de circunstâncias excepcionais, o recorrente, expondo óbice judicial anterior para interposição do apelo, postulou nova vista dos autos para tal fim, o que foi deferido pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral.

2. Rejeitam-se os pedidos de conexão deste feito com ação de impugnação de mandato eletivo em curso perante o juiz eleitoral, na medida em que as ações são autônomas, possuem requisitos legais próprios e conseqüências distintas, o que não justifica a reunião dos processos ou o sobrestamento desse julgamento. Precedentes.

3. A diplomação não transita em julgado enquanto houver, pendente de julgamento, qualquer recurso que possa atingi-la.

4. Reconhecimento de captação ilícita de sufrágio praticada pelo prefeito, nos termos do art. 41-A da Lei n° 9.504/97, comprovada por meio de prova testemunhal considerada idônea, não pode ser infirmado sem reexame de todos os fatos e provas constantes dos autos, vedado nesta instância especial.

5. Reconhecimento da ilicitude de gravações obtidas de forma clandestina tornam igualmente imprestáveis as provas delas decorrentes. Aplicação da teoria dos frutos da árvore venenosa.

6. A jurisprudência deste Tribunal Superior está consolidada quanto à constitucionalidade do art. 41-A da Lei das Eleições, que não estabelece hipótese de inelegibilidade e possibilita a imediata cassação de registro ou de diploma (Acórdãos nos 19.644 e 3.042).

7. Para a configuração do ilícito previsto no referido art. 41-A, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral, porquanto a proibição de captação de sufrágio visa resguardar a livre vontade do eleitor e não a normalidade e equilíbrio do pleito, nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte (Acórdão n° 3.510).

(Respe - Recurso Especial Eleitoral n° 21248 - lpuaçu/SC - Acórdão n° 21248 de 03/06/2003 — Rel. Min. Fernando Neves da Silva)

Neste episódio o Tribunal Superior Eleitoral preliminarmente e por unanimidade afastou a preliminar de intempestividade do segundo recurso especial, mas dele não conheceu, e conheceu do primeiro, dando-lhe provimento, nos termos do voto do relator. Confirmou desta maneira o poder judiciário a compra de votos como presente no processo eleitoral brasileiro, fragilizando nossa democracia, elegendo pessoas sem escrúpulos, que fazem de tudo para obtenção do poder.

Importante que se destaque também que certos atos não caracterizam captação ilícita de sufrágio segundo o TSE. E neste sentido a Corte assentou não se cuidar de captação ilícita de sufrágio nas seguintes apresentas a seguir:

a) promessas genéricas ao eleitorado, sem objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei 9.504/9714, v.g. promessa de pavimentação de via pública sem pagamento de contribuição pelos moradores:

Ação de investigação judicial eleitoral. Art. 41-A. [...J. Promessas genéricas ao eleitorado. Ausência de caracterização de captação de sufrágio. [...]." NE: Promessa de pavimentação de via pública sem pagamento de contribuição pelos moradores. Trecho do voto do relator: 11 As promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei n° 9.504/97. [...J"

(Ac. n° 5.498, de 27.9.2005, rel. Min. Gilmar Mendes.)

Entendeu o Tribunal Superior Eleitoral que promessas de caráter genérico não caracterizam captação ilícita de sufrágio, tendo em vista que sem o objetivo de satisfazer o interesse particular do eleitor, não incidência da infração consubstanciada no art. 41-A da Lei das Eleições.

b) distribuição de "cheques moradia" e inscrição em programa habitacional de Prefeitura, realizados periodicamente por funcionários da municipalidade, como parte de convênio entre os governos estadual e municipal, sem a presença do candidato ou prova idônea de pedido de voto em troca do cheque:

[...]. Ação de investigação judicial eleitoral. Arts. 41-A da Lei n° 9.504/97 e 22 da Lei Complementar n° 64/90. Não demonstrada a ilicitude. Negado provimento." NE: Distribuição de "cheques moradia" e inscrição em programa habitacional da Prefeitura, realizados periodicamente por funcionários da municipalidade, como parte de convênio entre os governos estadual e municipal, sem a presença do candidato ou prova idônea de pedido de voto em troca do cheque.

(Ac. n° 743, de 24.8.2004, rel. Min. Peçanha Martins.)

Na ementa supra, o TSE compreendeu que não haver desrespeito ao art. 41-A da Lei 9.504/97, distribuição de "cheques moradia" e inscrição em programa habitacional da Prefeitura, realizados periodicamente por funcionários do município, sob a condição de não haver em hipótese nenhuma pedido de voto em troca do cheque.

c) caracterização da conduta vedada pelo art. 41-A da Lei 9.504/97 requer que a promessa ou entrega da benesse seja acompanhada de pedido expresso de voto. Doação de mangueiras de irrigação a eleitores integrantes de comunidade indígena:

Representação. Recurso ordinário. Cerceamento de defesa. Captação ilícita de sufrágio. Provas robustas. Ausência. [...]. A caracterização da conduta vedada pelo art. 41-A da Lei n° 9.504/97 requer que a promessa ou entrega da benesse seja acompanhada de expresso pedido de voto."

NE: Doação de mangueiras de irrigação a eleitores integrantes de comunidade indígena.

(Ac. de 29.6.2004 no RO n° 772, rel. Min. Humberto Gomes de Barros; no mesmo sentido o Ac. de 9.3.2006 no REspe n° 25.579, do mesmo relator.)

Neste julgado ratificou o TSE, que para caracterizar a compra de votos faz-se necessário que a promessa ou entrega da benesse seja acompanhada de expresso pedido de voto.

d) promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não caracterizam a incidência do art. 41-A da Lei 9.504/97. Promessas de doação de aparelho de som e de construção de um novo tempo religioso realizadas por candidato dentro de uma igreja, para um grupo de pessoas:

[...]. As promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei n° 9.504/97. [...]" NE: Promessas de doação de aparelho de som e de construção de um novo templo religioso realizadas por candidato dentro de uma igreja, para um grupo de pessoas.

(Ac. n° 4.422, de 9.12.2003, rel. Min. Fernando Neves.)

Conforme já assentado, segundo o TSE, as promessas genéricas não comprometem a conduta do candidato, pois as mesmas terão que satisfazerem os interesses individuais e privados dos eleitores.

e) explanação de plano de governo não caracteriza captação de sufrágio:

[...]. Representação. Captação ilícita de sufrágio. 1. A exposição de plano de governo e a mera promessa de campanha feita pelo candidato relativamente ao problema de moradia, a ser cumprida após as eleições, não configura a prática de captação ilícita de sufrágio. 2. Não há como se reconhecer a conduta descrita no art. 41-A da Lei n° 9.504/97 quando, a despeito do pedido de voto, não ficou comprovado o oferecimento de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza. [...]

(Ac. de 30.11.2010 no AgR-Al n° 196558, rel. Min. Arnaldo Versiani.)

Pronunciou-se o TSE, que a exposição de plano de governo, bem como a mera promessa realizada pelo candidato no decorrer da disputa eleitoral, não incide compra de votos, este foi o entendimento da Egrégia Corte.

f) não configura a captação ilícita de sufrágios, objeto do art. 41-A da Lei 9.504/97, o fato, documentado no 'protocolo de intenções' questionando no caso, firmado entre os representantes de diversas igrejas de determinado município — travestidos de membros do conselho ético de um partido político — e certos candidatos a prefeito e vice-prefeito, que formalmente se comprometem, se eleitos, ao atendimento de reivindicações imputadas à 'comunidade evangélica' e explicitadas no instrumento, entre elas, a doação de um imóvel do patrimônio municipal, se não voltadas às promessas a satisfazer interesses patrimoniais privados:

[...]. II — Captação ilícita de sufrágios (Lei n° 9.504/97, art. 41-A): não-caracterização. Não configura a captação ilícita de sufrágios, objeto do art. 41-A da Lei n° 9.504/97, o fato, documentado no 'protocolo de intenções' questionado no caso, firmado entre os representantes de diversas igrejas de determinado município — travestidos de membros do conselho ético de um partido político — e certos candidatos a prefeito e vice-prefeito, que formalmente se comprometem, se eleitos, ao atendimento de reivindicações imputadas à 'comunidade evangélica' e explicitadas no instrumento, entre elas, a doação de um imóvel do patrimônio municipal, se não voltadas as promessas a satisfazer interesses patrimoniais privados.

(Ac. n° 19.176, de 16.10.2001, rel. Min. Sepúlveda Pertence.)

Importante registrar, que o fato exposto na ementa acima não caracteriza infração do art. 41-A da Lei Eleitoral, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, tendo em vista que as benesses prometidas não satisfazem interesses patrimoniais individualizados.

g) não configura conduta vedada pelo Art. 41-A da Lei 9.504/97 promessa de campanha no sentido de manter programa municipal de benefícios:

Benefício. Órgão público. Promessa de continuidade. Art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Não-aplicação. Não configura conduta vedada pelo art. 41-A da Lei n° 9.504/97 promessa de campanha no sentido de manter programa municipal de benefícios. Recurso conhecido e provido.

(Ac. n° 2.790, de 8.5.2001, rel. Min. Fernando Neves.)

No caso, o TSE entendeu que promessas realizadas pelo candidato no decorrer do período eleitoral de dar continuidade de programa municipal de benefícios não configura desrespeito ao art. 41-A da Lei das Eleições.

Através da análise apresentada conseguiu-se apurar e comprovar, considerando abalizada doutrina e jurisprudência dos tribunais, que ocorre compra de votos nas eleições brasileiras, tendo em vista os vários casos encontrados na jurisprudência, em especial a do TSE, que mostram que há determinadas condutas que caracterizam captação ilícita de sufrágio e que há outras condutas que não caracterizam, não se encaixando na tipificação do art. 41-A, da Lei 9504/97. De tal sorte que os casos já comprovados refletem um dado importante e igualmente preocupante, no que pese a necessidade de refletir sobre que tipo de pessoas estão chegando ao poder para representar o povo e quais as conseqüências disso para a sociedade suportar em uma democracia jovem que muito precisa se fortalecer e avançar.

Importante também destacar que o ilícito do art. 41-A acarreta uma sanção cível diferente da tipificação do art. 299 do Código Eleitoral, este apurado no âmbito da esfera penal eleitoral.


2. ELEIÇÕES, ELEITORES E COMPRA DE VOTOS NO MUNICÍPIO DE GURACIABA DO NORTE-CE

Este etapa do trabalho tem como objetivo primordial apresentar uma breve descrição sobre eleições no Brasil e sua relação com a compra de votos no decorrer do processo histórico, com as considerações de que somos o terceiro maior eleitorado do mundo e temos uma democracia recente, com avanços e retrocessos, sobretudo analisar os dados que serão apresentados.

Neste panorama será a compra de votos é algo comum em nossas eleições e o que os eleitores acham dessa prática? O que a compra de votos nos revela sobre as eleições, principalmente, na disputa pelos cargos de prefeito, vereador no município? Tomando como base a última eleição local (2012) ocorrida no município de Guaraciaba do Norte-CE, procuramos apresentar algumas reflexões sobre as indagações acima.

Concordando com outros estudos (SPEACK,2003), considera o fenômeno da “compra de votos” presente como parte da realidade das eleições no Brasil e considera as dificuldades de mensurar tal fenômeno, seja por se tratar de um ato ilícito ou por questionar algumas posturas em relação a convicções morais, por exemplo, como se percebe em expressões do tipo “quem vende seu voto não deve reclamar de nada”.

As transformações presentes nas eleições no Brasil são melhores compreendidas a partir da evolução do voto como bem demonstrou Nicolau (2004). O autor descreve a evolução do processo eleitoral desde a primeira Constituição do Brasil independente, até o período democrático atual.

Até a conquista do sufrágio universal para homens e mulheres, houve uma longa caminhada, que envolveu debates de idéias políticas, transformações econômicas e sociais.

Nesta direção, ao longo da história, o Brasil passa por profundas transformações que refletem na formação de um Estado que ora é centralizador, autoritário e ora pretende ser democrático. Isso também reflete que tipo de eleições e eleitores foram formadas a partir de nossa cultura política, com os vícios do filhotísmo, do mandonismo e do paternalismo, nada cordiais, de acordo com Leal (1949).

Apesar de tais vícios não se restringir as cidades pequenas, do interior, com uma população rural e mais empobrecida, tal como pensou Leal, os resquícios do coronelismo resistiu também às transformações desses municípios.

Nicolau (2004) traça um panorama sobre as eleições de deputados e senadores desde o Império à democracia atual. Como aponta o autor, aos poucos o voto foi se ampliando a população, o que se exigiu um maior controle sobre o processo eleitoral, na tentativa de manter eleições honestas, e com um menor número de fraudes possíveis.

Entre as principais transformações estão a quem tem o direito ou não de votar. Segundo Nicolau (2004), a primeira lei eleitoral brasileira de 1824 considerou eleitor apenas homens de 25 anos com renda mínima de 100 mil réis. Já durante a chamada República Velha (1889-1930), o voto passa a ser direito de alfabetizados, com idade mínima de 21 anos, sendo o critério de renda extinto. A partir de 1932 (governo Vargas), as mulheres conquistam o direito ao voto, sendo que em 1934 o voto passa a ser obrigatório com 18 anos de idade. A partir de 1985, o voto é permitido a analfabetos e a atual Constituição (1988) abrange jovens de 16 e 17 anos, como eleitores não obrigatórios.

O fenômeno de compra de votos nem sempre existiu no país como aponta alguns estudiosos, dentre os quais Speack (2003). Apesar de ser bastante falada pela mídia, pelos cidadãos sem seu cotidiano, é pouco conhecida pela literatura científica, devido aos poucos estudos realizados nessa área, ou mesmo por desconhecimento da gravidade do problema do ponto de vista quantitativo e qualitativo.

Nesse sentido, tomando como base a última eleição do município de Guaraciaba do Norte-CE e a visão que os votantes possuem sobre compra de votos. De acordo com os dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-2012), na eleição de 2012 para os cargos de prefeito e vereadores foram apurados 23.121 votos, sendo considerados válidos 21.750 (94,07 %), anulados somaram 1045 (4,052%); brancos 326(1,41%), e não compareceram o período eleitoral 8.379(26,60%).

2.1 Compra de votos sob a percepção dos professores do Ensino Fundamental da Rede Pública de Guaraciaba do Norte-CE.

O resultado da pesquisa de campo, ausente qualquer caráter científico, será apresentado a seguir, como produto de questionários aplicados a professores no município de Guaraciaba do Norte-CE. Foram realizados cerca de 100 questionários em torno de cinco questões visando indicar sobre a percepção política da população guaraciabense, sobre compra de votos, ocorrências desses atos e conseqüências dessas ações na seara coletiva ou individual.

Como se disse anteriormente a prática de comprar de voto nem sempre existiu nas eleições no País seja para escolher candidatos ao cargo de prefeitos e vereadores . Mas, sabe-se que a prática é antiga e provavelmente vem crescendo com um menor controle do candidato sobre seus futuros eleitores, ou o aumento da desconfiança da população das chamadas “promessas de políticos”. E nesse sentido, podemos entender a compra de votos como mais uma estratégia de vencer uma eleição.

Tal estratégia traz resultados esperados ou não para o pleito de vereador ou prefeito . Em outras palavras, não necessariamente um candidato que compra muitos títulos, terá em troca votos ou será o mais votado na disputa eleitoral. Em relação a este aspecto, não temos dados suficientes para saber a relação entre a troca de voto por algum bem e o número de votos recebidos pelo candidato.

A seguir apresentamos alguns gráficos com dados sobre o fenômeno da troca de votos por algum benefício seja material ou não na última eleição municipal de Guaraciaba do Norte-CE (2012), tomando como base a percepção dos eleitores consultados.

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No gráfico acima podemos analisar qual a percepção da população sobre a ocorrência de compra de votos, durante o período eleitoral do município. Sendo assim, ao serem questionados sobre a ocorrência dessa prática, os resultados foram os seguintes: 81% (oitenta e um por cento) dos entrevistados já ouviram falar sobre compra de votos em eleições, sendo que 18% (dezoito por cento) responderam terem presenciado tal ato e apenas 1% (um por cento) não respondeu à pergunta.

Os dados obtidos pelo questionário indicam que os eleitores em sua grande maioria parecem conhecer alguém que vendeu seu voto. No entanto, são poucos que presenciaram essa ação.

Considerada como ilícito eleitoral, a compra de votos ocorre de forma velada, oculta, quase não deixando rastros de sua ocorrência. O que em parte explica a dificuldade de se combater tal ato, conforme os entrevistados em sua grande maioria disseram que: “já ouviram falar sobre isso”, sendo que alguns de fato presenciaram.

Como se percebe mais adiante, a compra se dá por objetos de pouca utilidade ou mesmo por promessas de longo prazo que podem ser realizadas ou não após a vitória do candidato ao ser eleito.

É necessário considerarmos que nem todo eleitor vende seu voto por algum benefício mesmo pertencendo à mesma classe, nível de renda, escolaridade. Ou ainda, nem só pessoas com menor renda e baixa escolaridade, como bem demonstrou Speck (2003) em sua pesquisa sobre a ocorrência da compra de votos nas eleições de 2000, com a vigência da lei 9 804 de 1999, a partir daquele ano. Isso significa que o voto a ser comprado pode aparecer como uma proposta a todo o eleitorado na disputa eleitoral.

A partir do gráfico seguinte observamos a percepção de eleitores em relação às propostas de compra de votos. A partir desses dados, dividimos as propostas em dois grupos: a primeira diz respeito às propostas ofertadas aos eleitores pelo candidato ao cargo de vereador ou prefeito, a segunda traz as solicitações do eleitorado aos seus possíveis candidatos.

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Fonte: Dados da pesquisa

Ao serem interrogados, sobre a sua percepção sobre proposta de comprar votos aos eleitores, as afirmações dos entrevistados (as) foram: 14% (quatorze por cento) aceitam, 7% (sete por cento) rejeitam,53% (cinqüenta e três por cento) disseram que alguns aceitam e outros rejeitam a proposta; 12% (doze por cento) pedem algum bem material ou não para votar,13% (treze por cento) dos consultados afirmaram que aceitam a proposta e pedem alguma recompensa, e apenas 1% ( um por cento) não respondeu essa questão.

A partir dos dados, percebemos um número expressivo que aceitam a proposta e pedem algo em troca por um voto na última eleição municipal (em torno de 33,5 % dos entrevistados). Possivelmente, um número pequeno de entrevistados que afirmaram que eleitores rejeitam diretamente vender o voto está relacionado ao fato da compra de votos ser bastante falada, mas de difícil comprovação. Sendo que nesse fenômeno estão presentes basicamente dois agentes: um que compra o voto, outro que vende. E também por se tratar de um crime com punições severas, como perder a candidatura ou multa imputada ao prefeito ou vereador, caso comprove esse crime na disputa eleitoral, de acordo com a lei 9.840/99.

Em relação aos bens ofertados pelo candidato a prefeito ou vereador para compra de votos, a lista em geral inclui: dentaduras, promessa de empregos públicos, materiais de construção, remédios, óculos, exames médicos, dentadura, cesta básica.

Os mais produtos/materiais/imateriais, bens, solicitados pelo eleitor pela troca do voto, conforme apuração, foram: remédios, passagens para viagens, emprego público para parentes mais próximos, cirurgias, peças para carros, motos, e com maior frequência dinheiro (aproximadamente 50%).

Ofertas de dinheiro aparecem muito nas respostas. O dinheiro pode ser um problema, principalmente, para candidatos menos afortunados, com pouco dinheiro. Isso dificulta a eleição ou mesmo impede a vitória destes em eleições. Tudo indica que ter dinheiro decide uma eleição. E isso não é diferente nas disputas eleitorais para os pleitos de vereador ou prefeito, ao que se aponta conforme apurado.

É interessante notar a presença dos agentes no processo de compra de votos, que inclui não só os votantes ou os cargos na disputa em questão, mas também está presente uma rede de relações pessoais. O gráfico abaixo apresenta que cargos ou quem medeia para que esse fenômeno persista em nossas eleições sejam municipais, não obstante, podem estar presente ou não nos pleitos estaduais ou federais.

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Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os eleitores entrevistados, de modo geral os cabos eleitorais tem uma participação maior e decisivo nesse processo. Os resultados indicam que: os cargos que mais propõe comprar votos são o de vereadores (21%), e os de prefeito (13%) com uma diferença irrisória entre esses dois pleitos. Com uma pequena porcentagem, aparece a figura do presidente ou algum membro de associação de moradores (3%).

A maior participação dos cabos eleitorais nessa situação parece indicar outra forma de dificultar a punição dos envolvidos diretamente na compra de votos. Outra interpretação possível é que candidatos ao legislativo e ao executivo municipais não desconhecem essas sanções, entre a mais grave a cassação do cargo. Isso será visto no gráfico a seguir.

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Fonte: Dados da pesquisa

Observamos que grande parte classificou a compra de votos como crime eleitoral (66%), classificada também como pratica prejudicial, o que está de acordo com as conseqüências coletivas e individuais apontadas pelo eleitorado nessa pesquisa. Tudo indica o não desconhecimento por parte dos votantes da legislação eleitoral que proíbe a compra de votos nas eleições.

Sabemos que o voto é um resultado de um longo processo eleitoral, sendo esse processo não apenas regido pelas normas legais, por uma legislação eleitoral, mas também pela relação direta ou indireta do candidato e seus possíveis eleitores. Certamente, a legislação em vigor representa um grande avanço para a democracia brasileira, tendo em vista que a compra de votos pode impedir bons candidatos a ser eleitos ou políticos corruptos serem eleitos mesmo usando as regras do jogo democrático.

O efeito da fraude na disputa eleitoral não se limita ao final da eleição. Em outras palavras, não diz respeito somente o resultado da eleição, sendo que existe um risco de quem compra votos não ser eleito, como também o eleitor que permuta seu voto pode sofrer conseqüências drásticas, como não ter direito de reivindicar um governo municipal mais justo para todos. O gráfico abaixo indica as possíveis conseqüências da compra de votos.

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Fonte: Dados da pesquisa

Em sua grande maioria (91%), os eleitores apontaram conseqüências em relação à venda de votos em eleições. Isso também pode estar relacionado com a classificação de comprar votos como crime e uma prática prejudicial não apenas aqueles envolvidos nesse ato, como também a população em geral sofre os efeitos.

De acordo com os entrevistados, as conseqüências têm caráter mais social. O que surpreendeu nas respostas foi o desconhecimento do eleitorado aos efeitos individuais, por exemplo, a cassação de algum vereador que use dessa ação para se eleger.

Entre as conseqüências coletivas mais indicadas estão: falta de medicamentos em postos de saúde, atendimento de má qualidade em hospitais, escolas, enriquecimento pessoal considerando a eleição como um investimento de negócio particular, e com menor ocorrência a cassação do mandato do prefeito ou vereador.

Em suma, consideramos a compra de votos como algo recorrente em nossas eleições, e não somente tem como público alvo a população mais empobrecida de nosso país e sendo o voto uma grande conquista histórica, votar é um primeiro passo para construir a sociedade que queremos, sem ignorar o contexto histórico em que estamos inseridos.

2.2 Compra de votos sob a percepção dos alunos do 3º ano do Ensino Médio da Escola de Ensino Profissionalizante Deputado José Maria Melo em Guaraciaba do Norte-CE.

Além dos 100 questionários aplicados a professores do Ensino Fundamental de Guaraciaba do Norte – CE, também foram aplicados 100 questionários aos jovens alunos guaraciabenses estudantes do 3º Ano da Escola de Educação Profissional Deputado José Maria Melo. O objetivo consistia em saber o que esses jovens pensam sobre a compra e venda de votos e se eles têm consciência das conseqüências que tais práticas podem trazer para as suas vidas e para o coletivo. Porém, antes de partir para os resultados da pesquisa, é importante lembrar alguns acontecimentos históricos que marcaram a participação da juventude na política brasileira.

A participação organizada dos jovens estudantes na vida política no Brasil tem como marco a criação do primeiro congresso da Juventude Operária Estudantil em 1934 e a fundação da União Nacional dos Estudantes em 1937. Nesse período os jovens contestavam contra o regime estadonovista e lutavam pela democracia (ARAÚJO, 2012). No decorrer dos anos 60, os estudantes se mobilizaram para combater o regime militar instalado no país em 1964 e para propor “reformas econômicas de caráter socialista, de liberdade no âmbito familiar, sexual e escolar, reestruturação dos currículos escolares aproximando teoria e prática” (SCHMIDT, 2001, p. 190 apud ARAÚJO, 2012, p. 90). Também nesse momento histórico, Angélica Lyra de Araújo (2012) diz que surgiram grupos de jovens progressistas da Igreja Católica que propunham mudanças para o Brasil, com base nos princípios da democracia, da revolução e do socialismo.

O movimento estudantil queria o fim da ditadura e era contra a tentativa do governo de privatizar a educação. Os estudantes tiveram como aliados artistas, intelectuais, padres e uma boa quantidade de mães, porém suas manifestações foram duramente repreendidas pelo regime militar no início da década de 1970, havendo prisões, torturas, mortes e desaparecimentos. Esses acontecimentos violentos acabaram enfraquecendo as mobilizações políticas, que apenas ressurgem no final da década de 1970 quando crescem as lutas pela redemocratização no país (ARAÚJO, 2012).

Contudo, após o ‘impeachment’ do ex-presidente Fernando Collor de Melo em 1992, percebeu-se que a participação e o interesse dos estudantes na política diminuíram. Marcello Baquero (1997 apud ARAÚJO 2012, p. 95) argumenta que os jovens se mostram “descrentes e céticos em relação à política e ideais democráticos da nossa cultura política, justamente em função da fragilidade do nosso sistema democrático”. Ou seja, os segmentos juvenis ainda não consolidaram sua presença nas decisões políticas de forma ampla porque a democracia do Brasil é recente e frágil.

Porém, será correto afirmar que a juventude dos dias de hoje não se sensibiliza com as questões da vida política? É preciso tomar cuidado para não cair em generalizações e estereótipos que anulam a presença da juventude na política. Os jovens são uma categoria importante no jogo político porque podem ser usados como instrumento de manutenção ou de transformação social (GONÇALVES, 2009). A pesquisa realizada em uma das cidades da Região da Ibiapaba constatou que a maioria dos jovens não está alheia à política e tem consciência das conseqüências negativas da compra e venda de votos, prática ainda muito comum no município de Guaraciaba do Norte – CE, algo que se percebe após a apuração do trabalho.

De acordo com as informações obtidas nos questionários aplicados aos estudantes da Escola Profissional da cidade, 56% dos jovens já ouviram falar na compra de votos nas eleições municipais da cidade, 40% presenciaram a prática e 4% afirmaram desconhecer o ato. Depreende-se desses dados que a maior parte da juventude tem conhecimento sobre alguém que vendeu seu voto ou de candidatos que ofereceram alguma coisa em troca.

COMPRA DE VOTOS NAS ELEIÇÕES DO MUNICÍPIO DE GUARACIABA DO NORTE/CE

56%

40%

4%

Fonte: Dados da pesquisa.

A prática ilícita do sufrágio é um fenômeno comum no Brasil e “um fator relevante para uma parte do eleitorado na definição do seu candidato” (SPEACK, 2003, p. 149). A corrupção eleitoral é uma contradição do atual sistema político brasileiro representado pela democracia. Speack (2003) reforça que a manipulação das eleições populares ocorre com facilidade no país porque a democracia é muito recente, logo, garantir a lisura nas eleições é um grande desafio.

Quando questionados sobre quais pessoas propuseram comprar o voto dos jovens a maioria disse ter recebido propostas diretamente de candidatos a prefeito e a vereador (19%), apenas do prefeito (13%), do vereador (27%), do cabo eleitoral do prefeito (15%), do prefeito, vereador, cabo do vereador e cabo do prefeito (9%), cabo do prefeito de cabo do vereador (2%), prefeito, vereador e cabo do prefeito (3%), do presidente da Associação de Moradores (3%), do prefeito, vereador, cabo vereador e presidente da Associação de Moradores (2%), 5% afirmou ter recebido proposta de todas as pessoas citadas e apenas 2% disse não recebido nenhum tipo de proposta. Pelos dados pode-se perceber que existe uma procura significativa por compra de votos e que os candidatos a vereador e prefeito são as pessoas que mais se aproximam do povo para oferecer algo em troca do voto.

Ao perguntar aos jovens se os eleitores em geral costumam aceitar vender seu voto quando os candidatos propõem algo em troca, temos a seguintes respostas: 55% afirmam que alguns aceitam e outros rejeitam a proposta, 38% aceitam a proposta, 6% rejeitam e 1% não respondeu à pergunta.

1%

55%

38%

6%

NÍVEL DE ACEITAÇÃO DE PROPOSTA DE COMPRA DE VOTO NA VISÃO DOS JOVENS ALUNOS

Fonte: Dados da pesquisa.

Quando questionados se já receberam proposta para venderem seu voto 63% disseram que nunca receberam proposta, 36% afirmam que já receberam e 1% não respondeu à pergunta, como pode ser visto no gráfico abaixo:

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Fonte: Dados da pesquisa.

Ao perguntar qual a opinião dos jovens sobre a compra de votos 73% consideram que a prática é um crime, 24% dizem que a prática é prejudicial, 2% afirmam que a prática é normal e 1% não considera crime. Pode-se notar que grande parte da juventude reconhece como crime a compra de voto dos eleitores, demonstrando que consideram o ato como algo errado e negativo para a sociedade.

[IMAGEM INDISPONÍVEL]

Fonte: Dados da pesquisa.

Os jovens afirmaram que os candidatos costumam oferecer diversos produtos, serviços e favores aos eleitores em troca do voto: Dinheiro, emprego na prefeitura, materiais de construção (sacos de cimento, lajotas, telhas, portas, tintas, areia, caixas d’água), reformas na casa, dentaduras, aparelhos ortodônticos, consultas e exames médicos, cirurgias, vacinas, pagamento de dívidas, carros, casas, gasolina, cestas básicas, poste de energia elétrica, aparelhos eletrônicos, pneus e produtos agrícolas.

Também mencionaram os jovens que há eleitores que solicitam aos candidatos bens materiais e favores como garantia do seu voto, tais como: dinheiro, materiais de construção, cargo na prefeitura, próteses dentárias, casa, celulares, notebooks, eletrodomésticos e consultas médicas.

Na maioria dos questionários o “dinheiro” foi o mais citado pelos jovens como instrumento de compra e venda de votos. E apenas 1% da juventude pesquisada mencionou que as pessoas também solicitavam dos candidatos melhoria na saúde e na educação. É possível perceber que grande parte de eleitores e candidatos são coniventes com a prática ilícita do sufrágio, os interesses pessoais sempre estão acima dos interesses coletivos, e assim o voto é usado como meio de ganhar vantagem e satisfação imediata.

Speack (2003) afirma que a política é um palco de disputa de poder entre elites que se utilizam da máquina governamental para beneficiar candidatos, manipular as eleições e conquistar o voto das massas populares através do seu domínio financeiro, uma vez que financiam as campanhas eleitorais. “Há um grande desnível de poder entre a elite política e a massa dos eleitores e o recurso do poder político é negociado por vantagens materiais imediatas aos eleitores” (SPEACK, 2003, p. 154-155). O apoio a determinado candidato se resume a trocas materiais (bens e dinheiro) e não materiais (cargos públicos), e sobre essa dimensão da compra de voto Speack (2003, 156) aponta que “a origem de grande parte destes benefícios não se encontra mais nos recursos privados do candidato, mas sim no abuso de recursos do poder público”.

Quando se perguntou aos jovens se eles apontam conseqüências negativas na compra e venda de votos foram obtidos os seguintes dados: 90% acreditam que há conseqüências negativas, 6% disseram não haver conseqüências e 4% afirmou que é indiferente às conseqüências. Dessas informações pode-se notar que a maioria tem consciência de que o ato de vender ou comprar votos pode trazer implicações negativas.

4%

6%

90%

JOVENS QUE CONSIDERAM A COMPRA DE VOTOS COMO CONSEQUÊNCIA NEGATIVA

Fonte: Dados da pesquisa.

As respostas dos jovens foram bem claras quanto às consequências da prática ilícita do sufrágio, como se pode ver em alguns trechos selecionados:

  • Aquele que negocia seu voto, além de pregar a corrupção, não pode exigir nada do candidato que escolheu na eleição e faz com que aumente as injustiças sociais.

  • A consequência é que se você vender seu voto, [...] está compactuando com a corrupção.

  • Corrupção fere a dignidade e honestidade dos eleitores, desvalorização do voto.

  • Perda do voto consciente e corrupção.

  • Mau desenvolvimento da cidade e educação.

  • Há violação de direitos, tornando um lugar mais corrupto, podendo afetar toda a sociedade.

  • Um governo corrupto, não cumpre com seu dever com a população.

  • Uma campanha suja e sem valor.

  • A sociedade em si dá um mau exemplo, sendo corrupta direta e indiretamente.

  • A pessoa que você votar vai ser uma pessoa desonesta e não vai reger o município com consciência.

  • A troca de voto por bens materiais e dinheiro coloca as pessoas de pouca capacidade e caráter no poder, ou seja, a própria sociedade se corrompe.

  • A população torna-se submissa aos candidatos, e corruptos junto com eles.

A “corrupção” é a consequência mais apontada pelos jovens. Em suas respostas, pode-se notar que eles têm consciência política e se preocupam com o bem estar da coletividade, fato que contraria a visão corrente de que a juventude é individualista e não se importa com as causas coletivas (GONÇALVES, 2009, p. 154). Para eles a compra e venda de votos prejudica a sociedade como um todo, aumenta as desigualdades sociais no município, ajuda a colocar pessoas desonestas no poder, prejudica a educação e saúde, impedindo também que a cidade se desenvolva. Quando os jovens falam que a venda do voto impede que os eleitores possam cobrar ou criticar os eleitos posteriormente, estão expondo um pensamento negativo sobre a eleição baseada na troca, pois reconhecem que “o compromisso do candidato com o eleitor tende a limitar-se ao curto espaço de tempo da campanha eleitora [...]. O candidato que compra o voto se livra do compromisso posterior de prestar contas sobre a sua atuação política” (SPEACK, 2003, p. 156).

De acordo com a exposição dos resultados da pesquisa realizada no município de Guaraciaba do Norte, conclui-se que os jovens estudantes acreditam no voto consciente como meio de alcançar uma sociedade mais justa. Logo, os jovens não podem ser colocados como pessoas inertes frente aos acontecimentos da vida política.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil possui uma rica história eleitoral que ficou parcialmente demonstrada nesta pesquisa. O contexto é bastante apropriado, no curso da “Operação Lava Jato”, que apura fraudes no processo eleitoral, podendo estar consubstanciada no art. 41-A da Lei 9504/97, dentre outros ilícitos, a serem apurados na seara judicial.

O presente estudo fez uma análise doutrinária e jurisprudencial, sendo encorpada com a ilustração prática, apurada em uma pesquisa de campo, sem caráter científico, com dois públicos alvos, totalizando 200 pessoas, que foram divididas em dois grupos. De modo que um grupo teve como público alvo estudantes do ensino médio, sem idade de voto, em regra, e o segundo grupo composto por docentes que votam, de forma obrigatória.

De sorte que foi feito um apanhado de forma profunda e crítica acerca do art. 41-A da Lei 9504/97, introduzido pela Lei 9840/99, buscando demonstrar as mudanças no campo do direito positivo, a vedação da compra de votos. Assim, o estudo teve como foco principal a Captação Ilícita de Sufrágio em face de sua aplicabilidade, considerando os preceitos da legislação brasileira, evidenciando sua ocorrência do ponto de vista da doutrina, da jurisprudência e não menos importante a consulta do ponto de vista dos eleitores e de futuros eleitores, como foi o grupo de 100 alunos do Ensino Médio, acerca da lisura de pleito eleitoral.

A sociedade cansada com os meios escusos praticados pelos candidatos em campanhas eleitorais buscou mecanismos para tentar coibir um dos problemas mais sérios que assola o processo eleitoral em nosso país, que é a utilização de meios ilícitos para a obtenção de votos para ganhar eleições, especialmente quando eivados do abuso do poder econômico, do uso indevido dos meios de comunicação e outros, certos que a adoção de tais condutas tem o condão de quebrar a paridade da disputa entre os candidatos e de viciar a vontade livre e soberana dos cidadãos a serem manifestadas nas eleições, fatos que levaram ao surgimento do art. 41-A da Lei 9504/97

Com a introdução do preceito legal em nosso ordenamento jurídico, fruto da mobilização popular à Justiça Eleitoral foi agraciada com meios e poderes para, quando acionada, reprimir com maior rapidez e efetividade o abuso do poder econômico de candidato que capta sufrágios, mediante doação de bens ou vantagens ao eleitor.

A natureza jurídica do artigo 41-A da Lei nº 9.507, de 1997, está voltada, portanto, para garantir a livre manifestação do voto, afastando qualquer ato ilícito que contamine esse valor democrático e surgiu como elemento primordial de proteção à cidadania e a democracia.

A análise de campo apresenta elementos curiosos inclusive quando mostra o fato de que, até mesmo quem ainda não vota, de alguma forma, conhece, ou, já ouviu falar, indo ao ponto de já ter presenciado captação irregular de sufrágios. Isto posto em debate, diminui a esperança de uma Nação mais justa socialmente porque a própria juventude em desenvolvimento, se depara com esse tipo de ilícito eleitoral, podendo naturalizá-la.

Não menos estarrecedores são os percentuais demonstrados na exposição de todos os gráficos que revelam do ponto de vista da sociedade que nossa democracia carece de maiores cuidados. A análise remete também ao fato de que culturalmente há uma grande aceitação, embora velada, sobre compra de votos.

Poucos doutrinadores têm se debruçado em retratar a Captação Ilícita de Sufrágio, evidenciado que até mesmo entre os intelectuais o assunto ainda é um tabu.

Pela análise da jurisprudência ficou comprovado que ocorre compra de votos nas eleições em nosso País e que o Poder Judiciário tem colaborado com a punição dos transgressores dos pleitos eleitorais. Em via transversa, foi identificado que há casos em que o Poder Judiciário não considera compra de votos. Isto é importante para separar e delinear a caracterização da ilicitude, uma vez que generalizações não resolvem o problema. Neste contexto, não se pode esconder que os casos que chegam para análise do Poder Judiciário podem ser ínfimos e que isso precisa ocorrer cada vez mais.

Por fim, resta claro e comprovado que as eleições em nosso País atentam contra o Estado Democrático de Direito. Isso impõe a sociedade e as instituições em alerta porque graves problemas que assolam nosso povo podem ter como nascedouro eleições eivadas de diversos ilícitos. Não se pode negar que a tipificação contida no art. 41-A da Lei 9504/99 representa um avanço para coibir tais condutas, mas que precisa de um maior empenho de todos.


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