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O controle difuso da constitucionalidade sob a ótica do direito luso-brasileiro

O controle difuso da constitucionalidade sob a ótica do direito luso-brasileiro

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O sistema de fiscalização da constitucionalidade em Portugal é tão complexo quanto e similar ao brasileiro, sendo que este último possui um controle político mais enraizado.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 2.1. Conceito. 2.2. Constituições rígidas e a fiscalização das normas infraconstitucionais. 2.3. As espécies de inconstitucionalidade. 2.4. Modalidades de controle. 3. ASPECTOS DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. 3.1. Origem histórica. 3.2. Conceito. 3.3. Aplicação no ordenamento jurídico português e no brasileiro. 3.4. A tramitação do incidente de inconstitucionalidade. 4. CONCLUSÕES.


1. INTRODUÇÃO

O sistema de fiscalização da constitucionalidade no ordenamento jurídico luso-brasileiro é caracterizado por sua imensa complexidade. Trata-se de um sistema misto, no qual se identificam simultaneamente características e mecanismos próprios do sistema austríaco de controle de constitucionalidade arquitetado por Kelsen e da judicial review desenvolvida no direito norte-americano.

Ocorre que, no modelo americano, em razão do stare decisis, as declarações de inconstitucionalidade vinculam os órgãos jurisdicionais inferiores. Assim, as decisões da Suprema Corte vinculam os juízes e tribunais de todo o país, ao passo que as decisões dos tribunais de segunda instância vinculam os juízes que lhe estejam subordinados.

O sistema de controle de constitucionalidade austríaco é caracterizado, sobretudo, pela aferição da compatibilidade da lei em tese face à Constituição, tarefa que é atribuída exclusivamente a uma Corte Constitucional. Tal característica lhe rendeu denominações diversas, tais quais, sistema abstrato de controle de constitucionalidade e sistema concentrado de controle de constitucionalidade.

O sistema norte-americano de judicial review, por outro lado, tem como característica a verificação da compatibilidade da lei com a Constituição diante de um caso concreto. O questionamento sobre a constitucionalidade da norma, nesse aspecto, revela-se como uma questão incidental ao julgamento da causa em juízo, exigindo do magistrado, portanto, que tome posição no que se refere à inconstitucionalidade da norma a ser aplicada se pretender julgar o mérito da causa. Em decorrência dessa característica, esse sistema também ficou conhecido como sistema concreto de controle da constitucionalidade ou sistema difuso de controle da constitucionalidade.

O sistema de fiscalização da constitucionalidade adotado por Portugal e pelo Brasil, como já adiantamos, combina ambos sistemas, sendo que cada um dos respectivos ordenamentos jurídicos possui particularidades que os diferenciam, conforme iremos estudar mais adiante.


2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1. Conceito

O controle de constitucionalidade, para José Alfredo de Oliveira Baracho, é “a verificação, por uma autoridade competente, se o princípio da constitucionalidade foi respeitado, tendo como sanção a possibilidade de anular ou paralisar o ato inconstitucional”.[1]

Noutras palavras, o controle de constitucionalidade traduz-se em verdadeiro instrumento de concretização dos direitos fundamentais - tanto de caráter material, quanto processual - previstos na Carta Magna, com o escopo de preservação da supremacia do texto constitucional, face às demais normas existentes em um ordenamento jurídico.

Trata-se de concepção inspirada nos ensinamentos de Hans Kelsen[2], para quem o ordenamento jurídico constitui-se em um conjunto hierarquizado de normas estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, cujo topo seria ocupado por uma chamada norma hipotética fundamental, que, para muitos constitucionalistas, seria a própria Constituição, caracterizada pela sua superioridade em relação às demais normas.

  Referida supremacia atribuída à Lei Maior justifica sua rigidez e confere os pilares para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade, no qual se busca a adequação de um ato jurídico qualquer às normas constitucionais, tanto em relação ao seu aspecto formal, quanto ao fundamento material do ato impugnado.

As ideias kelsenianas influenciaram a elaboração da Carta Política Austríaca, nacionalidade do jurista, que trouxe em seu texto a previsão de um controle de constitucionalidade concentrado, incumbência atribuída a um Tribunal Constitucional que exerceria a função de Guarda da Constituição.

Tratou-se, contudo, de questão polêmica o debate acerca de quem seria o competente para exercer a Guarda da Constituição, dado que o nazista Carl Schmitt[3] - grande opositor de Kelsen - defendia que a referida função detinha caráter eminentemente político e, portanto, deveria ser atribuída ao presidente do Reich, à época, o ditador Adolf Hitler.

No entanto, Kelsen publicou resposta à obra de Schmitt intitulada “Der Hüter der Verfassung” (O Guardião da Constituição)[4], argumentando que se por natureza política devia entender-se questão de relevante repercussão social, então distinção não havia entre esta e a natureza jurídica, já que o Direito também propõe-se a solucionar questões de grande impacto social. Sendo assim, o jurista austríaco passou a defender que a função de Guarda da Constituição deveria ser desenvolvida por um Tribunal Constitucional, formado por magistrados preparados, o que garantiria uma maior imparcialidade nas decisões, tendo inspirado sobremaneira o controle de constitucionalidade desenvolvido em seu país natal.

Os Estados Unidos, por sua vez, com sua tradição de direito construído através dos precedentes judiciais, mais comumente conhecido como jurisdição dos precedentes, desenvolveu a ideia de controle difuso de constitucionalidade, exatamente porque se daria de maneira diluída, através da solução de cada caso concreto. O precursor do controle de constitucionalidade nos EUA foi o julgamento pela Suprema Corte norte-americana do famoso caso Marbury VS. Madison.

Em Portugal, e também no Brasil, como será visto mais adiante, optou-se pela conjugação de ambos os sistemas de controle, tanto que, em ambas as Constituições, encontra-se a previsão de um controle concentrado de constitucionalidade - a ser efetuado pelo Tribunal Constitucional (em Portugal) e pelo Supremo Tribunal Federal (no Brasil) - e um controle difuso, que pode ser procedido nos autos de qualquer ação, de competência de qualquer órgão jurisdicional.

Impende, ainda, ressaltar-se que, em oposição aos sistemas de controle de caráter jurisdicional, como é o caso de Portugal, Brasil, Áustria e EUA, há o controle político de constitucionalidade evidenciado na França[5], a cargo do Conseil Constitutionnel. Trata-se de órgão de caráter essencialmente político a quem incumbia o controle preventivo de constitucionalidade, mas que, com a reforma constitucional de 23 de julho de 2008, passou a efetuar, também, um controle repressivo, através da introdução no ordenamento jurídico francês da question prioritaire de constitutionnalité.[6]

2.2. Constituições rígidas e a fiscalização das normas infraconstitucionais

 Constitucionalidade e inconstitucionalidade, no dizer de Jorge Miranda, designam a relação - de compatibilidade ou incompatibilidade, respectivamente - que se estabelece entre a Constituição e um comportamento.[7]

Mas não se trata, frise-se, de qualquer comportamento, mas sim dos atos e omissões dos Poderes Públicos, que são os principais destinatários dos comandos normativos da Constituição. Assim, caracterizada a relação de inconstitucionalidade, o comportamento não pode permanecer impune.

Segundo Kelsen, “uma Constituição em que falte a garantia da anulabilidade dos atos inconstitucionais não é plenamente obrigatória”.[8]

Por sua vez, Canotilho acrescenta que o Estado Constitucional Democrático, para que possa subsistir, precisa de meios e institutos destinados a assegurar a aplicação e a observância da lei fundamental.[9] Trata-se das garantias da Constituição, que não se confundem com as garantias constitucionais: enquanto estas têm um cunho subjetivo, estão voltadas para a possibilidade de os cidadãos exigirem do Poder Público a proteção a seus direitos, aquelas têm o escopo de garantir a existência da própria Constituição.[10]

Para Paulo Bonavides, esses mecanismos de defesa são típicos das Constituições rígidas, que diferenciam o poder constituinte do poder constituído e exigem um rito diferenciado para a reforma da Constituição.[11] São essa exigência e essa diferenciação que acarretam em uma “hierarquia jurídica, que se estende da norma constitucional às normas inferiores”.[12]

Interessante anotar a conclusão de Marco Bruno Miranda Clementino, magistrado brasileiro, sobre tema:

A referência às constituições rígidas é importante. O controle de constitucionalidade como garantia da constituição só faz sentido nas constituições para cuja reforma se exija quorum mais elevado do que o previsto para alteração da legislação em geral. Supremacia (constituição material) e superlegalidade (constituição formal) são conceitos próprios de regimes dessa natureza, que se assentam na distinção entre poderes constituintes e poderes constituídos.[13]

Assim, quando se fala em Constituição rígida, fala-se em supremacia constitucional, que requer uma sanção aos atos do Poder Público que guardem relação de incompatibilidade com a lei fundamental. Essa sanção é alcançada através do controle de constitucionalidade, que deve ser previsto pela própria lei fundamental.

2.3. As espécies de inconstitucionalidade

A fim de se proceder ao elucidado controle de constitucionalidade, faz-se necessária a adoção de determinados critérios para a classificação da espécie de inconstitucionalidade do ato jurídico apreciado, sendo eles o momento em que é verificada a inconstitucionalidade, o tipo de atuação estatal que a ocasionou e o procedimento de elaboração e conteúdo da norma sob controle. Com base nos critérios referenciados, classifica-se a inconstitucionalidade nas seguintes categorias: por ação e por omissão, formal e material, total e parcial, ou, ainda, originária e superveniente.

No que tange à primeira classificação, cumpre, preliminarmente, destacar que a Constituição é composta por normas dotadas de caráter cogente que ora impõem a prática de determinada conduta, ora a abstenção da adoção de certo comportamento, podendo, neste contexto, a inconstitucionalidade se dar tanto pela prática de ato proibido, quanto pela não realização de conduta juridicamente exigível.

Nesse toar, a inconstitucionalidade por omissão é aquela decorrente da abstenção da prática de determinado ato que deveria ser executado, a exemplo do que ocorre com o descumprimento das normas programáticas que impõem à Administração o dever de efetuar determinadas prestações positivas, relacionadas à saúde, educação, meio ambiente, dentre outras. Frisem-se, pois, os ensinamentos de Canotilho:

A força dirigente e determinante dos direitos a prestações (econômicos, sociais e culturais) inverte, desde logo, o objeto clássico da pretensão de omissão dos poderes públicos (direito a exigir que o Estado se abstenha de interferir nos direitos, liberdades e garantias) transitando-se para uma proibição de omissão (direito a exigir que o Estado intervenha ativamente no sentido de assegurar prestações aos cidadãos).[14]

Doutra banda, a inconstitucionalidade por ação, mais frequentemente observada, seria aquela decorrente de uma conduta positiva, ou seja, da prática de um ato em desacordo com os princípios e normas previstos na Constituição, submetendo-se ao controle constitucional os atos emanados pelos órgãos de quaisquer dos três poderes da Administração (Legislativo, Executivo e Judiciário).

Já para fins de classificação da inconstitucionalidade nas categorias formal e material, mister observar se foram respeitadas as competências e procedimentos de elaboração do ato, para seu regular ingresso no ordenamento jurídico - aspecto formal subjetivo e objetivo, respectivamente, ou, ainda, se seu conteúdo é compatível com o que preceitua a Constituição - aspecto material.

Também poderá ser total ou parcialmente inconstitucional o ato jurídico sob controle. No primeiro caso, a integralidade do diploma legal encontra-se maculada pelo vício da inconstitucionalidade, enquanto que no segundo, apenas parcela da norma afronta à Lei Maior.

Cite-se, como exemplo, o caso de uma lei ordinária cujo procedimento formal de elaboração não foi respeitado, tornando-a inconstitucional por inteiro, ou o caso em que somente alguns artigos, ou até mesmo incisos, possuem conteúdo incompatível com a Constituição, situação em que a inconstitucionalidade será parcial.

Por fim, será originária, quando se verificar desde o momento do ingresso da norma no ordenamento jurídico e superveniente, sempre que a promulgação de uma nova Constituição tornar inconstitucional a norma que lhe for preexistente.

Ressalte-se, todavia, que o instituto da inconstitucionalidade superveniente é inaplicável ao Direito brasileiro, já que, nesse ordenamento, adota-se a teoria da recepção, pela qual se deve proceder a um juízo de conformidade entre o conteúdo da lei anterior e da nova Constituição, de sorte que a norma prévia somente poderá ser tida por recepcionada, ou revogada[15], pela novel Carta Magna, mas jamais poderá ser ela tida por inconstitucional.

A mesma regra aplica-se, também, no caso de edição de emenda constitucional, que tampouco poderá acarretar a inconstitucionalidade da legislação que lhe for anterior, mas tão só sua não recepção, ou revogação.

Em relação ao direito português, ao contrário, a Constituição da República prevê expressamente a possibilidade da aplicação da inconstitucionalidade superveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 282.º. Vejamos:

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

Sobre o tema, preceitua Canotilho:

Hoje, as dúvidas que inicialmente se suscitaram quanto à submissão do direito pré-constitucional ao sistema de fiscalização da constitucionalidade (incluindo o recurso de constitucionalidade e a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral) podem considerar-se resolvidas, mercê de uma jurisprudência reiterada e pacífica. Aliás, no art. 282.º - 2 prevê-se precisamente a hipótese da declaração de inconstitucionalidade “por infracção de norma constitucional posterior” (inconstitucionalidade superveniente), podendo esta norma ser interpretada de forma a abranger não apenas as normas introduzidas por revisão constitucional mas também as normas da Constituição originária.

A importância do estudo das referidas classificações reside exatamente na identificação do tipo de inconstitucionalidade do ato submetido a controle, até mesmo porque, conforme restou demonstrado, algumas categorias sequer são aplicáveis ao direito luso-brasileiro. O que se quer aqui dizer é que, não estando a categoria de inconstitucionalidade prevista nos respectivos ordenamentos, a norma por ela maculada não estará sujeita ao controle de constitucionalidade nem difuso, nem concentrado.

2.4. Modalidades de controle

No que atine às modalidades de controle, é possível identificar-se quatro classificações, a serem adiante explicitadas, obedecendo aos seguintes critérios: natureza do órgão de controle, momento de exercício do controle, órgão judicial responsável pelo controle e modo de controle.

Quanto à natureza do órgão de controle, poderá ser este último classificado em político ou jurídico. Será político, quando efetuado por órgão não integrante da estrutura do Poder Judiciário.

Para Walber de Moura Agra,

o controle político parte do pressuposto de que a forma de controle mais consentânea com a divisão de poderes é a realizada por um órgão distinto dos demais poderes estabelecidos, por intermédio de um tribunal constitucional, evitando-se a preponderância do Poder Judiciário, que poderia atuar como um legislador negativo, expurgando normas do ordenamento jurídico.[16]

Para o direito português, essa modalidade de controle político tem sido entendida como a possibilidade de que, e tão somente, as normas das convenções internacionais, atos legislativos e decretos regulamentares regionais de leis gerais da República e leis orgânicas possam ser submetidas, por intermédio de agente políticos, à apreciação de sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.

Conforme a Constituição da República, são legitimados para solicitar tal apreciação: o Presidente da República, para o caso de lei ou decreto-lei ou acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido para assinatura, bem como leis orgânicas que devam ser promulgadas (artigo 278.º, n.ºs 1 e 2); os Representantes da República, quanto às normas constantes de decreto legislativo regional (artigo 278.º, n.º 2); o Primeiro Ministro ou 1/5 dos Deputados da Assembleia da República, em relação aos projetos de leis orgânicas enviadas ao Presidente da República (artigo 278.º, n.º 4).

A Constituição portuguesa, outrossim, estipula um prazo para requerer a apreciação preventiva do Tribunal, além de predeterminar um prazo máximo para o pronunciamento da Corte Suprema (25 dias), podendo o lapso ser reduzido, em caso de urgência, solicitada pelo Presidente da República (artigo 278.º, n.º 8). Caso o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade de norma constante de qualquer decreto ou acordo internacional, deverá o diploma ser vetado pelo Presidente da República ou pelo Representante da República, conforme o caso, e devolvido ao órgão que o tiver aprovado (artigo 279.º, n.º 1).

Saliente-se, ainda, segundo doutrina portuguesa, que havendo um ato normativo, declarado constitucional previamente pelo Tribunal, não estará afastada a possibilidade de um novo controle, pela via repressiva, seja na modalidade difusa, seja pelo controle em abstrato.[17]

No direito brasileiro, o Poder Legislativo, embora não seja o poder primordialmente competente para efetuar o controle de constitucionalidade, também exercerá esta função, só que se tratará de um controle político, consoante dito alhures.

São três as principais situações em que o Poder Legislativo atuará como Guardião da Constituição. A primeira delas ocorre na conversão de Medida Provisória em Lei pelo Congresso Nacional. Ora, se qualquer das Casas identificar que a Medida Provisória apreciada versa sobre matéria que não poderia ser regulada por esta via normativa, então rejeitará a sua conversão, fundamentando-se na inconstitucionalidade da medida.[18]

A segunda hipótese diz respeito ao veto legislativo, em que o Congresso, mediante a edição de Decreto Legislativo, sustará Lei Delegada que exorbitou dos limites inicialmente atribuídos pelo próprio Congresso. Também aí o fundamento para a sustação do ato normativo será sua inconstitucionalidade.

Outra situação de controle constitucional pelo Poder Legislativo dá-se através da atuação das CCJ’s – Câmaras de Constituição e Justiça, que podem rejeitar projeto de lei, utilizando-se do argumento de que este é inconstitucional. Saliente-se, todavia, que, diferentemente das duas primeiras hipóteses tratadas, este controle efetuado por CCJ tem um caráter preventivo, enquanto que nas outras situações narradas ele é repressivo.

Afora o Poder Legislativo, também o Executivo poderá exercer a função de controle, cabendo, no momento, destacar tão somente as hipóteses de controle pelo executivo que não são passíveis de divergências doutrinárias: o veto jurídico e a inexecução.

O primeiro caso traduz-se na hipótese em que o Presidente da República veta um projeto de lei, fundado na inconstitucionalidade deste último. Já a inexecução se dá, quando ocorre uma mudança na gestão executiva de um dos entes federativos, através da eleição de novo Chefe do Executivo, e este discorda do conteúdo dos atos normativos editados nas gestões anteriores, por considerá-los inconstitucionais e, por sua conta e risco, determina sua inexecução.[19]

O controle de constitucionalidade jurídico, por sua vez, nada mais é do que aquele efetuado pelos órgãos do Poder Judiciário, dentre os quais o Tribunal Constitucional (Portugal) e o Supremo Tribunal Federal (Brasil), a quem as respectivas Constituições pátrias, atribuem precipuamente a função de Guardião da Constituição.

Passando-se à próxima classificação, tem-se que, quanto ao momento de realização do controle, pode ser ele preventivo ou repressivo. Como o próprio nome sugere, preventivo é aquele anterior à vigência da norma, ou seja, antes mesmo que ela adentre no mundo jurídico, far-se-á uma aferição acerca de sua compatibilidade com a Constituição vigente.

Em Portugal o controle preventivo possui previsão constitucional no artigo 278.º e é realizado nos moldes do sistema francês: o ato normativo é enviado ao Tribunal Constitucional, antes da promulgação, para que avalie sua constitucionalidade, sendo legitimados para propor esse controle o Presidente da República, Ministros da República, Primeiro-Ministro e 1/5 dos deputados da Assembleia da República.

A norma declarada inconstitucional pelo Tribunal cuja declaração for afastada pela Assembleia da República (artigo 279.º) poderá ser reapreciada em eventual controle repressivo.

No Brasil, o controle preventivo é típico do Poder Legislativo, que, através de suas Casas, pode rejeitar projeto de lei manifestamente inconstitucional, sem olvidar-se a possibilidade de veto pelo Chefe do Poder Executivo.

Já o repressivo é aquele típico do Poder Judiciário, em que a lei já se encontra vigente, porém inapta à produção de efeitos, já que eivada da inconstitucionalidade desde a origem – tese da nulidade.[20]

Em relação ao órgão judicial que exerce o controle, será ele classificado em difuso ou concentrado. Isto porque, quando somente um órgão for competente para conhecer da arguição de inconstitucionalidade, dada a sua competência precípua para apreciação da constitucionalidade de leis, como é o caso do Tribunal Constitucional austríaco, será ele feito de forma concentrada.

Em oposição, quando qualquer órgão do judiciário puder conhecer da questão de inconstitucionalidade, sem que haja um único exclusivamente competente, terá o controle um caráter difuso. É o que ocorre nos ordenamento jurídicos português e brasileiro.

No que atine ao modo, será o controle efetuado pela via incidental, quando a inconstitucionalidade seja apenas a causa de pedir em uma demanda qualquer, sendo sua declaração mero meio para o alcance de um fim outro.

Por outro lado, controle por via principal, ou por ação direta, é aquele no qual o que efetivamente se busca é a declaração de inconstitucionalidade, portanto não é ela causa de pedir, mas o próprio pedido.


3. ASPECTOS DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

3.1. Origem histórica

O controle difuso encontra suas origens no famoso caso Marbury vs. Madison, julgado pelo juiz americano John Marshall em 1803. Este controle, diferentemente do modelo austríaco, é fruto de uma construção jurisprudencial, também sendo denominado sistema americano.

O então Presidente norte-americano, John Adams, foi derrotado nas eleições presidenciais por Thomas Jefferson. Antes de este último assumir o poder, Adams fez uma série de nomeações de pessoas ligadas ao seu governo para o cargo de juiz federal, entre elas William Marbury. A comissão para o cargo de juiz do condado de Washington foi assinado pelo Presidente Adams sem, contudo, ser entregue a Marbury.

Jefferson, ao assumir o cargo, nomeou para o posto de Secretário de Estado James Madison, determinando-lhe que não mais efetivasse a nomeação de Marbury. Este, como era de se esperar, se insurgiu contra a decisão e impetrou um writ of mandamus buscando a efetivação da sua nomeação.

Após anos de espera, a Suprema corte dos Estados Unidos enfrentou a matéria, tendo como relator para o caso o Chief Justice John Marshall. Uma das questões controversas que pendiam de solução neste caso era se a Suprema corte possuía competência ou não para apreciar o writ of mandamus, isto porque a Constituição dos EUA estabelece que a mais alta corte daquele país possui competência originária em todas as causas relativas a embaixadores, cônsules e outros ministros públicos, além dos casos nos quais um Estado fosse parte. Nos demais casos, a Suprema Corte teria jurisdição em grau de recurso.

Em termos práticos, o que a Suprema Corte precisou decidir pela primeira vez era se deveria prevalecer a lei - o Judiciary Act de 1789, que determinava uma competência para a Suprema Corte que não estava listada na Constituição - ou a Constituição de 1787, que não previa tal competência para a Corte.

O voto do Justice Marshall seguiu no sentido de que é nula toda lei incompatível com a Constituição e que os tribunais, bem como os demais departamentos, são vinculados por esse instrumento. Desta forma, pode-se afirmar que a noção de controle difuso de constitucionalidade das leis deve-se ao caso Marbury versus Madison julgado pela Suprema Corte dos EUA, a qual entendeu que, havendo conflito entre norma da Constituição e lei infraconstitucional, deveria prevalecer a primeira por ser hierarquicamente superior.

3.2. Conceito

Após uma breve exposição sobre os aspectos históricos do controle difuso de constitucionalidade, é importe trazer alguns pontos importantes para entendermos o seu conceito.

O controle difuso ou sistema americano, conceitualmente, não pode ser confundido com o controle por via incidental (ou incidenter tantum). O primeiro é realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário – desta forma, órgãos jurisdicionais inferiores ou superiores, federais ou estaduais não apenas podem, como devem, deixar de aplicar ao caso submetido à sua apreciação lei ou outro ato normativo incompatível formal ou materialmente com a Constituição Federal. Esta, sendo a lei dotada de mais alta hierarquia no ordenamento jurídico, impõe aos magistrados e cortes de justiça uma necessidade de interpretá-la, evitando a aplicação de leis ou atos normativos com ela incompatíveis.

O controle por via incidental, por seu turno, é aquele realizado na apreciação de um caso concreto, tendo como característica marcante que a declaração de inconstitucionalidade não é o objetivo da demanda. O que deseja a parte é que seja reconhecida seu direito, sendo este, porém, atingido ou violado pela norma supostamente inconstitucional. Em outras palavras, para que o magistrado ou tribunal chegue à solução do litígio, é necessário que haja deliberação, de forma incidental, sobre a constitucionalidade ou não de um dispositivo legal ou outro ato normativo; a matéria constitucional arguida, portanto, mostra-se como questão prejudicial.

No Brasil, todavia, regra geral, eles se sobrepõem, de forma que diversos doutrinadores utilizam as expressões controle difuso e incidental como sinônimas em suas obras jurídicas, uma vez que, desde os primórdios da República, o controle incidental é exercido de forma difusa.

Nota-se que o Brasil adotou o sistema judicial de controle de constitucionalidade, ou seja, são órgãos pertencentes ao Poder Judiciário que fazem a análise da compatibilidade material e formal das leis e atos normativos com a CF; não se pode afirmar, porém, que não existam exemplos de controle que podem ser exercidos por órgãos fora da estrutura do Judiciário, por exemplo, o veto jurídico imposto pelo Presidente da República a projeto de lei que considere inconstitucional, ou, ainda, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados determina o arquivamento de projeto de lei tido inconstitucional.

Em Portugal, também prevalece o sistema judicial e misto de controle de constitucionalidade. A competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas é de todos os tribunais (artigos 204.º e 280.º) - judiciais, administrativos, fiscais, militares - que, quer por impugnação das partes, quer ex officio pelo Juiz ou Ministério Público, julgam e decidem a questão da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a decisão judicial.[21]

O modelo português, por seu turno, além do controle concreto (difuso), possui como outras espécies de controle de constitucionalidade a fiscalização preventiva da constitucionalidade, a fiscalização abstrata da constitucionalidade e a inconstitucionalidade por omissão.

O controle de constitucionalidade difuso está expresso no artigo 204.º da Constituição da República, in verbis:

Artigo 204.º - Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

Observe-se que o Poder Judiciário português possui competência para apreciar questões constitucionais, mas a declaração definitiva é de responsabilidade do Tribunal Constitucional. Nesse aspecto, Ricardo Fiúza resume bem a questão:

Em resumo, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões de 1º grau e de 2º grau que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em sua inconstitucionalidade; que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; ou que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional.[22]

Não se pode deixar de salientar, ainda, interessante previsão constitucional portuguesa disposta no artigo 281.º, n.º 3, o qual dispõe que “o Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”.

No controle difuso, a ação judicial é interposta com o objetivo de resolver um caso concreto submetido à apreciação do Judiciário, mas, para a resolução deste conflito, o juiz ou tribunal analisa incidenter tantum, como matéria prejudicial, se a norma é ou não compatível com a CF. De acordo com Barroso:

Diz-se controle incidental ou incidenter tantum a fiscalização constitucional desempenhada por juízes e tribunais na apreciação de casos concretos submetidos a sua jurisdição. É o controle exercido quando o pronunciamento acerca da constitucionalidade ou não de uma norma faz parte do itinerário lógico do raciocínio jurídico a ser desenvolvido. Tecnicamente, a questão constitucional figura como questão prejudicial, que precisa ser decidida como premissa necessária para a resolução do litígio.[23]

Fica claro, portanto, que a análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo no controle difuso ocorre no processo judicial, possuindo a questão da constitucionalidade natureza de questão prejudicial à análise do mérito. No controle incidental, o pedido da ação interposta consiste em solucionar o conflito de interesses e não na análise da compatibilidade da norma com a CF, como ocorre no controle direto. Rui Barbosa, citado por Gilmar Mendes, lecionava que:

A inconstitucionalidade não se aduz como alvo da ação, mas apenas como subsídio à justificação do direito, cuja reivindicação se discute. (...) A ação não tem por objetivo diretamente o ato inconstitucional do poder legislativo, ou executivo, mas se refira a inconstitucionalidade dele apenas como fundamento, e não alvo, do libelo.[24]

Pode-se afirmar que uma característica marcante do controle difuso é que seu desenvolvimento se observa, inicialmente, no curso de uma ação judicial, e nesta, o debate acerca da matéria constitucional não é objetivo primordial, mas demonstra-se tão somente como um antecedente lógico e necessário à resolução do conflito submetido à apreciação do Poder Judiciário. O controle difuso, portanto, tem origem no âmbito de uma demanda judicial, sendo exercido por qualquer juiz ou tribunal competente para conhecer da ação e julgá-la, em qualquer grau de jurisdição e a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de lei ou ato normativo não é objeto principal da ação, mas um antecedente lógico e necessário para o julgamento do mérito.

3.3. Aplicação no ordenamento jurídico português e no brasileiro

No direito português, como dito acima, o controle concreto (difuso) de constitucionalidade é exercido por todos os tribunais, que podem apreciar, por impugnação das partes ou por iniciativa do juiz, a existência de inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento. Tal controle poderá ser exercido sobre todas as normas do ordenamento suscetíveis de controle sob o ponto de vista da constitucionalidade. Contudo, contra as decisões em sede de controle difuso, sempre existe a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional – obrigatório ao MP em alguns casos – o qual irá decidir em última instância a lide, sendo que a decisão proferida somente tem valor para o caso que originou o recurso.[25]

Segundo os ensinamento de J. J. Gomes Canotilho:

O regime da fiscalização concreta revela claramente a sua natureza mista, entre o sistema difuso, tradicional entre nós, e o sistema concentrado, de tipo austríaco. O sistema de controlo é um sistema original: diferentemente do que acontece com outros sistemas dotados de tribunal constitucional onde se consagrou o chamado “incidente de inconstitucionalidade”, os tribunais comuns também têm acesso directo à Constituição, dispondo de competência plena para julgarem e decidirem as questões suscitadas; mas, diversamente dos sistemas de judicial review, as decisões dos tribunais da causa são recorríveis para um tribunal constitucional específico, exterior à jurisdição ordinária.

O artigo 281.º, n.º 3, da Constituição da República, dispõe que o Tribunal Constituição apreciará e declarará, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”, ou seja, desencadeará processo de fiscalização abstrata a partir da análise prévia anterior em controle difuso. Observa-se, contudo, que essa passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata não ocorre automaticamente, nem está o Tribunal Constitucional obrigado a fazer, ficando dependente de iniciativa. Note-se, também, que não é necessário que a norma constitucional considerada como parâmetro nos três casos em que se posicionou pela inconstitucionalidade seja a mesma. É a norma tida como inconstitucional que deve se repetir. Da mesma sorte, nada impede que o Tribunal Constitucional declare apenas um segmento da norma inconstitucional, dando, portanto, uma amplitude menor à declaração da inconstitucionalidade em abstrato.[26]

Segundo o artigo 280 da Constituição da República, três são os tipos de decisões recorríveis ao Tribunal Constitucional: 1) decisões que recusem a aplicação de certa norma com fundamento em inconstitucionalidade ou em ilegalidade (artigo 280.º, n.º 1, “a”); 2) decisões que apliquem norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280, nº 1, “b”); e 3) decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional (artigo 280.º, n.º 2).

O que fundamenta a recorribilidade de tais decisões é o postulado da supremacia do Tribunal Constitucional, que é o órgão especificamente legitimado para exercer o papel de “guardião” da Constituição em última instância. Se a primeira palavra acerca da inconstitucionalidade de determinada norma cabe a qualquer julgador, a última, como já referido, pertence exclusivamente ao Tribunal Constitucional.[27]

A decisão proferida no recurso, todavia, tem caráter substitutivo em relação à decisão recorrida. Nesse sentido, julgado provido o recurso submetido ao Tribunal Constitucional, ainda que parcialmente, os autos retornam ao julgador a quo, a fim de que este reforme a decisão.

Ainda, é importante salientar que o recurso ao Tribunal Constitucional pode ser direto e, obrigatoriamente o será, quando se tratar de recurso interposto pelo Ministério Público em virtude da norma cuja aplicação tenha sido recusada constar de convenção internacional, de ato legislativo ou de decreto regulamentar (hipótese de recurso obrigatório). Vejamos o que diz o n.º 3 do artigo 280.º:

3. Quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar, os recursos previstos na alínea a) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 são obrigatórios para o Ministério Público.

O n.º 5 do mesmo artigo 280.º traz, por fim, uma outra hipótese de recurso obrigatório para o MP, que ocorre quando um tribunal de primeira instância aplique norma que já fora anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional:

5. Cabe ainda recurso para o Tribunal Constitucional, obrigatório para o Ministério Público, das decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.

No sistema brasileiro, as partes do processo podem alegar a inconstitucionalidade de um dispositivo legal ou ato normativo em seu favor, seja como matéria presente na petição inicial, seja como matéria da resposta do réu em sua defesa. A parte ré na ação invoca a inconstitucionalidade geralmente com o objetivo de não se ver obrigada a cumprir uma norma que considera formal ou materialmente incompatível com a Constituição Federal brasileira. A parte autora também pode suscitá-la como fundamento de sua pretensão já na petição inicial ou em momento posterior, por exemplo, em mandado de segurança no qual o contribuinte busca desonerar-se do pagamento de determinado tributo por inconstitucionalidade da lei instituidora da exação, ou, ainda, no caso de habeas corpus cujo fundamento remonta à inconstitucionalidade do dispositivo legal no qual se baseia a persecução penal.

Igualmente, ao Ministério Público se atribui faculdade de arguir a inconstitucionalidade de determinada norma, seja como parte ou como fiscal da lei. Terceiros que ingressaram legitimamente na demanda, mas em momento posterior ao da formação inicial do processo, como é o caso do assistente ou do opoente, também podem arguir a inconstitucionalidade de uma norma. O juízo ou tribunal competente para o processo pode vir a reconhecer de ofício a inconstitucionalidade. Se o órgão jurisdicional de primeiro grau, porém, deixar de suscitar a inconstitucionalidade, não há que se falar em preclusão, desta forma o tribunal – segundo grau de jurisdição – também pode manifestar-se sobre ela de ofício.

Em processos de qualquer natureza, de conhecimento, execução ou cautelar pode-se suscitar a inconstitucionalidade de dispositivo legal. É também lícita a arguição de inconstitucionalidade em ações de rito ordinário, sumário, ação especial ou ação constitucional. Faz-se necessário, no entanto, que no bojo do processo haja um conflito de interesses, uma lide a ser resolvida pelo órgão jurisdicional, visto que o objetivo da ação não é atacar a lei em abstrato e obter sua declaração de inconstitucionalidade, o que se objetiva é a proteção de um direito que seria violado pela lei ou ato normativo, além da resolução do conflito de interesses.

Em sede de controle difuso, é defesa a propositura de ação com o objetivo único de obter a declaração de inconstitucionalidade de lei, pelo fato de tal objetivo precisar ser perseguido em sede de controle concentrado, por via de ação direta, cuja legitimação é muito restrita. A súmula 266 do STF corrobora tal entendimento ao estabelecer: “Não cabe mandado de segurança contra lei em tese”, ou seja, entende a Suprema Corte brasileira que não pode o mandado de segurança funcionar como substituto da ação direta de inconstitucionalidade, instrumento processual apto a atacar, em tese, lei ou ato normativo. Há, na ação civil pública, possibilidade reconhecida, tanto pela doutrina dominante, como pelo STF, de exercício do controle difuso de constitucionalidade de leis ou atos normativos, desde que a matéria constitucional não configure objeto único da ação, mas mera questão prejudicial ao deslinde da demanda.

3.4. A tramitação do incidente de inconstitucionalidade

No controle de constitucionalidade concreto, a conformidade da norma perante a Constituição é analisada durante o exercício normal da jurisdição:

O que a parte pede no processo é o reconhecimento do seu direito, que, todavia, é afetado pela norma cuja validade se questiona. Para decidir acerca do direito em discussão, o órgão judicial precisará formar um juízo acerca da constitucionalidade ou não da norma. Por isso se diz que a questão constitucional é uma questão prejudicial: porque ela precisa ser decidida previamente, como pressuposto lógico e necessário da solução do problema principal.[28]

O controle concreto, pois, está vinculado a uma situação subjetiva, podendo ser realizado por qualquer juiz ou tribunal, ao conhecerem processos de sua competência, razão por que, no Brasil, é sinônimo de controle difuso.

Ressalte-se não ser necessário que as partes aleguem a inconstitucionalidade da norma. Pode o magistrado de ofício negar-lhe aplicação, caso a julgue inconstitucional.

Mas quando se tratar de tribunal, é necessário observar a norma da reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição brasileira, segundo a qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Essa norma revela a presunção de constitucionalidade das leis, exigindo um quórum qualificado para que elas deixem de ser aplicadas.[29]

Não poderá um órgão fracionário de um tribunal, como uma turma ou uma câmara, portanto, afastar a aplicação de uma norma, salvo se o plenário ou órgão especial do tribunal já tiver reconhecido a inconstitucionalidade dessa norma. O órgão fracionário pode, contudo, suscitada a inconstitucionalidade por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou por algum desembargador ou ministro, declarar que a norma é constitucional.

O procedimento da declaração de inconstitucionalidade pelo tribunal está previsto nos arts. 480 a 482 do CPC. Suscitada a inconstitucionalidade, o relator ouvirá o Ministério Público e, em seguida, submeterá a questão à respectiva turma ou câmara. Se o órgão fracionário rejeitar a inconstitucionalidade, o julgamento da causa prosseguirá normalmente.     

Acolhida a arguição, será lavrado acórdão, e a questão será submetida ao pleno, salvo se este, o órgão especial ou o Supremo Tribunal Federal já houverem se pronunciado sobre a aplicabilidade da norma.

Antes da sessão de julgamento no pleno, todos os desembargadores ou ministros receberão cópia do acórdão lavrado pela turma ou câmara. Poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade o Ministério Público, as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela elaboração do ato normativo, as pessoas legitimadas para propor a ADIn (por escrito), bem como outros órgãos ou entidades, caso o relator entenda relevante a matéria. Julgada a arguição de inconstitucionalidade pelo pleno ou órgão especial, o caso concreto será julgado pelo órgão fracionário, com base no julgamento da questão prejudicial.

A decisão do pleno ou órgão especial acerca da constitucionalidade da norma é irrecorrível, apenas poderá ser atacada juntamente com o recurso interposto contra a decisão que julgar o caso concreto.

Em se tratando de questão que tramite nos tribunais inferiores, ela poderá chegar ao Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar a validade de lei ou ato de governo local em relação a lei federal. (art. 102, III, CF/88).

Recebida a peça recursal no tribunal de origem, a parte recorrida será intimada para apresentar contrarrazões. Findo o prazo, o presidente ou vice-presidente do tribunal, a quem deve ser dirigido o recurso, realizará um juízo provisório de admissibilidade, verificando se está configurada alguma das hipóteses previstas no art. 102, III, da Constituição, e se estão atendidos requisitos formais.

Admitido o recurso no tribunal de origem, os autos são remetidos ao Supremo Tribunal Federal, ou primeiramente ao Superior Tribunal de Justiça, se houver sido interposto recurso especial e este também houver sido admitido na origem. Apenas quando “concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado” (art. 543, § 1°). No Supremo Tribunal Federal, haverá um juízo definitivo de admissibilidade.

Para que seja admitido o recurso, um dos requisitos é a existência de prequestionamento, segundo o qual a questão constitucional deve ter sido analisada na instância inferior. Há diferentes concepções acerca do prequestionamento: ora é entendido como o pronunciamento do tribunal a quo sobre a questão constitucional; ora como um ônus atribuído à parte recorrente, que deve debater a questão, independentemente de pronunciamento do tribunal. A par dessas duas, posição eclética entende o prequestionamento como o ato da parte, ao debater a questão, juntamente como a manifestação do tribunal recorrido. Se a parte suscitar a questão, mas o tribunal não se manifestar, poderão ser opostos embargos de declaração para suprir a omissão. Segundo o STF, ainda que persista a omissão, estará atendido o requisito de admissibilidade. Trata-se do prequestionamento ficto. Ademais, o prequestionamento pode ser implícito: existirá se o tema for debatido no tribunal de origem, mesmo sem menção expressa aos dispositivos constitucionais.

Mas o recurso extraordinário não é o único meio pelo qual o STF poderá declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma norma. Poderá fazê-lo também em causas de sua competência originária, a exemplo do mandado de segurança contra o Presidente da República, previsto no art. 102, I, d, da Constituição, ou nas causas julgadas em recurso ordinário, previstas no art. 102, II. O que importa para caracterizar esse controle incidental é que se trate de um processo cujo objeto seja outro que não a constitucionalidade da norma, uma situação concreta, um litígio entre duas partes. A constitucionalidade deve aparecer apenas como questão prejudicial. De qualquer sorte, em todas essas formas de controle incidental deve-se observar a regra da reserva de Plenário.

Ressalte-se que o recurso extraordinário poderá ser interposto não apenas pelas partes no processo, mas também por terceiro prejudicado, consoante o art. 499 do CPC.


4. CONCLUSÕES

O presente trabalho teve como escopo o breve tratamento de algumas questões relacionadas ao controle difuso de constitucionalidade, realizando um breve e sucinto cotejo entre o ordenamento jurídico português e o brasileiro.

Como visto, pôde-se observar que o sistema de fiscalização da constitucionalidade em Portugal é tão complexo e similar ao brasileiro, sendo que este último possui, ao nosso ver, um sistema de controle político mais enraizado, ante as maiores possibilidade de efetividade de tal controle que se apresentam.

Por fim, se, à primeira vista, alguns poderiam imaginar que a utilização, pelo direito luso-brasileiro, de um sistema de um misto iria resultar em um sistema de controle de constitucionalidade mais eficiente, não é a conclusão a que se chega após um estudo mais detalhado. Em ambos os ordenamentos jurídicos analisados, encontramos uma série de dificuldades que surgem em virtude deste arranjo. Tais dificuldades não se relacionam apenas com a sua compreensão, mas, sobretudo, com o seu funcionamento e, como visto, há uma gama de situações que revelaram que o sistema misto de controle de constitucionalidade é insuficiente, e muitas vez, falho.  


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Notas

[1] BARACHO, José Alfredo de Oliveira - Processo Constitucional. Forense, 1984. p. 157.

[2] KELSEN, Hans - Teoria Pura do Direito. 6.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

[3] Carl Schmitt afirma que o grande mal do controle jurídico é que ele coloca o juiz com uma certa superioridade em relação à lei e ao legislador. SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição (Der Hüter der Verfassung), tradução de Geraldo Luiz de Carvalho Neto, Belo Horizonte: Del Rey, 2007).

[4] SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição (Der Hüter der Verfassung), tradução de Geraldo Luiz de Carvalho Neto, Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

[5] Este sistema é também designado sistema por francês. Não obstante Sieyès ter logo sugerido na Constituição do ano VIII a criação de um jury constitutionnaire, a concepção rousseauniano-jacobina da lei como instrumento da vontade geral manteve-se sempre aliada ao dogma da soberania da lei que só as próprias assembleias poderiam politicamente controlar (CANOTILHO, José Joaquim Gomes - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 790).

[6] Lei Orgânica francesa n.º 2009-15232, de 10 de dezembro de 2009, em vigor desde 1º de março de 2010.

[7] MIRANDA, Jorge - Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 473.

[8] KELSEN, Hans - Jurisdição Constitucional. 2.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 179.

[9] CANOTILHO, J. J. Gomes - Direito Constitucional. 6.ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 953.

[10] CANOTILHO, J. J. Gomes – Op. Cit. p. 954.

[11] BONAVIDES, Paulo - Curso de Direito Constitucional. 17.ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2005. p. 296-297.

[12] BONAVIDES, Paulo – Op. Cit. p. 296.

[13] CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda - Por que controle misto? In: Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 14, p. 81-111, mar. 2007. [Consult. 22 Nov. 2015]. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/27323.

[14] CANOTILHO, J. J. Gomes - Constituição dirigente e vinculação do legislador: Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 365.

[15] Reconheceu-se a impossibilidade jurídica do pedido porquanto a norma constitucional invocada como padrão de aferição da alegada inconstitucionalidade, inovações da Emenda 19/1998, é posterior aos dispositivos atacados, de maneira que, em tais casos, a alegada inconstitucionalidade superveniente se traduz em revogação (ADIMC 2.501/MG, rel. Min. Moreira Alvez).

[16] AGRA, Walber de Moura - Curso de Direito Constitucional. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 660.

[17] MORAES, Alexandre de - Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais: Garantia Suprema da Constituição. 2.a ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.189

[18] CLÈVE, Clèmerson Merlin - Medidas Provisórias. 2.ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 118.

[19] MORAES, Alexandre de - Direito Constitucional. 11.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

[20] OLIVEIRA, Germana Moraes de - O controle jurisdicional da constitucionalidade do processo legislativo. São Paulo: Dialética, 1998. p.39.

[21] CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional. 6.ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1002.

[22] FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros - Direito Constitucional Comparado. 4.ª ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte, Del Rey, 2004. p. 291.

[23] BARROSO, Luís Roberto - O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p 71.

[24] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet - Curso de Direito Constitucional. 4.ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1113.

[25] CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada. V. II, 4.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 886

[26] USTÁRROZ, Elisa - A fiscalização de constitucionalidade em Portugal. Âmbito Jurídico, V. 46, 2007. [Consult. 20 Nov. 2015]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2346.

[27] USTÁRROZ, Elisa – Op. Cit.

[28] BARROSO, Luís Roberto - O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 93.

[29] BARROSO, Luís Roberto – Op. Cit. p. 96.


Autor

  • André Augusto Duarte Monção

    Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. O controle difuso da constitucionalidade sob a ótica do direito luso-brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4565, 31 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45562. Acesso em: 11 maio 2024.