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Responsabilidade civil do fabricante de cigarros

Responsabilidade civil do fabricante de cigarros

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"Não existe direito subjetivo de lesar, seja o consumidor ou a terceiros, seja a concorrência, seja o erário público.

A livre iniciativa está submetida a valores sociais e, insurgindo-se contra estes, seu exercício será irregular e abusivo, configurando modalidade de ato ilícito.

Atividade econômica que vise e alcance larga faixa de consumidores, abastecendo-os com produtos de uso regular e destinado a consumo via ingestão, processável pelo organismo humano, é inerentemente perigosa, face ao amplo potencial danoso decorrente de falha em qualquer das fases de elaboração, produção, distribuição e venda.

Os exploradores de atividades perigosas estão sujeitos à responsabilização objetiva pelos danos causados e, ainda, possuem obrigação pré-contratual de testar exaustivamente os produtos que introduzem no mercado, certificando-se de que os mesmos não virão a causar danos aos consumidores ou a terceiros. Negligenciar este dever remete aos conceitos de culpa "lato sensu", ensejando responsabilidade reparatória.

A integridade física e a saúde são direitos irrenunciáveis e inalienáveis, configurando ilícito penal a lesão aos mesmos, independentemente do consentimento do ofendido.

A dependência química impede o usuário do cigarro de submeter ao seu arbítrio o hábito de fumar, ante o sabido sofrimento e angústia que a abstinência lhe infringe."


INTRODUÇÃO

Na época moderna, como resultado das evoluções tecnológicas, flexibilização de fronteiras e integração de mercados, o desempenho da atividade econômica já quase não mais encontra limites.

Empresas multinacionais, supranacionais, organizadas sob a forma de corporações e conglomerados, detentoras de "marcas globais" e dedicadas à fabricação de produtos difundidos e consumidos em larga escala atuam em praticamente todos os locais do planeta onde possa existir público consumidor.

O risco desta abrangência de atuação encontra-se, primeiramente, na quantidade de consumidores atingidos e, em segundo lugar, no investimento maciço, derivado do forte poder econômico, implicando na ampla formação de público consumidor e sua indução ao consumo através de artifícios publicitários, processo no qual são investidas quantias bilionárias.

O risco não encontra-se apenas na natureza do produto (potencialmente nocivo ou não), mas também na abrangência de seu consumo (público alvo), na forma de seu consumo (uso interno ou externo) e na freqüência de seu consumo (eventual ou habitual).

A potencialidade danosa cresce na direta proporção da presença e conjugação destes elementos (tratamento e fornecimento de água, p. ex.).

Na fabricação ou processamento de alimentos - laticínios, para utilizar outro exemplo -, sabe-se que estes produtos serão ingeridos e processados pelo organismo humano. Quanto maior o investimento em marketing e produtividade, mais amplo o fornecimento e distribuição, potencialmente maior a escala de consumo deste produto.

Constata-se que, pela sua habitualidade e forma de consumo (ingestão) e pelo público consumidor potencial (milhares de pessoas, ou mesmo milhões, dependendo da empresa fabricante), há um grande risco de danos a várias pessoas na hipótese de falha em algum ponto do processo de fabricação, acondicionamento, transporte, distribuição, etc...

Pelo modo como certos produtos são consumidos ou utilizados, bem como pela amplitude de sua fabricação e abrangência de sua comercialização, há um risco potencial, grave e inerente de ocorrência de danos, que, como dito, aumenta na razão direta da ocorrência destes elementos.

Vê-se, pois, que, ao empreender atividade econômica que vise uma larga faixa de consumidores (chamada economia de escala, onde os lucros realizam-se no somatório das operações, revelando-se ínfimos quando analisados individualmente) e lhes forneça produtos que, pela sua própria natureza e forma de utilização, são potencialmente danosos (destinados à ingestão e uso freqüente), há um exacerbamento dos riscos, os quais extrapolam os parâmetros de normalidade.

Pela moderna concepção de controle de riscos, àqueles que empreendem este tipo de atividade aplica-se a Teoria da Responsabilidade Objetiva, com amparo no Risco Assumido.

O caso do cigarro é singular.

Sua fabricação e comércio agride frontalmente, além da C.F./88, da lógica e bom senso, o art. 4º, 6º e 8º do C.D.C., por significar um desrespeito à saúde, segurança e qualidade de vida dos consumidores; o art. 10º do C.D.C. impede, inclusive, a colocação no mercado de produto que apresente alto grau de nocividade ou perigo à saúde ou segurança, sendo estes, segundo o art. 18 do C.D.C., impróprios para o consumo.

Nada além do abuso de poder econômico, pode justificar a fabricação, fornecimento e comercialização de cigarros.

Dados estatísticos demonstram ser o consumo de cigarros responsável por grande número de enfermidades, várias letais, como o câncer e efizemas pulmonares, redundando em danos diversos ao organismo e prejuízos gerais ao padrão e qualidade de vida de quem os consome.

Sob o ponto de vista do interesse público e coletivo, note-se que, entre as conseqüências do consumo do cigarro para os cofres públicos, estão os gastos da Seguridade Social com o tratamento de saúde de suas vítimas, da Previdência Social, com as aposentadorias precoces derivadas de incapacitações e invalidez e do Ministério da Saúde e respectivas Secretarias, obrigadas a investir na divulgação de dados e informações para alertar os consumidores dos riscos e tentar prevenir sua ocorrência. Todos estes gastos mitigam os orçamentos da União, Estados e Municípios emprobrecem os cofres públicos, e ao atender a estas "doenças sociais", impedem investimentos reais, práticos e concretos, na Saúde.


O INTERESSE PÚBLICO E A "CONVENIÊNCIA" PESSOAL

Em nosso dia a dia, sofremos constantes limitações em nossos direitos individuais, onde uma "conveniência pública" sobrepõe-se à autonomia privada, em função de um "interesse social". Enquadram-se aí a obrigatoriedade de uso de equipamento de segurança no trabalho, os limites de velocidade nas rodovias, a obrigatoriedade da utilização de cintos de segurança, a necessidade de contratar apólices de seguro para controle de certos riscos, contribuições compulsórias para a Seguridade Social, etc...

Veja-se que o limite de velocidade ou a utilização de cinto de segurança ou contratação de seguro não inibe a ocorrência de danos, mas buscam minimizar suas conseqüências, mesmo que à custa da mitigação da autonomia da vontade dos indivíduos, onde sobreleva um "bem maior" ou uma "relevância social" ou coletiva em detrimento do interesse individual.

Em relação ao cigarro, bem de consumo inútil a qualquer finalidade construtiva, todavia, sobreleva o "interesse individual" a "autonomia da vontade". E aqui a sua utilização gera tão somente conseqüências nocivas, seja ao próprio indivíduo, seja à coletividade.

Nos E.U.A., país dito desenvolvido, com sólida tradição legal e reconhecido respeito às liberdades e garantias individuais, dos quais fazem intransigente defesa, bem como dos princípios do livre mercado, da livre iniciativa, a propaganda de cigarros e bebidas alcólicas já foi há muito banida da mídia e os fabricantes de cigarro tentam em vão negociar um "fundo de amparo" para as vítimas de seus produtos em troca da limitação dos valores das indenizações e permissão para a continuidade de sua atividade nociva.

Vários estados, através de seus procuradores, estão acionando as Cias. de cigarro para obter o ressarcimento das despesas expendidas pelo Estado no prevenção e tratamento das vítimas do fumo, além das aposentadorias precoces e outras despesas diretamente derivadas deste tipo de dano.

Veja-se que, inobstante o nível de escolaridade, alfabetização e acesso a informações dos norte-americanos, sua fé na liberdade de escolha e capacidade individual, além de rígida fiscalização dos órgãos oficiais a proteger o consumidor, nenhum destes itens serve para isentar os fabricantes; no Brasil, todavia, país de analfabetos e miseráveis, famoso pelo descaso estatal com seus cidadãos, a culpa é do consumidor, que "sabe o que faz."


A INTEGRIDADE FÍSICA E A SAÚDE COMO DIREITOS INALIENÁVEIS DO INDIVÍDUO E NORTEADORES DOS "VALORES SOCIAIS" DA LIVRE INICIATIVA

A Constituição Federal de 1988, ao tratar dos Princípios Fundamentais, diz, em seu art. 1º, que nosso Estado democrático de direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana ( III ) e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ( IV ), constituindo-se em objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil ( art. 3º ) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária ( I ) e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação ( IV );

Dentre os Direitos e Garantias Fundamentais, ao disciplinar os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, a C.F./88 traz em seu art. 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, assegurando: que a propriedade atenderá à sua função social ( XXIII ), que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; ( XXXII ), o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem ( V ), que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais ( XLI ), que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito ( XXXV );

Ficou especificado que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata ( art. 5º, LXXVII, parágrafo 1º ) sendo, inclusive, vedada a deliberação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, parágrafo 4º, IV).

Os direitos sociais definidos no art. 6º são a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Da interpretação harmônica e integrativa dos direitos individuais e sociais conjugada com o princípio da livre iniciativa, vemos que o exercício desta última sofre uma limitação legal - submetida a valores sociais -, sem a observância dos quais seu exercício será irregular ou abusivo.

Os valores sociais, certamente, são aqueles positivados dentre os direitos e garantias individuais, aqueles tutelados no Código do Consumidor, na Lei Antitruste e os próprios direitos sociais, nos quais constam a inviolabilidade do direito à vida, à saúde e à segurança. Sua relevância é tal que ficou positivado no art. 5º da LICC: "Na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige a às exigências do bem comum."

SÉRGIO VARELLA BRUNA, na obra O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu exercício (RT, 1997), diz que "as disposições constitucionais relativas à ordem econômica privilegiam não a livre iniciativa ou a livre concorrência em si mesmas, mas o quanto elas possam expressar de socialmente valioso" (p. 137). Refere, citando FÁBIO KONDER COMPARATO (Função Social dos Bens de Produção - in RDM 63/71), que o princípio da função social da empresa é um corolário da função social da propriedade, podendo ser considerados como bens de produção não somente as máquinas e equipamentos empregados no processo produtivo, como também os imóveis, os capitais empreendidos e a tecnologia empregada.

O autor cita EROS ROBERTO GRAU e diz que, "ao contrário do que ocorre com a noção clássica de direito subjetivo, o conceito de função expressa um poder que não é exercido exclusivamente no interesse do seu titular." Arremata dizendo que "o dever de empregar os bens de produção segundo tal função social obriga seu titular a dar-lhes destino socialmente útil, que tenha em vista não somente os interesses individuais do proprietário, mas também os interesses da coletividade."

A partir daí, começam a se definir os contornos do que pode ser entendido como Exercício Irregular de Direito e Abuso de Direito, que são modalidades de Ato Ilícito.

Citando PEDRO BATISTA MARTINS, o autor refere: "Poder de ação, o direito não é conferido ao indivíduo como instrumento de gozo ou de satisfação de apetites, para que possa extrair utilidades meramente egoísticas, à custa dos superiores interesses da coletividade. As prerrogativas individuais estão condicionadas a um fim - que é a harmonia social" (...) "Desde que o exercício do direito se realiza em desconformidade com esta destinação, de maneira perturbadora do equilíbrio dos interesses juridicamente protegidos, que se enfrentam nas relações sociais, é claro que o ato deixa de ser lícito para ser reprovável."


A INTEGRIDADE FÍSICA A SAÚDE NA LEI PENAL

E. M. MAGALHÃES NORONHA, na obra Direito Penal, Vol. II, 21ª edição, p.64/66, Ed. Saraiva, ao doutrinar acerca das Lesões Corporais afirma que o objeto jurídico de sua tipificação criminal é a incolumidade física do indivíduo. Aduz que a proteção da pessoa compreende a vida, integridade física e psíquica, tratando-se de bem jurídico não apenas individual, mas social, eis que é interesse do Estado a inviolabilidade corpórea e mental dos indivíduos. É daí que deriva a indisponibilidade deste direito, sendo inoperante o seu consentimento, por isto "a aquiescência do ofendido não descrimina o ato de terceiro lesivo deste interesse".

Segundo consta da Exposição de Motivos do Código Penal, a lesão corporal não é apenas a ofensa à integridade corpórea, mas também à saúde constituindo-se em "todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico e mental."

A doutrina penal exige o elemento subjetivo de intenção de causar a lesão para caracterizar o crime, mas convém que é atribuível culpa quando, inobstante o resultado escape à vontade do agente, o evento possa-lhe ser atribuído pela previsibilidade. Admite-se, ainda, a culpa por extensão, assimilação ou equiparação quando o agente labora em erro do tipo grosseiro, vencível e inescusável.

A ofensa ao bem jurídico tutelado pode se dar por ação (fazer o que não deveria) ou omissão (não fazer o que deveria) procedendo o agente com intenção de causar o dano (dolosa) ou assumindo os riscos de que, com a ação ou omissão praticada, o dano viesse a se consumar (culposa);

Diz-se da culpa ser esta a omissão voluntária de diligência em calcular as conseqüências possíveis e previsíveis do próprio ato.

Leciona a doutrina: "Diz-se o crime culposo quando o agente, deixando de empregar a atenção ou diligência de que era capaz, em face das circunstâncias, não previu o caráter delituoso da sua ação ou o resultado desta, ou, tendo-o previsto, supôs levianamente que não se realizaria." (op. ci. p. 28).

A autolesão, desde que não ofenda outro direito, não é tida como crime e o tipo penal não admite confusão entre sujeito passivo e ativo. Todavia, entende a doutrina que, sendo o agente incapaz de entender ou querer, e este, por ação de outrem pratique em si mesmo uma lesão, responderá pelo crime quem o levou à autolesão.

Conceituando-se os elementos de culpa "lato sensu", pode-se dizer que negligente é aquele que não age ou se comporta de modo diverso do comumente exigido e esperado (a) imprudente é aquele que se movimenta com precipitação, insensatez ou inconsideração (b) e imperito é o incapaz ou aquele desprovido de habilitação ou de conhecimento dos princípios e normas inerentes ao exercício da atividade que empreendeu (c).

Estes conceitos serão úteis no decorrer do trabalho para a compreensão da tese proposta.


SAÚDE E SEGURANÇA COMO BENS JURÍDICOS DE INTERESSE PÚBLICO E ESPECIALMENTE TUTELADOS

Pelo que consta do art. 196 da C.F., a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Os planos de previdência social, mediante contribuição, incluem cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão ( art. 201, I, da C.F. ) e a assistência social deve ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, ( art. 203, I, da C.F. );

O art. 40 da C.F. diz que o servidor será aposentado por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos ( I ) ou compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço ( II );

Através do art. 24 da C.F. ficou estabelecida a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre: produção e consumo ( V ); responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor ( VIII ), previdência social, proteção e defesa da saúde ( XII ); proteção à infância e à juventude ( XV ), competindo aos Municípios ( art. 30 ) prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população ( VII );

Segundo o art. 22 da C.F., compete privativamente à União legislar sobre seguridade social ( XXIII ), sendo competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23) zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público ( I ) e cuidar da saúde e assistência pública ( II );

A seguridade social, segundo o disposto no art. 194 da C.F./88, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, devendo ser organizada pelo poder público, com base na universalidade da cobertura e do atendimento (parágrafo único, I); o financiamento da seguridade social, pelo disposto no art. 195 da C.F./88, será efetuado por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro (I); e dos trabalhadores ( II );

O art. 197 da C.F. diz que são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Pelo constante do art. 198 da C.F., as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes, organizado com a diretriz de atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (II);

A Lei nº 8.078/90, ao dispor acerca da proteção do consumidor, estabeleceu em seu art. 4º que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos aos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (I) e garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho (d);

Nesta linha, foi positivado no art. 6º do C.D.C., dentre os direitos básicos do consumidor, a proteção à vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos considerados perigosos ou nocivos (I), informações adequadas e claras sobre os riscos que apresentem os produtos (III), a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva (IV), a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (VI) e a facilitação de defesa de seus direitos, com a possibilidade de inversão do ônus da prova (VIII);

O art. 8º do Codecon dispõe: Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a respeito.

Parágrafo único: Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devem acompanhar o produto.

O art. 9º do Codecon dispõe: O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito de sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

O art. 10º do Codecon dispõe: O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança,

Parágrafo 1º O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.

Parágrafo 2º Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.

Parágrafo 3º Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los à respeito.

Segundo o disposto no art. 12 do Codecom, o fabricante responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de seus produtos e informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Na caracterização do defeito releva o uso e os riscos que do produto razoavelmente se espera (p. 1º - I), isentando-se o fabricante se comprovar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (p. 3º, III);

O art. 18, p. 6º, todavia, diz serem impróprios para o consumo os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação (II).

Temos positivada, então, através de Lei Ordinária, toda uma gama de princípios de ordem pública, conceitos e exigências, dos quais sobressaem a) a presunção legal de hipossuficiência do consumidor e a possibilidade de inversão do ônus da prova; b) a busca da proteção da saúde, segurança e qualidade de vida dos consumidores, bem como a facilitação do exercício de seus direitos; c) a definição do que os produtos perigosos e nocivos à vida são impróprios para o consumo; d) a responsabilidade objetiva do fornecedor por defeitos de seus produtos e informações ineficientes e inadequadas sobre fruição e riscos; e) a conceituação legal de certos produtos como nocivos ou perigosos pela imposição do dever de informar ao público de seu potencial danoso;

A Lei nº 9294, de 15 de julho de 1996 veio dispor sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal. (Regulamentada pelo Decreto 2018, de 01.10.1996).

Em seu art. 2° consta: É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente. Incluem-se nas disposições deste artigo as repartições públicas, os hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo e as salas de teatro e cinema (§ 1º), sendo vedado o uso dos produtos mencionados no caput nas aeronaves e veículos de transporte coletivo, salvo quando transcorrida uma hora de viagem e houver nos referidos meios de transporte parte especialmente reservada aos fumantes (§ 2º);

O art. 3° diz que a propaganda comercial dos produtos referidos no artigo anterior somente será permitida nas emissoras de rádio e televisão no horário compreendido entre as vinte e uma e as seis horas, devendo ajustar-se aos seguintes princípios ( § 1º ): não sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação a celebrações cívicas ou religiosas ( I ); não induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer efeito similar ( II ); não associar idéias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento de virilidade ou feminilidade de pessoas fumantes ( III ); não associar o uso do produto à pratica de esportes olímpicos, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas ou ilegais ( IV ); não empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo ( V ); não incluir, na radiodifusão de sons ou de sons e imagens, a participação de crianças ou adolescentes, nem a eles dirigir-se ( VI ).

Ficou determinado que a propaganda deverá conter, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência escrita e/ou falada sobre os malefícios do fumo, através das seguintes frases, usadas seqüencialmente, de forma simultânea ou rotativa, nesta última hipótese devendo variar no máximo a cada cinco meses, todas precedidas da afirmação "O Ministério da Saúde Adverte":

Fumar pode causar doenças do coração e derrame cerebral ( I ); fumar pode causar câncer do pulmão, bronquite crônica e enfisema pulmonar ( II ); fumar durante a gravidez pode prejudicar o bebê ( III ); quem fuma adoece mais de úlcera do estômago ( IV ); evite fumar na presença de crianças ( V ); fumar provoca diversos males à sua saúde ( VI ).

As advertências deverão ser veiculadas também através das embalagens, pôsters, painéis ou cartazes, jornais e revistas que façam difusão ou propaganda dos produtos fumígeros, inseridas, de forma legível e ostensivamente destacada, em uma dos laterais dos maços, carteiras ou pacotes que sejam habitualmente comercializados diretamente ao consumidor.

Segundo o disposto no art. 9°, aplicam-se aos infratores desta Lei, sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação em vigor, especialmente no Código de Defesa do Consumidor, as seguintes sanções: advertência ( I );

suspensão, no veículo de divulgação da publicidade, de qualquer outra propaganda do produto, por prazo de até trinta dias (II); obrigatoriedade de veiculação de retificação ou esclarecimento para compensar propaganda distorcida ou de má-fé (III); apreensão do produto ( IV ); multa de R$ 1.410,00 (um mil quatrocentos e dez reais) a R$ 7.250,00 (sete mil duzentos e cinqüenta reais), cobrada em dobro, em triplo e assim sucessivamente, na reincidência ( V ). As sanções previstas neste artigo poderão ser aplicadas gradativamente e, na reincidência, cumulativamente, de acordo com as especificidade do infrator ( § 1º ), ficando a peça publicitária definitivamente vetada (§ 2º ).

O § 3º do referido art. 9º estipula que serão considerados infratores, para efeitos deste artigo, os responsáveis pelo produto, pela peça publicitária e pelo veículo de comunicação utilizado.

Pode-se constatar que o Poder Público imputou aos produtos derivados de tabaco uma série de qualidades nocivas e perigosas (ao usuário e a terceiros), largamente conhecidas e constatadas pela comunidade científica, e, até onde se tem conhecimento, os fabricantes não contestaram tais efeitos, porém somente vieram a veicular advertências e restringir os horários, conteúdo, foco e abrangência de sua publicidade quando houve expressa disposição legal, não tendo tomado qualquer medida preventiva expontâneamente.

A Lei nº 8884/94 (a exemplo do Código do Consumidor), traz uma série de diretrizes e limitações ao princípio da livre iniciativa e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (art. 1º), sendo a coletividade a titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei. (parágrafo único).

Art. 20 - Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa ( I ); dominar mercado relevante de bens ou serviços ( II ); aumentar arbitrariamente os lucros ( III ); exercer de forma abusiva posição dominante ( IV ).

Art. 27 - Na aplicação das penas estabelecidas nesta lei serão levados em consideração: a gravidade da infração (I ); a boa-fé do infrator ( II ); a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator ( III ); a consumação ou não da infração ( IV ); o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros ( V ); os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado ( VI ); a situação econômica do infrator ( VII ); a reincidência ( VIII ).

As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente (art. 16), sendo solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração da ordem econômica (art. 17). A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração (art. 18).

A legislação de defesa da concorrência - Lei nº 8884/94 - como a legislação de proteção ao consumidor - Lei nº 8.078/90 - destinam-se à proteção do consumidor e repressão ao abuso de poder econômico, encontrando razão de ser nos Princípios Gerais da Atividade Econômica.

Aqueles, positivados no art. 170 da C.F., submetem a atividade econômica, à valorização do trabalho humano e à livre iniciativa, com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da função social da propriedade ( III ), livre concorrência ( IV ) e defesa do consumidor ( V ).

O conceito de propriedade, como já se viu anteriormente, é muito amplo, abrangendo todos os meios de produção e incluindo a propriedade industrial, intelectual, tecnologia e "know how".

A função social é a geração do bem comum e a preservação dos valores em que se assenta o Regime Democrático de Direito, os Direitos e Garantias Individuais e Coletivos e os Direitos Sociais, bem como aqueles positivados em legislação especial, pois seria absurdo pretender que existe direito subjetivo de lesar ao Estado, ao indivíduo, ou à sociedade.

Não há direito adquirido a lesar, nem pode ser entendido como regular o exercício de um direito que tenha esta finalidade.

Lembra-se que o que legitima e permite a atividade empreendedora com vista ao lucro é o benefício social que resulta da geração de empregos, arrecadação de tributos e abastecimento do mercado com o fornecimento de bens e serviços úteis e/ou necessários, jamais a utilização abusiva do poder econômico e o abuso de direito privatizador de lucros e socializador dos danos.


CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

a) A RESPONSABILIDADE AQUILIANA:

No Direito brasileiro, o princípio da responsabilidade aquiliana encontra-se contemplado no art. 159 do CC, nestes termos: ´Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano´.

A culpa é pré-requisito, encontrando-se caracterizada pelo dolo, negligência ou imprudência do agente, no momento em que este causa prejuízo a outrem. Na culpa há sempre a violação de um dever preexistente. Se esse dever se funda em contrato, a culpa é contratual; se em princípio geral do Direito, esta é extracontratual ou aquiliana. Seus pressupostos:

a) ação ou omissão: quer o agente tenha agido, quer tenha-se omitido, a responsabilidade emerge da mesma forma. A culpa por omissão nasce da transgressão de um dever, segundo o qual alguém estava obrigado a fazer aquilo que não fez.

b) relação de causalidade: a relação de causalidade diz respeito ao vínculo existente entre a conduta desenvolvida pelo agente e o dano sofrido pela vítima. O elo entre a conduta e o dano, que faz com que este somente exista em razão daquela. O dano é efeito reflexo da conduta - ativa ou passiva - do agente.

c) existência do dano: o dano é causa geradora da responsabilidade civil, na medida em que provoca um desequilíbrio econômico-jurídico na vida da vítima. O dano gerador de responsabilidade é aquele que representa a diminuição patrimonial que alguém sofre em razão de conduta alheia, lesionando um direito e atingindo tanto elementos de cunho pecuniário, como de natureza moral.

d) dolo ou culpa do agente: a responsabilidade emerge tanto da conduta intencionalmente desenvolvida, nas hipóteses de ação dolosa, quanto daquela que, embora não querida, resulta implementada, face à negligência, imprudência ou imperícia do agente.

Encontra-se na doutrina a definição de que a culpa é o ´ato ou omissão constituindo um descumprimento intencional ou não, quer de uma obrigação contratual, quer de uma prescrição legal, quer do dever que incumbe ao homem de se comportar com diligência e lealdade nas relações com seus semelhantes´.

b) A RESPONSABILIDADE OBJETIVA:

A teoria da responsabilidade causal ou ainda da responsabilidade sem culpa centra-se na idéia de que a certas atividades é inerente o perigo, o risco de produzir danos. A partir daí, passou-se a admitir que independentemente da existência de culpa deve o autor de certo dano por este responder, desde que entre este e a atividade exista um vínculo, um liame tal que torne um conseqüência da outra. Em outras palavras relação de causa e efeito.

A característica mais relevante desta teoria reside na eliminação, por completo, da relação com a concepção de culpa, vez que fundada exclusivamente na relação de causalidade. Somente é levada em conta a circunstância de se verificar se o dano está ligado diretamente com o autor ou é passível de inclusão no âmbito das atividades de sua empresa. Em caso positivo, emerge o dever de indenizar e, por conseqüência, nasce o direito à reparação.

Um dos motivos que justifica a aceitação desta teoria é a eqüidade, levando em conta a circunstância de que quem cria riscos para os demais com meios ou instrumentos que utiliza para obtenção de vantagem, é justo que sofra as conseqüências dos danos por ele produzidos, vez que quem aufere vantagens deve arcar com as desvantagens.

Sob a égide do risco, a responsabilidade civil representa, para o agente, a obrigação de indenizar os fatos danosos ´produzidos por uma atividade que se exerce em seu próprio interesse e sob seu controle´.

Assim, se definiu o entendimento de que a pessoa que empreende atividade permitida que pode criar ou manter uma fonte de perigo para outros, fica sujeita a uma responsabilidade especial, devendo responder pelo risco. Passou-se, portanto, de um ato ilícito para um lícito, mas gerador de perigo, como fundamento da responsabilidade.

A adoção desse sistema de responsabilização leva por suporte basicamente a circunstância de que quem aufere vantagens no desenvolvimento de uma atividade perigosa deve, necessariamente, arcar com os ônus decorrentes, pois tais atividades, com freqüência, ocasionam danos, daí a razão de sujeitar seus titulares à reparação ´pela simples criação e introdução de coisas perigosas na sociedade´.

Conclui-se que as atividades perigosas estão sujeitas a um regime jurídico próprio e peculiar, dentro do contexto da teoria geral da responsabilidade civil, na medida em que o sistema leva por suporte a objetivação desta responsabilidade, afastando indagações em torno do elemento subjetivo da conduta danosa, substituído pelo fator risco como fundamento da responsabilidade. Tanto o risco como o ilícito, então, sustentam a responsabilidade.Esta linha derivou especialmente nas dificuldades probatórias do elemento subjetivo, como condição inarredável à responsabilização. Esta circunstância, acrescida ao fato de que a vítima não pode ficar sem reparação, ensejou idéias em torno da teoria do risco. Desta forma, não mais se necessita penetrar na esfera íntima do indivíduo para a definição da responsabilidade, uma vez que as exigências sociais vêm impondo a existência da simples causação para o ressarcimento, liberando a responsabilidade da noção de culpa e fazendo-a instrumento de ´defesa social´.


DEVERES E OBRIGAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS DO FABRICANTE:

Constatado que o empreendedor de atividade econômica desempenhe atividade através da qual atinja uma ampla faixa de consumidores, investindo pesadamente no formação e ampliação deste público e fornecendo-lhe produto destinado a uso freqüente e consumível através de ingestão, ato do qual derivará seu processamento pelo organismo humano, é óbvio que, pelo potencial lesivo e pela abrangência com que estas lesões poderão ocorrer, ao fabricante são imputáveis uma série de deveres.

Estes deveres são, entre outros, o de testar exaustivamente o seu produto, através de métodos científicos adequados, monitorar contínua e freqüentemente seus efeitos e somente colocá-lo no mercado após a certeza de que sua utilização não é nociva. Estas obrigações, em qualquer indústria, antecedem a sua comercialização.

Estas são diligências exigíveis de qualquer fabricante, que não pode negligenciar seus deveres de lealdade com o consumidor, em respeito à máxima de que "a ninguém se deve ofender". Negligenciar este claro dever de diligência configura uma imprudência inescusável e indefensável, principalmente em face da potencialidade de dano e grande abrangência do público que pode ser vitimado, contrastando com a previsibilidade da sua ocorrência e a possibilidade econômica de investimentos adequados em pesquisas preventivas.

A importância - e o dever - da prevenção é clara na medida em que, colocado o produto no mercado e maciçamente induzido o seu consumo, experimentado por uma gama infindável de consumidores, surge o vício derivado da dependência química, que já torna o consumo não uma questão de opção, de livre escolha, mas de necessidade física e psíquica, já que a abstinência gera uma série de distúrbios que a maioria das pessoas não demonstra capacidade de controlar e submeter ao seu arbítrio consciente.

Convém que não se esqueça do fato de que a maioria das pessoas que hoje apresentam problemas de saúde em razão do hábito do fumo adquiriram tal hábito muito tempo antes de que fossem divulgados dados oficiais e científicos demonstrando concretamente o potencial nocivo e danoso do tabagismo. Na época em que estas iniciaram-se na prática de fumar, tal atitude era fortemente encorajada através da publicidade e tornada ostensiva na mídia, sem qualquer tipo de advertência mas, ao contrário, respaldada por atores, atletas e esportistas que alugavam sua imagem para este fim, vindo a construir um "comportamento cultural".

Reitera-se que o "dever de informar" imputado ao fabricante de produtos potencialmente perigosos ou defeituosos foi instituído com o Codecom, em 1990, sabendo-se que um dependente químico de larga data não submete seu organismo à vontade ou consciência sem amparo adequado, que geralmente envolve acompanhamento especial de médicos, psicólogos ou psiquiatras (o que, por óbvio, requisita recursos financeiros) e amparo familiar unido a força de vontade.

Portanto, ainda que se queira que a responsabilidade dos fabricantes de cigarro possa ser imputada apenas através da constatação da culpa, esta está mais do que demonstrada pela negligência a deveres básicos de diligência exigíveis de qualquer um que exerça com perícia o seu mister.


EXCLUDENTES DE ILICITUDE OU PUNIBILIDADE

Estas compreendem o caso fortuito, a força maior, a inexigibilidade de outra conduta, culpa exclusiva da vítima e o direito à conduta praticada.

Empreender e explorar atividade econômica redunda no exercício de um direito. Este, porém, somente será regular - lícito - se atender a todos os princípios legais que justificam sua existência e princípios e normas que norteiam seu exercício, o que, como visto, inocorre no caso presente.


DEVER DE INFORMAÇÃO DO C.D.C.:

O dever de informação no Codecom desdobra-se em dois tópicos: a) referente a produtos perigosos e b) referente a produtos com defeito;

O primeiro tópico abrange informações como contra-indicações de medicamentos, avisos para não evitar inalação de substâncias tóxicas destinadas a limpeza (desinfetante) ou a processo industrial (colas, solventes). Veja-se que os produtos têm uma utilidade específica e, utilizados para o fim a que se destinam, observadas as cautelas constantes das advertências, os produtos potencialmente perigosos não virão a causar danos á saúde ou segurança dos usuários.

O segundo tópico destina-se a produtos que, fabricados para uma certa finalidade, apresentaram falhas que tornaram-nos perigosos se utilizados (recall das montadoras de automóveis para correção de falhas em sistemas de freios, advertências de laboratórios quanto a problemas em certos lotes de remédios fabricados).

Aqui os produtos, por alguma falha no processo de fabricação, carecem de algum elemento que deveriam conter, o que os torna inadequados para o fim a que se destinam, devendo o fabricante informar aos consumidores e sanar as falhas, retirando do mercado os produtos defeituosos, ressarcindo os consumidores lesados e corrigindo as falhas nos produtos vendidos (adequando-os às normas e finalidades) ou substituindo-os.

Seja numa ou noutra hipótese, os produtos sobre os quais pesa o dever de informação possuem uma utilidade. No primeiro caso, atendidas às advertências, o produto pode ser utilizado e não causará danos ao usuário. No segundo caso, a advertência serve para que o consumidor não adquira o produto defeituoso e para que aqueles que já o adquiriram não mais os utilizem, podendo reclamar do fabricante sua readequação, substituição ou indenização, sendo certo que o fabricante não pode manter ou colocar no mercado o produto no qual tenham sido constatadas as falhas de que ele foi obrigado a dar conta.

Não há hipótese de manter-se no mercado produto perigoso e nocivo, que causa lesões e pode matar se utilizado do modo e para o fim a que se destina, resultados comprovados, atendendo-se à simples imposição de informar ao consumidor, eis que agredidos direitos indisponíveis.


O DANO MORAL, SUA CARACTERIZAÇÃO,INCIDÊNCIA E INDENIZAÇÃO

Acerca do tema, disserta o mestre ARAKEN DE ASSIS (Indenização do Dano Moral, Juris Síntese nº 11):

"Nos últimos tempos, controverte-se a indenização pecuniária do dano moral. Averbam-se tais indenizações como uma fonte de enriquecimento sem causa e a própria constatação desta espécie de dano, em inúmeros ilícitos, como uma trava perniciosa à vida em sociedade. Com tais proposições, honestamente, não posso concordar. Em geral, elas provêm de contumazes contraventores de regras de conduta e de litigantes contumazes, interessados em minimizar os efeitos dos seus reiterados atos ilícitos. Ao contrário do que se alega, é imperioso, na sociedade de massas, inculcar respeito máximo à pessoa humana, freqüentemente negligenciada, e a indenização do dano moral, quando se verificar ilícito e dano desta natureza, constitui um instrumento valioso para alcançar tal objetivo."

"(...) Na verdade, não há como negar a ilicitude grave de comportamentos que representam condutas contrárias a direito e, eventualmente, afetam bens relacionados à personalidade humana. Por este motivo, merecem ser indenizados."

Como o dano moral atinge, fundamentalmente, bens incorpóreos, a exemplo da imagem, da honra, da privacidade, da auto-estima,, não há a necessidade de provar a efetiva existência do dano. A prova do dano moral puro, limitar-se-á à existência do próprio ilícito, legitimando-se, para pleitear sua indenização, a vítima e o lesado pelo ilícito, ou seja, toda aquela pessoa cuja personalidade é afetada por fato contrário ao direito.

Os danos morais podem ser puros ou reflexos (oriundos de atentados a elementos patrimoniais). Caracterizam-se, no entanto, sempre por via de reflexos produzidos, por ação ou omissão de outrem, na personalidade do lesado, nos mencionados planos, atingindo componentes sentimentais e valorativos da pessoa. São indenizáveis por si, ou em cumulação com danos materiais, conforme o caso (V. Súmula 37 do STJ), com base na doutrina de que ao Direito não interessa a prosperação de injustiças.

Convém ao Direito e à sociedade que o relacionamento entre os participantes do cenário jurídico se mantenha dentro de padrões normais de equilíbrio e de respeito mútuo. Assim, em hipótese de dano, resta ao agente suportar as conseqüências de seus atos, atribuindo-se severas indenizações, para desestimular a prática de atos ilícitos tendentes a afetar aspectos da personalidade humana.

É sob esta ótica que os tribunais vêm aplicando verbas consideráveis, a título de indenizações por danos morais, como forma de inibir atentados ou investidas indevidas contra a personalidade alheia. Esta orientação está cristalizada na jurisprudência norte-americana, que tem imposto cifras elevadas aos infratores, como forma de indução de comportamentos adequados, sob os prismas moral e jurídico, nas relações sociais e jurídicas.

Havido o fato, deve a vítima receber a compensação devida, a fim de que se não proliferem ações danosas. Nesse sentido é que impõe-se a fixação de valor de desestímulo como fator de inibição a novas práticas lesivas. Constitui-se de valor que, sentido no patrimônio do lesante, o possa fazer conscientizar-se de que não deve persistir na conduta reprimida, ou então deve afastar-se da vereda indevida por ele assumida. Busca-se compensar, através dessas verbas, as angústias, as dores, as aflições, os constrangimentos e outras situações desagradáveis a que o agente tenha exposto o lesado, com sua conduta indevida.

A orientação do Superior Tribunal de Justiça: "A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação. Verificando o evento danoso, surge a necessidade da reparação não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)". (RESP nº 23.575-0, j: 09/06/97, 4ª Turma do STJ, Rel. Ministro César Asfor Rocha).

Ao aplicar regra de arbitramento, o órgão judiciário deverá levar em conta, portanto, que a indenização pelo dano moral não visa a um ressarcimento, mas a uma compensação, consoante afirmou YUSSEF SAID CAHALI. Para CAIO MÁRIO PEREIRA, quando se cuida de reparar o dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: "caráter punitivo" para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o "caráter ressarcitório" para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.

"Na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico dos autores, e, ainda, ao porte da empresa recorrida, orientando-se o Juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso" (RESP nº 135.202-0 - SP, J: 19/05/98, 4ª Turma do STJ, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo)

O porte das empresas de tabaco recomenda que as sanções sejam pesadas, sob pena das condenações mostrarem-se inexpressivas e não virem a estimular a desejada mudança de comportamento.

Trazemos, a seguir, informações técnicas compiladas da obra Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edição, tradução de Dayse Batista e Supervisão e Tradução de Alceu Fillmann, Médico e Psiquiatra, Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1995, páginas 234/238, na qual são narrados e comentados males e distúrbios que a nicotina provoca na saúde mental e física do indivíduo que a consome (grifos nossos):

Quanto à dependência química:

"A cessação do uso de nicotina produz uma síndrome bem definida de abstinência, descrita adiante. Muitos indivíduos que usam a nicotina podem consumi-la para aliviar ou evitar sintomas de abstinência ao despertarem ou ao saírem de uma situação onde o uso é restrito (por ex., no trabalho ou em um avião). Os indivíduos que fumam e os que utilizam a nicotina de outra forma tendem a verificar que esgotam seu suprimento de cigarros ou outros produtos contendo nicotina mais rapidamente do que de início pretendiam. Embora mais de 80% dos fumantes expressem um desejo de deixar de fumar e 35% parem a cada ano, menos de 5% obtém sucesso em tentativas de abandonar o hábito sem auxílio externo. O melhor exemplo do longo tempo gasto usando a substância é representado pelo hábito de fumar um cigarro atrás do outro. Uma vez que as fontes de nicotina estão prontas e legalmente disponíveis, é raro um indivíduo dispender muito tempo tentando obter a nicotina. A desistência de importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas pode ocorrer quando o indivíduo evita uma atividade porque esta ocorre em áreas onde o fumo é restrito. O uso continuado, apesar do conhecimento dos problemas médicos relacionados ao fumar, representa um problema de saúde particularmente importante (por ex., um indivíduo que continua fumando apesar de ter uma condição médica geral induzida pelo tabaco tal como bronquite ou outra doença pulmonar obstrutiva crônica)."

Quanto ao sofrimento e as alterações de estado de espírito e de humor:

"A característica essencial da Abstinência de Nicotina é uma síndrome característica de abstinência que se desenvolve após a cessação abrupta ou redução do uso de produtos contendo nicotina após um período prolongado (de pelo menos algumas semanas) de uso diários (Critérios A e B). A síndrome de abstinência inclui quatro ou mais dos seguintes sintomas: humor disfórico ou deprimido; insônia; irritabilidade, frustração ou raiva; ansiedade; dificuldade para concentrar-se; inquietação ou impaciência; freqüência cardíaca diminuída e aumento de apetite ou ganho de peso. Os sintomas de abstinência causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes de funcionamento (Critério C). Os sintomas não devem ser decorrentes de uma condição médica geral nem melhor explicados por outro transtorno mental (Critério D)."

"Esses sintomas se devem, em grande parte, à privação de nicotina, e tipicamente são mais intensos entre os indivíduos que fumam cigarros do que entre aqueles que usam outros produtos contendo nicotina. O início mais rápido dos efeitos da nicotina ao fumar cigarros leva a um padrão de hábito mais intensivo e mais difícil de abandonar, em vista da freqüência e rapidez do reforço e maior dependência física da nicotina. Em indivíduos que fumam cigarros, a freqüência cardíaca diminui em 5 a 12 batimentos por minuto nos primeiros dias após a cessação do hábito de fumar, e o peso aumenta em média 2 a 3 kg ao longo do primeiro ano. Leves sintomas de abstinência podem ocorrer após a mudança para cigarros com baixo teor de alcatrão e nicotina e após a cessação do uso de tabaco de mascar, goma de nicotina ou adesivos de nicotina."

"O uso de tabaco pode aumentar acentuadamente o risco de câncer pulmonar, oral, e de outras espécies; condições cardiovasculares e cerebrovasculares; doenças obstrutivas crônicas e outras doenças pulmonares; úlceras; complicações maternas e fetais, e outras condições. Embora a maior parte desses problemas pareça ser causada pelos carcinógenos e monóxido de carbono da fumaça do tabaco, ao invés de pela nicotina em si, a nicotina pode aumentar o risco de eventos cardiovasculares. Aqueles que jamais fumaram mas são cronicamente expostos ao tabaco parecem estar em risco aumentado para condições tais como câncer pulmonar e doença cardíaca."

"O hábito de fumar geralmente começa no início da adolescência. Não está clara a velocidade com a qual a dependência se desenvolve. Entre aqueles que continuam a fumar depois dos 20 anos, 95% tornam-se fumantes regulares e diários. Daqueles que abandonam o cigarro com sucesso, menos de 25% conseguem fazê-lo na primeira tentativa. A maioria dos indivíduos que fumam tem 3 a 4 fracassos antes de deixar definitivamente de fumar. Nos Estados Unidos, cerca de 45% daqueles que algum dia fumaram acabam abandonando o hábito. Os sintomas de abstinência podem começar algumas horas após a cessação, tipicamente atingindo um pico em 1-4 dias, e durar por três a quatro semanas. Os sintomas depressivos pós cessação podem estar associados com uma recaída do hábito de fumar. O aumento da fome e o ganho de peso freqüentemente persistem por pelo menos 6 meses. Seis meses depois de parar, 50% dos indivíduos que deixaram de fumar relatam o desejo por um cigarro nas últimas 24 horas."


EM CONCLUSÃO

O papel do Direito é caminhar para a evolução, incorporando e positivando os valores que emergem da lapidação dos costumes e do amadurecimento histórico. A inovação de ontem é a realidade de hoje e estará ultrapassada amanhã. Foi nesta marcha evolutiva que hábitos seculares odiosos foram banidos, como a escravidão, a intolerância religiosa, a discriminação racial e os direitos absolutos de propriedade, que direitos da personalidade vieram a receber tutela efetiva. É momento de mais um passo decisivo à consagração destes valores.

Já foi demonstrado que, pelo conceito legal, os produtos nocivos à vida e à saúde são impróprios ao consumo, que a saúde do indivíduo e sua integridade física são de interesse público e direitos inalienáveis

Já foi demonstrada a presunção legal de hipossuficiência do consumidor e, pelo dever de informação imposto aos fabricantes de cigarro, resultou clara a definição do produto pelo poder público como nocivo e perigoso, gerador de riscos.

O princípio constitucional da livre iniciativa submete-se ao princípio amortecedor de seu "valor social", bem como à "função social da propriedade". A utilização da propriedade (pública, privada, imóvel, móvel, corpórea ou incorpórea) com a finalidade de lucro somente será regular se submetida àquela finalidade. Não há direito subjetivo de lesar, sendo irregular e abusivo o direito que, exercido, atinja a este fim, caracterizando ato ilícito.

A atividade econômica que alcance uma ampla gama de consumidores, fornecendo-lhes produtos destinados à utilização freqüente ou habitual, consumíveis através de ingestão e processados pelo organismo humano é inerentemente perigososa e impõe, para seu exercício, uma série de obrigações pré-contratuais (estudos e pesquisas exaustivas e conclusivas acerca dos efeitos e conseqüências de seu uso), contratuais (atendimento das finalidades para o qual foi produzido, comercializado e adquirido pelo consumidor - adeqüabilidade e prestabilidade) e legais (normativas).

A caracterização da atividade como perigosa e potencialmente nociva já lhe submete á responsabilização objetiva pelos danos causados. Ainda que se exija a demonstração de culpa do fabricante, nestas atividades de grande abrangência e conseqüente amplo potencial danoso, ela é derivada da omissão ou negligência ao dever pré-contratual de teste do produto fabricado e sua colocação no mercado e investimento na criação e constante ampliação de público consumidor sem qualquer advertência quanto à nocividade e periculosidade, criando a dependência química que exige o consumo.

A própria forma de criação e manutenção do mercado consumidor representa uma dominação arbitrária de mercado relevante, falseando a concorrência com outros bens utilizados para igual finalidade, porém destituídos da capacidade de criar vício e dependência, cativando o consumidor. Existe aí uma concorrência desleal com bens de igual finalidade, dando-se a concorrência não entre os diferentes produtos, mas apenas entre "marcas" de um produto praticamente idêntico, o que o torna insubstituível e implica em concentração mediante artifício que falseia a concorrência.

Ressalta-se que a ofensa à vida e à integridade física, independentemente do consentimento do ofendido, é conduta criminalizada por extensão, e os produtos nocivos e perigosos são definidos legalmente como impróprios para o consumo.

Constatada a nocividade e periculosidade do produto, bem como que sua utilização ofende a integridade física e a saúde dos indivíduos, bens inalienáveis de interesse e relevância social, necessária não apenas a informação da nocividade, mas a suspensão das atividades de fabricação, distribuição e comércio do produto. Mantida a atividade e permanecendo os investimentos na ampliação de mercado, a responsabilidade deriva, ainda, da imprudência desta atitude, risco que se soma aos outros já elencados.

Presentes elementos de culpa na ação, pois revela imperícia negligenciar ao dever básico de diligência que antecede a fabricação e comercialização de qualquer produto: o teste exaustivo e conclusivo acerca das conseqüências de seu consumo ou utilização, tendo os fabricantes agido com extrema imprudência e desconsideração. Diante de todas estas circunstâncias, está clara a ilicitude da fabricação e comercialização de cigarros, por derivada de exercício abusivo e irregular de um direito (livre iniciativa) em evidente desvio de finalidade.

Uma vez que mostra-se difícil arbitrar quantitativamente um dano à saúde (exceto aqueles que já foram objeto de tratamento médico, onde pode-se computar os valores expendidos com honorários, internações, medicamentos, lucros cessantes ante a impossibilidade de exercer atividade laboral ou diminuição da mesma, etc...), é possível, como já demonstrou o estudo ora apresentado, fixar um "quantum" indenizatório a título de dano moral.

O dano moral pode ser arbitrado tanto à vítima, ofendido direto, como a seus familiares, agredidos por via reflexa, tanto como "fumantes passivos" quanto pelo convívio a que foram expostos, tendo de observar um familiar submisso ao vício sem condições de superá-lo, mesmo sabedor dos males que iriam advir deste hábito, que poderiam até levá-lo à morte e privar a família de importantes recursos financeiros para arcar com seu tratamento. Incluem-se aí, também, a exposição a alterações de humor, raiva e frustração por parte do fumante em sua luta ineficaz com o vício.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADIERS, Leandro Bittencourt. Responsabilidade civil do fabricante de cigarros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2760. Acesso em: 15 maio 2024.