Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/22920
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Improbidade administrativa: uma abordagem crítica

Improbidade administrativa: uma abordagem crítica

Publicado em . Elaborado em .

Ante a inadequada disciplina legal da improbidade administrativa, cabe à doutrina fixar objetivamente os elementos constitutivos desse ilícito funcional.

Sumário: 1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS. 2. DO EXCESSIVO CARÁTER ABERTO DA LEI N. 8.429/92 E SUAS IMPLICAÇÕES CONSTITUCIONAIS. 3. REQUISITOS À CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3.1. Tipicidade Cerrada. 3.1.1. Da aproximação entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal Garantista. 3.1.2. A Lei n. 8.429/92 e as normas sancionadoras em branco. 3.2. Grave violação ao princípio da moralidade administrativa. 3.2.1. O conceito doutrinário de improbidade e o princípio da moralidade administrativa. 3.2.2. Improbidade administrativa como espécie de má gestão pública eivada de desonestidade. 3.3. Elemento volitivo: dolo. 3.3.1. Improbidade administrativa culposa: inconstitucionalidade. 3.4. Infração a dever funcional. 3.4.1. Lesão ao princípio da legalidade e improbidade administrativa. 4. CONCLUSÕES.


1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A Lei n. 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – foi gestada em um conturbado momento político da história brasileira. Denúncias de corrupção envolvendo os mais altos escalões do Executivo Federal eram diuturnamente divulgadas pela imprensa, acarretando o surgimento de gravíssima crise ético-institucional no seio da Administração Pública.

Assim, com a insofismável ideia de defender a honra do Governo Collor, bem como de revigorar a sua já desgastada imagem, o próprio Presidente da República enviou à Câmara dos Deputados, em 14 de agosto de 1991, o Projeto de Lei n. 1.446/91. No seio de sua Exposição de Motivos, deixou-se explícito o seu precípuo escopo: combater a prática desenfreada de corrupção que afligia o país, salvaguardando, desta forma, a moralidade administrativa e a coisa pública, sem, todavia, destampar as garantias fundamentais dos eventuais acusados.

Verificou-se, no entanto, que o projeto de lei apresentado pouco acrescentava em termos de normas sancionatórias, consistindo basicamente em uma tímida revisão redacional da Lei n. 3.502/58 (“Lei Bilac Pinto”), a qual se restringia a disciplinar a punição das hipóteses de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, emprego ou função pública.

Todavia, diversas emendas parlamentares foram incorporadas ao Projeto de Lei n. 1.446/91, ampliando sobremaneira os seus “tentáculos sancionadores”. Essa intensa atuação congressista para o fortalecimento do “pacote anticorrupção” almejava nitidamente demonstrar à opinião pública, nesse momento de graves escândalos éticos, o engajamento dos políticos no combate à improbidade. Ressalte-se, ademais, que essa respeitável contribuição do Congresso deveu-se, sobretudo, à empenhada atuação de consagrados membros do Ministério Público, do escol de Antônio Herman Benjamin.[1]

É importante destacar que esse decisivo auxílio legislativo prestado por membros do Parquet, vorazes defensores de ideais moralizantes, talvez tenha sido uma das principais causas do enrijecimento da disciplina punitiva aplicável a estes ilícitos funcionais. Por um lado, é evidente que o projeto de lei, em sua dicção originária, realmente reclamava alterações na regulamentação dada à improbidade, sob pena de ser promulgado um diploma legislativo que não atendesse às incisivas determinações constitucionais de combate à imoralidade administrativa, violando, deste modo, o “princípio da vedação da proteção insuficiente de direitos fundamentais”.[2] Por outro, entretanto, é igualmente imperioso que se reconheça que a aludida colaboração acabou por resultar em uma disciplina que ultrapassou as balizas constitucionalmente aceitáveis, à luz de um Direito Punitivo garantista.

Afigura-se necessário consignar, desde logo, um importante esclarecimento. Não se almeja, neste estudo, proteger a atuação imoral de agentes públicos e muito menos fornecer subsídios à impunidade de administradores ímprobos. Pretende-se, na realidade, consoante as lições de Fábio Medina Osório, conciliar a proteção dos direitos dos agentes públicos com a inegável necessidade de redução da impunidade. Dessa forma, logra-se salvaguardar o “direito fundamental difuso à Administração Pública honesta”, sem se descurar da ampliação dos direitos de defesa igualmente fundamentais de titularidade dos acusados em geral.

A ausência destes direitos, além de não garantir níveis menores de impunidade, ao contrário, geralmente fomenta índices mais significativos de inoperância acusatória e também afeta a legitimidade dos processos punitivos, gerando descrédito institucional.[3]

 De fato, a relação que existe não é entre o aumento da garantia efetiva dos direitos de defesa e a consequente elevação da impunidade, mas, sim, entre o fortalecimento dos direitos fundamentais, de um lado, e o natural aumento na qualidade da atuação estatal, de outro, ensejando a estrita observância ao princípio da eficiência, bem como a preservação da credibilidade das instituições do Estado, sobretudo da própria Lei de Improbidade Administrativa.

Portanto, propõe-se, neste trabalho, tão-somente extirpar do âmbito da improbidade aquilo que, à evidência, a ele não pertence, bem como, por outro lado, tornar clara a estrutura daquelas condutas que realmente estão abrangidas pelo conceito desse gravíssimo ilícito ético-institucional, inviabilizando, por conseguinte, o nefasto uso sensacionalista e midiático da ação de improbidade administrativa.


2. DO EXCESSIVO CARÁTER ABERTO DA LEI N. 8.429/92 E SUAS IMPLICAÇÕES CONSTITUCIONAIS

Quando da confecção da Lei n. 8.429/92, o legislador serviu-se excessivamente de princípios, cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados, o que, na prática, concede vastos espaços aos abusos acusatórios que reiteradamente se concretizam pela perpetração de manobras tendentes a vulnerar as garantias constitucionais dos imputados. Restou consagrado, pois, um perigoso terreno, precário na proteção de direitos fundamentais, porém, fértil em outorgar prerrogativas arbitrárias à acusação.[4]

Os comandos normativos sobremaneira abertos da Lei n. 8.429/92 acabam por consentir que o intérprete (incauto ou mal intencionado) faça um amplo uso da ação de improbidade. Possibilita-se, desse modo, a ocorrência de graves equívocos, consistentes na propositura da referida ação tanto para combater típicos atos de improbidade administrativa quanto para guerrear simples irregularidades funcionais. Em outras palavras, o manejo desmedido de expressões semanticamente fluidas, valores abertos e termos jurídicos dotados de pouca concretude ensejou, reflexamente, o constante uso desvirtuado da ação de improbidade como veículo de exposição na mídia ou, então, como arma em lutas político-eleitoreiras.[5] Ora, é inegável que o emprego dessa ação judicial como mero veículo de vindita política abre espaços à desmoralização dos salutares instrumentos jurisdicionais de combate à improbidade colacionados pela Lei n. 8.429/92.

A interpretação literal desse diploma legislativo possibilita subjetivismos do órgão acusador, o que se afigura, por óbvio, como diametralmente contrário aos princípios que regem o Estado Democrático de Direito, bem como à sua congênita garantia de segurança jurídica.[6]

Ademais, em virtude da tipificação de condutas dotadas prima facie de inexpressiva gravidade, esse arrolamento de ilícitos realizado pela Lei n. 8.429/92, se visualizado sem as devidas ponderações, pode resultar na institucionalização, pela via legislativa, de entendimentos que violem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 Fábio Medina Osório descreve de maneira sucinta, porém acurada, as repercussões pragmáticas da mencionada falta de técnica legiferante: “o texto legislativo é realmente ambíguo e enigmático, gerando sensações estranhas, desde a onipotência de acusadores e julgadores, até a ‘síndrome do pânico’ nos gestores públicos”.[7]-[8]

Enfim, em face da textura aberta da Lei de Improbidade, faz-se imprescindível proceder com prudência na utilização de sua ação judicial, o que evitará a vulgarização desse instrumento processual, haja vista não se poder confundir “o ato desastrado e inábil com o ímprobo, que traz em sua essência a devassidão e a imoralidade”.[9]

Exemplo eloquente da atecnia legislativa que permeia toda a Lei de Improbidade é o seu art. 9º, VII, segundo o qual, comete ato ímprobo o agente público que adquire bens cujos valores sejam desproporcionais à sua evolução patrimonial. Esse preceptivo legal acabou por ensejar o surgimento de algumas posições doutrinárias que, data venia, são inaceitáveis, à luz do princípio constitucional da presunção de inocência. A título de exemplo, José Jairo Gomes defende que o art. 9º, VII impõe a inversão do ônus da prova em desfavor do imputado. A este último caberia comprovar a licitude de sua evolução patrimonial, incumbindo, por outro lado, à acusação tão-somente a demonstração da aquisição de bem de valor desproporcional.[10]

É juridicamente inadmissível esse entendimento, haja vista não ser dado ao operador do Direito, sobretudo àquele que milita no Direito Punitivo, presumir a má-fé do agente e nem mesmo a iliceidade de sua evolução patrimonial. No Estado Democrático de Direito, a regra é, sem dúvida, a fruição livre e plena de todos os direitos fundamentais de primeira dimensão, em detrimento da sede sancionatória do Poder Público. Desta feita, deve figurar como exceção a eventual utilização do ius puniendi para restringir a esfera de gozo dos direitos fundamentais dos imputados. Somente será dado ao Estado punir seus cidadãos, caso logre se desincumbir adequada e inequivocamente do ônus de provar a ilicitude da conduta funcional. Em suma, é certamente inviável responsabilizar o agente público por improbidade administrativa com fulcro em uma suposta inversão do ônus da prova em favor da acusação, sob pena de restar configurada flagrante violação ao princípio da presunção de inocência.[11]-[12]

Essas problemáticas implicações de ordem prática também possuem sua gênese na omissão legislativa em definir o conteúdo jurídico essencial a todos os atos de improbidade. O legislador preocupou-se tão-somente em arrolar os “tipos”, os “modelos proibitivos” de conduta ímproba, abstendo-se, contudo, de delinear os elementos constitutivos básicos que devem estar presentes em todo ilícito de improbidade, de modo que essa tarefa, uma vez mais, restou à doutrina especializada. Enfim, impunha-se ao legislador definir com clareza e objetividade os elementos identificadores do ato de improbidade administrativa para, apenas ulteriormente, trazer os tipos proibitivos com suas respectivas sanções.[13]

É relevante destacar, ademais, que esse elastecimento exacerbado do conceito legislado de improbidade acaba por resultar, mediatamente, em notório agravamento da própria ineficiência na Administração Pública. É natural que um servidor que esteja invariavelmente sob a ameaça de suportar sanções de extraordinária gravidade pelo cometimento de quaisquer falhas funcionais, ainda que leves e culposas, acabe por abster-se de adotar posturas mais proativas, mesmo que elas possam eventualmente trazer efeitos benéficos à coletividade. 

Imperioso que se assegure ao agente público o direito a uma margem de erro juridicamente tolerável no exercício funcional. Se não bastassem os riscos inerentes à tomada de determinadas decisões, o erro, além de pertencente à natureza humana, é uma decorrência da própria necessidade de constante inovação que se verifica na sociedade contemporânea. Portanto, como condição à plena realização do princípio da eficiência, deve-se conferir aos agentes do Estado uma relativa margem de ousadia para a tomada daquelas decisões que, não obstante capazes de gerar efeitos saudáveis ao interesse público, são realmente complexas ou controversas.

Verifica-se exemplo claro desse prejuízo à eficiência naquelas situações, infelizmente corriqueiras, em que o Ministério Público almeja a responsabilização por improbidade do profissional contratado pela Administração para emitir opinião técnica e pessoal a respeito da legalidade ou conveniência de determinada atuação administrativa. Na práxis da Administração, os pareceristas (servidores públicos ou não), com receio de sofrerem futuras sanções, acabam, algumas vezes, por opinar contrariamente à exaração de determinados atos administrativos que, não obstante lícitos e convenientes, possam eventualmente ser considerados indevidos, quando avaliados por critérios subjetivos do órgão julgador. Tal como destacado por José dos Santos Carvalho Filho, o parecer, por si só, não contém, como regra, densidade suficiente para a produção concreta de efeitos externos, dependendo sempre do ato final da autoridade a quem incumbe aprová-lo ou não. Assim, não se afigura plausível, ao menos em regra, a imputação da prática de improbidade administrativa ao agente parecerista.[14] Nesse exato sentido, encontra-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo a contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei de licitação. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. (MS n. 24.073-3/DF, Rel. Min. Carlos Veloso, Pleno, j. 06/11/2002, DJ 31/10/2003)

Enfim, o excessivo alargamento do conceito de improbidade favorece o fortalecimento do pejorativo estigma relativo à burocracia e à ineficiência que supostamente seriam inatas a todos os servidores públicos.

Em sede constitucional, é interessante destacar que, apesar de existir menção ao nomen juris “improbidade” em todas as Constituições republicanas do Brasil, afigura-se como novidade histórica a forma como a matéria foi disciplinada pelo art. 37, § 4º da CR/88. Salienta Fábio Medina Osório, com propriedade, que o modelo da Carta Magna de 1988 é dotado de originalidade, uma vez que concentrou a disciplina do instituto no próprio Direito Administrativo, ao passo que, tradicionalmente, os modelos anteriores marcavam-se por oscilar entre uma perspectiva penal, eleitoral, ou, então, civil, centrada em um viés puramente ressarcitório.[15]

Não obstante a inexistência de um conceito detalhado de improbidade administrativa no bojo do texto constitucional, faz-se mister reconhecer que a Constituição da República de 1988, por meio de princípios gerais, delimitou a ideia de improbidade que, a despeito de abstrata, é incontestavelmente dotada de força jurídica. Nessa linha de intelecção, o desenho constitucional da improbidade administrativa advém de toda uma base argumentativa e sistemática que deve nortear o manejo deste gravíssimo ilícito e que é composta, dentre outros, pelos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da racionalidade, da moralidade administrativa, da legalidade, da segurança jurídica e, notadamente, pela concepção fragmentária do ilícito de improbidade (i.e., improbidade como ultima ratio do Direito Administrativo Sancionador)[16] e pela própria severidade das sanções atreladas, em sede constitucional, a este ilícito.[17]

Trata-se de uma decorrência da própria gravidade extraordinária das sanções cominadas a esta infração ético-institucional, a conclusão de que a Constituição da República, na esteira da melhor doutrina, somente almeja qualificar como “ímprobas” aquelas condutas que nitidamente violem o dever de honestidade funcional. É necessário ter sempre em mente que a improbidade é dotada de um dos mais elevados graus de reprovabilidade social, ético-funcional e axiológica que se verifica no sistema jurídico. Nesta toada, Juarez Freitas esclarece que, por meio da improbidade administrativa, mais do que coibir o dano material, o constituinte enfrenta a grave lesividade à moral positivada, visando a “inibir a quebra, grandemente nefasta, do princípio da moralidade, seja pelo agente público ou por terceiro, punindo-os com a imposição de penalidades assaz severas, incompatíveis com infrações de menor monta ou lesividade”.[18]

Na mesma linha, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “a própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade”,[19] o que, a nosso juízo, jamais se concretizará nas hipóteses de condutas puramente culposas que apenas impliquem dano ao erário, sobretudo naqueles casos em que o agente voluntariamente venha a ressarcir o dano pecuniário causado. Resta demonstrada, portanto, a patente inconstitucionalidade do art. 17, § 1º da Lei n. 8.429/92, que veda a transação, o acordo e a conciliação em sede de ações de improbidade. Essa proscrição fere frontalmente, por um lado, o tão em voga princípio constitucional da consensualidade na Administração Pública[20] e, por outro, lesa também o princípio constitucional implícito da proporcionalidade, notadamente em seu aspecto relativo à “necessidade”, haja vista ser evidentemente dispensável a imputação de punição tão gravosa a este servidor.

Dessa forma, o art. 17, § 1º da Lei n. 8.429/92 está na contramão da própria evolução da mais moderna doutrina administrativista. Mesmo que se reconheça a imprescindibilidade e a utilidade funcional dos remédios repressivos, está-se vivenciando o fortalecimento de um Direito Administrativo cada vez mais dialogante e aberto, em prol de soluções mais céleres, eficientes e consensuais, deixando de lado, assim, o travamento de infindáveis litígios plenamente desnecessários.[21] Nesse contexto de substituição do “controle-sanção” pelo “controle-consenso”, Luciano Ferraz defende a “alteração da lógica dos mecanismos de controle, que deixam de ser vistos numa vertente estritamente sancionatórias – visão típica do Direito concebido como ordem de coerção – para se afirmar como meios de pacificação negociada das controvérsias”. Em síntese, atualmente, “a imperatividade cede espaço à consensualidade”.[22]

Na defesa da constitucionalidade e adequação do referido preceptivo legal, Maria Sylvia Zanella Di Pietro advoga que “a norma se justifica pela relevância do patrimônio público, seja econômico, seja moral, protegido pela ação de improbidade. Trata-se da aplicação do princípio da indisponibilidade do interesse público”.[23] Não se alinhará a esse entendimento, uma vez que não há de se falar em qualquer ameaça ao interesse público primário nesses casos em que o agente, sponte propria, predispôs-se a ressarcir integralmente o dano que, culposamente, a sua conduta produziu ao erário. Hodiernamente, é tendência em todo o Direito Público a utilização de técnicas de valorização do consenso com o fito de salvaguardar, de modo mais efetivo e justo, a própria indisponibilidade do interesse público.[24] Aliás, até mesmo o Direito Penal, cujos ilícitos ostentam gravidade inegavelmente superior àquela presente nos atos ímprobos, admite, em algumas hipóteses, a transação (art. 2º e art. 60, p.u., da Lei n. 9.099/95), o que possui o condão de cristalizar ainda mais a inadequação dessa vedação no âmbito das ações de improbidade.

Obiter dictum, saliente-se que a Lei n. 8.429/92 apresentaria vício de inconstitucionalidade formal por inobservância do devido processo legiferante, mais precisamente em razão do desrespeito à regra de votação bicameral prevista no art. 65, p.u., da CR/88.[25] Por escopo de questionar exatamente o apontado vício formal, o Partido Trabalhista Nacional (PTN) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI n. 2.182/DF, relatoria para o acórdão da Min. Cármen Lúcia). Entretanto, no mérito, o Pretório Excelso entendeu, em julgamento proferido no dia 12 de maio de 2010, pela ausência de inconstitucionalidade formal no mencionado diploma legislativo, restando vencido apenas o Min. Marco Aurélio.

A partir dessas considerações, percebe-se que o télos que permeou o constituinte era realmente no sentido de corroborar o entendimento doutrinário que atribui à improbidade a restritiva designação de “imoralidade administrativa qualificada”.[26] Resta irrefutável, ainda, que uma interpretação puramente gramático-formal da Lei n. 8.429/92 implicaria o demasiado alargamento do conceito de improbidade administrativa, extrapolando, assim, a própria autorização constitucional conferida ao legislador ordinário, o que imporia a conclusão pela inconstitucionalidade de parte considerável das tipificações perpetradas por esse diploma legal.

Contudo, em sede de verdadeira “interpretação conforme” da Lei n. 8.429/92, afigura-se razoável exigir, para que se configure o ilícito de improbidade, que a conduta funcional detenha, pelo menos, os seguintes atributos: a) ilegalidade consciente; b) intenção desonesta com violação à moralidade administrativa; e c) enquadramento em algum tipo proibitivo da Lei de Improbidade.

Ante a Lei n. 8.429/92, impõe-se, portanto, a adoção de hermenêutica restritiva, visando a evitar o surgimento de qualquer interpretação descolocada ou engajada desse Código Geral de Ética. É pertinente destacar que essa “interpretação conforme”, a fim de reduzir imoderações idealistas constantes da Lei de Improbidade, já fora utilizada em relação à antiga previsão normativa do art. 12, caput, que transparecia a ideia da obrigatória aplicação cumulativa de todas as sanções cominadas em seus incisos. A despeito de a antiga redação do caput do art. 12 somente ter sido reformulada pela recente Lei n. 12.120/09, já era conhecido o entendimento doutrinário[27] e jurisprudencial,[28] no sentido de admitir, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a aplicação isolada das sanções, conforme a gravidade de cada caso.

Na Teoria Geral do Direito, é cediço que o texto legislado não se confunde com a norma jurídica, uma vez que esta é o sentido normativo obtido pelo intérprete a partir da leitura do texto positivado. A norma jurídica é, na realidade, criada pelo aplicador do Direito, balizando-se, sempre, pela significação extraída do texto legal e ponderando esse significado com os princípios informativos relacionados ao assunto. Trazendo tais considerações para o objeto deste estudo, infere-se que o texto da Lei n. 8.429/92 não cria, por si só, as normas que disciplinarão o ilícito de improbidade, vez que as verdadeiras normas jurídicas aplicáveis deverão perpassar necessariamente pela conjugação dos princípios da proporcionalidade, racionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa, legalidade e segurança jurídica, os quais, em conjunto, formam a base argumentativa que deverá nortear o intérprete no manejo de todo e qualquer tipo sancionatório previsto na Lei de Improbidade.[29]


3. REQUISITOS À CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Nesse panorama de perplexidades, a atuação da doutrina especializada assume o importante papel de possibilitar a conformação da Lei n. 8.429/92 ao desenho constitucional da infração ético-institucional sob análise. Assim, uma interpretação doutrinária que, de forma razoável, amplie o conjunto dos requisitos necessários à caracterização da improbidade administrativa possui o condão de colocar as coisas no devido lugar. Desse modo, lograr-se-á restringir o conceito de conduta ímproba e, por conseguinte, a própria aplicação das sanções a ele atreladas, apenas àqueles casos em que o ilícito efetivamente se amolde às balizas constitucionais da improbidade.

Com supedâneo nessa intermediação doutrinária, incumbe aos operadores do Direito, ao se depararem com a Lei de Improbidade Administrativa, interpretarem-na com a devida prudência, a fim de evitar a sua utilização para o enfrentamento de meras ilegalidades ou de singelos erros de conduta funcional, haja vista que a vontade do constituinte sempre se direcionou, de fato, ao rigoroso combate do agente público ou do terceiro que, de forma efetiva e consciente, desonrasse ou lesasse o patrimônio público.[30]

Assim, frise-se, desde logo, que, na busca do diagnóstico jurídico de improbidade administrativa, é necessário verificar a presença de quatro requisitos principais, a saber: tipicidade cerrada, grave violação ao princípio da moralidade administrativa, dolo e infração a dever funcional.[31] Esses quatro pilares, por sua importância destacada, serão objeto de tratamento pormenorizado e individualizado nos itens que se seguem. Desse modo, neste espaço, limitar-se-á a tecer comentários sucintos e pontuais acerca de outros requisitos laterais.

Para que seja possível falar em improbidade administrativa, é imprescindível, primeiramente, a presença de “conduta funcional”, comissiva ou omissiva. Somente existirá ilícito de improbidade, se houver pelo menos uma conduta praticada por agente público[32] e que se relacione, direta ou indiretamente, com o exercício de seu múnus público.[33] Ressalte-se, ademais, que, a despeito de o art. 3º da Lei n. 8.429/92 expressamente determinar a aplicação de suas disposições, no que couber, ao terceiro que, “mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”, é pacífico o entendimento de somente ser aplicável a disciplina da Lei de Improbidade aos casos em que haja o concurso de pelo menos um acusado que goze da qualidade de agente público.[34]

Ainda no que diz respeito ao sujeito ativo do ato de improbidade, é forçoso que se afira a “imputabilidade do agente”. A imputabilidade pode ser conceituada como o conjunto de condições pessoais que conferem ao agente a capacidade de discernimento e compreensão, bem como de determinar-se conforme esse entendimento. Por conseguinte, a imputabilidade do agente pode ser afastada tanto em razão de eventual anomalia psíquica (congênita ou adquirida) quanto em virtude de critérios etários fixados por lei. Fábio Medina Osório, ao se referir à inimputabilidade por anomalia mental, esclarece que:

Essa sanidade há de ser valorada por laudo especializado, indicando, à luz do contraditório, a impossibilidade de o sujeito dominar subjetivamente as circunstâncias mais relevantes de seu agir, seja quanto ao entendimento sobre o fato, seja no tocante à autodeterminação que seria necessária, tudo culminando no conhecido poder agir de outro modo.[35]

 Portanto, demonstrada a inimputabilidade do agente por meio de laudo especializado, outra opção não resta ao magistrado senão julgar improcedente o pedido principal da ação de improbidade administrativa, abstendo-se, por conseguinte, de impor qualquer sanção ao acusado, uma vez que eventuais consequências maléficas a esse agente somente poderão ocorrer, no bojo de um processo civil, pela sua interdição ou, na seara criminal, pela imposição de medidas de segurança.

Por outro lado, ante a gravidade inata às suas sanções, é razoável que se reconheça os 18 anos completos como limite etário mínimo à responsabilização por improbidade administrativa,[36] em analogia ao que dispõe o art. 17 do Código Penal – diploma este que também disciplina a utilização do ius puniendi estatal. No entanto, o ideal seria que a própria Lei n. 8.429/92 houvesse estabelecido uma disciplina específica a respeito tema, já que o silêncio legal pode ensejar o surgimento de incertezas, oriundas de eventuais posicionamentos doutrinários no sentido de fixar limite etário distinto, seja com base na idade mínima para o trabalho (art. 7º, XXXIII, CR/88), seja com base na idade mínima para o exercício de determinada função pública, seja com base no limite etático para o pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, CR/88).

Por derradeiro, para que reste caracterizada a figura da improbidade, é natural que se exija a presença de “nexo de causalidade” entre, de um lado, a conduta funcional e, de outro, o enriquecimento ilícito, a lesão ao erário ou a violação consciente a princípios informativos da Administração Pública. No que diz respeito a esse liame entre a conduta administrativa e o resultado juridicamente reprovável, ratifica-se as lições de Sérgio Cavalieri Filho, segundo o qual, “somente há uma relação de causalidade adequada entre fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum” (teoria da causalidade adequada).[37] No atual estágio evolutivo das ciências jurídicas, o nexo de causalidade não pode mais ser visto como um fenômeno simplesmente mecânico. Isto é, para que se verifique a presença de nexo causal, não basta que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do prejuízo. Exige-se, na realidade, que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do dano.[38] Portanto, à luz da teoria da causalidade adequada, ainda que uma conduta funcional tenha causado concretamente o resultado ilícito, caso ela não tenha se revelado substancial e potencialmente adequada à ocorrência da lesão ao bem jurídico tutelado, inexistirá nexo de causalidade entre a atividade do agente e o resultado verificado.

Passa-se, neste passo, à análise dos quatros precípuos requisitos à configuração do ilícito de improbidade administrativa.

3.1. Tipicidade Cerrada

Na seara do Direito Administrativo Disciplinar, os estatutos dos servidores públicos, em regra, limitam-se a enumerar, de um lado, os vagos deveres funcionais e, de outro, as sanções cominadas, sem, todavia, realizar a correlação direta entre a sanção específica que deve ser aplicada em razão da violação a cada uma das imposições legais.[39] Ou seja, os estatutos arrolam as sanções administrativas sem estabelecer, a priori¸ qualquer elo rígido entre elas e os ilícitos funcionais.[40] Lado outro, no âmbito do Direito Penal, o legislador utilizou o sistema da tipificação cerrada de ilícitos, bem como determinou, de forma expressa e imediata, a sanção aplicável em virtude da inobservância de cada um dos modelos proibitivos legalmente previstos.

O clássico método de arrolamento de ilícitos por meio de mandados proibitivos de textura aberta adapta-se, sem margem a dúvidas, aos ilícitos administrativos comuns, porém, no que se refere aos atos de improbidade administrativa, espécie de gravíssima infração ético-funcional, a aplicação do referido modelo não se afigura adequada. Ora, o frequente uso de conceitos jurídicos indeterminados e de cláusulas abertas na descrição das infrações disciplinares reclama, segundo a doutrina majoritária, amplos e constantes juízos de valor por parte da autoridade administrativa, o que, à evidência, não se coaduna com a gravidade das sanções que podem ser infligidas àquele que pratica atos qualificados como ilícito de improbidade.[41]

Aliás, na esteira da doutrina mais tradicional, diante do cometimento de ilícitos funcionais comuns, a autoridade administrativa seria dotada de discricionariedade na atividade de aplicação das sanções disciplinares interna corporis.[42] Assim, cometida a infração administrativa, a autoridade competente teria o dever de instaurar o procedimento para a apuração da falta funcional (ato vinculado). Porém, provado o cometimento da infração, competiria ao administrador, em um juízo de oportunidade e conveniência, adequar a punição a ser infligida, seja na escolha da espécie de sanção a ser imposta, seja em sua dosimetria (ato discricionário).[43]

Reconhecida essa suposta discricionariedade inerente à apenação dos ilícitos administrativos comuns, a doutrina majoritária conclui ser inviável a integral sindicabilidade jurisdicional desses atos sancionadores, uma vez que se estaria a versar matéria adstrita ao “mérito administrativo”. Alinhando-se a esse entendimento, encontra-se a jurisprudência amplamente majoritária dos Tribunais Superiores, segundo a qual, em se tratando de processo administrativo disciplinar, somente seria dado ao Poder Judiciário aferir a regularidade do procedimento, bem com a observância dos princípios do contraditório e a da ampla defesa, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CR/88). Isto é, o Judiciário não poderia incursionar na análise de conveniência, oportunidade, eficiência, justiça, razoabilidade e proporcionalidade da sanção disciplinar aplicada.[44]

Entretanto, atualmente, exsurge entendimento doutrinário, exposado por administrativistas do escol de Luciano Ferraz e Flávio Henrique Unes Pereira, no sentido da inexistência de discricionariedade na aplicação das sanções disciplinares interna corporis. A despeito de ser inegável a ampla gama de conceitos jurídicos indeterminados constantes do arrolamento de ilícitos administrativos, Flávio Henrique Unes Pereira defende que, à luz da Teoria da Adequabilidade Normativa de Klaus Günther,[45] existe sempre uma única decisão adequada.[46] Essa decisão deveria ser “construída argumentativamente pelo administrador público e pelas partes envolvidas, no curso do devido processo legal administrativo”, de modo que, nessa seara, não remanesceriam escolhas que pudessem “ser legitimadas por um suposto juízo de conveniência e oportunidade que não fosse, a posteriori, passível de reexame pelo Poder Judiciário”.[47] Desse modo, considerando-se os princípios da inafastabilidade da jurisdição, da dignidade da pessoa humana, da culpabilidade e da individualização da pena, bem como os demais postulados do Estado Democrático de Direito, entende o autor que incumbe ao Judiciário o reexame integral das sanções disciplinares aplicadas pela Administração Pública, tanto sob o aspecto formal quanto sob o viés substancial.[48]-[49]

Portanto, mesmo no que se refere aos ilícitos funcionais comuns, em que sempre foram aceitos os juízos discricionários, já se verifica, hodiernamente, a existência de robusta corrente doutrinária entendendo que a aplicação das sanções disciplinares caracteriza ato administrativo de natureza estritamente vinculada. Ora, se assim o é em relação às infrações administrativas comuns, com muito maior razão também o será em relação à improbidade administrativa, de modo que também se deve buscar extirpar da disciplina punitiva desse ilícito qualquer vestígio de discricionariedade.

Cumulados com a inexistência de vinculação imediata entre conduta vedada e sua correspondente sanção, os conceitos demasiadamente abertos que permeiam a Lei n. 8.429/92 acabam por agravar ainda mais a sensação de insegurança jurídica suportada pelos agentes públicos, em frontal violação a postulados fundamentais do Estado Democrático de Direito.[50] A garantia fundamental de segurança jurídica é uma decorrência natural do atual estágio evolutivo do Estado Democrático de Direito, o que revela a importância de, por meio da tipicidade cerrada, impingir-se elevado grau de densidade normativa à Lei de Improbidade Administrativa, neutralizando-se, pois, o uso excessivo de conceitos jurídicos indeterminados.

Por meio da noção de tipicidade cerrada, corrigir-se-ia a vagueza semântica da Lei de Improbidade, bem como se concretizaria a objetividade normativa necessária à razoável aplicação das gravíssimas sanções éticas e jurídicas advindas da prática de atos ímprobos. Com isso, restaria mitigada a necessidade de repugnáveis juízos discricionários na aplicação da Lei n. 8.429/92. A legitimidade desses juízos de valor, hodiernamente, é de difícil controle, o que pode acabar por dar ensejo ao surgimento de um “Direito dúctil”, em evidente afronta aos ideais republicanos e ao princípio da isonomia. Ora, a ductibilidade não se harmoniza com o alto grau de previsibilidade reclamado pelo Direito Punitivo, vez que é inaceitável que a aplicação das graves sanções previstas na Lei de Improbidade venha a se amoldar a eventuais interesses políticos que se encontrem presentes no contexto de uma ação de improbidade.

Assim, para que reste caracterizada a improbidade administrativa, é imprescindível que se realize uma rigorosa aferição tanto da subsunção formal da conduta funcional ao tipo legal abstrato (tipicidade formal) quanto da efetiva violação do principal bem jurídico tutelado pela Lei de Improbidade, qual seja, a moralidade administrativa (tipicidade material).

Infere-se, pois, a absoluta possibilidade da utilização do princípio da insignificância no campo da improbidade administrativa, por escopo de afastar a tipicidade material de determinadas condutas.[51] Em outras palavras, ainda que exista subsunção formal da conduta ao tipo legal, é razoável que, por falta de tipicidade material, seja afastada a improbidade administrativa naqueles casos em que não se verifique uma efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pelo modelo proibitivo (moralidade administrativa).

Julgado emblemático acerca do tema foi proferido pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação Cível n. 70011242963, Rel. Des. Araken de Assis, julgada em 25/05/2005, oriunda da Comarca de Novo Hamburgo, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBI­DADE. USO DE PAPEL TIMBRADO. INSIGNIFICÂNCIA DO FATO MÍNIMO.

A ação civil pública para coibir atos de improbidade administrativa não pode ser amesquinhada e utilizada para reprimir o uso de quatorze folhas de papel timbrado da Câmara dos Vereadores em defesa prévia, assinada por Assessor Jurídico do Legislativo em outra ação da mesma natureza. Princípio da Insignificância. Apelação desprovida.

Trata-se de demanda proposta para o combate de suposto ato de improbidade praticado pelo Presidente da Câmara dos Vereadores do Município de Novo Hamburgo, consistente no uso da máquina administrativa em benefício privado (art. 9º, IV, Lei n. 8.429/92), cuja sanção pode traduzir-se, por exemplo, na perda do cargo público cumulada com a suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos (art. 12, I). No caso, a suposta ilicitude compreendia o uso de quatorze folhas de papel timbrado pertencentes à Câmara, em defesa prévia firmada por Assessor Jurídico do Legislativo, que foi juntada aos autos de outro processo judicial em que se discutia a ilicitude de um ato praticado pelo agente político no exercício do seu cargo público. Em razão da fundada dúvida que existia acerca do direito do mencionado agente político fazer uso da defesa institucional, o Assessor Jurídico renunciou, de imediato, ao patrocínio da causa. A despeito disso, entendendo não ser lícita essa prática, o membro do Parquet propôs a ação de improbidade para o combate do uso indevido de folhas de papel timbrado, uma vez que o referido Assessor Jurídico já havia previamente deixado de atuar no primeiro processo.

Esse caso serve para demonstrar como a disciplina normativa desarrazoada, atécnica e ambígua emprestada à Lei de Improbidade acaba por ensejar interpretações extremadas que redundam na propositura de ações judiciais absurdas, em evidente violação aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade dos recursos públicos.

Saliente-se que a insignificância ensejadora do afastamento da tipicidade material não se refere exclusivamente à pecúnia, mas, sobretudo, à inexpressividade da lesão jurídica provocada e ao reduzidíssimo desvalor da conduta funcional, uma vez que, ainda que inexista qualquer resquício de enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário, é obviamente possível o enquadramento da conduta nos tipos do art. 11 da Lei n. 8.429/92.[52]

A despeito da demonstrada necessidade de utilização do princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade de condutas supostamente ímprobas, o STJ, sob o questionável argumento de que se adota uma espécie de silogismo em que a premissa maior é o “juízo de improbidade da conduta” e a premissa menor é o “juízo de dosimetria da sanção”, acaba por negar qualquer aplicabilidade prática a esse princípio na seara do Direito Administrativo Sancionador.[53]

Ademais, outros inegáveis benefícios decorrem da consideração da rígida tipicidade como requisito inarredável à configuração do ilícito de improbidade administrativa. Tal método fechado possibilita uma maximização de todos os aspectos do princípio da segurança jurídica, quais sejam, determinabilidade, previsibilidade, estabilidade e continuidade. Além disso, a tipicidade cerrada auxilia firmemente na neutralização do arbítrio e subjetivismo que permeiam a Administração Pública brasileira e que, frequentemente, acarretam a desconsideração dos princípios da isonomia, da legalidade e da proporcionalidade, os quais são ferramentas essenciais à escorreita utilização dos institutos do Direito Punitivo.

Além da utilização de tipos dotados de pouca concretude, a Lei n. 8.429/92 é explícita na adoção do sistema numerus apertus para o arrolamento dos atos de improbidade, o que acaba por possibilitar que o intérprete faça uso da analogia tipificadora com o intuito de ampliar o leque de condutas vedadas. Entretanto, à luz de postulados garantistas do Direito Punitivo e da gravidade extraordinária das sanções cominadas, incumbe ao operador jurídico sensato interpretar com a devida cautela e de forma restritiva tais modelos proibitivos.

Em face da natureza punitiva da Lei de Improbidade Administrativa, faz-se mister que se reconheça a inadmissibilidade da utilização de analogia[54] ou de interpretação extensiva[55] para fins de caracterização do ato ímprobo, vez que os arts. 9º, 10 e 11 devem ser encarados como catálogos taxativos, em decorrência dos imperativos da tipicidade fechada. Ora, diante da omissão legislativa, é extremamente perversa, além de tecnicamente repudiável, a utilização dos mencionados métodos hermenêutico-integrativos para a tipificação de condutas funcionais.

Essa interpretação ampliatória criaria inaceitável insegurança jurídica na vida de todos os agentes públicos, que restariam sujeitos aos sabores de eventuais entendimentos imbuídos de excessivo subjetivismo. Daí a flagrante violação aos princípios norteadores do Direito Punitivo, sobretudo, aquele expresso na parêmia nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, o qual, em que pese ter sido gestado no seio criminal, também deve ser aplicado ao Direito Administrativo Sancionador.[56] O referido adágio representa a garantia da reserva legal, que é consagrada tanto em sede constitucional (art. 5º, II e XXXIX) quanto no âmbito supranacional, senão vejamos o artigo 22º, parágrafo 2 do Estatuto de Roma:

Artigo 22.º 2 - A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será permitido o recurso à analogia. Em caso de ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa objecto de inquérito, acusada ou condenada.

No preceito normativo internacional, está clara a proscrição tanto da analogia tipificadora quanto da interpretação extensiva prejudicial ao acusado. Deste modo, como decorrência dos postulados da reserva legal e da segurança jurídica, dúvida não resta quanto à imperiosa aplicação, mutatis mutandis, dessa norma supranacional também à tutela da probidade administrativa, sob pena de empreenderem-se tratamentos antagônicos a situações fáticas dotadas de inegável similitude.

A despeito das críticas, reitere-se que decorre da mera leitura dos arts. 9º a 11 a conclusão de que a opção legislativa foi realmente no sentido de prever um rol meramente exemplificativo. Assim, por óbvio, não se está a defender uma completa desconsideração pragmática do texto legislado, o que representaria uma ilegítima violação ao princípio democrático da “liberdade de conformação legislativa dos ilícitos”. Sustenta-se, na realidade, em sede de uma interpretação finalística da obra do constituinte originário, tão-somente a absoluta inadequação da opção legislativa, a qual pode acarretar inclusive vício de inconstitucionalidade, em face do disposto no art. 1º (“Estado Democrático de Direito”) e no art. 5º, caput, II e XXXIX, todos da CR/88.

Portanto, hodiernamente, a definição das condutas legalmente consideradas como ímprobas é realizada por meio de conceitos jurídicos indeterminados, em rol exemplificativo, inexistindo, ainda, uma rígida e direta vinculação legal entre os atos ilícitos e as suas respectivas sanções. Em sentido diametralmente oposto, propõe-se, ainda que de lege ferenda, a adoção de um sistema de tipicidade cerrada, dotado de precisão semântica na fixação dos ilícitos e que seja hostil a qualquer espécie de interpretação ampliativa. Sustenta-se, pois, que a tutela da improbidade administrativa, em diversos casos, deve se aproximar muito mais de institutos penais do que da flexível disciplina legal atrelada aos ilícitos administrativos comuns.

3.1.1. Da aproximação entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal Garantista

Demonstrada a imprescindibilidade da aplicação do princípio da legalidade estrita à tutela da improbidade administrativa, urge frisar, neste passo, a idêntica necessidade de utilização de outros princípios informativos do Direito Penal e Processual Penal como balizas à idônea apuração e apenação pelo cometimento de ilícitos de improbidade.

Reconhecendo-se a origem comum de ambos os ramos jurídicos, a partir da década de 1960, começa a se notar, na Europa, uma efetiva aproximação entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Criminal, de modo que os princípios deste último passaram a ser rotineiramente aplicados com alguns matizes àquele ramo do Direito. Essa aproximação fortaleceu-se sobremaneira na década de 1990, pois se tornou notório o fato de que ambos os braços do Direito Punitivo – quais sejam, Direito Penal e Direito Administrativo Sancionador – afetavam gravemente direitos fundamentais, não sendo crível, portanto, que as garantias que tradicionalmente se encontravam vinculadas ao Direito Penal não se estendessem, mutatis mutandis, ao Direito Administrativo Punitivo. Ou seja, o estreitamento da relação entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal é uma medida necessária, na perspectiva dos direitos fundamentais que hão de balizar o Direito Punitivo considerado em sua totalidade.[57]

Assim, o Direito Penal serve como inspiração à dogmática do Direito Administrativo Sancionador, de modo que a este último devem ser aplicadas as garantias inerentes à Teoria da Sanção (ou da Pena), estudadas com detença pelos penalistas.[58] Em sua dicção sempre precisa, Fábio Medina Osório esclarece que:

Não se tratará de reduzir as fontes do direito administrativo sancionador ao Direito Penal, como se este ostentasse alguma espécie de superioridade normativa. Trata-se apenas de perceber a superioridade teórica da dogmática penal, que pode e deve servir de inspiração garantista na seara do direito administrativo punitivo.[59]

É proveitoso, deste modo, que se dê uma aproximação da tutela punitiva da improbidade com as tradicionais e sedimentadas linhas garantistas do Direito Penal. Com isso, lograr-se-á afastar os efeitos deletérios de uma “civilização” exacerbada desta infração administrativa – isto é, encarar a improbidade administrativa como um mero ilícito civil –, o que poderia dar ensejo a uma desregrada flexibilização das garantias fundamentais dos acusados.

Assim sendo, resta claro que a correta compreensão dos institutos do Direito Administrativo Punitivo deve perpassar necessariamente pelas ideias, ainda que cum grano salis, do Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli.[60] Essa corrente doutrinária tem como seu ponto basilar o princípio da legalidade e almeja reduzir a um grau mínimo o poder punitivo do Estado, bem como maximizar as garantias constitucionais dos cidadãos.[61] À luz do Garantismo Penal, a função imediata da jurisdição seria a salvaguarda intransigente dos direitos fundamentais do acusado e, de forma mediata, a proteção das garantias de toda a comunidade, não sendo crível, conseguintemente, atribuir à penalidade qualquer ranço de cunho exclusivamente retributivo. Portanto, o juiz não possuiria como seu precípuo mister a aplicação da lei, fazendo as vezes de mero executor da vontade do legislador ordinário. Pelo contrário, ao magistrado deveria ser atribuído principalmente o ofício de proteção ativa dos direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão submetido à sua jurisdição.

Desse modo, acautelando-se de afastar algum resquício de radicalismo presente nas ideias de Luigi Ferrajoli, é possível a adequada aplicação com matizes dos postulados garantistas à persecução jurisdicional do ilícito de improbidade. Assim, alcança-se um tratamento judicial do imputado que satisfaça o ideário de concretização da dimensão substancial dos direitos fundamentais.

Nessa linha de intelecção, há julgados no Superior Tribunal de Justiça que já têm decidido com base na aproximação simétrica entre os braços do Direito Punitivo. Ora, reconhece-se que a “unicidade  de tratamento do Direito Punitivo” é o ponto nodal para a correta interpretação dos institutos atrelados à improbidade administrativa.[62] No EREsp n. 875.163/RS, julgado pela 1ª Seção do STJ, em 23/06/2010, constou do brilhante voto do Min. Rel. Mauro Campbell Marques que:

As sanções da Lei de Ação Popular, da Lei de Ação Civil Publica e da Lei de Improbidade Administrativa não têm caráter penal, mas formam o arcabouço do direito administrativo sancionador, de cunho eminentemente punitivo, fato que autoriza trazermos à baila a lógica do Direito Penal, ainda que com granus salis. É razoável pensar, pois, que pelo menos os princípios relacionados a direitos fundamentais que informem o Direito Penal devam, igualmente, informar a aplicação de outras leis de cunho sancionatório.[63]

A despeito de ser pacífico, em sede jurisprudencial, o entendimento de que a improbidade administrativa constitui ilícito de ordem civil,[64] a doutrina de Fábio Medina Osório defende que o ato ímprobo deve ser classificado como ilícito administrativo e, por conseguinte, sujeitar-se aos postulados do regime do Direito Administrativo Sancionador, o qual, reitere-se, recebe incisivo influxo da teoria garantista do Direito Penal e limita os malefícios advindos da exacerbada “civilização” do instituto.

Apesar de defenderem a natureza civil do ilícito de improbidade, Gilmar Ferreira Mendes e Arnoldo Wald[65] reconhecem expressamente que, não obstante a redação do art. 37, § 4º da CR/88, as sanções por improbidade administrativa são dotadas de forte “conteúdo” e “funcionalidade” penais, bem como de inegáveis aspectos de sanção política.[66] Concluem, lucidamente, os autorizados juristas que a ação de improbidade é dotada de “repercussões quase penais”. Corrobora-se esse entendimento, até porque, tal como ensina Fábio Medina Osório:

Apesar da natureza de ilícito administrativo de que é dotado o ato improbus, inexistem critérios qualitativos a separar os delitos e os ilícitos de ordem administrativa, tampouco um critério rigorosamente quantitativo, porque algumas sanções administrativas são mais severas do que as sanções penais.[67]

Com efeito, é plenamente factível que, em algumas hipóteses excepcionais, as repercussões de uma sanção por improbidade sejam dotadas de gravidade maior do que aquelas advindas da punição imposta ao mesmo fato pela jurisdição penal. Por exemplo, não há dúvidas de que o delito de prevaricação (art. 319 do Código Penal) abarca a mesma situação fática prevista como ilícito de improbidade pelo art. 11, II da Lei n. 8.429/92. Todavia, na seara penal, o agente está sujeito à pena de detenção de três meses a um ano, a qual certamente sofrerá a incidência dos benefícios despenalizadores da Lei n. 9.099/95 ou, então, será substituída por singelas penas restritivas de direitos (art. 43 do Código Penal), o que, por óbvio, também inviabilizará a incidência do art. 92, I, a, do Código Penal, atinente à perda do cargo, emprego ou função pública como efeito da condenação penal. Por outro lado, no âmbito da Lei n. 8.429/92, o agente ímprobo sujeitar-se-á, a depender do caso, dentre outras sanções, à perda do cargo, à suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de até cinco anos e ao pagamento de multa civil no valor de até cem vezes o valor da remuneração que percebe.

Em face de todas essas constatações, prefere-se aderir aos ensinamentos de Fábio Medina Osório, porquanto a propugnada sujeição da improbidade ao regime do Direito Administrativo Punitivo implica evidente maximização dos direitos fundamentais de titularidade dos agentes públicos.

Coadunando-se com a incidência dos postulados garantistas do Direito Penal à disciplina da infração ético-institucional ora estudada, está a “concepção fragmentária da improbidade administrativa”, segundo a qual, a punição do ilícito de improbidade deve ser encarada como ultima ratio do Direito Administrativo Sancionador. Não se deve olvidar que, no diagnóstico jurídico da improbidade, é imperioso que se afira a observância aos subprincípios da “adequação”, da “necessidade” e da “proporcionalidade em sentido estrito”, sobretudo no que se refere à adoção do regime jurídico especialmente gravoso da Lei n. 8.429/92 para a apuração de uma conduta supostamente ilícita. Isso decorre naturalmente da existência de outros sistemas de tutela de interesses públicos (tais como o da ação civil pública típica, o da ação popular e o regime administrativo disciplinar interna corporis), em cujo bojo também é possível obter, dentre outros efeitos, a anulação de atos ilegais e o ressarcimento ao erário.[68]

Em síntese, é incabível o manejo da ação de improbidade com o objetivo de combater aquelas situações que poderiam ser tuteladas adequadamente pela via da simples correição administrativa ou, mesmo, por outra via jurisdicional menos gravosa. Por conseguinte, é plenamente factível a imputação da prática de ato ímprobo ao agente público fiscalizador que, abusando de suas atribuições, venha a propor ações de improbidade que representem violação ao princípio da proporcionalidade.[69]

Se, por um lado, os legitimados à propositura desta ação devem sempre levar em consideração os efeitos deletérios advindos da mera pendência de um processo punitivo dessa magnitude, por outro, os magistrados também desempenham papel crucial nessa empreitada de mitigar tais malefícios. Considerando que, na escala axiológica de ilicitude, somente o crime ostenta maior desvalor do que a improbidade administrativa, incumbe ao magistrado fazer eficiente uso dos mecanismos preventivos que lhe faculta o art. 17, § 6º. Com supedâneo nesse preceptivo legal, o julgador não deverá receber a petição inicial de improbidade que não esteja suficientemente fundamentada e acompanhada de robusto material probatório, evitando-se, assim, que ações temerárias dêem origem a estigmas sociais e psicológicos que acompanharão o réu durante todo o trâmite jurisdicional.[70] Além disso, ao magistrado compete aplicar rigidamente as sanções por litigância de má-fé àqueles que, de forma espúria, propuserem demandas levianas.

Em face de todo o exposto e demonstrado acima, é tranquila a conclusão de que são aplicáveis ao Direito Administrativo Punitivo (e, por conseguinte, à tutela da probidade administrativa), dentre outros, os princípios da legalidade, da tipicidade cerrada, da culpabilidade em sentido amplo,[71] da motivação dos atos sancionatórios, da presunção de não culpa, do in dubio pro reo, da vedação da revisão contra o acusado de decisão absolutória acobertada pela coisa julgada material,[72] da consunção, do ne bis in idem, da proporcionalidade, da razoabilidade, do devido processo legal etc.[73] Assim, em que pese a inexistência de um rol específico de garantias processuais asseguradas aos imputados por ilícitos administrativos, a cláusula geral do devido processo legal, tanto em sua faceta formal quanto em seu viés substancial, pode servir como uma das principais fontes normativas dessas garantias fundamentais no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.[74] Acrescente-se, ademais, que a Lei n. 8.429/92 é muito lacunosa no que diz respeito aos critérios para a dosimetria da sanção a ser concretamente imposta ao agente condenado por ato de improbidade. Assim, como materialização dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art. 5º, LIV), da razoabilidade (art. 5º, LIV) e da individualização da pena (art. 5º, XLVI), é plenamente possível a utilização analógica com matizes do art. 59 do Código Penal e do art. 128 da Lei n. 8.112/90, por escopo de realizar a adequada fixação em concreto da sanção a ser imposta ao agente ímprobo.

3.1.2. A Lei n. 8.429/92 e as normas sancionadoras em branco

Com a mesma preocupação que permeia a elaboração do presente estudo, Fábio Medina Osório também constatou a intolerável insegurança jurídica que certamente resultaria da aplicação direta e literal dos comandos normativos da Lei n. 8.429/92. Assim, por escopo de evitar que esse diploma legal acabasse por se tornar um “instrumento de arbítrio e injustiças com margens intoleráveis ao subjetivismo incontrolável dos operadores jurídicos”,[75] o renomado doutrinador suscita, de forma pioneira, interessantíssima tese, segundo a qual, as normas punitivas da Lei de Improbidade deveriam ser tidas como “normas sancionadoras em branco”, necessitando, por conseguinte, para serem aplicadas, de complementos normativos oriundos de legislações setoriais.

No escólio abalizado do referido administrativista, a improbidade administrativa seria uma conduta ilícita cuja estrutura jurídica seria composta pela conjugação necessária de normas gerais e de normas setoriais. Deste modo, para que restasse configurado o ato improbus, seria imprescindível que a conduta guerreada violasse, concomitantemente, as tipificações do Código Geral de Condutas e as legislações setoriais integradoras.[76] Em outras palavras, advoga-se a necessidade da existência de uma intermediação legislativa em todos os tipos proibitivos da Lei de Improbidade, o que deveria se dar por meio das regulamentações setoriais subjacentes. Em síntese, sendo a Lei n. 8.429/92 um diploma legislativo composto por normas sancionadoras em branco, a sua aplicabilidade estaria condicionada à existência de um complemento normativo setorial que concretizasse as suas imposições abstratas.[77]

 Na realidade, Fábio Medina Osório sufraga basicamente a necessidade de introduzir-se uma maior densidade normativa à Lei n. 8.429/92, o que, por conseguinte, resultaria em uma mais efetiva concretização do princípio da segurança jurídica. Idêntico propósito está a se defender neste estudo. Todavia, opta-se por sustentar a necessidade inarredável de submeter, ainda que de lege ferenda, a disciplina legal da improbidade aos imperativos da tipicidade cerrada, alcançando, assim, um grau ainda maior de concretização do princípio da segurança jurídica, à luz de um regime plasmado pelos ideias garantistas que devem nortear a dogmática do Direito Administrativo Sancionador.

A tese defendida pelo doutrinador gaúcho merece todos os encômios, visto que analisa, de forma técnica e sensata, uma das maiores mazelas relativas à aplicação concreta dos institutos da Lei n. 8.429/92. Encarar tais regras punitivas como normas sancionadoras em branco realmente enseja uma leitura do texto legislado que se coaduna com o ideário constitucional de maximização dos direitos fundamentais. Entretanto, pelas razões exaustivamente exposta ao longo deste estudo, prefere-se sustentar, ainda assim, a tipicidade cerrada como uma solução mais eficiente no combate a estas lesões, que afetam diretamente os postulados fundamentais do Estado Democrático de Direito.

3.2. Grave violação ao princípio da moralidade administrativa

É forçoso que se compreenda a grave lesão ao princípio da moralidade administrativa como o segundo elemento essencial à configuração da patologia ético-funcional objeto do presente trabalho.

Representando uma inegável aproximação entre o Direito e a Ética, a moralidade administrativa é um princípio jurídico que começou a ser estudado como um conjunto de normas de ética pública que, no início do século XX, objetivava servir como “ferramenta de rompimento do paradigma de um direito esgotado na lei, nos textos e nos dispositivos em seus conteúdos gramaticais estritos”.[78] Nesse passo, a moralidade administrativa serviu como supedâneo normativo à inauguração de um novo padrão comportamental dos agentes públicos, o qual se pauta por densas imposições de ordem ética e axiológica.[79]

Desta forma, a moral administrativa desempenhou importante papel no fortalecimento de uma legalidade substancial, em contraponto ao legalismo exacerbado que norteava o pensamento jurídico da época. Demonstrando a necessidade de realizarem-se valorações sobre as regras jurídicas vigentes, o princípio da moralidade possibilitou que o intérprete se livrasse das amarras dos métodos exegéticos formais, pautados rigidamente pela letra da lei.[80]

É incontestável, nesta toada, a relação de muita proximidade que se verificava entre as funções exercidas pelo princípio da moralidade e aquelas que eram desempenhadas pela boa-fé objetiva, uma vez que ambas atuavam com o fito de impor deveres públicos implícitos aos agentes do Estado, coibindo, deste modo, condutas violadoras do elemento axiológico da norma jurídica. Assim sendo, impuseram-se, dentre outros, os deveres de correção, de lealdade institucional, de proteção, de cooperação e de nemo potest venire contra factum proprium, todos decorrentes diretamente da moralidade administrativa e da boa-fé objetiva.[81]

Todavia, com a passar do tempo, percebeu-se que as potencialidades da moralidade administrativa não se exauriam em ser apenas uma faceta da boa-fé objetiva. De fato, reconhece-se, hodiernamente, que os deveres laterais que exsurgem do princípio da moralidade não se resumem à boa-fé objetiva (norma de conduta), abrangendo, igualmente, a boa-fé subjetiva (estado anímico do agente) e a obrigatoriedade jurídica de observância das regras de ética pública. Em síntese, “a moral administrativa engloba a funcionalidade da boa-fé objetiva, mas nela não se esgota, avançando em outros domínios funcionais”.[82]

Deste modo, pouco a pouco, a incidência dos postulados da moralidade administrativa deixou de restringir-se à disciplina do desvio de finalidade, passando a balizar todas as atuações administrativas do Estado.[83] A própria noção de democracia relaciona-se diretamente com a necessidade de um diuturno “crescimento moral da vida pública”.[84] Assim sendo, é imprescindível a observância da moralidade administrativa em todas as atuações dos agentes administrativos, mormente quando se trate do exercício de competências discricionárias.

É importante frisar o explícito acolhimento da moralidade como norte principiológico de todo o ordenamento jurídico, seja este considerado em seu viés publicista,[85] seja tomado em sua faceta privatística.[86] Nessa linha, encontra-se a lição de Juarez Freitas, segundo o qual, a Constituição não efetivou a “mera positivação inclusiva da moralidade: realizou-se, na realidade, uma proclamação vocacionada à eficácia direta de um princípio axiológico que, a par de outros, precisa ser considerado em toda e qualquer hierarquização jurídica”, tornando-se, deste modo, “pedra de arrimo do edifício jurídico”.[87]

Não se faz despiciendo, neste passo, ressaltar que a moralidade somente foi inserida no arcabouço de princípios constitucionais que rege a Administração Pública brasileira com o advento da Carta Política de 1988. Inserção esta muito coerente, aliás, com a evolução do princípio da legalidade, o qual, atualmente, abarca diversos outros princípios, tais como o da razoabilidade, da moralidade, da boa-fé e da economicidade. Não há dúvida de que a própria gênese do Estado Democrático de Direito está visceralmente vinculada à aludida dilatação do princípio da legalidade, a qual representa a luta pela reconquista do conteúdo axiológico do Direito, perdido em grande parte com o Positivismo Jurídico.[88]

Desta forma, no seio de um Estado Democrático de Direito, é importante conceber o “princípio da legalidade em sentido amplo” (ou princípio da juridicidade), com o fito de abranger não apenas o estrito cumprimento da lei, mas, sobretudo, a observância dos princípios e valores tidos como sustentáculos do próprio ordenamento jurídico.[89] Em síntese, para que se afira a plena observância ao princípio da legalidade em sentido amplo, é imperioso que se verifique o cumprimento tanto da “lei” quanto do “Direito”, o que explicita o rompimento com o ideário do hard positivism, que negava qualquer relação entre Direito e Moral.[90]

Assim, a investigação acerca da legitimidade do ato administrativo não deve se limitar apenas à verificação do cumprimento formal das imposições legais explícitas, devendo, igualmente, aferir a obediência ao “dever de lealdade às instituições” (ou “dever de ética pública”[91]). Marcelo Caetano, com percuciência, define o dever de lealdade como aquele que impõe ao agente público servir à “Administração com honestidade, procedendo no exercício de funções sempre no intuito de realizar interesses públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades dela decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”.[92]

Ante todo o exposto, é forçoso conceber a grave violação ao princípio da moralidade administrativa como um requisito impostergável à caracterização da figura ilícita de improbidade.[93] Não há como negar que toda improbidade constitui, antes, uma imoralidade administrativa. Entretanto, nem toda imoralidade alcançará o status de improbidade, uma vez que há diversos outros requisitos essenciais à perfeição do ato improbus, sendo, por conseguinte, plenamente factível a ocorrência de uma eventual imoralidade que não atinja as raias da improbidade, já que esta pressupõe, sobretudo, a índole de desonestidade.

Frise-se que, para a existência dessa infração ético-funcional, a lesão ao princípio da moralidade deve ser grave a ponto de atingi-lo em sua alma, em seu âmago, isto é, o princípio deve ser imediata e nuclearmente violado. Em outras palavras, somente será catalogável como ímproba a conduta funcional que represente “o destoamento nítido e grave da moralidade percebida pelo senso médio superior da coletividade”.[94] Tal gravidade é aferível tanto pelo elemento subjetivo do comportamento reprovável quanto pelo descompasso de sua dimensão objetiva com as imposições do sistema jurídico.[95] Portanto, à luz da fragmentariedade que norteia a aplicação concreta da improbidade, a exigência de um elevadíssimo grau de lesividade ao princípio da moralidade administrativa constitui importante elemento restritivo à caracterização dessa patologia funcional.

Além disso, a própria Constituição da República faz expressa menção tanto à moralidade (e.g., art. 5º, LXXIII; art. 14, § 9º; art. 37, caput) quanto à improbidade administrativa (e.g., art. 14, § 9º; art. 15, IV; art. 37, § 4º; art. 85; art. 97, § 10, III), o que, por si só, pode ser compreendido como a adoção de uma efetiva escala axiológica para a punição das infrações que lesem a moralidade administrativa. Nessa linha de intelecção, somente estará configurada a improbidade, caso haja uma imoralidade de grau especialmente elevado, ou seja, uma imoralidade qualificada. Com esse mesmo pensamento, Edilson Pereira Nobre Júnior ensina que:

Não haveria sentido de o Constituinte distinguir a improbidade da moralidade administrativa se não fosse para legar àquela um conteúdo especial. Isto porque a só ofensa à moralidade administrativa já acarretaria as conseqüências previstas na Lei 4.717/65, relativas à ação popular, não havendo, portanto, que se criar dois institutos para se alcançar fim idêntico.[96]

Campo especialmente fértil à grave violação aos postulados da moralidade administrativa é, indubitavelmente, o procedimento de licitação pública.

Assim, afigurou-se perfeito o entendimento adotado pela 1ª Turma do STJ, no REsp n. 439.280/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 01/04/2003, DJU 16/06/2003, ocasião em que se entendeu que a improbidade por vício de legalidade na licitação (art. 10, VIII, ab initio, Lei n. 8.429/92) somente restou concretizada, em virtude da prévia evidenciação da ocorrência de intolerável lesão aos princípios da moralidade e da impessoalidade. No caso dos autos, determinado Município celebrou contrato administrativo, mediante o procedimento licitatório “convite”, com uma empresa cujos sócios eram o Vice-Prefeito e o irmão do Prefeito, pessoas impedidas de licitar. Ora, o vício de legalidade da mencionada licitação adveio, obviamente, da mera participação de pessoas sujeitas a impedimentos legais. No entanto, essa ilegalidade, isoladamente considerada, não ensejaria a imputação da prática de improbidade, haja vista que a constatação do referido vício não demonstra, automaticamente, a grave lesão ao princípio da moralidade. Portanto, o julgado deixa explícito que a improbidade caracterizou-se, sobretudo, pela constatação da existência de conluio entre as partes com o intuito de frustrar a legalidade da licitação, o que acarreta grave prejuízo à moralidade e à impessoalidade que devem nortear a atuação administrativa.

Logo, em que pese a redação do art. 10, VIII, parte inicial, da Lei n. 8.429/92, é plenamente factível que a frustração da liceidade de um procedimento licitatório não venha a caracterizar a patologia de extrema gravidade representada pelo ilícito de improbidade.

Outra situação em que, frequentemente, se verifica o cometimento de atos de improbidade é a que envolve, nos termos art. 10, VIII, in fine, da Lei n. 8.429/92, a contratação direta levada a cabo por dispensa de licitação. Grande parcela desse elevado número de casos de improbidade origina-se, em muito, da amplitude semântica e do alto grau de abstração presentes na disciplina legal da contratação direta. Dessa forma, se, por um lado, a elasticidade das hipóteses de dispensa confere aos administradores a possibilidade de desenvolver juízos interpretativos para aferir, em casos limítrofes, a obrigatoriedade ou não da realização da licitação, por outro lado, tais regras de ínfima concretude também abrem considerável espaço para que agentes públicos mal intencionados atuem à margem da juridicidade.

Portanto, não obstante a inapropriada redação do art. 10, VIII, in fine, o importante é compreender que a simples demonstração da ilegalidade da dispensa do procedimento licitatório não implicará automática configuração de improbidade administrativa, haja vista que a desonestidade funcional não se encontrará, pelo menos em regra, cabalmente demonstrada. Afigura-se factível a ocorrência de falhas que se situem dentro das balizas do erro comum do administrador público. Esses comportamentos, a despeito de estarem contaminados pela irregularidade, serão aptos a caracterizar, quando muito, falta funcional culposa. Além disso, muitas situações de dispensas supostamente ilegais estão a versar hipóteses realmente controversas, o que impede, prima facie, que se qualifique esse ato como improbidade administrativa.[97]

Por meio desses dois exemplos, almejou-se demonstrar que o entendimento que aloca a grave imoralidade administrativa como requisito à configuração da improbidade não ostenta apenas superioridade teórica, mas, também, traz benefícios pragmáticos à adequada e justa aplicação da Lei n. 8.429/92.

3.2.1. O conceito doutrinário de improbidade e o princípio da moralidade administrativa

Em sede doutrinária, é assentado o reconhecimento da existência de uma íntima e indissociável relação entre a improbidade e o princípio da moralidade administrativa.

Nos ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, a ação de improbidade administrativa visa precipuamente à preservação, pela via jurisdicional, do princípio da moralidade administrativa, vez que, “diante do direito positivo, o agente ímprobo sempre se qualificará como violador do princípio da moralidade”.[98] Daí conclui o doutrinador que a moralidade, em si, é um elemento aberto e disciplinador de todas as condutas da Administração Pública, ao passo que a improbidade deve ser encarada como uma “imoralidade administrativa qualificada pela lei”.

Nesse sentido, ainda, José Afonso da Silva, em seu clássico Curso de Direito Constitucional Positivo, defende a tese de que a imoralidade representa uma ideia mais ampla e que abarca a noção de improbidade, uma vez que esta é uma imoralidade administrativa qualificada em sede constitucional.[99] Portanto, a improbidade é espécie do gênero imoralidade, o que deixa transparecer, mais uma vez, a ideia de que somente existirá improbidade (espécie), se, antes, puder ser constatada uma imoralidade (gênero). Em dicção muito próxima, encontram-se, ademais, os ensinamentos de Aristides Junqueira Alvarenga, segundo o qual, a improbidade é uma imoralidade administrativa qualificada pela desonestidade, sendo, pois, espécie do gênero imoralidade administrativa.[100]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, defende que, enquanto consideradas como princípios, as expressões “moralidade” e “probidade” estão, a rigor, vinculadas entre si por uma relação de sinonímia, tendo em vista que ambas dizem respeito à noção de honestidade na conduta funcional. Isto é, quando se exige probidade ou moralidade administrativa, “não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos”.[101]

Contudo, a autora ressalta que somente existe essa identidade de significados entre as expressões, enquanto as consideramos como princípios, porque, quando nos referimos à improbidade como “ato ilícito”, ou seja, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, não mais perduraria a sinonímia entre improbidade e imoralidade. Entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “improbidade” teria um sentido muito mais amplo do que o de “imoralidade”, vez que aquela abarcaria não só atos desonestos ou imorais, mas também os meramente ilegais. Partindo dessas premissas, a autora conclui que “a lesão à moralidade administrativa é apenas umas das inúmeras hipóteses de atos de improbidade administrativa previstos em lei”.[102]

Discorda-se. É correto que a improbidade, quando encarada como ato ilícito, deixa de se identificar plenamente com a imoralidade, porém, não se afigura razoável asseverar que a violação à moralidade administrativa é apenas uma das hipóteses de condutas tipificadas como ímprobas.

Na realidade, tal como demonstrado, a lesão ao princípio da moralidade é um dos precípuos elementos constitutivos de toda e qualquer improbidade. Ao se fechar os olhos para a importância desse requisito, corre-se o risco de grave distorção do próprio desenho constitucional do ilícito de improbidade, em patente violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Em suma, quando se encara a moralidade e a improbidade como atos ilícitos (e não mais como meros princípios informativos), pulveriza-se a relação de sinonímia entre as expressões, exsurgindo, em seu lugar, a constatação de que a grave violação à moralidade é requisito essencial à caracterização da improbidade administrativa.

Conclui-se que conceber a improbidade administrativa como um ilícito de “imoralidade qualificada” ostenta, pelo menos, dois incontestáveis benefícios pragmáticos: primeiro, evitar que se confunda a mera ilegalidade com a improbidade administrativa;[103] segundo, restringir a utilização do instituto da improbidade apenas àquelas hipóteses realmente dotadas de um solene grau de lesividade ao princípio da moralidade administrativa.[104]

3.2.2. Improbidade administrativa como espécie de má gestão pública eivada de desonestidade

Nos ensinamentos pioneiros de Maurice Hauriou, a noção de “boa administração pública” (ou “boa gestão pública”) já era identificada como o suporte fundamental do princípio da moralidade administrativa.[105] Hauriou demonstra que esse princípio está funcionalmente alicerçado nos postulados de boa gestão pública. A verificação da boa administração não deve levar em consideração apenas a obediência ou não daquilo que estiver pormenorizadamente consagrado em lei, porquanto seus parâmetros também abarcam deveres ético-funcionais implícitos. Deste modo, o festejado jurista francês claramente se contrapunha ao hard positivism, Escola de incisiva influência no início do século XX. Fábio Medina Osório, ao trabalhar o tema, esclarece que:

Existia uma moralidade administrativa segundo a qual o administrador ficava vinculado a regras de conduta inerentes à disciplina interna da Administração Pública, o que significava a obediência necessária a pautas de boa administração, transcendendo as minúcias ou previsões expressas nas regras legais. A boa administração comportaria, por esse ângulo, um universo de condutas eticamente exigíveis dos administradores públicos, tivessem ou não previsão expressa no ordenamento jurídico.[106]

A desonestidade funcional é uma das mais fúnebres facetas da má gestão pública, cujas raízes já podiam ser encontradas, e de modo extremamente nefasto e com dimensões descomunais, desde a Roma Antiga.[107] Portanto, a degradação moral dos agentes públicos e a podridão da vida política constituem fenômenos perenes que insistem em desrespeitar os rígidos padrões éticos que, por imposição do princípio da moralidade administrativa, devem (ou, ao menos, deveriam) pautar atuação dos homens do Estado.

Lado outro, a grave ineficiência de agentes públicos é a outra faceta da má gestão pública. Caso uma dada conduta funcional tenha sido praticada com desconsideração dos imperativos da ética pública, ainda que logre alcançar resultados administrativos benéficos, esse comportamento deverá ser taxado como “ineficiente”, uma vez que os resultados obtidos estarão fatalmente contaminados pela imoralidade que inquinou o iter percorrido pelo agente público. Na dicção de Fábio Medina Osório:

Uma atuação contra as regras éticas que presidem o setor público não pode ser eficiente, já que seus resultados e, mais do que isso, seus caminhos estão entranhados no conjunto de danos produzidos. Um agente público que, atropelando fórmulas ético-normativas, consegue obter resultados econômicos favoráveis não será um sujeito eficiente na perspectiva da ética institucional.[108]

O princípio da moralidade é um valor aberto ao qual toda atuação administrativa deve se amoldar, de modo que o seu amplo espectro de incidência também repercute na valoração das imposições oriundas do princípio da eficiência no setor público. Com isso, da harmonização entre o princípio da eficiência e o princípio da moralidade administrativa, infere-se que a observância plena do próprio princípio da eficiência funcional pressupõe, necessariamente, o estrito cumprimento dos deveres da ética pública. Em outros termos, o cumprimento do princípio da eficiência no setor público reclama muitos mais do que a simples otimização do dispêndio dos recursos públicos e a eficiente organização da estrutura administrativa.

Nesse passo, é importante que não se confunda a ideia de eficiência exigida pelo setor privado com aquela outra que, por incidência do princípio da eficiência administrativa, deve permear a atuação do Poder Público. É evidente que a boa gestão pública não deve observância apenas aos imperativos da boa gestão empresarial, visto que esta se preocupa basicamente com interesses privados, os quais podem ser resumidos na percepção de resultados econômicos favoráveis. A boa administração pública, por sua vez, além de almejar resultados que satisfaçam os interesses privados da coletividade, reclama também a adequação ética da conduta funcional. Assim sendo, “os meios e os fins são relevantes e positivamente valorados dentro dos paradigmas do bom administrador (público), daí a processualidade das relações nesse setor”.[109]

A boa gestão pública pressupõe a conjugação e a harmonização dos princípios da eficiência funcional e da moralidade administrativa. Isto é, a boa administração não se pauta exclusivamente pela aferição de eventuais resultados vantajosos, uma vez que se deve, igualmente, avaliar o “proceder do homem público”. À luz do princípio da moralidade administrativa, é também dever funcional a adoção de caminhos e métodos que sejam eticamente adequados. Em síntese, são inadmissíveis condutas funcionais economicamente úteis, mas eticamente perniciosas à sociedade, sob pena de aniquilar-se toda a eficácia do princípio da moralidade administrativa.[110]

Em face da estreita relação existente entre a violação aos ditames da boa administração e a imoralidade administrativa, sustenta Fábio Medina Osório que a improbidade representa a principal espécie de grave má gestão pública.[111] Logo, ainda que nem toda má gestão pública deva ser encarada como improbidade administrativa, o inverso é fatalmente verdadeiro.

Entretanto, ao identificar a improbidade administrativa como espécie de má gestão pública, Fábio Medina Osório defende, com veemência, que o ilícito de improbidade poderia se expressar de duas maneiras distintas: grave desonestidade do agente público e intolerável ineficiência funcional. Ora, ao assim proceder, o autor acaba reconhecendo a possibilidade de responsabilização, a título de improbidade, pela prática de ilícitos culposos.

A nosso sentir, no entanto, tal como restará exaustivamente demonstrado no item 3.3, a improbidade somente se configura pela prática de condutas conscientes e intencionais (representação e vontade – ou seja, dolo), não se podendo aceitar a caracterização desse ilícito em virtude de ineficiência funcional. Assim, deve-se identificar a improbidade administrativa como uma espécie de “má gestão pública eivada de desonestidade”, descartando a aplicação de suas severíssimas sanções àquelas condutas meramente ineficientes ou negligentes.[112]

Por evidente, não se ignora o sério problema institucional de ineficiência e negligência por parte de alguns agentes no desempenho de sua função pública. Entretanto, afigura-se mais razoável (e constitucionalmente adequado) que tais servidores sejam punidos pela própria Administração, no bojo de um procedimento administrativo disciplinar, ou, até mesmo, pelos órgãos dotados de competência jurisdicional, porém fora das raias da improbidade.

Na seara do combate à ineficiência funcional, a Administração já se encontra suficientemente protegida, uma vez que seus interesses, nesses casos, podem ser adequadamente tutelados pela disciplina normativa da Lei n. 4.717/65 e da Lei n. 7.347/85. Deste modo, a Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplicada com exclusividade àquelas condutas funcionais eivadas de dolo, sob pena de sermos forçados a aceitar o inapropriado entendimento de ter o constituinte originário previsto três institutos distintos (improbidade administrativa, ação popular e ação civil pública) para salvaguardar idênticas facetas do interesse público.

Ora, restou demonstrado que o conceito de má gestão pública abarca, de fato, tanto a ideia de desonestidade funcional quanto a de grave ineficiência no seio da Administração. Contudo, não é adequada a responsabilização por improbidade em virtude de condutas meramente culposas, haja vista que não se verificará lesão ao princípio da moralidade administrativa, a qual é, segundo a melhor doutrina, um dos principais elementos configuradores do ilícito de improbidade. Assim, para que se imputem as sanções previstas na Lei n. 8.429/92, faz-se mister a existência de má gestão pública eivada de desonestidade – ou seja, lesiva ao princípio da moralidade administrativa –, de modo que a mera ineficiência culposa do servidor público, ainda que dotada de irrefutável gravidade, é insuficiente para, por si só, caracterizar a excepcional figura punitiva sob exame.[113]

Com o fito de abarcar os atos funcionais eivados de grave ineficiência no conceito de má gestão pública (desgoverno) e, por conseguinte, possibilitar (ao ver de Fábio Medina Osório) a caracterização de improbidade administrativa em tais situações, o mencionado doutrinador procura aproximar as duas facetas da má gestão pública, nos seguintes termos:

A ineficiência em altos graus proporciona o ambiente ideal à corrupção, já que o exercício de um simples direito se transforma em favor. Além disso, o ambiente desorganizado, o desgoverno, é o terreno mais aberto às graves desonestidades e também à impunidade.[114]

Ademais, Fábio Medina Osório demonstra, de forma insofismável, que existe uma forte tendência global no sentido de aproximar a disciplina repressiva aplicável à desonestidade e à grave ineficiência funcionais, vez que ambas estão abarcadas pelo conceito de “má gestão pública” – também chamada, na Europa, de desgoverno, maladministration ou administrative malpractice. Todavia, ainda que se aceite que, no contexto brasileiro, semelhante aproximação também seja pertinente, é forçoso o reconhecimento de que, por outro lado, à luz das sanções extremamente severas cominadas, bem como do sólido entendimento doutrinário que relaciona a improbidade à imoralidade, não se pode admitir a aplicação das punições de improbidade àquelas condutas meramente ineficientes, sob pena de incontestável violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

3.3. Elemento volitivo: dolo

Um dos temas mais polêmicos relacionados à improbidade administrativa é, indubitavelmente, a discussão acerca do elemento volitivo que deve mover a conduta do agente público para que se caracterize a grave patologia funcional objeto deste estudo. Há entendimentos doutrinários e pretorianos em todos os sentidos, recrudescendo, ainda mais, a insegurança jurídica que permeia a dogmática administrativista especializada no tema.

Por um lado, tem-se forte corrente doutrinária, capitaneada por Edilson Pereira Nobre Júnior e Aristides Junqueira Alvarenga, entendendo que a improbidade administrativa pressupõe vontade livre e consciente do sujeito ativo no sentido de violar o sistema jurídico, sendo, deste modo, incompatível com a modalidade culposa.[115]

Em sentido diametralmente oposto, encontram-se Nicolao Dino Costa Neto, George Sarmento[116] e José Jairo Gomes,[117] que concebem, sem qualquer restrição, a possibilidade do legislador elevar condutas meramente culposas ao status de improbidade, cabendo ao magistrado, no momento de fixação das sanções, levar em conta o grau de reprovabilidade do elemento subjetivo presente no comportamento ilícito do agente.

 Em uma posição intermediária, localizam-se os pensamentos de Juarez Freitas,[118] Fábio Medina Osório,[119] Gilmar Ferreira Mendes e Arnoldo Wald,[120] segundo os quais, a improbidade pode ser punida a título de dolo ou de culpa grave, restando impossível apenas a configuração dessa infração ético-funcional nas condutas pautadas por culpa leve ou levíssima.

A despeito de poderem ser tranquilamente incluídas na referida corrente intermediária, as considerações tecidas por Fábio Medina Osório[121] merecem, em virtude da forma peculiar com que aborda o tema, algumas explicações adicionais. Segundo o doutrinador, é possível que, a partir da leitura da redação legal de cada um dos modelos proibitivos, o intérprete vislumbre a natureza dolosa e/ou culposa de cada tipo previsto na lei. Partindo dessa premissa, o autor conclui que o art. 9º, em seu caput, somente comportaria a figura típica dolosa, ao passo que os seus incisos poderiam admitir tanto a modalidade gravemente culposa[122] quanto a dolosa, a depender da análise concreta da estruturação textual empregada em cada inciso. Forte nessa mesma justificativa, afirma que, no que tange ao art. 10, tanto a sua cabeça quanto os seus incisos abarcariam a modalidade de culpa grave e a de dolo. Por fim, o autor afirma que o art. 11, caput e inciso I, somente comportariam a improbidade dolosa, enquanto que os incisos II a VII abarcariam, em razão da amplitude semântica de seus textos, tanto o tipo dolo quanto o de culpa grave.

Para que chegasse à conclusão condensada acima, Fábio Medina Osório, sem expor qualquer justificativa plausível, sufraga expressamente o absurdo entendimento de que, na Lei n. 8.429/92, o silêncio acerca do elemento volitivo exigível para o cometimento da improbidade somente seria “eloquente” em relação ao caput do arts. 9º, 10 e 11, não o sendo, porém, no que diz respeito aos seus incisos. Reitere-se: o referido doutrinador não expõe qualquer argumento que pudesse fundamentar essa diferença de tratamento dentro da mesma modalidade de improbidade administrativa. Ora, não são dotadas de qualquer discrímen entre si as circunstâncias fáticas previstas nos caput e aquelas outras arroladas nos incisos, o que demonstra a incoerência da grave diferença de tratamento jurídico concebida pelo professor gaúcho. Com supedâneo nessa equivocada premissa, Fábio Medina Osório parece defender a possibilidade de se caracterizar enriquecimento ilícito por condutas culposas,[123] o que, à evidência, se afigura logicamente inaceitável. 

Juarez Freitas, por sua vez, ao defender a posição intermediária (improbidade administrativa caracterizada por dolo ou culpa grave), acaba por cair em insanável contradição, visto que ele expressamente arrola a “inequívoca intenção desonesta”[124] como sendo o precípuo requisito à configuração da improbidade. Ora, é cediço que o dolo é composto por representação e vontade (ou intenção), de modo que, sendo a grave intenção desonesta um requisito inarredável da improbidade, deve-se afastar, pelos fundamentos expostos pelo próprio doutrinador, a possibilidade de improbidade na modalidade culposa. Onde se verifica “inequívoca intenção desonesta”, há nitidamente dolo, e não simples culpa na conduta funcional. Semelhante incoerência também é encontrada nas lições de Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, haja vista que os autores afirmam, em uma mesma página,[125] de um lado, que é possível a improbidade culposa e, de outro, colocam a comprovação da má-fé e da desonestidade do agente como requisitos essenciais à improbidade. No entanto, não se coaduna com a lógica do razoável a existência de desonestidades ou más-fés meramente culposas.

Com o intuito de reforçar a sua tese, Fábio Medina Osório demonstra irrefutavelmente que o “Código Internacional de Condutas para Titulares de Cargos Públicos”[126] exige que o servidor atue sempre a favor do interesse público, porquanto exerce um cargo que implica especial confiança por parte dos cidadãos. Tal dever especial de lealdade, consagrado agora em sede normativa internacional, impõe ao agente que, em todas as suas atuações, procure administrar os recursos públicos com o maior grau possível de eficiência. Portanto, o referido conjunto normativo supranacional não se contenta com a mera honestidade dos homens públicos, exigindo, ademais, que estes sejam eficientes, diligentes e, sobretudo, justos. Quanto a isso, não há margem para qualquer dúvida. Todavia, com fulcro nessas considerações, o referido administrativista acaba por concluir que: “a LGIA (Lei n. 8.429/92) está em sintonia com as diretrizes internacionais, na medida em que consagra mecanismos de repressão aos atos culposos e dolosos”.[127]

Discorda-se de Fábio Medina Osório. É cediço que o aludido diploma internacional realmente impõe tanto o dever de honestidade quanto os de eficiência, diligência, presteza, solicitude e zelo aos servidores no trato com a coisa pública. Faz-se necessária, por conseguinte, a punição do agente que, intencional ou culposamente, fira o interesse público. Entretanto, ao contrário do que expõe o mencionado doutrinador, em momento algum o Código Internacional determina a punição, a título de improbidade administrativa, aos atos culposos dos homens públicos. Ora, mecanismos de repressão ao agente público negligente ou desidioso são imprescindíveis e sempre existirão na ordem constitucional brasileira. No âmbito do controle interno disciplinar, existem os processos administrativos, que podem resultar inclusive na demissão do servidor[128] e que são disciplinados, mormente, pelos respectivos estatutos funcionais. Ao passo que, na seara do controle externo, podem ser manejadas, dentre outras, ações ordinárias de responsabilidade civil, ações populares, ações civis públicas típicas ou procedimentos de tomada de contas nos Tribunais de Contas, com o intuito de responsabilizar o agente que, culposamente, atuou em desacordo com as suas diretrizes funcionais. O que não se deve admitir é a draconiana imposição da mácula de desonestidade cumulada com a aplicação de sanções de extraordinária severidade àqueles agentes públicos que somente pecaram por serem ineficientes ou desidiosos.

Em síntese, é incontestável a necessidade de que sejam idoneamente punidos os servidores públicos que culposamente lesem os interesses da Administração, o que, contudo, afigura-se inaceitável, desarrazoado e desproporcional é imputar-lhes a prática de improbidade administrativa, apenando-os com as severíssimas sanções a ela atreladas.

Nesta toada, concorda-se, in totum, com o entendimento de Edilson Pereira Nobre Júnior e Aristides Junqueira Alvarenga, de acordo com o qual, a presença de dolo é um dos principais elementos configuradores do ato improbus. Além disso, o próprio conceito doutrinário de improbidade está, tal como demonstrado supra, inexoravelmente atrelado à ideia de imoralidade administrativa qualificada, que pressupõe a presença do ânimo de desonestidade.[129]

No Direito Administrativo Sancionador, a punição a título de culpa é dotada de excepcionalidade, em virtude da aplicação analógica do art. 18, p.u., do Código Penal, segundo o qual, salvo disposição expressa em sentido contrário, nenhum cidadão será punido pela prática de fato previsto como crime, senão quando atuar dolosamente. Ora, ubi eadem ratio, idem jus, devendo a aludida regra ser aplicada aos dois ramos do Direito Punitivo (Direito Penal e Direito Administrativo Sancionador). Na omissão legislativa, há presunção iuris et de iure da tipificação apenas da conduta dolosa. Trata-se, pois, de um “silêncio eloquente restritivo”.[130]

Em sentido contrário, Fábio Medina Osório, alterando a posição que anteriormente sustentava, defende que, no âmbito do Direito Administrativo Sancionador, existe um verdadeiro silêncio eloquente em prol do alargamento do espectro punitivo estatal.[131] Todavia, novamente, não se pode concordar. Ora, uma das principais características do Estado Democrático de Direito é a preocupação com a efetividade dos direitos fundamentais em sua dimensão substancial, de modo que estes sempre devem ser interpretados ampliativamente. Na realidade, o próprio rol constitucionalmente consagrado de direitos fundamentais, vetor interpretativo de toda a CR/88, exerce a importante função de represar, em limites juridicamente aceitáveis, a cobiça punitiva do Estado. Desta feita, não há como se presumir, à luz de postulados garantista, a restrição a direitos fundamentais dos cidadãos, pois esta é, sem dúvida, uma exceção e toda situação excepcional deve ser interpretada restritivamente (exceptiones sunt strictissimae interpretationis).[132]

Ademais, não se devem imputar aos cidadãos as graves consequências advindas da falta de técnica legislativa de nossos agentes políticos. A responsabilidade pela ausência de um marco regulatório expresso e ostensivo sobre o elemento subjetivo necessário à caracterização da improbidade deve ser atribuída exclusivamente ao Estado. Afinal, em sede de Direito Punitivo, eventuais ambiguidades devem ser sempre interpretadas favor rei, aumentando, por conseguinte, o ônus probatório e argumentativo dos acusadores, de modo que deverão comprovar, de forma inequívoca, o dolo do agente supostamente ímprobo, para que logre a sua condenação, sobretudo nas modalidades dos arts. 9º e 11 da Lei n 8.429/92.

Apesar do peculiar entendimento esposado por Fábio Medina Osório sobre uma eventual possibilidade de imputação de improbidade administrativa por comportamentos culposos com fulcro no art. 9º, é imperioso que se afirme que essa tese não encontra ressonância significativa na doutrina e muito menos nos Tribunais pátrios. Assim, afigura-se amplamente majoritário o entendimento de que é inconcebível a hipótese de um agente público que venha a enriquecer-se ilicitamente em razão de eventuais condutas que tenha praticado de forma negligente, imprudente ou imperita.[133]

É importante analisar, neste momento, o entendimento jurisprudencial acerca do elemento subjetivo que deve pautar a conduta do agente público, para que lhe sejam aplicadas as sanções atreladas ao ilícito de improbidade por violação aos princípios informativos da Administração (art. 11 da Lei n. 8.429/92).

Na 2ª Turma do STJ, era sedimentado o entendimento de que seria dispensável, para fins de configurar a modalidade de improbidade prevista no art. 11, qualquer análise sobre o elemento subjetivo da conduta funcional. Em outros termos, a mera violação aos princípios regentes da Administração, por si só, já caracterizava a prática de ato ímprobo, existindo, assim, uma verdadeira responsabilidade funcional objetiva.[134] Em suma: esta grave infração ético-institucional poderia ser imputada ao agente público, ainda que restasse comprovado que ele não agiu com dolo nem com culpa.

Diametralmente oposto era o entendimento sufragado pela 1ª Turma do STJ, haja vista que esta sempre considerou indispensável a demonstração do dolo do agente, para que se lhe imputasse a prática da modalidade de improbidade administrativa disciplinada no art.11.[135]

Colocando um fim à inaceitável insegurança jurídica que plasmava o tema, a 2ª Turma, no REsp n. 765.212/AC, relatado pelo Min. Herman Benjamin, julgado em 02/03/2010, publicado no DJe de 23/06/2010,  alterou o seu entendimento, aderindo expressamente à posição que já era adotada pela 1ª Turma. Reconheceu-se, pois, a incompatibilidade entre a imputação de responsabilidade objetiva e o regime garantista que deve permear o Direito Punitivo. Além disso, o art. 37, §6º da CR/88 expressamente exige a presença de culpa ou dolo por parte do servidor público para que seja possível o manejo de ação regressiva pelo ente estatal. Assim sendo, uma vez consagrada a responsabilidade funcional subjetiva para a hipótese de simples ressarcimento ao erário, que não se confunde com a imposição de punição, “maiores e melhores razões existem para fundamentar a culpabilidade como princípio constitucional, limitando todo o Direito Punitivo do Estado”.[136]

Com supedâneo nesses argumentos, desde então, a 1ª Seção do STJ (composta pela 1ª e 2ª Turmas) passou a firmar, solidamente, o entendimento de que a existência da improbidade prevista no art. 11 exige a presença de “dolo genérico”,[137] seja na espécie “dolo direto” (representação e vontade de produção do resultado querido), seja na espécie “dolo eventual” (aceitação do risco de produção do resultado). Desta forma, por meio do “dolo genérico”, dispensou-se a comprovação da intenção específica do agente de violar princípios administrativos, bastando a constatação de que ele haja consentido em atuar em determinado sentido.

Portanto, é fundamental frisar que, hodiernamente, no que tange especificamente ao art. 11 da Lei n. 8.429/92, encontram-se completamente superadas tanto a tese da responsabilidade objetiva quanto aquela que pregava a possibilidade de configuração de improbidade administrativa culposa. Ora, isto se deve, por um lado, à exigência de desonestidade como elemento constitutivo da improbidade e, por outro, à necessidade de aproximação entre os dois braços do Direito Punitivo, aplicando-se ao Direito Administrativo Sancionador os princípios informativos do Direito Penal, sobretudo o princípio da responsabilidade exclusivamente subjetiva e o princípio da legalidade estrita.[138]

Por derradeiro, ressalte-se que, tendo em vista os meios de prova razoavelmente postos à disposição dos sujeitos processuais, é evidente que a comprovação cabal da presença de dolo em determinada conduta administrativa afigura-se, muitas vezes, inviável, quase impossível sob o ponto de vista pragmático. Entretanto, ainda que a demonstração do “dolo em si” seja algo temeroso, deve-se lembrar que, na realidade, é plenamente possível a comprovação da ocorrência de circunstâncias objetivas exteriores que, em face de considerações de ordem empírica, façam com que o magistrado possa, por indução, concluir pela presença, no caso sob exame, do referido elemento subjetivo do fato típico.[139]

Em suma, trata-se da comprovação do elemento subjetivo por meio de “indícios”, ou seja, provas indiretas,[140] que se consubstanciam na demonstração de dados objetivos que autorizem a indução sobre a presença de dolo na conduta funcional.

3.3.1. Improbidade administrativa culposa: inconstitucionalidade

Muito mais proveitosa e desafiadora se afigura, neste momento, uma análise mais acurada acerca do elemento subjetivo necessário à caracterização da modalidade de improbidade por danos ao erário, disciplinada no art. 10 da Lei de Improbidade.

Por meio de uma interpretação meramente literal do art. 10 da Lei n. 8.429/92, consolidou-se, na 1ª e 2ª Turmas do STJ, sem maiores celeumas, o entendimento de que seria possível o cometimento dessa modalidade de improbidade pela prática de condutas culposas. A título meramente ilustrativo, cite-se, por todos, excerto do REsp n. 951.389/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/06/2011, publicado no DJe de 04/05/2011, em que cuja ementa restou assentado: “é importante ressaltar que a forma culposa somente é admitida no ato de improbidade administrativa relacionado à lesão ao erário (art. 10 da LIA), não sendo aplicável aos demais tipos (arts. 9º e 11 da LIA)”.[141] Corroborando esse posicionamento pretoriano, encontra-se a quase unanimidade da doutrina pátria,[142] segundo a qual, comportamentos culposos podem ser dotados de suficiente gravidade a ponto de serem alçados ao status de imoralidade administrativa qualificada.

Mas seria esse mesmo o melhor entendimento? Seria realmente factível que uma conduta culposa, além de lesar o erário, resultasse em gravíssima e intolerável violação ao princípio da moralidade administrativa? Seria verdadeiramente possível a violação aos mais elevados deveres ético-institucionais por atos movidos apenas por culpa?

Ora, se, por um lado, a doutrina e jurisprudência são uníssonas em alocar o combate à desonestidade funcional como a precípua meta da Lei de Improbidade, por outro, aceitam passivamente a configuração da improbidade administrativa por condutas culposas. Há evidente incoerência nesse modo de pensar.

Tal como restou demonstrado no item 3.2.1. supra, consolidada posição doutrinária identifica o ilícito de improbidade como uma “imoralidade administrativa qualificada”, denotando que o principal bem jurídico tutelado pelo diploma legal é justamente o dever de lealdade do agente público em sua relação com o Estado. O ilícito de improbidade administrativa, reitere-se à exaustão, visa a guerrear condutas gravemente desonestas, corruptas, violadoras de normas de ética pública. Isto é, almeja-se extirpar dos quadros funcionais aqueles agentes devassos que, indiscutivelmente, não façam jus à confiança estatal neles depositada.

Nesta toada, tanto em sede doutrinária[143] quanto nos Tribunais, afirma-se a imprescindibilidade da comprovação da má-fé para a existência de ato improbus. Na jurisprudência:

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ associam a improbidade administrativa à noção de desonestidade, má-fé do agente público. Somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a configuração de improbidade por ato culposo (Lei n. 8.429/92, art. 10). O enquadramento dos arts. 9º e 11 da Lei de Improbidade, portanto, não pode prescindir do reconhecimento de conduta dolosa”. Grifou-se. (REsp n. 604.151/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 25/04/2006, DJU 08/06/2006)

“Como vem reconhecendo a doutrina, o ato de improbidade é um ato ilegal e praticado com má-fé, esta, essência da imoralidade”. Grifou-se. (REsp n. 514.820/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, v.u., j. 05/05/2005, DJU 24/05/04).[144]

“A má-fé (...) é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvado pela má-intenção do administrador”. Grifou-se. (REsp n. 807.551/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 25/09/2007, DJe 05/11/2007)

“O ato de improbidade, a ensejar a aplicação da Lei n. 8.429/92, não pode ser identificado tão somente com o ato ilegal. A incidência das sanções previstas na lei carece de um plus, traduzido no evidente propósito de auferir vantagem, causando dano ao Erário, pela prática de ato desonesto, dissociado da moralidade e dos deveres de boa administração, lealdade e boa-fé”. Grifou-se. (REsp n. 269.683/SC, relatoria para o acórdão do Min. Paulo Medina, 2ª Turma, j. 06/08/2002, DJU 03/11/2004)

Ora, os mesmos julgados que, de um lado, reconhecem a plausibilidade de improbidade por condutas culposas, de outro, inserem, como requisito inarredável dessa infração ético-institucional, a “desonestidade”, a “má-fé”, a “má-intenção do administrador”, o “evidente propósito de auferir vantagem” etc. Há uma evidente incoerência, pois é absolutamente descabido falar em má-fé no âmbito de condutas contaminadas exclusivamente pela culpa em sentido estrito.

Uma simples leitura dos arestos colacionados leva-nos à óbvia e insofismável conclusão: todos eles estão a fazer clara referência à necessidade de má-fé subjetiva, ou seja, eles exigem, para que haja improbidade, um estado de ânimo que esteja em desconformidade com os postulados da ética institucional. No entanto, não há como se conceber que um agente que viole tão-somente deveres objetivos de cuidado tenha realmente atuado imbuído de espírito desonesto (má-fé subjetiva). Ora, se má-fé subjetiva houvesse, estar-se-ia a falar de dolo (direto ou eventual), e não de culpa. Portanto, o ânimo de má-fé somente é compatível com comportamentos dolosos (representação e vontade).

Com idêntico raciocínio, encontram-se os irretocáveis ensinamentos de Edilson Pereira Nobre Júnior, senão vejamos:

Não posso olvidar o conceito de improbidade retratado por imoralidade administrativa qualificada, onde indissociável a presença de desonestidade. Por esta razão, é imprescindível a vontade deliberada de malferir a ordem jurídica, ou seja, o dolo. A culpa grave não bastaria (...). Como conseqüência, mostra-se incompatível com a Constituição a expressão ‘culposa’, inserta no art. 10, caput, Lei 8.429/92.[145]

Além disso, da extraordinária gravidade das sanções cominadas é possível inferir que o próprio télos em pauta na disciplina constitucional da improbidade não se coaduna com a tipificação de condutas culposas. O tratamento de especial rigidez empregado pelo constituinte à matéria revela que o seu autêntico intuito era, na esteira da melhor doutrina, utilizar o instituto da improbidade para combater veementemente a imoralidade administrativa, sobretudo na sua faceta exteriorizada pela corrupção.

A interpretação exclusivamente literal do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, desconsiderando, assim, as ponderações ora propostas, pode levar a consequências jurídicas excêntricas.

Imagine-se uma situação em que um Procurador da Fazenda, uma única vez, por negligência, deixe de propor tempestivamente uma ação de execução fiscal, o que acaba por resultar na prescrição da pretensão de um crédito tributário. Uma interpretação gramático-formalista pode, sem dúvida, enquadrá-lo no disposto no art. 10, caput, uma vez que a sua omissão culposa acabou por redundar em perda patrimonial ao erário. Assim, teria ele praticado improbidade administrativa? Estaria caracterizada grave lesão à moralidade?  Seria razoável imputar a sanção de perda do cargo a este agente que dedicou toda a sua vida ao serviço público e que, por um lapso, uma única e singela vez, acarretou uma lesão pecuniária aos cofres do Estado? Evidentemente, não. Poder-se-ia argumentar que, em tais casos, o princípio da proporcionalidade se incumbiria de impedir a aplicação das sanções mais graves, tais como a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos. No entanto, não é esse o foco da crítica. Trata-se, na realidade, de constatar a absoluta impropriedade técnica do legislador ao cuidar da matéria, visto que é irrefutável que todo o desenvolvimento doutrinário e constitucional do instituto direciona-se em outro sentido, almejando fins distintos daqueles colimados pelo ius puniendi estatal na apenação de infrações culposas. Afinal, há instrumentos jurídicos próprios para a apuração e a apenação de ilícitos funcionais meramente culposos (e.g., processo administrativo disciplinar interna corporis, ação ordinária de indenização, ação popular, ação civil pública comum desprovida da aplicação subsidiária da Lei n. 8.429/92), sendo plenamente desaconselhável esse uso vulgar da improbidade administrativa para guerrear infrações comezinhas.[146]

Além disso, não se pode olvidar que a mera sujeição a um processo judicial para a apuração de suposta improbidade já avilta, por si só, a honra subjetiva de um homem público correto. Ademais, a imagem do agente restaria manchada ad perpetuam, em caso de eventual condenação judicial que lhe impute a alcunha de ímprobo, desonesto, acarretando evidente violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Este problema o princípio da proporcionalidade, infelizmente, não lograria solucionar, de forma adequada, no caso em tela.

Com o mesmo raciocínio, admita-se, hipoteticamente, que, durante a madrugada, ao passar por um local ermo, um servidor público ocupante do cargo de motorista, ao dirigir o carro oficial em serviço, amedrontado, avance um semáforo vermelho e ocasione o abalroamento com outro veículo, acarretando danos ao erário. Seria possível subsumir esse caso ao disposto no art. 10, X, in fine? Deveria esse motorista ser condenado por improbidade, sujeitando-se, abstratamente, a sofrer a suspensão de seus direitos políticos por até oito anos? À evidência, não foi esse o intuito do constituinte ao redigir o art. 37, § 4º da CR/88.

Esses casos possuem o condão de evidenciar a completa incompatibilidade entre as condutas culposas e a grave enfermidade ético-institucional ora em estudo. Além disso, tal como já se demonstrou, existem múltiplos mecanismos institucionais de reação contra os atos ilícitos perpetrados, de forma dolosa ou culposa, por agentes públicos, de modo que se deve evitar a vulgarização da ação de improbidade, sob pena de que, em um futuro próximo, venha ela a perder a sua própria funcionalidade, acabando por ter o seu status reduzido ao de mais uma forma comum de controle sancionatório no seio da atuação administrativa.

Desta feita, é forçoso aceitar que a modalidade culposa prevista no art. 10 não se compatibiliza com a natureza de ultima ratio que deve nortear a aplicação do ilícito de imoralidade qualificada. Outrossim, o referido preceptivo legal não se harmoniza com o desenho constitucional desse ilícito administrativo, sobretudo em razão da impossibilidade de verificarem-se, em sede de condutas culposas, quaisquer ranços de desonestidade.

Logo, faz-se mister concluir pela inconstitucionalidade do art. 10, caput, no trecho em que faz menção à possibilidade de imputação de improbidade administrativa a condutas culposas, haja vista não ter o legislador ordinário observados as balizas conceituais e constitucionais que norteiam a patologia objeto deste trabalho.[147]

3.4. Infração a dever funcional

Como quarto e derradeiro requisito necessário à elevação de uma determinada conduta ao status de gravíssimo ilícito ético-institucional representado pela improbidade administrativa, deve-se avaliar se o comportamento supostamente ímprobo acarreta a infração a dever funcional.

Por meio da aplicação do adágio latino tertium non datur, salta aos olhos que determinada situação fática, ou será taxada como lícita, ou, então, necessariamente será ilícita. Ou uma conduta está em conformidade com o sistema jurídico, ou não o está. Não há outra possibilidade. Lei do terceiro excluído. A propósito, dúvida não resta quanto à natureza definitivamente ilícita do ato de improbidade administrativa.

Nessa linha, somente se afigurará possível, sob um enfoque lógico, falar de conduta ímproba quando se verificar previamente a sua desconformidade com o ordenamento jurídico. Em síntese, a lesão intencional a dever jurídico é requisito essencial à caracterização da improbidade administrativa. Sobre o tema, Fábio Medina Osório tece palavras esclarecedoras:

Os atos de improbidade (...) têm íntima relação com a violação à legalidade. Pelo menos, é possível dizer que condutas legais, de um ângulo formal e material, em um âmbito estritamente jurídico, não podem ser consideradas desonestas nem intoleravelmente ineficientes ao efeito de configurarem suporte de improbidade, embora possam sê-lo desde um ponto de vista moral ou ético. A conduta legal pode ser imoral, ou reprovável noutros setores, mas não pode configurar improbidade, porque esta é, por definição, uma ilegalidade comportamental.[148]

Hodiernamente, com a superação definitiva das máximas perfilhadas pelos positivistas extremados, é consolidado o entendimento de que muitos deveres, não obstante jurídicos, não são impostos de forma clara e individualizada por meio de texto explícito de lei. Os deveres jurídicos também podem decorrer, sem qualquer obstáculo, e com a mesma força coercitiva, dos princípios estruturantes do sistema jurídico, vez que estes também possuem, tal como foi esclarecido pelo Pós-Positivismo, alta carga de normatividade.

Desta feita, é factível que um agente público desrespeite um dever funcional, à míngua de qualquer previsão legal expressa a impor-lhe, especificamente, a regra de conduta violada. Ora, se, por um lado, é comum que deveres funcionais constem expressamente dos estatutos dos agentes públicos,[149] por outro, deve-se reconhecer que é igualmente razoável o surgimento de outros tantos deveres a partir de cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados ou, ainda, de princípios expressos ou implícitos no ordenamento jurídico. Ambos os grupos abarcam normas dotadas de igual juridicidade e coercibilidade, sendo, deste modo, naturalmente suscetíveis de violação. Portanto, inexiste empecilho a que uma dada conduta funcional seja considerada ilegal, utilizando-se como parâmetro de aferição de sua legitimidade o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da boa-fé, o dever de sigilo profissional, o dever de honeste vivere, qualquer princípio informativo da Administração etc.[150]

Em razão da gravidade intrínseca às sanções cominadas, a aferição da presença dos requisitos à caracterização da improbidade há de desenvolver-se de forma especialmente rigorosa. Nesta senda, não se deve taxar de violadora a dever legal, ao menos com o fito de aplicar a disciplina da Lei n. 8.429/92, a conduta que houver se balizado por uma das interpretações juridicamente aceitáveis acerca do conteúdo normativo de determinado dever funcional.

Assim, caso a atuação do agente público tenha se pautado por uma interpretação que figurava dentro de parâmetros hermenêuticos razoáveis, inexistirá improbidade administrativa, ainda que o órgão jurisdicional corrobore entendimento diverso, porquanto “a violação de normas controvertidas, nas quais se discute abertamente a própria legalidade da atuação do agente público, não poderia, a priori, desembocar em um julgamento de grave desonestidade funcional”.[151] Portanto, havendo regra cuja aplicabilidade esteja permeada por razoáveis polêmicas institucionais, é forçoso que se reconheça a inexistência do suporte fático imprescindível à imputação da responsabilidade por improbidade administrativa.

A despeito dessa irrefutável incompatibilidade entre a improbidade e a violação de normas controversas, os Tribunais, inúmeras vezes, não se sensibilizam com essa constatação e, erroneamente, acabam aplicando as sanções da Lei n. 8.429/92 a essas situações polêmicas. Com esta falha, veja-se o seguinte excerto extraído da ementa do aresto proferido no REsp n. 488.842/SP, relatoria para o acórdão do Min. Castro Meira, 2ª Turma, j. 17/04.2008, DJU 05/12/2008:

 A contratação de escritório de advocacia quando ausente a singularidade do objeto contratado e a notória especialização do prestador configura patente ilegalidade, enquadrando-se no conceito de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, caput, e inciso I, que independe de dano ao erário ou de dolo ou culpa do agente.

É cediço que a aplicação dos arts. 13 e 25, II da Lei n. 8.666/93, que dispõem sobre os requisitos à contratação direta com fulcro na inexigibilidade do procedimento licitatório, são normas de textura ampla e que, por isso, originam, diuturnamente, acirrados debates acerca do preenchimento ou não desses requisitos em determinados casos concretos. Então, por serem normas jurídicas que tranquilamente comportam mais de uma exegese juridicamente plausível, deve-se ter extrema cautela na realização de eventual diagnóstico de improbidade administrativa.

Portanto, ao contrário do que se pode inferir do julgado colacionado acima, é inaceitável o entendimento de que a declaração de ilegalidade em tais situações de contratação direta acarrete, automaticamente, a caracterização do ilícito de improbidade. Por óbvio, essas considerações são tecidas sem prejuízo de, a depender do caso, restar realmente configurada essa patologia institucional, mas, para tanto, será inarredável a demonstração da presença de todos os requisitos da improbidade, sobretudo a manifesta desonestidade do administrador público que perpetrou a contratação direta.

3.4.1. Lesão ao princípio da legalidade e improbidade administrativa

A simples comprovação da ilegalidade de um ato não é condição suficiente para, de per si, embasar a imputação de improbidade.[152] Na realidade, o vício de juridicidade é uma condição necessária à configuração de todas as modalidades dessa infração ético-institucional, de modo que tanto a improbidade por enriquecimento ilícito (art. 9º) quanto aquela por lesão ao erário (art. 10) também pressupõem, naturalmente, o defeito de legalidade (art. 11). Enfim, toda conduta ímproba enquadrada nas disposições do arts. 9º e 10 tem como premissa impostergável a concomitante subsunção também à modalidade de ilícito prevista no art. 11, ao menos no que tange à violação aos princípios da legalidade e da honestidade.

Nessa linha de intelecção, tem sido reiteradamente consagrado pela melhor doutrina[153] que o objetivo da Lei n. 8.429/92, à evidência, não é a apenação do agente público eventualmente desastrado, inábil, incompetente, atabalhoado, inexperto, incauto, negligente ou imprudente, mas, sim, a dura responsabilização daquele que, sob as vestes de agente público, é desonesto ou corrupto, lesando de morte os imperativos da ética pública.

Por escopo de revelar a verdadeira norma constante do art. 11, caput da Lei n. 8.429/92, deve-se repelir a utilização de métodos hermenêuticos puramente literais ou gramático-formais, sob pena de se alcançar supostas determinações normativas desprovidas de qualquer credibilidade no seio jurídico. Na realidade, a atividade interpretativa desenvolvida sobre o referido preceptivo legal deve balizar-se, em sede de verdadeira “interpretação conforme”, por métodos de cunho muito mais finalísticos do que estritamente léxico-gramaticais.

Caso a mera ilegalidade se confundisse com a improbidade administrativa, forçoso seria reconhecer que todo o julgamento que, em sede de mandado de segurança, concedesse a segurança pleiteada, deveria implicar, automaticamente, o envio de cópias dos autos ao Parquet com o fito de que este viesse a promover a pertinente ação de improbidade. É inaceitável essa conclusão. Em pensamento similar, Fábio Medina Osório afirma que, se a ilegalidade configurasse, ipso facto, improbidade administrativa, o agente público estaria em um paradoxo contraproducente à Administração Pública no que diz respeito ao dever de anular os seus próprios atos quando eivados de ilegalidade (Súmula n. 473 do STF):

Ora, se houvesse improbidade automática, decorrente dessa anulação, nenhum administrador minimamente cauteloso ousaria anular ou rever seus próprios atos, sob pena de enredar-se nas malhas da LGIA. A iniciativa de promover a anulação seria indício suficiente para ensejar a abertura de inquérito civil junto ao Ministério Público, ou a propositura de demanda punitiva, para averiguar pressupostos probatórios em juízo.[154]

Os Tribunais, por sua vez, aderem, tranquila e uniformemente, ao entendimento doutrinário de que, não obstante a redação do art. 11, caput da Lei n. 8.429/92, não se deve confundir a ilegalidade com a gravíssima patologia social objeto deste estudo.[155]

É evidente que as considerações ora tecidas acerca da inexistência da improbidade administrativa pela isolada lesão ao princípio da legalidade são aplicáveis, mutatis mutandis, a algumas das outras previsões normativas constantes do art. 11, estejam presentes em seu caput, estejam em seus incisos.[156]

Explica-se: não obstante a dicção expressa do art. 11, caput posicionar-se em sentido contrário, é juridicamente tolerável, por exemplo, a existência de algum grau de parcialidade na atuação administrativa, casos em que tais comportamentos acabarão por não alcançar o status de ímprobos. Ou seja, nem toda conduta funcional eivada de parcialidade deverá ser tida como improbidade administrativa. Leciona Fábio Medina Osório que, por ser a realidade administrativa dotada de inúmeros matizes, é possível sustentar a existência de graus toleráveis de parcialidade na atuação de agentes públicos, haja vista ser imprescindível que se suporte, quando menos, as inclinações políticas e pessoais desses agentes. Isto se verifica diuturnamente na Administração Pública brasileira, sem que se deva encarar tais práticas como patologias ético-funcionais. Na realidade, trata-se de “comportamentos institucionalmente legitimados e consolidados, a ponto de merecerem respaldo jurídico, ou seja, um olhar funcionalizado”.[157]

Ilustre-se o problema com a seguinte situação hipotética: verificar-se-ia grave lesão ao princípio da imparcialidade quando agentes públicos impedissem que adversários políticos publicassem, nos veículos estatais de notícias, informações sobre benefícios que eventualmente tenham trazido à região? Em outras palavras, um Prefeito poderia impedir que um político de partido adversário veiculasse, no site oficial do Município, informações de utilidade pública e sem conotação de promoção pessoal sobre as benesses que a atuação do político da oposição tem levado aos munícipes? Não há dúvida de que esta obstrução de acesso aos meios oficiais de divulgação representa desrespeito aos princípios da impessoalidade e da imparcialidade, que devem nortear o funcionamento da máquina administrativa. Todavia, no caso, não se pode cogitar de improbidade, uma vez que inexiste grave violação à moralidade administrativa e nem mesmo relevante descumprimento de deveres funcionais, uma vez que essas decisões governamentais são institucionalmente legítimas e estão abarcadas pelo campo de livre atuação política de que goza o administrador público. Aliás, este último foi democraticamente eleito, por sufrágio universal, justamente para tomar essas decisões de cunho eminentemente político. Tem-se, pois, na hipótese suscitada, violação à imparcialidade sem que se caracterize improbidade administrativa.

O mesmo raciocínio finalístico deve ser empreendido na análise do art. 11, II, uma vez que não é possível alcunhar de “ímproba” toda e qualquer procrastinação indevida na prática de atos de ofício. A interpretação literal do citado inciso imporia, por exemplo, a conclusão de que estariam a cometer ilícito de improbidade todos os magistrados que, de forma negligente, desrespeitassem injustificadamente eventual prazo processual impróprio, ainda que inexistisse qualquer ranço de desonestidade em sua omissão. Definitivamente, não é esse o objetivo da Lei de Improbidade. Ora, partindo-se de uma visão teleológica e sistêmica, comprometida com o desenho constitucional do ilícito de improbidade, é notório que o mencionado diploma legislativo não visa a disciplinar a punição de meros descumprimentos indevidos de prazos, mas, sim, de atrasos ou omissões especialmente censuráveis e danosos ao funcionamento e, sobretudo, à moralidade da Administração Pública.[158]

Por outro lado, no que diz respeito aos deveres de honestidade e lealdade às instituições, também previstos no art. 11, caput, é importante salientar que eles assumem, na seara da improbidade, papel muito similar ao exercido pelo próprio princípio da legalidade. Tal qual se dá com o vício de legalidade, a desonestidade e a deslealdade também devem ser encaradas como requisitos impostergáveis à configuração de toda e qualquer modalidade de improbidade administrativa (art. 9º a 11 da Lei n. 8.429/92), porquanto estão intrinsecamente relacionados com o próprio conteúdo normativo do dever de moralidade administrativa.

Em suma, a redação deficiente do art. 11 deixa claro que os responsáveis por sua elaboração não se atentaram para o fato de que a ocorrência de todas as modalidades de improbidade administrativa pressupõe a prévia constatação da violação aos deveres de legalidade, honestidade e lealdade às instituições, não sendo estes, portanto, circunstâncias atreladas estritamente à configuração da modalidade prevista no malfadado art. 11.


4. CONCLUSÕES

Ante a inadequada disciplina legal emprestada à improbidade administrativa, incumbe à doutrina desempenhar o importante mister de fixar objetivamente os elementos constitutivos desse ilícito funcional. Assim sendo, por meio de uma “interpretação conforme” da Lei n. 8.429/92, bem como de uma interpretação finalística do desenho constitucional do ilícito de improbidade, é possível concluir que a conduta funcional somente poderá ser alçada ao status de “ímproba”, caso ela preencha os seguintes requisitos: tipicidade cerrada, grave violação ao princípio da moralidade administrativa, dolo e infração a dever funcional.

Esse temperamento doutrinário às previsões normativas da Lei n. 8.429/92 possui o condão de evitar o manejo da ação de improbidade como instrumento de lutas político-eleitoreiras ou, então, como veículo de exibicionismos na mídia. O combate a este flagrante desvio de finalidade na propositura de ações de improbidade obsta a vulgarização e a desmoralização desse salutar instrumento jurisdicional de controle da atuação administrativa.

A adoção, ainda que de lege ferenda, do sistema de tipicidade cerrada atribuiria um razoável grau de densidade normativa à disciplina sancionatória dos ilícitos de improbidade. Com isso, restariam neutralizados os malefícios decorrentes da utilização exacerbada de expressões semanticamente fluidas no bojo da Lei de Improbidade. Maximizar-se-ia, ademais, a eficácia da dimensão substancial da garantia de segurança jurídica, a qual se identifica como pedra angular do próprio Estado Democrático de Direito.

A necessidade de arrolamento dos ilícitos funcionais por meio de tipos fechados representa uma das principais consequências da aproximação entre o Direito Administrativo Punitivo e a tutela garantista do Direito Penal. Semelhante aproximação proporciona, por um lado, a aplicação cum grano salis dos princípios do Direito Penal à tutela punitiva da improbidade e, por outro, limita os efeitos deletérios oriundos de uma desregrada “civilização” desse ilícito administrativo.

Por sua vez, a alocação da grave imoralidade administrativa como o segundo requisito à caracterização do ilícito de improbidade coaduna-se com o sólido entendimento doutrinário, segundo o qual, esta infração deve ser compreendida como uma “imoralidade administrativa qualificada”. Aliás, esse entendimento alinha-se perfeitamente ao principal objetivo do constituinte ao tratar da matéria: combater a grave desonestidade funcional. Por conseguinte, dois irrefutáveis benefícios pragmáticos exsurgem dessa concepção acerca do tema: primeiro, afasta-se eventual confusão entre o simples vício de juridicidade e a improbidade; segundo, restringe-se o manejo da ação de improbidade apenas àquelas situações em que se verifique intolerável lesividade aos imperativos da ética pública.

Como o terceiro requisito inarredável à configuração do ilícito de improbidade, tem-se que a conduta funcional deve ter sido praticada imbuída de ânimo doloso, uma vez que o próprio desenho constitucional do instituto indica que o seu campo de abrangência deve restringir-se ao enfrentamento da má-fé na Administração Pública.

Nesta toada, verifica-se clara incoerência no entendimento doutrinário e jurisprudencial que defende a possibilidade de verificação de improbidade em sede de ilícitos meramente culposos. Não há de se falar em má-fé subjetiva (desonestidade) naquelas situações em que se constate tão-somente o descumprimento de deveres objetivos de cuidado. Em outras palavras, os ilícitos puramente culposos jamais lograrão preencher todos os requisitos à caracterização das infrações de imoralidade administrativa qualificada.

Do exposto, é imperioso que se reconheça a inconstitucionalidade do art. 10 da Lei n. 8.429/92, uma vez que ele não se adapta ao desenho constitucional da improbidade administrativa. Esse preceptivo legal não se harmoniza, de um lado, com a concepção fragmentária do ilícito de improbidade e, de outro, com a própria extraordinária gravidade das sanções cominadas constitucionalmente a essa patologia funcional.

No que tange especificamente aos arts. 9º e 11, a exigência do elemento subjetivo doloso decorre da própria aplicação analógica do art. 18, p.u., do Código Penal. No Estado Democrático de Direito, a excepcional situação de restrição às liberdades individuais demanda previsão legal expressa nesse sentido. Desta feita, ante a ausência de tipificação explícita das condutas culposas, afigura-se imperioso asseverar a existência de um verdadeiro “silêncio eloquente restritivo” nos arts. 9º e 11.

O quarto e derradeiro elemento constitutivo do ilícito de improbidade é a infração a dever funcional. Deste modo, é válido destacar que, não obstante a perniciosa redação do caput do art. 11, a mera ilegalidade não constitui, por si só, condição suficiente à caracterização da improbidade administrativa. Na realidade, o vício de juridicidade deve ser encarado como uma condição necessária à configuração de todas as modalidades de improbidade (arts. 9º a 11), haja vista ser inaceitável falar desse ilícito ético-funcional naquelas situações em que a conduta guerreada não se encontre em conflito com qualquer imposição do sistema jurídico.

Portanto, em sede de verdadeira “interpretação conforme”, é imprescindível a rigorosa aferição da presença desses quatro requisitos, para que se logre afastar todas as distorções perpetradas pelo Poder Legislativo na empreitada de concretizar a disciplina punitiva do ilícito de improbidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVARENGA, Aristides Junqueira. “Reflexões sobre improbidade no direito brasileiro”. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6 ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

FERRAZ, Luciano. “Direito Administrativo”. In: MOTTA, Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso prático de direito administrativo. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

FERRAZ, Luciano. Prefácio. In: PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Sanções disciplinares: o alcance do controle jurisdicional. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

FREITAS, Juarez. “Princípio jurídico da moralidade e a lei de improbidade administrativa”. Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2005, n. 48.

GOMES, José Jairo. “Apontamentos sobre a improbidade administrativa”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; CASTRO E COSTA NETO, Nicolao Dino de; SILVA FILHO, Nívio de Freitas; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos (Org.). Improbidade administrativa: 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

HARADA, Kiyoshi. “Improbidade administrativa”. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, n.6.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Niterói: Editora Impetus, 2011,          vol. I.

MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. “Do excessivo caráter aberto da lei de improbidade administrativa”. Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, jan/fev 2005, n. 29.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F., Código de processo civil e legislação processual em vigor. 41 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. “Improbidade Administrativa: alguns aspectos controvertidos”. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, n. 235.

OSÓRIO, Fábio Medina. “As sanções da Lei 8.429/92 aos atos de improbidade administrativa”. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, n. 766.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Sanções disciplinares: o alcance do controle jurisdicional. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.


Notas

[1] OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 121.

[2] O Pretório Excelso costuma aludir a essa outra face do princípio da proporcionalidade com a expressão “imperativos de tutela”. Nesse sentido, veja-se a ADI n. 3112/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno,          j. 02/05/2007, DJe 26/10/2007.

[3] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 24.

[4] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 387.

[5] MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 280. Sobre o uso abusivo da ação de improbidade administrativa, veja-se a decisão monocrática do Min. Gilmar Ferreira Mendes, na Reclamação n. 4810/RJ, DJU 01/02/2007.

[6] Corroborando o teor dessas considerações, o Partido da Mobilização Nacional (PMN) ajuizou, em 10 de setembro de 2009, ação direta de inconstitucionalidade (ADI n. 4.295/DF, Rel. Min. Marco Aurélio), questionando a constitucionalidade material de treze dispositivos da Lei n. 8.429/92, em razão de sua excessiva abrangência e vagueza, o que acarretaria notório prejuízo ao pleno gozo dos direitos fundamentais. Em apertada síntese, o PMN defende, com supedâneo na teoria estadunidense da “nulidade da lei pela exagerada abertura de seus termos” (overbreadth doctrine), que, “quanto mais uma norma for capaz de gerar fundadas consequências sobre direitos políticos, civis e patrimoniais dos indivíduos, tanto mais deve ser nítida, bem delineada nos pressupostos das punições que comina e na descrição dos poderes que entrega aos agentes que exercem a perseguição em nome do Estado”, sob pena de abusos. Os dispositivos da Lei n. 8.429/92 impugnados são, basicamente, os seguintes: art. 3º; art. 9º, caput e incisos I, II, III, IV, VII, VIII, IX, XI e XII; art. 10 e seus incisos; art. 11 e seus incisos; art. 12 e seus incisos; art. 13 e seus parágrafos; art. 15; art. 17, § 3º; art. 20, p.u.; art. 21, I; art. 22 e art. 23, II. O julgamento da ADI n. 4.295/DF ainda não teve início.

[7] Ob. cit., p. 389. José Joaquim Gomes Canotilho, por sua vez, em palavras de invulgar precisão, leciona: “o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de direito o princípio da segurança jurídica  e o princípio da confiança do cidadão. (...) A ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral de segurança: ‘princípio da determinabilidade de leis’, expresso na exigência de leis claras e densas, e o ‘princípio da protecção da confiança’, traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos”. Grifos no original. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6 ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993, p. 371-372)

[8] A Lei n. 10.257/01 – Estatuto das Cidades –, em seu art. 52, dispõe sobre alguns atos de improbidade administrativa imputáveis aos Prefeitos. Ressalte-se que, na redação desse preceptivo legal, o legislador, em consonância com os postulados da segurança jurídica, utilizou corretamente tipos muito mais fechados do que aqueles presentes na Lei n. 8.429/92.

[9] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. “Do excessivo caráter aberto da lei de improbidade administrativa”. Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, jan/fev 2005, n. 29, p. 142.

[10] GOMES, José Jairo. “Apontamentos sobre a improbidade administrativa”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; CASTRO E COSTA NETO, Nicolao Dino de; SILVA FILHO, Nívio de Freitas; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos (Org.). Improbidade administrativa: 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 268.

[11] No mesmo sentido: FREITAS, Juarez. “Princípio jurídico da moralidade e a lei de improbidade administrativa”. Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2005, n. 48, p. 5082.

[12] Interessante analogia pode ser feita entre a adequada aplicação do art. 9º, VII da Lei n. 8.429/92 e o entendimento jurisprudencial acerca da correta leitura do art. 4º, § 2º da Lei n. 9.613/98 – Lei de Lavagem de Capitais (art. 4º, § 2º. “O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou sequestrados quando comprovada a licitude de sua origem”). Este último preceptivo legal possibilita que o acusado pelo crime de lavagem, se tiver interesse na liberação dos seus bens que estejam sob custódia cautelar, demonstre a licitude da origem deles. Comprovada a origem lícita dos bens, é dever do magistrado revogar a medida cautelar real que sobre eles recaia. Logo, considerando que a decretação da constrição cautelar dos bens exige apenas “indícios suficientes” de sua origem ilícita, conclui-se que, durante o trâmite processual, há uma verdadeira inversão do ônus da prova sobre a liceidade dos bens. Contudo, doutrina e jurisprudência são uníssonas em admitir que essa inversão somente perdura durante o curso do processo, uma vez que, por ocasião de eventual sentença condenatória, o ônus da prova volta a recair sobre a acusação. Com isso, caso o Ministério Público não logre produzir prova inequívoca da ilicitude da origem dos bens custodiados, é imperiosa a ordem de imediata restituição ao acusado, após a prolação da sentença.

[13] Em razão dessa falta de técnica legislativa, Mauro Roberto Gomes de Mattos, fazendo analogia às normas penais em branco, intitula a Lei de Improbidade Administrativa de “corpo errante sem alma”. (Ob. cit., p. 142)

[14] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1174-1175. Em sentido parcialmente distinto, Fábio Medina Osório defende a possibilidade da imputação do cometimento de improbidade tanto ao parecerista quanto à autoridade competente para aprovar esse ato opinativo, desde que se transbordem “os limites razoáveis do engano funcional possível, penetrando no campo da ilegalidade com o presumível propósito ilícito de dar base indevida a uma decisão desonesta”. Grifou-se. (Ob. cit., p. 302). Ora, não se pode ratificar, de forma alguma, qualquer entendimento que perpasse, ainda que lateralmente, por uma presunção de intenção desonesta do agente público, sob pena de aceitar-se passivamente a violação ao princípio da presunção de inocência. Entretanto, caso reste comprovada a má-fé do parecerista, é plenamente possível, a depender do caso, que lhe seja imputada a prática de ato de improbidade administrativa. Em suma, a simples declaração de ilegalidade do ato administrativo praticado com base no parecer jamais acarretará, automaticamente, a aplicação das sanções de improbidade ao agente opinativo, sob pena de configurar-se até mesmo uma responsabilidade funcional objetiva.

[15] Ob. cit., p. 116-117.

[16] A concepção fragmentária de improbidade administrativa será estudada com maior detença no item 3.1.1 infra.

[17] Cite-se, a título meramente exemplificativo, que a suspensão da fruição dos direitos políticos é uma das sanções cominadas, no bojo da Constituição, à prática de atos de improbidade. Urge salientar que essa sanção acarreta, automaticamente, entre outros efeitos, a proibição do exercício do direito a voto, a inelegibilidade, a vedação da filiação a partidos políticos, o cerceamento da legitimidade para a propositura de ação popular e a impossibilidade de investidura em cargos públicos. Inegável, pois, a excepcional gravidade desta penalidade.

[18] Ob. cit., p. 5080.

[19] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 728.

[20] Sobre o princípio da consensualidade, esclarecedores são os ensinamentos de Luciano Ferraz, segundo o qual, o referido princípio é dotado de previsão constitucional expressa, seja no Preâmbulo da CR/88, ao afirmar que o Estado Brasileiro compromete-se com a solução pacífica das controvérsias na ordem interna e internacional, seja no art. 4º, VII, CR/88 que impõe, na esfera internacional, a adoção do princípio da solução pacífica dos conflitos. (FERRAZ, Luciano. “Direito Administrativo”. In: MOTTA, Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso prático de direito administrativo. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 28-29)

[21] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 22.

[22] Ob. cit., 28-29.

[23] Ob. cit., p. 733.

[24] FREITAS, Juarez. Ob. cit., p. 5089. A propósito, Rita Tourinho defende a possibilidade de, em ações de improbidade administrativa, serem celebrados “termos de ajustamento de condutas” (TACs), os quais não se confundiriam com o instituto da transação, vedada expressamente pelo art. 17, § 1º. A autora ressalva, todavia, que os TACs somente seriam admissíveis para as medidas de natureza patrimonial e para os denominados “atos de improbidade administrativa de pequeno potencial ofensivo”. (TOURINHO, Rita. “O ato de improbidade administrativa de pequeno potencial ofensivo e o compromisso de ajustamento”. Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, ago. 2003, n. 30, p. 2644-2648. apud NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. “Improbidade Administrativa: alguns aspectos controvertidos”. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, n. 235, p. 82)

[25] Sobre o assunto, com maiores detalhes, veja-se: HARADA, Kiyoshi. “Improbidade administrativa”. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, n.6, p. 108; MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. cit., p. 254.

[26] Esse tema será pormenorizadamente analisado no item 3.2.1 infra.

[27] FREITAS, Juarez. Ob. cit., p. 5082-5083; MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. cit., p. 256.

[28] Ilustrativamente, é válido mencionar o REsp n. 505.068/PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, v.u., j. 09/09/2003, DJU 29/09/2003, em cuja ementa ficou assentado que “as sanções do art. 12, da Lei 8.429/92, não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria”. No mesmo sentido, vide, ainda, em ambas as Turmas do STJ especializadas em Direito Público: REsp n. 534.575, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, v.u., j. 09/12/2003, DJU 29/03/2004, bem como o REsp n. 507.574, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 15/09/2005, DJU 08/05/2006.

[29] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 253. No exato sentido defendido, Juarez Freitas deixa claro que é dever do intérprete da Lei n. 8.429/92 atentar-se para que, na sua aplicação, não se transbordem os limites finalísticos traçados pelo próprio princípio da moralidade, o qual é, indubitavelmente, o foco maior dessa tutela normativa. (Ob. cit., p. 5079)

[30] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Ob. cit., p. 142-143.

[31] Juarez Freitas, de seu turno, defende a existência de apenas dois requisitos à configuração da improbidade administrativa, quais sejam, “grave violação ao senso médio superior de moralidade” e “inequívoca intenção desonesta”. (Ob. cit., p. 5079)

[32] Art. 2º da Lei n. 8.429/92: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

[33] Em virtude dos limites normais do presente trabalho, abster-se-á de adentrar na acirrada discussão atinente à possibilidade de responsabilização por improbidade administrativa, com fulcro na Lei n. 8.429/92, daqueles agentes políticos que, em face de expressa determinação constitucional (art. 52, I e II; art. 85, V; art. 102, I, c), sujeitam-se ao regime dos crimes de responsabilidade, disciplinado pela Lei. n. 1.079/50. Sobre o tema, saliente-se, perfunctoriamente, que, na Reclamação n. 2.138-6/DF, o Pretório Excelso, realizando uma redução teleológica da abrangência do art. 2º da Lei n. 8.429/92, entendeu por bem excluir os mencionados agentes políticos da incidência da Lei de Improbidade Administrativa. Não obstante essa decisão ter sido tomada pelo Pleno do STF, o tema continua controverso na jurisprudência, uma vez que a decisão prolatada em sede de reclamação constitucional não é dotada de efeitos vinculantes e nem de eficácia erga omnes. Assim, atualmente, o STJ está a entender que os referidos agentes políticos, à exceção do Presidente da República, sujeitam-se tanto à disciplina punitiva da Lei n. 8.429/92 quanto à da Lei n. 1.079/50, sem que se afigure possível falar em bis in idem. Adotando essa nova corrente, cite-se fragmento de recente julgado do STJ: “Ademais, consoante a jurisprudência do STJ, ressalvada a hipótese dos atos de improbidade cometidos pelo Presidente da República, aos quais se aplica o regime especial previsto no art. 86 da Carta Magna, os Agentes Políticos sujeitos a crime de responsabilidade não são imunes às sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. da CF.” (REsp 1.205.562/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. 14/02/2012, DJe 17/02/2012)

[34] Nesse sentido: “Processo Civil. Agravo de Instrumento. Lei 8.429/92. Improbidade administrativa. Obrigatoriedade da presença de agente público no polo passivo. Litisconsórcio obrigatório. Impossibilidade de desmembramento do feito originário. 1. Os atos de improbidade administrativa somente podem ser praticados por agentes público, com ou sem a cooperação de terceiros. Inadmissível, portanto, ação de improbidade ajuizada somente contra particulares. (...)”. Grifou-se. (TRF – 1ª Região, Agravo de Instrumento n. 2006.01.00.033070-9/GO, Rel. Des. Federal Hilton Queiroz, 5ª Turma, j. 23.01.2007)

[35] Ob. cit., p. 298. Grifos no original.

[36] Ainda que, em uma análise perfunctória, possa parecer despiciendo esse comentário, vez que é corriqueira a exigência de idade mínima de 18 anos para o acesso à maioria dos cargos e empregos públicos, faz-se mister salientar que a relevância pragmática desse debate exsurge da constatação de que, à luz do amplo conceito de agente público previsto no art. 2º da Lei n. 8.429/92, é plenamente factível que um ato supostamente qualificável como ímprobo venha a ser praticado por agente com idade inferior a 18 anos.

[37] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 48. Grifou-se.

[38] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Ob. cit., p. 48.

[39] A título meramente exemplificativo, cite-se os arts. 116 e 117 da Lei n. 8.112/90, que prevêem, respectivamente, os deveres e as proibições a que se submetem os servidores públicos federais, ao passo que o art. 127 e seguintes arrolam as penalidades cominadas aos que não observarem tais determinações funcionais.

[40] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., p. 828.

[41] Ao comentar os tipos proibitivos da Lei de Improbidade, Fábio Medina Osório demonstra que “as condutas proibidas causaram e ainda causam grande perplexidade, ante a enorme vagueza semântica que se mostra peculiar aos tipos, atemorizando os gestores públicos e municiando os órgãos (acusadores) com poderes imensos”. (Ob. cit., p. 122)

[42] De acordo com Diógenes Gasparani, “a aplicação dessas penalidades não está vinculada à lei, no que concerne à definição da infração e à respectiva sanção (...). O comportamento da entidade é, nesse particular, discricionário, sendo inaplicável o princípio que vigora no Direito Penal da pena específica (não existe infração sem prévia lei que a defina e a apene)”. (GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. apud PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Sanções disciplinares: o alcance do controle jurisdicional. Belo Horizonte: Fórum, 2007)

[43] De acordo com Flávio Henrique Unes Pereira (Ob. cit., p. 43-83), perfilham essa posição doutrinária, dentre outros renomados administrativistas, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles, Marçal Justen Filho e Heraldo Garcia Vitta.

[44] Nesse sentido, lembrados por Flávio Henrique Unes Pereira (Ob. cit., p. 126-128): no STF, RMS 25.574, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/06/2006; no STJ, RMS 20.537, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 23/04/2007.

[45] GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São Paulo: Landy, 2004. apud PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Ob. cit., p. 18.

[46] Ob. cit., p. 18.

[47] PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Ob. cit., p. 18. Na dicção do autor, “o fato de o legislador – discurso de justificação – ter utilizado um conceito jurídico indeterminado não implica discricionariedade administrativa, pois o discurso de aplicação, sob o senso de adequabilidade, resultará na decisão adequada para o caso concreto, e não em opções para o administrador público.” (Ob. cit., p. 108-109)

[48] Ob. cit., p. 19 e 82.

[49]  Nessa exata linha de compreensão, encontram-se as lições de Luciano Ferraz, segundo o qual, no seio de um processo administrativo sancionatório, verifica-se a “unidade de solução adequada”. Prossegue o autor: “o juízo de apreciação da falta cometida pelo servidor, portanto, não autoriza que o administrador dê à conduta enquadramento talantemente escolhido. Bem ao contrário, reconhece-se-lhe o dever de adotar a decisão correta – a única –, cujo apontamento foi produzido mediante o exercício do contraditório e da ampla defesa, no processo administrativo precedente.” (FERRAZ, Luciano. Prefácio. In: PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Sanções disciplinares: o alcance do controle jurisdicional. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 14)

[50] Mauro Roberto Gomes de Mattos ratifica esse entendimento e acrescenta que, “tal qual a tipificação penal, era dever indelegável da Lei n. 8.429/92 identificar com clareza e precisão os elementos definidores da conduta de improbidade administrativa, para após fixar os seus tipos e as devidas sanções (...). A definição de improbidade administrativa não pode ser um ‘cheque em branco’, pois a segurança jurídica que permeia um Estado Democrático de Direito como o nosso não permite essa insegurança jurídica”.  (Ob. cit., p. 141)

[51] Ao versarem o tema na seara criminal, o STF e o STJ identificam os seguintes critérios para a aplicação do princípio da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

[52] Sobre o tema, arremata Fábio Medina Osório: “vale ressaltar que a aparente escassa lesividade material ou patrimonial do ato ilícito não o exime do enquadramento na LGIA, automaticamente. Conquanto se reconheça espaço à teoria da insignificância jurídica, como corolário do princípio da proporcionalidade, o valor do dano não pode ser visto isoladamente como fator conducente à irresponsabilidade do agente”. (Ob. cit., p. 307)

[53] Nesse sentido, vide REsp n. 892.818/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, v.u.,  j. 11/11/2008, DJe 10/02/2010, em cuja ementa restou assentado que “a implementação judicial da Lei da Improbidade Administrativa segue uma espécie de silogismo – concretizado em dois momentos, distintos e consecutivos, da sentença ou acórdão – que deságua no dispositivo final de condenação: o juízo de improbidade da conduta (= premissa maior) e o juízo de dosimetria da sanção (= premissa menor) (...). Se o juiz, mesmo que implicitamente, declara ou insinua ser ímproba a conduta do agente, ou reconhece violação aos bens e valores protegidos pela Lei da Improbidade Administrativa (= juízo de improbidade da conduta), já não lhe é facultado – sob o influxo do princípio da insignificância, mormente se por ‘insignificância’ se entender somente o impacto monetário direto da conduta nos cofres públicos – evitar o juízo de dosimetria da sanção, pois seria o mesmo que, por inteiro, excluir (e não apenas dosar) as penas legalmente previstas.”

[54] Ao tecer comentários sobre a “analogia” como método integrativo (e não interpretativo), Giuseppe Bettiol elabora interessante conceito de analogia, senão vejamos: “a analogia consiste na extensão de uma norma jurídica de um caso previsto em lei a um caso não previsto com fundamento na semelhança entre os dois casos, porque o princípio informador da norma que deve ser estendida abraça em si também o caso não expressamente nem implicitamente previsto.” (BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, v.1, p. 165. apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1, p. 155). Cezar Roberto Bitencourt, por sua vez, ao se referir à utilização da analogia, explica que “não há um texto de lei obscuro ou incerto cujo sentido exato se procure esclarecer. Há, com efeito, a ausência de lei que discipline especificamente essa situação. A finalidade da interpretação é encontrar a ‘vontade’ da lei, ao passo que o objetivo da analogia, contrariamente, é suprir essa ‘vontade’, o que, convenhamos, só pode ocorrer em circunstâncias carentes de tal vontade”.  Grifou-se. (Ob. cit., p. 155)

[55] Ao contrário da analogia, a interpretação extensiva é verdadeiro instrumento hermenêutico. “Interpretação extensiva” é o método exegético por meio do qual se amplia o alcance de expressões constantes do texto legal para que se obtenha a verdadeira vontade da lei. Ou seja, trata-se de processo interpretativo manejado nas hipóteses em que o sentido da norma jurídica é mais amplo do que a expressão literal do texto da lei.

[56] É possível encontrar alguns julgados – lúcidos, porém isolados –, entendendo ser defesa a utilização de interpretação extensiva das fattispecie de improbidade administrativa. Nesse sentido, o STJ entendeu que o “atraso” na prestação de contas não configura o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, VI da Lei 8.429/92, uma vez que este dispositivo refere-se expressamente a “deixar de prestar contas”, não podendo sofrer interpretação extensiva para abarcar também o mero “atraso” em desincumbir-se desse mister. (RP 134/195 – citado por: NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F., Código de processo civil e legislação processual em vigor. 41 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1648). Na doutrina, advogando a necessidade da realização de uma interpretação restritiva dos referidos dispositivos, cite-se: MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Ob cit., p. 255-256; NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Ob. cit., p. 73.

[57] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 225.

[58] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 240.

[59] Ob. cit., p. 241.

[60] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

[61] De acordo com o jusfilósofo italiano, o Garantismo Penal é um modelo normativo que visa a, em um Estado Constitucional de Direito, ampliar ao máximo a liberdade do homem. Assim, quando esta conflitar com o poder do Estado, deve ser assegurado o maior grau possível de bem-estar aos cidadãos não delinquentes, ao passo que é igualmente necessário, por outro lado, imputar o mínimo de mal-estar aceitável aos criminosos.

[62] A referida “unicidade de tratamento” do Direito Punitivo possui como fundamento a forte concepção teórica que entende que o Estado possui um único e unitário poder punitivo, o qual se desdobraria em sanções penais e administrativo-disciplinares. Sobre o tema, Fábio Medina Osório explicita que “a mais importante e fundamental consequência da suposta unidade do ius puniendi do Estado é a aplicação dos princípios comuns ao Direito Penal e ao Direito Administrativo Sancionador, reforçando-se, nesse passo, as garantias individuais”. (Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 120)

[63] Reconhecendo essa aproximação, veja-se, ainda: REsp n. 513.576/MG, relatoria para o acórdão do Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 03/11/2005, DJ 06/03/2006.

[64] No STF, ADI n. 2797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15/09/2005, DJ 19/12/2006; Reclamação n. 2138, Rel. Gilmar Mendes, Pleno, j. 13.06.2007, DJ 18/04/2008. No STJ, REsp n. 300.184, Rel. Min. Franciulli Netto, 2ª Turma, j. 04/09/2003, DJ 03/11/2003; REsp n. 456.649/MG, relatoria para o acórdão do Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 05/09/2006, DJ 05/10/2006. Na doutrina, citados na obra de Fábio Medina Osório, apóiam o caráter civil do ilícito de improbidade: PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Elias; FAZZIO JR., Waldo. Improbidade administrativa. São Paulo: Atlas, 1996; MARTINS JR., Wallace Paiva. Probidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001; PRADO, Francisco de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001. Acrescentamos: MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. cit., p. 258; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., p. 1175.

[65] Ob. cit., p. 258.

[66] Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, entende que as sanções à prática de ato de improbidade são de natureza civil e política. (Ob. cit., p. 717)

[67] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 124.

[68] Na realidade, um dos principais “atrativos” à utilização da ação de improbidade para o combate daquelas situações que notoriamente deveriam ser enfrentadas pelo ajuizamento de ações populares ou de ações civis públicas comuns é, sem dúvida, a possibilidade de afastamento liminar do acusado do exercício de suas funções públicas, previsto somente na Lei de Improbidade Administrativa (art. 20, p.u.). Afastamento este que, se mal utilizado, pode ser dotado de forte apelo político-eleitoreiro.

[69] Com intento muito similar ao que se está a defender, é interessante destacar a edição da MP 2088-35. Esta medida provisória, que acabou não sendo reproduzida ulteriormente, inseriu o inciso VIII no art. 11 da Lei n. 8.429/92, prevendo a caracterização da improbidade em virtude da propositura temerária de ação judicial civil, penal ou de improbidade contra pessoas que o acusador sabia ser inocentes.

[70] Sensibilizado pelos malefícios causados ao agente público em virtude da simples instauração de um processo jurisdicional punitivo, o legislador previu a possibilidade de interposição de agravo de instrumento para atacar a decisão que recebe a petição inicial de ação de improbidade (art. 17, § 10, Lei n. 8.429/92).

[71] O princípio da culpabilidade em sentido amplo desdobra-se em dois outros princípios dotados de maior concretude, a saber: a) princípio da vedação da responsabilização objetiva do agente, segundo o qual, o autor de uma conduta ilícita, em sede de Direito Punitivo, somente poderá ser apenado se agiu com dolo ou, ao menos, com culpa; e b) princípio da culpabilidade em sentido estrito, o qual determina que apenas será legítima a imposição da sanção que corresponda à exata medida da reprovabilidade da conduta do autor. Portanto, com fulcro nesta última acepção, é absolutamente inadequada a tão prolatada assertiva de que os agentes ímprobos devem ser exemplarmente punidos. Não se pode exasperar a pena de um cidadão por escopo de incutir temor nos demais. Cada um somente pode ser punido pelos seus atos e na estrita medida do que lhe for juridicamente imputável, em face do grau de culpabilidade de sua conduta.

[72]  Edilson Pereira Nobre Júnior defende expressamente a aplicação deste último princípio. (Ob. cit., p. 83)

[73] Segundo Fábio Medina Osório, por meio da analogia in bonam partem de alguns institutos previstos no Código Penal, seria possível a aplicação ao Direito Administrativo Sancionador de excludentes de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade, bem como de teses envolvendo erro de tipo, erro de proibição, erro de fato, erro de direito etc. Ademais, o doutrinador gaúcho defende até mesmo a aplicação analógica de institutos como o concurso formal ou material de crimes e a continuidade delitiva. (OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 240)

[74] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 241.

[75] Ob. cit., p. 273

[76]  “Conceituamos a LGIA como um instrumento composto de normas sancionadoras em branco, aptas a absorver a incidência das legislações setoriais. (...) Não pode existir improbidade administrativa por meio da violação direta das normas da própria LGIA. Se aceitássemos tal hipótese, estaria aberta a via de uma grave insegurança jurídica”. Grifou-se. (OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 275)

[77] Fábio Medina Osório afirma, ademais, que, na jurisprudência, é comum a utilização dessa intermediação legislativa na fundamentação das decisões judiciais. Neste sentido, o autor menciona a Apelação Cível n. 70014009492, 3ª Câmara Cível do TJ/RS, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, DJ 13/07/2006, em cujo bojo restou assentado que a configuração de improbidade em virtude de irregularidades no procedimento licitatório deve perpassar, necessariamente, pela aferição do desrespeito à Lei n. 8.666/93.

[78] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 94.

[79] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 88.

[80] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob.cit., p. 93.

[81] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 90.

[82] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 91.

[83] Endossa-se as palavras de Márcia Noll Barboza, para quem o princípio da moralidade “se coloca, em nosso sistema, como um superprincípio, que manifesta a substância do regime jurídico administrativo, iluminando-o e reforçando-o”. (O princípio da moralidade administrativa. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2002, p. 142. apud CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., p. 25)

[84] NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Ob. cit., p. 62. Com a clareza que lhe é peculiar, Juarez Freitas ensina que “o Direito não é mais visto, ao menos nas teorias de ponta, como um conjunto enclausurado e claustrofóbico de regras, nem estas merecem ser reputadas as partes mais nobres e valiosas do sistema. Em outras palavras, a inserção de preocupações com a moralidade (e com a justiça material) no âmbito do direito positivo, longe de destruí-lo, constitui uma condição sine qua non para a sustentação democraticamente fundamentável do Estado”. (Ob. cit., p. 5077)

[85] Vide, por todos, art. 37, caput da CR/88.

[86] Vide arts. 422 e 1735, V, ambos do Código Civil.

[87]  Ob. cit., p. 5075.

[88] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit., p. 710.

[89] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit., p. 710.

[90] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit., p. 710-711. Lembra, ainda, a festejada doutrinadora que a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 foi pioneira nessa tendência de alargamento do princípio da legalidade, fazendo-o abarcar tanto a obediência à lei formal quanto aos valores e princípios que, expressa ou implicitamente, decorrem da Constituição.

[91] Essa expressão foi cunhada por Roberto Dromi. (Derecho administrativo. 5 ed. Buenos Aires. Ediciones Ciudad Argentina, 1995, p. 384. apud NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Ob. cit., p. 63)

[92] CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 10 ed. Coimbra: Almedina, 1999, tomo II, p. 749. apud NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Ob. cit., p. 63.

[93] Nesse sentido, cite-se, por exemplo, o Resp n. 403.599/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, v.u., DJU 12/05/2003, em que a improbidade foi afastada por entender o órgão julgador que a mera distribuição de passagens de ônibus, sem intuito político-eleitoreiro, por vereadores de pequeno Município a cidadãos de baixa renda, não configura, por si só, ato de improbidade, haja vista a ausência de demonstração da violação ao princípio da moralidade administrativa. O STJ, em outra oportunidade, novamente elevou a imoralidade ao status de principal elemento constitutivo da improbidade administrativa, senão vejamos: “Na referida publicidade não se verifica qualquer caráter informativo, educativo ou de orientação social. Ora, sob pretexto de comemorar o aniversário da cidade, o réu, fotografado, se ligou ao texto e se aproveitou da citada efeméride para fazer sua promoção pessoal, pois teve o nome e imagem atrelados ao desenvolvimento da cidade, em clara campanha de autopromoção. Desta forma, a violação aos princípios da administração pública – moralidade e legalidade – ficou devidamente evidenciada” (RT 869/230 - essa citação é um trecho do voto do relator e foi mencionada em: NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F., Ob. cit., p. 1648). Em mais um julgado emblemático (Resp n. 213.994/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, 1ª Turma, v.u., DJU 27/09/99), o STJ voltou a exigir a comprovação de ranços de violação ao princípio da moralidade administrativa para que se configurasse o ilícito de improbidade. No caso, o magistrado de 1ª instância, dentre outras sanções, suspendeu por cinco anos os direitos políticos de Prefeito de uma cidade paupérrima do interior de Minas Gerais. Ao agente político foi imputada a prática de improbidade, vez que contratara, sem concurso público, alguns servidores, os quais, no entanto, haviam exercido regularmente as suas atribuições, não ensejando qualquer prejuízo pecuniário à Administração e nem mesmo o enriquecimento ilícito do Prefeito. A despeito disso, o juiz de direito enquadrou a conduta do Prefeito no tipo do art. 11, caput, por violação ao princípio da legalidade. Na fundamentação da sentença, restou consignado, ainda, que a condenação embasara-se na comprovação de que agente político era totalmente desinformado e tecnicamente inábil ao exercício da função pública. Assim sendo, em sede de recurso de apelação, a Corte mineira adotou o entendimento (posteriormente ratificado pelo STJ) de que, em face da inexistência de lesão ao princípio da moralidade administrativa, não restara caracterizado o ilícito de improbidade, mas tão-somente uma conduta ilegal perpetrada por um agente despreparado para o exercício do cargo político. Afastou-se, desse modo, a aplicação das sanções previstas na Lei n. 8.429/92.

[94] FREITAS, Juarez. Ob. cit., p. 5080. Mais à frente, à p. 5084, conclui o doutrinador que a violação ao princípio da moralidade deve lesar de morte “o círculo eficacial próprio” desse princípio.

[95] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 330.

[96] Ob. cit., p. 67.

[97] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 346.

[98] Ob. cit., p. 1166-1167.

[99] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 669.

[100] ALVARENGA, Aristides Junqueira. “Reflexões sobre improbidade no direito brasileiro”. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 86 e segs. De acordo com Edilson Pereira Nobre Júnior, também aderem expressamente a esse entendimento, além do próprio autor, Marcelo Figueiredo, Benedicto Pereira Porto Neto e Pedro Paulo de Rezende Porto (Ob. cit., p. 63 e segs.). Nesse sentido, ainda, cite-se o entendimento perfilhado por José Jairo Gomes (Ob. cit., p. 239 e 254) Acrescente-se que Fábio Medina Osório, por sua vez, também encara a improbidade como uma imoralidade administrativa qualificada, senão vejamos: “toda improbidade deriva de uma imoralidade administrativa, mas nem toda imoralidade constitui uma improbidade administrativa” (Ob. cit., p. 89). Em sentido contrário, entendendo, pois, que a improbidade é gênero do qual a imoralidade administrativa é espécie, dentre outros, Kiyoshi Harada. Em virtude de este renomado doutrinador partir da referida premissa (por nós, considerada equivocada), ele acaba por chegar a um conceito de improbidade administrativa demasiadamente abrangente (e perigoso), identificando “o ato de improbidade administrativa não só como aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta no modo de proceder perante a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, nas três esferas políticas, como também aquele ato timbrado pela má qualidade administrativa”. Grifou-se. (“Improbidade administrativa”. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, n. 6, p. 102-103)

[101] Ob. cit., p. 709.

[102] Ob. cit., p. 709.

[103] Essa distinção entre improbidade e ilegalidade será destrinchada no item 3.4.1.

[104] É curioso destacar que, mesmo dentro da doutrina que aceita a improbidade como uma “imoralidade qualificada”, reina certa insegurança científica acerca de qual seria o real elemento responsável por qualificar a imoralidade, transformando-a em uma “improbidade”. José dos Santos Carvalho Filho afirma que a qualificação é dada pela lei, ou seja,  “improbidade é a imoralidade qualificada pela lei”. Fábio Medina Osório, por sua vez, defende que a gravidade da lesão à moralidade é que qualifica a imoralidade, ensejando o surgimento da improbidade. Aristides Junqueira Alvarenga entende que a improbidade é uma imoralidade qualificada pela desonestidade. José Afonso da Silva acredita que a improbidade é a imoralidade qualificada pela Constituição. Trata-se tão somente de curiosas peculiaridades que surgem em virtude dos diferentes enfoques dados ao tema por cada doutrinador. Entretanto, é válido frisar que qualquer uma dessas visões sobre a natureza do “elemento qualificador” acaba por alcançar todos os mesmos benefícios que decorrem da concepção da improbidade como uma espécie de imoralidade administrativa. Por isso, essa divergência acadêmica não enseja maiores problemas de ordem prática.

[105] HAURIOU, Maurice. Précis élementaire de droit administrative. Quatriènne édition. Recueil Sirey, 1938, p. 232 e segs. apud OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 42 e segs.

[106] Ob. cit., p. 42-43.

[107] Nesse sentido: OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 56.

[108] Ob. cit., p. 65-66.

[109] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 47.

[110] “Se resultasse necessário tolerar condutas imorais ou antiéticas para justificar resultados econômicos ou administrativos, então nos encontraríamos com algo em si mesmo impossível: o paradoxo da eficiência que destrói o dever de obediência à honestidade funcional. Os princípios e deveres públicos hão de interpretar-se harmonicamente. Se é certo que do agente público são cobrados resultados, não menos correto que dele se cobrem parâmetros éticos no agir administrativo. Tais parâmetros integram o conjunto de resultados obrigatórios”. Grifou-se. (OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 66).

[111] Ob. cit., p. 41-83.

[112] Em sentido contrário ao ora defendido, concordando, pois, com Fábio Medina Osório, cite-se Kiyoshi Harada (Ob. cit., p. 102). Este autor admite expressamente a possibilidade de improbidade administrativa pela ineficiência da atividade estatal, ainda que não se tenha constatado a falta de honradez no trato da coisa pública.

[113] Exigindo expressamente a presença de desonestidade do agente público para a configuração da referida infração ético-funcional, cite-se: REsp n. 480.387/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, v.u., j. 16/03/2004, DJU 24/05/2004. Corroborando esse entendimento, e inserindo, ainda, a má-fé como elemento essencial da imoralidade, vide: REsp n. 514.820, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, v.u., j. 05/05/2005, DJU 24/05/04; REsp n. 604.151, relatoria para o acórdão do Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 25/04/2006, DJU 08/06/2006; TJ/MG, Apelação Cível n. 1.0024.04.384585-8/002, Rel. Des. Célio César Paduani, 4ª Câmara Cível, j. 01/06/2006. Em sede doutrinária: ALVARENGA, Aristides Junqueira. Ob. cit., p. 86 e segs.

[114] Ob. cit., p. 77

[115] De acordo com Edilson Pereira Nobre Júnior, também defendem esse entendimento: Benedicto Pereira Porto Neto, Pedro Paulo Rezende Porto Filho e Pedro Silva Dinamarco. (NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Ob. cit., p. 61 e segs.) Acrescente-se, ainda, que Mauro Roberto Gomes de Mattos também concorda integralmente com esse raciocínio. (Ob. cit., p. 142-143)

[116] Citados por Edilson Pereira Nobre Júnior. (Ob. cit., 62 e segs.)

[117] Ob. cit., p. 268-269.

[118] Ob. cit., p. 5078.

[119] Ob. cit., p. 256-257.

[120] Ob. cit., p. 268.

[121] Ob. cit., p. 388-413.

[122] Segundo Fábio Medina Osório, “a culpa grave é uma categoria superior, que traduz a violação grosseira ou especialmente intensa dos deveres objetivos de cuidado”. (Ob. cit., p. 294)

[123] Ob. cit., p. 269.

[124] Ob. cit., p. 5076 e p. 5079.

[125] Ob. cit., p. 268.

[126] Esse diploma normativo figura no anexo da Resolução n. 51/59 da Assembleia Geral da ONU de 12 de dezembro de 1996.

[127] Ob. cit., p. 69-70.

[128]  No âmbito federal, veja-se, e.g., o art. 132 da Lei n. 8.112/90.

[129] NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Ob. cit., p. 71-72.

[130] Fazendo expressa referência ao silêncio eloquente de cunho restritivo, tem-se o EREsp n. 479.812/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, v.u., j. 25/08/2010, DJe 27/09/2010, em que restou consignado, no voto do Relator, que “o silêncio da lei, portanto, tem o sentido eloquente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previsto nos art. 9º e 11”. Nesse sentido, ainda: REsp n. 604.151/RS, relatoria para o acórdão do Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 25/04/2006, dois votos vencidos, DJU 08/06/2006.

[131] Ob. cit., p. 264-265.

[132] “As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas ou contra o direito comum, por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 227)

[133] Por todos, cite-se a doutrina de Theotonio Negrão que, ao versar o art. 9º, afirma que “a configuração da fattispecie descrita neste artigo depende da comprovação do dolo, mas independe da existência de dano ao erário” (Ob. cit., p. 1645). Nos Tribunais, por todos: REsp n. 604.151/RS,  relatoria para o acórdão do Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 25/04/2006, DJU 08/06/2006.

[134] Dispensando a existência de dolo ou culpa para a configuração das infrações descritas no art.. 11, cite-se: “Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade” (REsp n. 631.252/PR, Rel. Min. Castro Meira, 2a Turma,  j. 19/08/2008, DJU 11/09/2008). Ainda nesse sentido: REsp n. 737.279/PR, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJe 21/05/2008; REsp n. 915.322/MG, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, j. 23/09/2008, DJe 27/11/2008.

[135] Nesse exato sentido: REsp n. 511.095/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 04/11/2008, DJe 27/11/2008; REsp n. 734.984/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 18/12/2007, DJe 16/06/2008; REsp n. 939.142/RJ, Rel. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 21/08/2007, DJe 10/04/2008; REsp n. 480.387⁄SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 16/03/2004, DJ 24/05/2004.

[136] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 435. Nesse mesmo sentido: PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Ob. cit., p. 76.

[137] Nesse sentido: EREsp n. 479.812/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, j. 25/08/2010, DJe 27/09/2010; EREsp n. 654.721⁄MT, Rel. Ministra Eliana Calmon, 1ª Seção, j. 25.8.2010, DJe 01/09/2010; REsp n. 951.389/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 06/06/2010, DJe 04/05/2011.

[138] Ademais, aplicam-se ao art. 11, in totum, as considerações tecidas acerca da existência de um verdadeiro “silêncio eloquente restritivo” no art. 9º, caput. Nesse sentido, cite-se fragmento do voto da Min. Denise Arruda, no REsp n. 875.163/RS, de sua relatoria, 1ª Turma, j. 19/05/2009, DJe 01/07/2009: “na ausência de menção expressa ao elemento  subjetivo ‘culpa ’, os arts. 9º e 11 só incidirão na presença de dolo”.

[139] Tratando do mesmo tema, assim se expressa Fábio Medina Osório: “nas ações dolosas, o agente será avaliado em sua subjetividade exteriorizada e valorada, à luz de parâmetros objetivos de boa conduta administrativa. As intenções serão aferidas por sinais exteriores que embasem presunções legítimas, não necessariamente por prova testemunhal que indique o que o sujeito estava pensando no momento da prática do ato”. (Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 421)

[140] Não se pode olvidar que a palavra “indícios” é plurívoca. Ora é utilizada no sentido de “prova indireta”, tal qual preceitua o art. 239 do Código de Processo Penal (“Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se pela existência de outra ou outras circunstâncias), ora é usada no sentido de uma prova “semiplena” (e.g., art. 312 do CPP), ou seja, aquela com menor valor persuasivo. Sobre essa diferenciação, recomenda-se a leitura da obra do brilhante professor Renato Brasileiro de Lima, egresso desta Casa: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Niterói: Editora Impetus, 2011, vol. I.

[141] Neste exato sentido: REsp n. 805.080/SP, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª Turma, j. 26/03/2009, DJe 06/08/2009; REsp n. 842.428/ES, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 24/02/2007, DJe 21/05/2007; REsp n. 1.054.843, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 10/03/2009, DJe 23/03/2009.

[142] Por todos, cite-se: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., p.1181.

[143] Com semelhante raciocínio: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit., p. 728; MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. cit., p. 268.

[144] Saliente-se que, no REsp 479.812, esta mesma 2ª Turma do STJ acabou por considerar dispensável a demonstração da má-fé para a caracterização da improbidade administrativa. Todavia, em sede de Embargos de Divergência, o referido acórdão foi reformado pela 1ª Seção do STJ, sob o argumento de que é impossível a improbidade administrativa sem a presença de má-fé do agente público.

[145] Ob. cit., p. 71-72. Grifou-se.

[146] Tais comentários são tecidos sem prejuízo de que, em casos excepcionais e devidamente instruídos com a comprovação de todos os elementos configuradores dessa infração ético-institucional, seja reconhecida a omissão ímproba por parte do causídico público que dolosamente, em grave violação à moralidade administrativa, não proponha tempestivamente as ações de interesse do Estado. Esta ressalva é de suma importância para que uma leitura apressada de nossas ideias não dê margens à conclusão de que se estaria a defender a instituição de uma odiosa e injustificável imunidade funcional absoluta em favor dos procuradores públicos.

[147] Além do já mencionado entendimento de Edilson Pereira Nobre Júnior, também reconhecem expressamente a inconstitucionalidade do art. 10, caput, Aristides Junqueira Alvarenga e Mauro Roberto Gomes de Mattos. Em sentido contrário, Fábio Medina Osório advoga a constitucionalidade da previsão de improbidade por comportamento culposo, sob o fundamento de que os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade ensejariam a tipificação deste ilícito também na modalidade culposa. Tal argumento não há de prosperar, uma vez que não se está a desprezar a importância insofismável da observância ao princípio da eficiência. Na realidade, está-se apenas a sufragar a tese de que a improbidade administrativa não seria o campo adequado ao combate dos atos que infrinjam os postulados da eficiência administrativa.

[148] Ob. cit., p. 134. Grifou-se.

[149]  Por exemplo, arts. 116 e 117 da Lei n. 8.112/90.

[150] Semelhante constatação possui o condão de maximizar as repercussões negativas que decorrem do equívoco do legislador, quando, nos termos do art. 11, caput, deixou transparecer que a improbidade administrativa poderia se caracterizar pela mera lesão ao princípio da legalidade. Esse ponto será aprofundado no item seguinte.

[151] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 316. Grifou-se.

[152] Entendimento idêntico é esposado por Edilson Pereira Nobre Júnior, senão vejamos: “Em face tanto do art. 37, caput da Lei Maior, quanto do art. 11 da Lei 8.429/92, reportarem-se ao dever de obediência da legalidade, faz preciso advertir que a mera inobservância de dispositivo legal não é capaz de configurar ato de improbidade. Não se pode equiparar, de modo puro e simples, o mero quebrantamento da legalidade com a figura em apreço. Imprescindível que a violação da legalidade esteja acompanhada de deslealdade, ou desonestidade para com o aparato administrativo”. (Ob. cit., p. 72). Com semelhante raciocínio: OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 127.

[153] A título meramente ilustrativo, Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes defendem esse entendimento, na clássica obra em coautoria com Hely Lopes Meirelles. (Ob. cit., p. 268)

[154] Ob. cit., p. 422.

[155] Destaque-se, pela clareza meridiana, o seguinte aresto do STJ: “É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o ‘status’ de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais do que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade”. Grifou-se. (REsp n. 480.387/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, v.u., j. 16/03/2004, DJU 24/05/2004). No julgamento do REsp n. 917.437/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/09/2008, DJe 01/10/2008, em que se discutia a existência de conduta ímproba consistente na contratação irregular de um servidor para o exercício de função meramente administrativa, restou assentado expressamente que a contratação ilegal de agente público, por si só, não alcança a reprovabilidade necessária à incidência da Lei n. 8.429/92. Cite-se, ainda, outros julgados que realizaram a adequada distinção entre ilegalidade e improbidade: REsp n. 213.994/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, 1ª Turma, j. 17/08/99, DJU 27/09/99; TJ/SP, Apelação Cível n. 185.161-5/3-00, Rel. Des. Antônio Rulli; TJ/MG, Apelação Cível 1.0012.04.910508-8/001, Rel. Des. Maciel Pereira; TJ/MG Apelação Cível n. 1.0024.04.384585-8/002, Rel. Des. Célio César Paduani, 4ª Câmara Cível, j. 01/06/2006; TRF-5ª Região, Apelação Cível n. 246.206-CE, 1ª Turma, Rel. Des. Federal Castro Meira, j. 21/06/ 2001.

[156] Preferiu-se não generalizar essa assertiva. Propositadamente, utilizou-se o pronome “algumas”, com o intuito de não se abarcar todos os princípios e regras previstos no art. 11. Isto se deve, sobretudo, à inegável relação de proximidade semântica existente entre algumas das normas ali previstas (e.g., princípios da honestidade e da lealdade às instituições) e o princípio da moralidade administrativa. Explicite-se: em razão da profunda semelhança entre o conteúdo normativo e axiológico de algumas normas previstas no art. 11 e o conteúdo axiológico-normativo do princípio da moralidade administrativa (cuja violação é essencial à caracterização da improbidade administrativa), é razoável supor que, caso uma conduta funcional, além de preencher os demais requisitos à configuração da improbidade, venha a violar diretamente, por exemplo, o princípio da lealdade às instituições, serão raras as hipóteses em que não restará caracterizada a improbidade administrativa.

[157] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 159.

[158] OSÓRIO, Fábio Medina. Ob. cit., p. 410.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LELES JUNIOR, Valter Luciano. Improbidade administrativa: uma abordagem crítica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3410, 1 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22920. Acesso em: 8 maio 2024.