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Impedimento de juiz que atuou no inquérito policial

Impedimento de juiz que atuou no inquérito policial

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Razões de Recurso Especial em que se pugna pelo impedimento de juiz para julgar ação penal em que este tenha atuado na colheita dos elementos incriminadores, na fase de inquérito.


Revisão Criminal nº 187/97
Requerentes: Josué Francisco do Nascimento e Sadi Luiz Brustolin

RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL

Colendo Superior Tribunal de Justiça!


I - Núcleo da controvérsia

Cinge-se a controvérsia em saber se ocorreu a nulidade de processo penal cuja sentença foi prolatada por juiz que teria exercido função de autoridade policial na colheita da prova que deu sustentáculo à condenação, decidindo o ven. Acórdão impugnado de fls. 369/85-TJ, confirmado pelos Embargos de Declaração, cujo ven. Acórdão está às fls. 401/5-TJ, desconsiderando abertamente a Constituição, a Lei e o entendimento jurisprudencial dos Tribunais pátrios e do próprio STJ, que "a instauração de sindicância administrativa perante magistrado local ou mesmo de inquérito por determinação deste, com objetivo de subsidiar a ação persecutória do Ministério Público, não se reveste de aptidão para ocasionar a incompatibilidade da autoridade judiciária no ulterior procedimento penal condenatório que nele tenha fundamento".

Assim, resumidamente delineado o thema decidendum, serão focalizados, a seguir, em articulados, os pontos de sustentação do cabimento do presente recurso.


II - Da negativa de vigência ao preceito dos artigos 3º e 252, I e II, do Código de Processo Penal

Os fatos que culminaram no presente recurso tiveram início pela instauração de inquérito policial que se deu através da Portaria nº 074/94 - Cart, expedida pelo Delegado Federal Renato Lampert (fls. 64-TJ), acolhendo requisição do Juiz de Direito Dr. Mário Ateyeh, titular da 9ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá (grifo nosso) "para apurar a autoria (grifo nosso) de crime previsto no art. 12 da Lei 6.368/76, face ao desaparecimento de substâncias (grifo nosso)do interior da Delegacia Especializada de Repressão a Entorpecentes da SSP/MT, fato comprovado através de vistoria pericial realizada em 26.02.94 e 04.03.94" (grifo nosso).

A vistoria pericial referida na Portaria nº 079/94-Cart., do Delegado Federal Renato Lampert, como realizada nos dias 26.02.94 e 04.03.94, contou com a efetiva participação (grifo nosso) do ilustre juiz Dr. Mário Ateyeh, titular da 9ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, conforme pode ser visto das cópias dos termos de vistoria (fls. 55/62-TJ) e dos jornais da época, noticiando o episódio (fls. 68/81-TJ).

A participação do MM. Juiz de primeiro grau nos trabalhos de apuração dos fatos que levaram à instauração de inquérito é evidenciada no Ofício datado de 28 de fevereiro de 1.994 (fls. 178/9-TJ), enviado ao Dr. Arthur Lobo Filho, na época Superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso, em que o ilustre Magistrado, ao requisitar a instauração de inquérito, faz algumas ponderações em que deixa muito claro a sua participação na apuração dos fatos. Vejamos alguns trechos do ofício acima mencionado (fls. 178/9-TJ):

"Em primeira mão e sem muito esforço, notou-se em conclusão, tal como demonstra o confronto feito pelo Termo de Vistoria e os Autos de Apreensão que, as drogas vistoriadas estão aquém das que foram apreendidas, numa desproporção mais acentuada para o entorpecente maconha, sendo mais amena a disparidade que relaciona-se com a droga cocaína.

Considerando que os trabalhos correcionais administrativos já estão sendo realizados pela Corregedoria Geral de Polícia Judiciária Civil, com o auxílio da Nona Vara Criminal (grifo nosso), determino à Vossa Senhoria, que se proceda de imediato e com a brevidade que o caso requer, a instauração do competente inquérito policial a cargo desta Superintendência, para apuração acurada dos fatos e seus responsáveis, instruindo o caderno informativo, se necessário for, com os dados já constantes na Nona Escrivania e os que estão em mãos dos Doutos Corregedores".

Ao prorrogar por mais 5 (cinco) dias a prisão provisória do co-réu Paulo Roberto Nunes Mattos, o MM. Juiz "a quo" deixou transparecer no despacho prolatado em 02.03.1994 (fls. 83/9-TJ) outras fortes evidências de sua efetiva participação na apuração dos fatos no inquérito policial, que abaixo se transcreve:

"Alicerçado nos resultados até aqui encontrados nos levantamentos feito por esta Vara Criminal (grifo nosso), cujos resultados nos dão conta de que há um desencontro a menor de 50.868,40 (cinquenta quilos, oitocentos e sessenta e oito gramas e quarenta centigramas) de maconha, visto que o total que a Nona Vara Criminal deveria ter na condição de Vara Especializada de Tóxico que é armazenado na Delpol Especializada seria de 96.185,00 (noventa e seis quilos, cento e oitenta e cinco gramas) de maconha, ao passo que o levantamento feito no último sábado nos dá, segundo o Dr. Sadi Brustolin, até então Delegado Adjunto daquela Delpol um montante de 45.316,60 (quarenta e cinco quilos, trezentos e dezesseis gramos e sessenta centigramas).

Mais uma vez constata-se a efetiva participação do Juiz da Nona Vara, nos trabalhos de apuração dos fatos, na fase de inquérito policial, que, posteriormente, viria apreciá-los como julgador.

Ao decretar a prisão preventiva do recorrente JOSUÉ FRANCISCO DO NASCIMENTO, às fls. 94/6-TJ (1) (fls. 91/3), em data de 09.03.1994, o MM. Juiz "a quo" deixou evidenciado o seu impedimento e até mesma a sua suspeição, quando assim se manifestou no decreto de prisão preventiva:

"Entristecido e consternado vejo-me na obrigação de despachar estes autos, pois me sinto traído pelos funcionários daquela Especializada (grifo nosso), sem contudo perder a isenção, posto que, em momento algum deixei de faltar com o meu apoio, na condição de magistrado Titular da Vara Especializada de Tóxicos de Cuiabá.

Quantas e quantas vezes fui procurado no período noturno em minha casa, nos fins de semana, feriados, tudo com a finalidade de contribuir, na medida do possível, com a agilização dos serviços operacionais desenvolvidos por aquela Especializada.

Os "funcionários daquela Especializada", referidos pelo juiz no decreto de prisão preventiva do recorrente Josué são os acusados na ação penal que resultou em condenação de todos, entre os quais, os ora Recorrentes.

É perceptível em seu despacho uma forte dose de "emoção", um inconformismo generalizado para com os pretensos atos criminosos praticados pelos "funcionários daquela Especializada", que eram, repetindo, os próprios acusados na ação penal, inclusive os ora Recorrentes, sendo bom destacar, que a referida prisão preventiva foi decretada em 09 de março de 1.994, em data bem anterior ao oferecimento da denúncia, que veio acontecer tão somente em 18 de maio de 1.994, na qual imputou a todos os acusados a prática do crime previsto no artigo 12 "caput" e 18, inciso II da Lei nº 6.368/76 c/c art. 71 "caput" e 92, todos do Código Penal Brasileiro.

Para demonstrar a tamanha desorganização no inquérito policial e ação penal que culminou com a condenação de todos os acusados, é necessário salientar que a prisão preventiva acima referida e decretada contra as pessoas de Paulo Roberto Nunes de Mattos e Josué Francisco do Nascimento, este último autor na revisão criminal e ora recorrente, o foi pela existência de prova material de crime contra a administração da Justiça, segundo palavras do Juiz "a quo", conforme pode ser averiguado na cópia de decreto de prisão preventiva (fls. 91/3-TJ), do qual se extrai os seguintes trechos:

"...

No caso, não resta a menor sombra de dúvidas acerca da existência da prova de que crime contra Administração da Justiça foi perpetrado (grifo nosso) nos processos de competência exclusiva da Nona Vara Criminal, pelos dois servidores acima mencionados, tanto por ação como por omissão, respectivamente, escapando, o Bel. Sadi Brustolin, por ora, da abrangência deste decreto, por não vislumbrar indícios de que se tenha beneficiado com a apropriação de dinheiro proveniente de fiança e ainda que tenha contribuído para que tal irregularidade se prolongasse no tempo, como ocorreu na espécie, tudo aliado ao fato ainda, de ser ele até então, o Delegado responsável pela preparação e desenvolvimento das ações policialescas, exercendo, pois, cargo mais de campo do que de gabinete, pelo menos ao que consta até aqui.

..."

Ainda com relação à participação do MM. Juiz "a quo" nos atos do inquérito policial, é ele quem afirma a sua própria participação ao responder aos termos da Exceção de Suspeição argüida pelo Recorrente Josué Francisco do Nascimento. Vejamos alguns trechos da resposta do juiz:

(doc. 10 - fls. 194-TJ) (2)

"Via exceção de suspeição invocada contra o signatário, o bel. Josué Francisco do Nascimento, denunciado que foi como incurso nas penas do art. 12 "caput" (no tipo fornecer ainda que gratuitamente) e art. 18, inciso II da lei nº 6.368/76 c/c o art. 71 "caput" e art. 92, inciso I, ambos do Código Penal, alicerça suas razões no fato de que teria o excepto comandado os trabalhos de pesagem QUE CONFIRMOU O DESAPARECIMENTO DE COCAÍNA E PASTA BÁSICA DA DRE DE CUIABÀ" (grifo nosso).

(doc. 10 - fls. 196-TJ) (3)

"Receoso de que as drogas apreendidas naqueles 14 inquéritos que não tinham sido encaminhados à Juízo, tivessem sido desviadas, como não poderia deixar de ser, oficiei ao então Superintendente da Polícia Federal em Cuiabá, Doutor Arthur Lobo Filho, determinando que fosse feita a pesagem das drogas apreendidas na DRE (fls. 244), sendo que inicialmente a intenção era de pesar apenas e tão somente as drogas arrecadadas naqueles inquéritos, fato esse exteriotipado pelo termo de vistoria de fls. 248/253 do apenso, onde se pode ver que inicialmente foram pesadas as drogas referentes aos inquéritos que não haviam sido encaminhados à Juízo.

Em tendo sido verificada uma discrepância entre o material arrecadado e o que foi encontrado, era minha obrigação, como Juiz Titular da Vara Especializada de Entorpecentes de Cuiabá, sob pena de prevaricação, fazer uma conferência geral nos inquéritos instaurados em Cuiabá, o que foi feito, apurando-se então o desaparecimento de droga naquela Delpol Especializada".

(doc.10 - fls. 197-TJ) (4)

"É verdade que ali compareci, compareço e comparecerei tantas vezes quantas forem necessárias, sem ter que dar satisfação a quem quer que seja (grifo nosso), visto que o Juízo Criminal diferentemente do Juízo Civil não pode ficar inerte, haja visto que, no procedimento penal, se o Juiz cumprir realmente, com rigor, suas atribuições, a apuração da verdade será quase sempre conseguida".

(doc. 10 - fls. 197-TJ) (5)

"Ademais, é bom salientar que até então, não se tinha a dimensão do que seria apurado, e a minha presença ali, era necessária na apuração de possíveis ilícitos (grifo nosso). Ademais, é bom que se frise que como tenho minha Vara controlada através de computador, para mim ficaria muito mais fácil acompanhar os trabalhos da perícia, a qual, fora por mim requisitada junto ao DPF (grifo nosso) (fls. 244 do apenso)

(Doc. 10 - fls. 197-TJ) (6)

"DESEJARIA O EXCIPIENTE TER COMO PRESIDENTE DOS TRABALHOS DA CONFERÊNCIA E PESAGEM, A PESSOA DO COLOMBIANO PABLO ESCOBAR?

SERÁ QUE O EXCIPIENTE TINHA O DESEJO DE QUE O TITULAR DA VARA ESPECIALIZADA FICASSE AFASTADO DA APURAÇÃO DESSE CASO?

DESEJARIA ELE QUE OS FATOS NÃO FOSSEM APURADOS NA SUA TOTALIDADE?

SERIA SUA INTENÇÃO QUE O DESAPARECIMENTO DE APROXIMADAMENTE 90 QUILOS DE COCAINA, 15 QUILOS DE MACONHA E 27 BOLAS DE HAXIXE CAISSE NO ESQUECIMENTO?".

(doc.10 - fls. 198-TJ) (7)

"Com relação as matérias veiculadas na imprensa, nunca fui taxativo em dizer que seriam os delegados responsáveis pelo desaparecimento (grifo nosso), embora reconhecesse que inicialmente suas omissões contribuissem para este estado de coisas (grifo nosso), sendo desnecessário dizer que, se apurada a responsabilização penal deste ou daquele delegado, ou de ambos, outro resultado não poderá ter esta ação penal, a não ser a (s) sua (s) condenação (ões) (grifo nosso), inobstante o apreço e estima que tenho com os delegados que atuavam à testa da Especializada, mas entre a consideração e a lei, minha consciência determina que fico com a segunda opção".

(doc. 10 - fls. 198-TJ) (8)

"Com relação ao fato de ter comparecido no DFP quando ali prestava depoimento o acusado Jacinto Cupertino da Silva, realmente ali estive e irei tantas vezes quantas forem necessárias visto que minha conduta profissional, familiar e funcional não me impedem de entrar em lugar algum, com a Graças de Deus".

(doc. 10 - fls. 198-TJ) (9)

"Estive naquele dia, ao que parece, 25.03.94 (data da qualificação e interrogatório de Jacinto), por dois motivos: o primeiro, para conhecer Jacinto Cupertino da Silva e o segundo, para conversar com o Delegado responsável pelas investigações. A minha curiosidade em conhecer Jacinto era o fato de ter este elemento, verberado que só se entregaria morto, segundo informações chegadas naquele Departamento de Polícia, visto que, iria receber a polícia a bala. Ali mantive com este contato na sala do Delegado Renato Lampert, estando presente ainda o APF Diogenes, quando então Jacinto contou-me uma estória difícil de ser tida como verdadeira, tendo o signatário dito ao mesmo que pensasse mais para narrar à autoridade policial o que soubesse (grifo nosso).

(Doc. 10 - fls. 200-TJ) (10)

"Ao assim agir, isto é, o alegar de que seria o excepto suspeito pelo fato de ter ido conferir a pesagem, também, sob essa ótica seria o excepiente igualmente suspeito quando o recebia em minha residência para decretar prisão temporária, prisões preventivas, expedir mandados de buscas, etc, tudo em atenção a representação daquela autoridade policial".

A resposta do MM. Juiz "a quo" na exceção de suspeição argüida pelo Recorrente Josué Francisco do Nascimento é uma verdadeira confissão, o reconhecimento ou corroboração dos fatos afirmados na revisão criminal e que dizem respeito a participação do juiz, como autoridade policial, no inquérito policial que gerou a ação penal que condenou os acusados, entre os quais os ora recorrentes.

Mas o fato da participação ativa do juiz "a quo" na colheita de elementos incriminadores dos acusados não se prova tão somente através dos documentos já mencionados (termos de vistorias, portaria nº 079/94-Cart, decreto de prisões preventiva e temporária, etc), mas também, por ampla cobertura da imprensa mato-grossense, que na época dos acontecimentos registrou diariamente os fatos.

Vejamos o que disseram os jornais!

(Diário de Cuiabá - 05/março/1994) - (fls. 188 -TJ)

"PESAGEM CONFIRMA DESAPARECIMENTO DE COCAÍNA E PASTA BÁSICA DA DRE"

A pesagem da droga guardada na Delegacia Especializada de Repressão a Entorpecentes (DRE) confirmou o desaparecimento de 45 quilos e 380 gramas de cocaína e pasta básica ("mela"), segundos dados fornecidos pelo juiz Mário Ateyeh, da 9ª Vara Criminal Especializada em Tóxicos. Este número pode ainda aumentar quando a Polícia Federal (PF) concluir o Termo de Vistoria da pesagem, acredita o Juiz. Esta diferença refere-se a apenas três inquéritos policiais.

A pesagem foi determinada por Mário Ateyeh, que foi acompanhado por um perito da PF, dois corregedores da Polícia Civil, um Promotor de Justiça e ex-delegado - adjunto da DRE, Sadi Brustolin.

...

Segundo Mário Ateyeh, os Delegados Josué nascimento (ex-titular da DRE) e Sadi Brustolin devem ser enquadrados, no mínimo, no crime de omissão. O Juiz disse que, no depoimento prestado à Corregedoria a Polícia Cívil na quarta-feira, 2, o escrivão Paulo Roberto confessou culpa apenas no sumiço de processos. "Eles deveriam estar me enganando há muito tempo", disse Ateyeh, referindo-se aos delegados da DRE, que, acreditava ele, faziam um trabalho louvável.

(Jornal "A GAZETA" de 03/março/1.994 - (fls. 68-TJ)

"...

A Polícia Federal também começou a investigar ontem, o possível desaparecimento de uma certa quantidade de cocaína dentro da DRE. Pela relação do juiz Mário Athyê, estão faltando 28 quilos, 906 gramas e 40 miligramas de cocaína. O juiz explica, no entanto, que ainda existe uma quantidade de pasta básica de cocaína e "mela", dentro da DRE, que ainda não foi pesada. Dependendo dessa quantia que falta pesar ainda hoje, o juiz poderá saber qual é a quantidade exata de cocaína que desapareceu de dentro da DRE.

"Os mais de 50 quilos de maconha já estão confirmados como desaparecidos. Só falta agora confirmarmos o peso exato da cocaína, que também sumiu. Essa quantia exata vai depender da mela que está na DRE e que ainda não foi pesada. O que estiver lá nos vamos deduzir, para sabermos a quantidade que falta", explica Athyê. O juiz disse no final da tarde de ontem, à reportagem da GAZETA, que a Vara de Entorpecentes pretende incinerar, nos próximos dias, todo o estoque de drogas que está relacionado em vários processos.

...

"Quero incinerar essa droga e os responsáveis por ela vão ter que dar conta ou pagar pelo crime de seu desaparecimento", afirma o juiz.

...

(Jornal "A GAZETA" DE 23/MARÇO/1.994) - (Fls. 189-TJ)

"Na pesagem de ontem, para surpresa do juiz Mário Ateyeh e das autoridades que acompanhavam os trabalhos, apareceu um quilo e sete gramas. Feito a teste, no entanto, surgiu outra surpresa: toda a droga era falsa. A original sumiu".

...

"O juiz Mário Ateyeh disse que a Polícia Federal está investigando o tráfico de drogas dentro da DRE. Ateyeh garantiu que vão ser feitas prisões, possivelmente nos próximos dias. Conversando com a imprensa, o juiz disse que pessoalmente ele já tem, "cá com os meus botões, os nomes de alguns suspeitos". Ateyeh não quis fazer revelações, mas prometeu que dará o nome de todos no momento exato".

...

"Mais adiante o juiz afirmou: "Tenho suspeitos, mas vou aguardar as investigações" (grifo nosso). Finalizando, o juiz ironizou. "Ponham suas barbas de molho", referindo-se a alguns policiais que trabalhavam na DRE" (grifo nosso).

(Jornal "A GAZETA" de 26/março/1.994 - Legenda abaixo da fotografia do Juiz Mário Ateyêh - (fls. 75-TJ)

"O juiz Mário Ateyêh, que decretou a prisão dos policiais, durante uma das pesagens (grifo nosso) de droga".

Os fatos noticiados, devidamente comprovados, evidenciam a efetiva participação do Dr. Mário Ateyeh, na época juiz titular da 9ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, na colheita dos elementos incriminadores contra os réus os recorrentes.

O ven. Acórdão recorrido, cujo voto vencedor, da lavra da Des. Shelma Lombardi de Kato, não repele os fatos que apontam a participação do juiz prolator da sentença de 1º grau na colheita dos elementos incriminadores contra os réus recorrentes, mas dá uma outra interpretação a eles, nos seguintes termos:

"Não é possível desconsiderar-se que o Dr. Mário Ateyeh, de saudosa memória, atuou na sua função correcional, porque ele, como Titular da Vara Especializada de Repressão aos Entorpecentes, era também o Corregedor Natural. É possível estabelecermos um paralelismo entre essa função que o Dr. Mário Ateyeh exercia com a de todo juiz nas comarcas do interior, em que este além de diretor do Fórum é também o Corregedor do presídio e simultaneamente exerce as funções correcionais nos Cartórios. Se assim o fosse, nenhum Juiz-Diretor do Fórum em comarca do interior poderia exercer a função jurisdicional em processos envolvendo servidores do Poder Judiciário, seus subordinados, que transgrediram normas administrativas ou penais no exercício de suas funções.

Em princípio, entendo que, a menos que se demonstrasse um efetivo prejuízo, não se pode invocar nulidade, mesmo porque, é importante também que se pondere que esse processo causou em toda a sociedade mato-grossense um profundo constrangimento e preocupação. A atuação da Justiça teria que ser firme, não sofrer todos os percalços que, normalmente, a defesa procura imprimir aos processos para com isso protelar a decisão judicial.

O Dr. Mário Ateyeh era o Corregedor a quem incumbia as funções na Delegacia Especializada (grifo nosso), como o Dr. Benedito Xavier de Souza Corbelino fazia respectivas vezes dentro das atribuições do Ministério Público.

O entendimento jurisprudencial é de que no exercício dessas funções, as autoridades judiciais (grifo nosso) e os membros do Ministério Público não se tornam impedidos, enquanto nos exercício regulares (grifo nosso), normais da função correcional do Juiz e da função do Ministério Público.

Com essas considerações, pedindo a máxima vênia ao douto relator, indefiro a pretensão".

Contra a decisão contida no ven. Acórdão os recorrentes interpuseram os Embargos de Declaração de fls. 390/3-TJ, sustentando que no voto foi omitida "a lei que instituiu o juiz como corregedor natural e competente para apurar as infrações penais e transgressões disciplinares atribuídas a policial civil", bem como, que não fora declinado no voto, através de acórdão de outro tribunal, o "entendimento jurisprudencial de que no exercício dessas funções (corregedor natural) as autoridades judiciais e os membros do ministério Público não se tornam impedidos, enquanto nos exercícios regulares, normais da função correcional do juiz e da função do Ministério do ministério Público" contido no voto vencedor.

Ao julgar os embargos de declaração a Colenda Câmaras Criminais Reunidas negou-lhe provimento sob o argumento de que:

"...

O respaldo legal para o entendimento adotado no v. acórdão embargado está:

1º.) - Na lei processual penal, uma vez que as razões de impedimento são de direito estrito, não se permitindo às partes alargar-lhe o âmbito e ampliar espécies de impedimento.

Na lei os impedimentos estão previstos nos arts. 252 e 253 do CPP.

"Data Venia do entendimento contrário, o fato de ter o Juiz, Titular da Vara de Entorpecentes, determinado a abertura de inquérito para apurar graves irregularidades e de ter presenciado o trabalho pericial de pesagem das drogas jamais se identificam com as situações previstas na lei como causas de impedimento, já que não presidiu o inquérito, não interrogou os indiciados, não inquiriu testemunhas; não funcionou como perito e muito menos testemunhou qualquer infração e sim o desenrolar da perícia.

Presenciar o trabalho pericial de simples pesagem das drogas não significa participar da perícia, mas exercitar função correicional, uma vez que a droga então supostamente desaparecida estava vinculada a feitos (alguns deles ajuizados) afetos à Vara Especializada.

Como bem elucidou o voto do eminente Des. Antonio Bitar Filho no julgamento da Ação Revisional, tais atribuições resultam da lei estadual disciplinadora do assunto: Código de Organização Judiciária, Lei 6.716, artigo 81, letra "b" e artigo 82.

Ao mencionar as decisões jurisprudenciais em meu voto apeguei-me à orientação segura dos Tribunais no sentido de só admitir a suspeição e com maior rigor o impedimento nos casos estritos em que comportável tal alegação. Para o impedimento, em síntese, há necessidade de que o juiz tenha interesse no desfecho do processo. Mirabete em sua consagrada obra Código de Processo Penal Interpretado, ao comentar o artigo 252, expressamente registra: "Não é causa de impedimento, porém, a manifestação pública do magistrado sobre o processo de sua competência jurisdicional, o que não é aconselhável, se não se revela qualquer intenção de parcialidade ou prejulgamento de causa"

O v. acórdão nos embargos de declaração não se prestaram a esclarecer as omissões apontadas, sendo falsa a assertiva de que "na lei processual penal, uma vez que as razões de impedimento são de direito estrito (grifo nosso), não se permitindo às partes alargar-lhe o âmbito e ampliar espécies de impedimento", para se tentar justificar o respaldo legal para o entendimento adotado no v. acórdão embargado.

Data vênia, pode-se afirmar com certeza que a referida assertiva fere frontalmente princípio adotado na lei processual penal em seu artigo terceiro, que expressamente admite interpretação extensiva, nos seguintes termos:

Código de Processo Penal - art. 3º:

"A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito".

Assim, os fatos trazidos na revisão criminal não deixam dúvidas quanto à participação do Juiz Dr. Mário Ateyeh na colheita dos elementos incriminadores dos recorrentes e, por conseqüência devem ser interpretados como caracterizadores do impedimento do juiz no julgamento da ação penal que resultou na condenação dos mesmos.

Interpretar esses fatos como não incidentes à regra do art. 252, do CPP, sob o argumento de que as razões de impedimento são de direito estrito, além de negar vigência ao art. 3º, do Código de Processo Penal, agride a inteligência média de qualquer indivíduo, vez que, ao presenciar o trabalho pericial de pesagem de drogas (que na verdade não se tratou de simples acompanhamento) colheu elementos formadores do seu convencimento, em procedimento inquisitorial, sem obediência ao princípio constitucional do contraditório e que prevaleceu como prova final, já que outra não foi produzida.

Realmente, o juiz em questão nunca foi policial, e, em tese, não seria alcançado pela regra do art. 252, II, do CPP. No entanto praticou atos, conforme ele mesmo confessa (fls. 194/201-TJ) de competência policial, residindo aí o seu impedimento para julgar a ação penal em que praticamente presidiu a colheita dos elementos incriminadores dos recorrentes, vez que, chegou até mesmo a subscrever termo de vistoria (fls. 55/62-TJ) juntamente com o então Promotor de Justiça, Dr. Benedito Xavier de Souza Corbelino, conforme menção feita pelo ilustre pelo relator e i Juiz convocado, Dr. Rui Ramos Ribeiro, em seu voto vencido ás fls. 372-TJ.

O entendimento jurisprudencial nesse aspecto é pelo impedimento do juiz. Senão vejamos.

"Está impedido de processar e julgar o réu, o juiz que haja diligenciado a obtenção de elementos incriminadores do ato por ele praticado, antes de instaurada a ação penal" (Suspeição 1/79 - Coxim - TJMS - Rel. Des. Jesus de Oliveira Sobrinho, in Revista dos Tribunais nº 526/434).

Deste mesmo julgamento são as lições que ora se transcreve:

"O excepto não nega haver praticado tal diligência.

Por mais que compreendamos a atitude do juiz, os elevados propósitos que nortearam a sua conduta, não podemos negar que, em assim procedendo, ficou impedido para processar e julgar o réu.

O art. 252, II, do CPP, ao dispor que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que houver desempenhado qualquer das funções previstas no nº I, entre elas a de autoridade policial, alcança não só o juiz que, efetivamente, no exercício do cargo de Delegado de Polícia, pratica as funções que lhe estão afetas, como também o juiz, que embora não tenha exercido o cargo de Delegado de Polícia, pratica ato da alçada da autoridade policial.

O objetivo da lei não é impedir quem foi autoridade policial de exercer a jurisdição no processo, mas impedir quem funcionou na busca de elementos incriminadores, posteriormente, como juiz no mesmo processo.

Temos certeza que com as vistas voltadas para a sua posição de Juiz de Menores, cujas atividades no interesse da proteção do menor se desenvolvem com muito mais amplitude e sem maiores preocupações com formalidades processuais, o dedicado Juiz excepto acabou ingressando em seara alheia, o que, indiscutivelmente, lhe veda, agora, julgar o caso.

A ação praticada pela autoridade judiciária, procurando elementos para esclarecer fatos antes de iniciada a ação penal, insere-se entre as funções da autoridade policial, conforme está explícito no art. 6º, III, do CPP".

Não se poder dar crédito, também, à assertiva contida no voto vencedor (fls. 403-TJ), de que "presenciar o trabalho pericial de simples pesagem das drogas não significa participar da perícia, mas exercitar função correicional,...", pois, ainda que se possa considerar referido ato como correicional, não estava o referido juiz autorizado fazê-lo, até mesmo porque, segundo o contido no art. 82, da Lei Estadual 4.964/85 (Código de Organização Judiciária do Estado de Mato Grosso), tais correições, nas comarcas do interior estão a cargo dos respectivos Juízes de Direito, mas, na comarca da Capital, conforme preceituado no § único, do artigo 86, do referido Código de Organização Judiciária, estão a cargo do DIRETOR DO FORO.

De qualquer forma, ainda que se tratasse de simples correição, estava o Dr. Mário Ateyeh impedido de fazê-la, por tratar-se de atribuição do Diretor do Foro, conforme acima se demonstrou.

Ainda com relação à função correicional do magistrado, e a que se reporta com insistência o ven. Acórdão recorrido, esta se constitqi em verificação do funcionamento dos serviços relacionados ao poder judiciário, entre os quais, conforme preceituado no art. 82, do Código de Organização Judiciária (Lei Estadual 4.964/85), "a inspeção de cartórios, delegacias de polícia, prisões e mais repartições relacionadas diretamente com os serviços judiciais e sobre a atividade dos servidores que lhes sejam subordinados".

Por outro lado, conforme explicitado no artigo 83 e § §, do já referido Código de Organização Judiciária, é fácil perceber que a finalidade maior da correição , além de inspeção periódica, é sanar as possíveis irregularidades encontradas e, por conseguinte, punir administrativamente os agentes responsáveis pelas irregularidades.

Correição, segundo a Enciclopédia Saraiva de Direito, Ed. Saraiva, vol. 20, no âmbito do judiciário "é a atividade fiscalizadora exercida por magistrados sobre todos os serviços auxiliares, a polícia judiciária e os presídios, nela incluída a competência para aplicar penas disciplinares aos serventuários, escreventes, fiéis, porteiros e oficiais de justiça"...

Nota-se que no âmbito da correição é possível somente apuração de faltas disciplinares e outras irregularidades administrativas, não podendo ser apurado nela questões relativas à pratica de ilícitos penais, que no caso de policiais civis deveria ser observado o art. 17 e seus incisos, da Lei Complementar Estadual nº 20, de 14.10.92, que diz ser o Corregedor Geral da Polícia Judiciária Civil a autoridade competente para apurar as infrações penais e transgressões disciplinares atribuídas à polícia civil.

Portanto, restou demonstrado que o juiz em questão não era o corregedor natural e que a sua participação na colheita de elementos incriminadores dos recorrentes tornou-o impedido para presidir e julgar a ação penal que se pretende decretar a nulidade, caracterizando-se como negativa de vigência ao art. 252, I e II, do Código de Processo Penal, a decisão contida no ven. Acórdão recorrido, pelo motivos exaustivamente expostos.

Com relação à segunda parte dos embargos de declaração opostos, em que se pediu que fosse declinado o "entendimento jurisprudencial de que no exercício dessas funções (corregedor natural) as autoridades judiciais e os membros do Ministério Público não se tornam impedidos, enquanto nos exercícios regulares, normais da função correcional do juiz e da função do Ministério Público", o ven. Acórdão de fls. 401/06-TJ referiu-se à Exceção de Suspeição 1.302-0, da Comarca de Preto-SP, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em que o assunto em discussão foi "SUSPEIÇÃO", e não o IMPEDIMENTO previsto no art. 252, do Código de Processo Penal, reportando-se a referida exceção de suspeição à manifestação de juiz perante a imprensa, no sentido de que determinado acusado (excipiente) seria submetido ao Tribunal do Júri pelo delito de homicídio (11).

Realmente, o referido acórdão, que a douta Des. Relatora adotou como orientação jurisprudencial ao seu voto, não aprecia a questão relativa a impedimento, que faz presunção iuris et de iure de parcialidade do julgador, mas sim, à suspeição prevista no art. 254, do Código de Processo Penal.

Ao decidir pela não ocorrência de impedimento do juiz, o ven. Acórdão recorrido incorreu induvidosa e perigosamente para a contrariedade da regra do art. 252, I e II, do Código de Processo Penal, que estabelece as situações em que ocorre a presunção de parcialidade do julgador em função do impedimento, bem como, a contrariedade à regra do art. 3º, do CPP, que proclama como princípio a interpretação extensiva das leis processuais penais.


III - Da divergência jurisprudencial

Ao decidir da forma como pormenorizadamente acima foi exposto, deu-se, no ven. Acórdão recorrido, a um dispositivo de lei federal (art. 252, I e II, do CPP), interpretação divergente daquela que já lhe deu e têm dado outros tribunais, viabilizando-se, pois, o Recurso Especial também com fundamento na letra "c" do art. 105, III, da Constituição Federal.

Afirma-se, expressamente, no ven. Acórdão recorrido:

"Não é possível desconsiderar-se que o Dr. Mário Ateyeh, de saudosa memória, atuou na sua função correcional, porque ele, como Titular da Vara Especializada de Repressão aos Entorpecentes, era também o Corregedor Natural. É possível estabelecermos um paralelismo entre essa função que o Dr. Mário Ateyeh exercia com a de todo juiz nas comarcas do interior, em que este além de Diretor do Fórum é também o Corregedor do presídio e simultaneamente exercer as funções correcionais nos Cartórios. Se assim o fosse, nenhum Juiz-Diretor do Fórum em comarca do interior poderia exercer a função jurisdicional em processos envolvendo servidores do Poder Judiciário, seus subordinados, que transgrediram normas administrativas ou penais no exercício de suas funções.

Em princípio, entendo que, a menos que se demonstrasse um efetivo prejuízo, não se pode invocar nulidade, mesmo porque, é importante também que se pondere que esse processo causou em toda a sociedade mato-grossense um profundo constrangimento e preocupação. A atuação da Justiça teria que ser firme, não sofrer todos os percalços que, normalmente, a defesa procura imprimir aos processos para com isso protelar a decisão judicial.

O Dr. Mário Ateyeh era o Corregedor a quem incumbia as funções correcionais na Delegacia Especializada, como o Dr. Benedito Xavier de Souza Corbelino fazia respectivas vezes dentro das atribuições do Ministério Público.

O entendimento jurisprudencial é de que no exercício dessas funções, as autoridades judiciais e os membros do Ministério Público não se tornam impedidos, enquanto nos exercícios regulares, normais da função correcional do juiz e da função do Ministério Público.

Com essas considerações, pedindo a máxima vênia ao douto relator, indefiro a pretensão".

Pode-se, portanto, desses trechos acima transcritos, concluir que:

A ven. decisão recorrida sustentou que, ao participar da colheita de provas incriminadoras contra os recorrentes, o juiz prolator da sentença na ação penal atuou como Corregedor Natural, e que no exercício dessa função (corregedor natural) não se torna impedido.

E que, conforme expressamente afirmado no ven. acórdão que apreciou os Embargos de Declaração, "presenciar o trabalho pericial de simples pesagem das drogas não significa participar da perícia, mas exercitar função correcional, uma vez que a droga então supostamente desaparecida estava vinculada a feitos (alguns deles ajuizados) afetos à Vara Especializada.

Diverge, portanto, essa decisão, daquelas adotadas nos seguintes ven. Acórdãos paradigmas: 1º) da Exceção de Suspeição nº 01/79 - Turma simples - rel. Des. Jesus de Oliveira Sobrinho - j. 18.04.79 TJMS - v.u., integralmente publicado in RT 526/434; 2º) Apelação 727.955/3 - J. 18.8.93 - rel. Juiz Ribeiro dos Santos - 5ª C. Tribunal de Alçada Criminal-SP - v.u., integralmente publicado in RT 707/313; 3º) Habeas Corpus nº 45.389-RJ - j. 26.08.68 - 1ª T. STF - rel. Ministro Victor Nunes Leal - v.u., integralmente publicado in RTJ 47/543; 4º) Recurso Habeas Corpus 4.769-PR - 6ª T. - j. 07.11.1995 - rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro - v.u., integralmente publicado na RT 733/530.

Transcrevem-se, abaixo os trechos de cada um dos arestos paradigmas, que demonstram caracterizado o impedimento para julgar ação penal, quando o juiz, na condição de policial ou não, tenha participado na colheita do elementos incriminadores, constando de suas fundamentações posição exatamente oposta àquela adotada no ven. Acórdão recorrido, comprovando-se portanto, a existência de divergência jurisprudencial para fins de admissão do Recurso Especial pela letra "c" do art. 105, III da CF:

1º) Exceção de suspeição 01/79 - Turma Simples - TJMS:

"Está impedido de processar e julgar o réu, o juiz que haja diligenciado a obtenção de elementos incriminadores do ato por ele praticado, antes de instaurada a ação penal".

"O excepto não nega haver praticado tal diligência.

Por mais que compreendamos a atitude do juiz, os elevados propósitos que nortearam a sua conduta, não podemos negar que, em assim procedendo, ficou impedido para processar e julgar o réu.

O art. 252, II, do CPP, ao dispor que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que houver desempenhado qualquer das funções previstas no nº I, entre elas a de autoridade policial, alcança não só o juiz que, efetivamente, no exercício do cargo de Delegado de Polícia, pratica as funções que lhe estão afetas, como também o juiz, que embora não tenha exercido o cargo de Delegado de Polícia, pratica ato da alçada da autoridade policial.

O objetivo da lei não é impedir quem foi autoridade policial de exercer a jurisdição no processo, mas impedir quem funcionou na busca de elementos incriminadores, posteriormente, como juiz no mesmo processo.

Temos certeza que com as vistas voltadas para a sua posição de Juiz de Menores, cujas atividades no interesse da proteção do menor se desenvolvem com muito mais amplitude e sem maiores preocupações com formalidades processuais, o dedicado Juiz excepto acabou ingressando em seara alheia, o que, indiscutivelmente, lhe veda, agora, julgar o caso.

A ação praticada pela autoridade judiciária, procurando elementos para esclarecer fatos antes de iniciada a ação penal, insere-se entre as funções da autoridade policial, conforme está explícito no art. 6º, III, do CPP".

2º) Apelação 727.955/3 - 5ª Cam. TACrim-SP:

"Acontece, que a primeira magistrada participou de atos correcionais, decorrentes da sindicância, instaurada pelo Juízo, para apurar os fatos que deram origem à denúncia, abrigados nos reconhecimentos dos acusados (fls.) e tomada de depoimentos da vítima, repetido a (fls.)".

"Consequentemente, estava a MM Juíza impedida de funcionar na ação penal. Daí, a eiva insanável gerada pelo recebimento da denúncia, ato processual que praticou. Agira a magistrada na sindicância, munida de poderes correcionais como Juiz de Instrução, objetivando apurar o acontecido, recolhendo subsídios que respaldaram a denúncia".

"Com efeito, o Juízo de admissibilidade da ação proposta, notadamente, a presença de indícios de autoria na acusação apresentada, culminou viciado, porquanto, se quebrou o princípio da neutralidade do juiz, porque maculada a convicção do Juiz da causa, pois tinha conhecimento direto dos fatos, da increpação; em virtude, repita-se de ter sido atuante e responsável pela apuração da notitia criminis, que chegou ao seu conhecimento".

"A garantia do juiz natural liga-se ao devido processo legal. Além da legítima investidura, precisa o Juiz se achar dotado de garantias inerentes ao desempenho da função jurisdicional. Dentre elas se pode divisar a independência política e jurídica. Ambas asseguram a neutralidade. E, sob o aspecto deontológico, o Juiz impedido, que silencia, viola a regra da lealdade processual (art. 5º LIV da CF)".

"Este Egrégio Tribunal, também, assim já entendeu, consoante v. aresto relatado pelo então Juiz da C. 8ª Câmara, Dr. Canguçu de Almeida, noticiando outro desta 5ª Câmara, cujo teor destaca-se: "O Juiz de Direito que instaura sindicância e a instrui, objetivando a apuração de responsabilidade penal em casos de abuso de autoridade, exercendo assim função de autoridade policial, está impedido para o exercício da jurisdição do processo-crime" (JTACRIM, Lex, 75/268). E que dizer-se, então, se, ao lado dessa atividade, culmina o Magistrado, na sindicância, por externar o indisfarçável convicção convicção a propósito do comportamento daquele a quem, posteriormente, vem a condenar, fiel a este entendimento prematuramente manifestado? Impedido que estava, por tudo isso, o Magistrado de proferir sentença na ação penal que evidentemente já pré-julgara, o impedimento, mais que a nulidade, gerou a própria inexistência jurídica dos atos praticados (cf. Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Penal, II/315, ed. 1965), inexistência que não desaparece sequer na falta de oposição da parte interessada (cf. José Frederico Marques, Elementos de direito Processual Penal, II/407)".

"Enfim, se para o recebimento da denúncia deve o magistrado imprimir um juízo de admissibilidade, estará impedido de fazê-lo quando funcionou em sindicância, visando a apurar o crime e seu autor, atuando como verdadeiro Juiz de Instrução, vale dizer, exercitando tarefas pertinentes à atividade do Delegado de Polícia"

3º) Habeas Corpus 45.389-RJ - 1ª T. STF:

"O art. 252, II, do C Pen., estabelece uma garantia de isenção do juiz, que não deve ser interpretada com muita benevolência, para que não possa ser desvirtuada na prática em prejuízo da defesa".

"Não há, neste caso, qualquer indício de parcialidade efetiva do Juiz que presidiu ao Júri, mas garantias dessa natureza devem ser examinadas em têrmos genéricos, por se tratar de impedimento legal por presunção".

"Em casos tais, só a total insignificância do ato praticado poderia afastar a nulidade. A simples possibilidade de haver o ato do delegado influído no julgamento - como ocorre no caso - impedia que ele viesse a funcionar como juiz no mesmo processo".

"Defiro a ordem, para anular o feito, devendo ser realizado outro julgamento, sob a presidência de juiz legalmente desimpedido".

4º) RHC 4.769-PR - 6º T. STJ:

"O magistrado e o membro do MP se houverem participado da investigação probatória não podem atuar no processo. Reclama-se isenção de ânimo de ambos. Restaram comprometidos (sentido jurídico). Daí a possibilidade de argüição de impedimento ou suspeição".

"No tocante ao juiz, em trabalho doutrinário, expus meu pensamento:

"O espaço é limitado. Levanto uma questão. O juiz que realizar a diligência poderá presidir o processo?

Sabe-se, o magistrado precisa ser isento. Não ter interesse pessoal algum. Daí, o impedimento e a suspeição.

Haverá isenção (sentido normativo) para processar e julgar quem promoveu, reservadamente, a prova?

Tenho que a resposta se impõe negativa.

Quem recolheu a prova (ainda que isentamente), com ela ficou comprometido. Pelo menos impressionado. Ao presidir a instrução, até inconscientemente, tenderá a orientar a coleta dos elementos probatórios no sentido de confirmar o que foi por ele recolhido".

"A inovação legislativa não pode ser confundida com o juizdo de instrução. Neste o magistrado recolhe a prova e remete o processo para o juiz competente"

"O juiz, e aqui vai lenta conquista política, há de ser terceiro, não participar do recolhimento probatório, nem promover a imputação. A formação da culpa não se confunde com a busca da prova. Também não se confunde com a possibilidade de o magistrado acompanhar pessoalmente a produção de uma prova, ensejada a ampla publicidade"

"A 6ª T do STJ decidiu questão semelhante.

Dois promotores, por designação superior, acompanharam o inquérito policial, tiveram parte ativa na coleta das provas. Um deles ofereceu a denúncia e arrolou o outro como testemunha. A sentença, por sua vez, acolheu a imputação e condenou o acusado. Pormenor importante: o decreto condenatório considerou relevante o depoimento do promotor. O acórdão anulou o julgamento, considerou que a testemunha não era isenta, estava comprometida com a prova em cuja produção tivera relevante atividade".

Como se pode verificar, pela comparação dos trechos acima transcritos, existe divergência entre o ven. Acórdão recorrido e os Acórdãos paradigmas, divergência essa a respeito da interpretação do art. 252, I e II, do Código de Processo Penal, razão pela qual impõe-se, também por esse fundamento, o conhecimento do Recurso Especial.

Do exposto, demonstrada a contrariedade e a negativa de vigência a vários preceitos da legislação ordinária federal, perfeitamente caracterizada a divergência jurisprudencial na matéria, esperam os recorrentes seja admitido e provido o presente recurso constitucional, reformando-se o ven. Acórdão impugnado, de modo que seja julgada procedente a revisão criminal nº 187/97 promovida pelos recorrentes, harmonizando-se o Acórdão a ser prolatado aos vários precedentes colecionados neste arrazoado, os quais, pela sua iteratividade, já possuem o valor de autêntica Súmula.

Justiça!

Cuiabá, 23 de setembro de 1.998.

José Carlos de Souza Pires
          advogado OAB-MT 1.938-A

Marcos Martinho Avallone Pires
          advogado OAB-MT 4.626


NOTAS

  1. Autos do processo nº 33/94 - 9ª Vara Criminal
  2. Autos da revisão criminal.
  3. Autos da revisão criminal.
  4. Autos da revisão criminal
  5. Autos da revisão criminal
  6. Autos da revisão criminal
  7. Autos da revisão criminal.
  8. Autos da revisão criminal.
  9. Autos da revisão criminal.
  10. Autos da revisão criminal.
  11. Ementa do acórdão: Não age com prudência o magistrado que presta declarações públicas em processo de sua competência jurisdicional, mas isso não o torna suspeito se os "esclarecimentos" cingiram-se ao óbvio, sem implicar contra o excipiente intenção de parcialidade. (RT-555/341).



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, José Carlos de Souza; PIRES, Marcos Martinho Avallone. Impedimento de juiz que atuou no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 29, 1 mar. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16237. Acesso em: 17 maio 2024.