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Responsabilidade civil dos registradores de imóveis

Responsabilidade civil dos registradores de imóveis

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O texto estuda a responsabilidade civil dos Oficiais de Registro de Imóveis e do Estado quanto ao serviço registrário e a responsabilidade em relação aos terceiros.

RESUMO: Este trabalho tem por finalidade discorrer sobre a responsabilidade civil dos registradores de imóveis, apresentando noções sobre a atividade registral, a natureza jurídica da atividade registrária, a responsabilidade civil do Estado e a responsabilidade civil do Oficial Registrador. Objetivou-se demonstrar qual é o entendimento acerca da responsabilidade civil dos registradores, utilizando para este fim, a pesquisa bibliográfica. Sendo a matéria tão ampla, não há neste trabalho a pretensão de esgotar o assunto.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Responsabilidade civil do Oficial Registrador. Responsabilidade civil do Estado. Natureza jurídica.


1 – INTRODUÇAO

Neste trabalho, faz-se uma reflexão sobre a responsabilidade civil dos registradores. Conforme o artigo 236 da Constituição Federal, o Estado ao outorgar as delegações do serviço registrário ao particular, delega apenas o exercício, permanecendo como titular do serviço público. Ao outorgar a delegação do serviço público, mantém o Estado uma responsabilidade, e em decorrência dela também repousa a garantia e a credibilidade do serviço registrário como fundamental para os atos negociais. O presente estudo tem por objetivo conhecer o entendimento doutrinário sobre a responsabilidade civil dos Oficiais de Registro de Imóveis e do Estado no que diz respeito ao serviço registrário e a responsabilidade em relação aos terceiros.


2 – A ATIVIDADE REGISTRAL

A atividade registral consiste em serviços colocados à disposição da sociedade como um todo, organizados de forma técnica e administrativa, com a finalidade primordial de dar publicidade, autenticidade e eficácia aos atos jurídicos, garantindo a segurança nas relações jurídicas. Trata-se de um serviço prestado por um particular com características próprias, através do instituto jurídico da delegação.

O Estado delega a função registrária e tem definida sua responsabilidade nos artigos 37, parágrafo 6º e 236 da Constituição Federal. Ao delegar o exercício da função registrária, o Estado resguarda para si a titularidade do serviço público registrário.

Cabe ressaltar que esta delegação é efetivada através de concurso público de provas e títulos e tem caráter personalíssimo, não podendo haver cessão a outra pessoa. Entretanto, é permitido ao titular da serventia, contratar, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, seu substituto e demais prepostos para, sob sua total responsabilidade, agir em nome do titular na prestação dos seus respectivos serviços notariais e de registro. (BOLZANI, 2007)

O artigo 3º da Lei n. 8.935/94 estipula os requisitos necessários para a credibilidade do exercício da função delegada. Tais requisitos implicam na aferição rigorosa da dotação de fé pública contida no exercício da função social registrária. O Oficial Registrador recebe a delegação do exercício do serviço público e, por conseqüência, o exercício da fé pública inerente à atividade.

Portanto, o Estado delega o serviço público de registro de imóveis ao Oficial Registrador que, ao receber a outorga da delegação da serventia, por intermédio de concurso público organizado e fiscalizado pelo Poder Judiciário, passa a exercer uma função social delegada, porém não revestida como servidor público. O Oficial Registrador apenas é investido de poderes da atividade pública, sendo que seus serviços são executados, por si e seus prepostos, em caráter privado. A fé pública que reveste seus atos é resultado da delegação e da outorga pelo Poder Público. O princípio da fé pública insere-se na credibilidade e veracidade dos atos registrários praticados e geradores de efeitos em relação a terceiros como garantia da propriedade.

Assim, a partir do momento em que o serviço registrário é outorgado ao Oficial Registrador, este serviço assume os contornos de uma empresa de caráter privado, reservando-se ao Oficial a plena capacidade para administrar sua serventia em proveito próprio, sempre sob a fiscalização correcional do Poder Judiciário. A função registrária é exercida com independência, sujeita apenas à fiscalização judiciária que, no entanto, não interfere no desempenho, na liberdade e na autonomia funcional do Oficial Registrador. Portanto, conclui-se que o Oficial Registrador é um particular que exerce funções delegadas e revestidas de fé pública, fruto dos poderes que lhes são atribuídos constitucionalmente.

Corrobora com esse entendimento Silveira ao afirmar que:

O Estado atribui poderes ao particular que, por sua vez, exercita esses serviços públicos em colaboração com o próprio Estado. A delegação da competência dos serviços de registro baseia-se no princípio da descentralização, pois é forma de descongestionamento da Administração. O princípio da descentralização visa assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender. (SILVEIRA, 2007, p.64)

O serviço registral imobiliário é o exercício de uma atividade estatal delegada com a finalidade de assegurar e legitimar o direito de propriedade, e também, os atos dela extraídos, como garantia dos negócios jurídicos. O Oficial Registrador exerce função delegada pelo Estado, o que o diferencia do funcionário público para os demais fins. A natureza jurídica da função do Oficial Registrador é "sui generis", pois sua atividade profissional tem por objetivo estabelecer as relações jurídicas e garantir a harmonia social perante a sociedade. (SILVEIRA, 2007)

Assim, a atividade registral, considerada um serviço público essencial inerente à própria soberania estatal, consiste em serviços colocados à disposição da sociedade como um todo, organizados eficientemente de forma técnica e administrativa, com a finalidade primordial de dar publicidade ("erga omnes"), autenticidade (fé pública) e eficácia aos atos jurídicos, garantindo a segurança nas relações jurídico-sociais e protegendo o direito à propriedade. (BOLZANI, 2007)

O direito de propriedade é o direito que a pessoa tem de usar, gozar, dispor e reivindicar o bem que possui. Impõe-se, necessariamente, que o proprietário, para usufruir todos esses direitos sobre o imóvel, tenha observado as regrais legais de regularização documental registrária, para assim exercer o "jus utendi", o "jus fruendi", o "jus disponendi" e o "jus reivindicato", sendo este a reivindicação do imóvel perante terceiros. (SILVEIRA, 2007)

O Oficial Registrador é, portanto, um garantidor da propriedade imóvel e, necessita para seu pleno exercício, de probidade, integridade, eficiência, moralidade e conduta digna de boa fé. A credibilidade integra o exercício da função social registrária, que se direciona a concepção do valor que o imóvel representa para o proprietário. O registro é um dos meios instrumentais para que o usuário do serviço se inclua social, econômica e crediticiamente à sociedade, utilizando-se das regras dos direitos e garantias individuais.

O correto registro do imóvel não tem fundamento apenas no interesse pessoal do usuário do serviço de registro, mas investe-se ainda de um interesse público, coletivo e difuso, como dimensão de garantia social global em prol da estabilidade da comunidade. Descumprida a função social e não observada a responsabilidade social, o Oficial Registrador pode incidir nas responsabilidades criminal, civil e administrativa, cujas apurações de danos passam a ser auferidas, independentemente, nas mais diversas esferas do direito.

O registro do imóvel protege a propriedade e assegura que o verdadeiro dono do imóvel possa fruir, gozar e dispor da propriedade, propiciando por intermédio do princípio da publicidade o conhecimento "erga omnes" dos direitos a ela inerentes. A publicidade também resguarda os direitos daqueles pelos quais relacionam ou visam alguma pretensão em relação à propriedade.

A publicidade dos atos registrários coaduna-se com a obrigatoriedade de o registro da propriedade ser efetivado no local do imóvel. Adotou-se, assim, o princípio do fólio real, ou seja, a anotação dos dados do imóvel localizado numa determinada região geográfica, obrigatoriamente, na circunscrição que é delimitada pelo território da unidade de registro.


3 - NATUREZA JURÍDICA

O Oficial Registrador exerce uma função delegada pública, é equiparado ao funcionário público somente para fins criminais. É um particular fiscalizado pelo Poder Judiciário e sua atividade funcional é exclusivamente em benefício do particular. Possui regime próprio disciplinar estipulado por lei. Não se aposenta pelos cofres públicos, contribui com o Instituto Nacional da Seguridade Social como cidadão de empresa privada. Sua remuneração vem do usuário dos serviços registrários, por uma relação de prestação de serviços.

O Oficial Registrador é investido em uma atividade pública, administrando-a sob inteira responsabilidade, sem intervenção direta do Poder Público, a não ser a intervenção fiscalizatória, agindo como prestador de um serviço público ao usuário.

Assim, pode-se afirmar que o Oficial Registrador exerce um serviço público delegado, regido por legislação própria, vinculando-se ao Poder Estatal, em razão da fiscalização a que está submetido. No entanto, ao exercer a delegação atinge o ponto mais relevante de sua função, fruto da relação social que trava com a comunidade onde está estabelecida sua serventia. A função social do Oficial Registrador deve ser entendida como reflexo das atribuições que o Poder Estatal lhe transfere, posto manter indissolúvel a relação com a propriedade, pois esta é o motivo da existência daquele. (SILVEIRA, 2007)

A compreensão da natureza jurídica do vínculo que liga os registradores ao Estado é de suma importância para a definição da sua responsabilidade civil. A forma pela qual exercem a atividade é privada, mas a forma pela qual ingressam assume características idênticas às do servidor público. Portanto, a natureza jurídica da atividade registral é híbrida, e reconhecê-la como tal é indispensável para não cair na confusão de afirmar que a natureza jurídica do registrador é de servidor público pura e simplesmente ou, do contrário, afirmar ser ele um delegado nos moldes que se faz a delegação de um serviço público por permissão ou concessão. (BOLZANI, 2007)


4 – A RESPONSABILIDADE CIVIL

A teoria da responsabilidade civil tem sua origem e o seu fundamento na inexorável necessidade de se impor a um sujeito o dever de reparar os danos decorrentes de sua conduta ou de um evento cuja responsabilidade lhe seja atribuída, a fim de preservar o convívio social, restabelecendo-se a paz, a ordem e a segurança jurídica, até então violados.

O nexo de causalidade é o liame que une o fato ao dano, elemento essencial para a responsabilização. Segundo Bolzani (2007, p. 22) "(...) é por meio da relação causal que apontamos o fato causador do dano e, consequentemente, a pessoa a ele vinculada, contra quem lhe será imputado o dever de indenizar".

A função do Oficial Registrador funda-se na prestação de serviço essencialmente social que, embora desenvolvido individualmente, torna-se um fato social danoso, caso não cumpra a observância das regras registrárias.

A estabilidade das relações atinentes à propriedade é legitimada pelo desempenho regulador social do Oficial Registrador, como ponto de equilíbrio das relações patrimoniais e morais dos membros da comunidade. Por isso, um dos pontos essenciais de sua função social é o de não causar dano direto ao usuário do serviço e dano indireto à coletividade, fundamento basilar da origem da responsabilidade civil. (SILVEIRA, 2007)

O Oficial Registrador que descumprir suas funções e obrigações resultantes da delegação que exerce, poderá incorrer em responsabilidade administrativa, civil e criminal. A responsabilidade administrativa está sujeita a fiscalização do Poder Judiciário, que fiscaliza as funções registrárias. As responsabilidades criminais e civis estão sujeitas as jurisdições da Justiça Comum.

A atividade registrária imobiliária traz consigo a obrigação de revigorar a paz e a harmonia social, robustecidas pela prática de atos de garantia dos negócios, referentes à propriedade imóvel. O Oficial Registrador, ao executar suas funções precípuas, zela consequentemente pela estabilidade social. Diante desse posicionamento do Oficial Registrador, a função social integra sua estrutura funcional como essência, ao lado da capacidade técnico-jurídica, impondo-lhe deveres e comportamentos de ordem positiva, que lhe obriga a se abster de condutas que o torne parcial. Sua relação social fundamenta-se nos princípios de credibilidade, confiabilidade, transparência pessoal e transparência funcional. "Caso haja desvirtuamento dessa relação social, de cunho horizontal com a sociedade e de cunho vertical com o Estado, desponta como efeito jurídico a responsabilidade civil, resultado compensatório de erro ou de falta". (SILVEIRA, 2007, p. 228)

O Oficial Registrador exerce sua função solidificada na atitude de boa-fé, uma vez que o usuário do serviço de registro deposita nele irrestrita credibilidade. O exercício da função de registrador mostra que aquele que tem boa fé está no dever de garantir a segurança dos que depositam fé nele. Com isso, o Oficial Registrador deve inspirar confiança e credibilidade.

A responsabilidade civil do Oficial Registrador emerge naturalmente do exercício da cidadania. Sua responsabilidade civil surge pelo não cumprimento da prestação jurídica que se propôs a efetivar e como fruto do dano que causou perante o interessado ou terceiro no ato registrário.

O Oficial deve cumprir rigorosamente suas obrigações, deve observar a relevante função social de sua atividade, manter a formalidade e rigor quanto aos prazos determinados para o cumprimento dos atos registrários.

Em relação aos seus prepostos, o Oficial Registrador deve elegê-los e responsabilizar-se pela conduta destes no desenvolvimento da atividade registrária. O preposto é a pessoa contratada pelo Oficial Registrador para exercer a prática dos atos registrários em nome do titular. Por isso, sua qualificação é condição necessária, uma vez que seu conhecimento técnico conserva estreita relação com o conhecimento do Oficial Registrador para o procedimento dos atos. Tal conhecimento técnico é de suma importância, posto que as instruções correcionais de funcionamento da serventia assinalam expressamente seus deveres conjuntos aos Oficiais Registradores, visando o bom andamento dos serviços registrários. (SILVEIRA, 2007)

Os prepostos agem por conta e em nome dos titulares da delegação, que, por conseqüência, respondem nas esferas civil e administrativa pelas falhas apuradas. O Oficial Registrador não é tão somente empresário, limitado a organizar a unidade registraria. O serviço registrário sob sua delegação, exige mais do que simples atividade organizacional, exige uma atividade intelectual, fundamentada na fidelidade, legalidade, moralidade e segurança dos atos confiados ao delegado titular, embora seja exercida na prática com o concurso de auxiliares e prepostos. Impõe-se ao Oficial o exato conhecimento da matéria registrária e o permanente exercício do dever de escolha, orientação, conferência e fiscalização do comportamento e da prática dos atos registrários. O preposto representa o Oficial Registrador ao praticar um ato registrário, porém, a competência e a responsabilidade de fiscalização e correção dos atos praticados pelo preposto são do titular da serventia.

Em relação ao Estado, o que prevalece é a responsabilidade objetiva sobre os atos praticados pelos registradores, com fundamento no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal. Quanto aos registradores, observa-se uma divergência no entendimento sobre sua responsabilidade civil, se esta seria de natureza objetiva ou subjetiva. Há posicionamentos diversos em relação ao tema, que serão abordados no decorrer do trabalho.


5 – A RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Silveira (2007) e Fassa (2004) entendem que a responsabilidade do Estado e dos registradores teria natureza objetiva, baseando-se no parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal, que dispõe que a responsabilidade objetiva aplica-se ao Estado e às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. A responsabilidade civil do Estado é de natureza objetiva, não necessitando da comprovação da culpa, basta somente o comportamento comissivo ou omissivo e o fato danoso resultando em dano material ou moral.

Na responsabilidade objetiva do Estado adota-se a teoria do risco administrativo, atribuindo a responsabilidade decorrente do risco criado pela atividade administrativa. A exclusão da responsabilidade depende do rompimento do nexo causal, por exemplo, por fato exclusivo da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

No serviço registral imobiliário, a titularização se dá em sujeito diferenciado, alheio à intimidade da estrutura do Poder Público, não se confundindo, nem mesmo por equiparação, com os agentes políticos, servidores públicos ou funcionários públicos integrantes da estrutura direta ou indireta da Administração Pública, sendo certo que a investidura não lhe confere quaisquer destas qualificações. Trata-se de um agente delegado, a quem o Poder Público confere parte das atribuições, para que, por sua conta e risco, a exemplo do que ocorre nas concessões, desempenhe serviço público de registro de imóvel, respondendo referido delegado, direta e objetivamente, pelos danos causados por ele e por seus prepostos, remanescendo ao Estado apenas a responsabilidade subsidiária pelos danos causados na prática de atos próprios da atividade, em caso de insuficiência do patrimônio do delegado. (FASSA, 2004)

O fundamento para este posicionamento está inserido nas normas esculpidas no artigo 236 da Constituição Federal e no artigo 22 da Lei n. 8.935/94 que impõem, ao Oficial Registrador, a responsabilidade de ressarcir, direta e objetivamente, os danos que ele e seus prepostos causarem, remanescendo ao Estado delegante apenas subsidiariamente, a responsabilidade pelos danos decorrentes do exercício do serviço, se esgotada a força econômica do delegado. (FASSA, 2004)

Ainda, conforme o entendimento de Fassa:

Ao Oficial Registrador aplica-se a teoria objetiva, pois sua responsabilidade é também social, na medida em que integra o homem na sociedade. A responsabilidade objetiva contém, implicitamente, a solidariedade social como resultado da função social do direito e, este, como resultado moral social. (FASSA, 2004, p. 123)

Os Oficiais Registradores visam à solução e legalização da propriedade imobiliária, estabelecendo regramentos através dos atos de registro, articulados de forma social, jurídica e racional, evitando o florescimento da responsabilidade objetiva por eventual dano na prestação do serviço registrário.

Para alguns autores, em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico instaurado com a Constituição Federal de 1988, é possível sustentar a responsabilidade objetiva do Oficial Registrador sem que, para tanto, seja necessário socorrer-se desta ou daquela norma infraconstitucional, até porque, tendo o artigo 236 explicitado a delegação, "a responsabilidade do delegado de serviço regula-se nos mesmos moldes da responsabilidade do poder delegante, isto é, na responsabilidade objetiva". (FASSA, 2004, p. 95)

Como já vimos anteriormente, conforme o artigo 236 da Constituição Federal, o Estado ao outorgar as delegações do serviço registrário ao particular, delega apenas o exercício, permanecendo como titular do serviço público. O serviço de registro é exercido em caráter privado, resguardado ao Estado a titularidade deste serviço.

Assim, ao outorgar a delegação do serviço público, mantém o Estado uma responsabilidade e em decorrência dela também repousa a garantia e a credibilidade do serviço registrário como fundamental para os atos negociais. A responsabilidade dos Oficiais Registradores contida no artigo 28 da Lei n. 6.015/73 e no artigo 22 da Lei n. 8.935/94 não afasta e nem prepondera sobre o princípio da responsabilidade objetiva do Estado, em consonância ao artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal. O Estado, detentor do poder delegante, responde subsidiariamente perante o prejudicado, pelo dano causado por ato de registro. (SILVEIRA, 2007)

Cabe lembrar que a responsabilidade civil objetiva não se presume, nem advém do emprego da analogia, devendo decorrer expressamente da lei. Segundo expresso no artigo 927, parágrafo único do Código Civil haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BOLZANI, 2007)

Quanto à responsabilidade estatal ser solidária ou subsidiária, há dois posicionamentos doutrinários, um deles defende que o Oficial Registrador ao assumir a função delegada pelo Estado, responde diretamente ao lesado pelos danos que eventualmente cometer, e que a responsabilidade do Estado é subsidiária, pois o Oficial Registrador desenvolve a atividade por seu próprio risco, pessoal e patrimonial. O Estado, para essa corrente doutrinária, responderá subsidiariamente se houver danos causados a terceiro, após terem sido exauridos os recursos patrimoniais do Oficial Registrador. O fundamento desse posicionamento é que "o artigo 22 da Lei n. 8.935/94 veio trazer a possibilidade de direta responsabilidade dos registradores, restando ao Estado a obrigação de suportar tal indenização tão-somente nos casos de sua insolvência, capaz de prejudicar a recomposição patrimonial dos lesados". (BOLZANI, 2007, p. 94)

Outra parte da doutrina, majoritariamente, defende que a responsabilidade civil do Estado deve ser solidária, de modo que a vítima possa escolher em direcionar sua demanda contra o Estado ou contra o Oficial Registrador. Se optar por direcionar sua ação contra o Estado, o fará sob a égide da responsabilidade civil objetiva. Neste caso, deve o Estado exercer seu direito de regresso contra o Oficial Registrador, nos casos de verificação de dolo ou culpa por parte deste ou de qualquer de seus funcionários. Entretanto, para os doutrinadores que defendem esse entendimento, se o ofendido colocar no pólo passivo da demanda o Oficial Registrador, o fará sob a égide da responsabilidade subjetiva, tendo que ser debatida a culpa ou o dolo do Oficial ou de qualquer de seus funcionários. Fundamentam este entendimento harmonizando as disposições dos artigos 22 da Lei n. 8.935/94 com o parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal, afirmando que tal possibilidade decorre dos direitos de regresso estabelecidos nestes dispositivos legais.


6 – A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

O Estado, diante da complexidade das relações sociais e objetivando o cumprimento organizacional dos fins a que se destina, vale-se do particular para a execução de serviços públicos. A partir dessa necessidade, delega a atividade registraria a um particular, que, após preencher os requisitos legais para tal, assume o risco de desenvolver um papel que seria do Estado. O Oficial Registrador o substitui no desempenho do serviço público e, embora essa substituição seja interinamente, posto prever a Lei n. 8.935/94 a fiscalização por parte do Poder Judiciário e a perda da delegação, o Oficial tem o dever de responder perante o interessado no serviço registrário, pelos danos que cometer e também, deve cumprir com os encargos que a legislação determina. (BRANDELLI, 2007)

A responsabilidade subjetiva surge com a obrigação de indenizar fundada na idéia de culpa. Condiciona-se a lei ao dever de indenizar, pelo prisma da imputabilidade psicológica do agente e ao de censura de sua atividade, sob o ponto de valoração negativa do comportamento efetivado. Estabelece-se a partir da ocorrência de um ato gerado por conduta culpável (dolosa ou culposa) que pode ser excluído perante a ausência de prova da culpa ou de demonstração de sua inexistência, na hipótese de inversão do ônus probatório e no caso de presunção relativa de culpa.

O fundamento da responsabilidade subjetiva é a culpa, na medida em que impõe a obrigação de indenizar aquele que praticou a conduta provocadora do dano. "A teoria subjetiva para caracterizar a responsabilidade civil enumera como pressupostos a ação ou omissão, a culpa, a relação de causalidade e o dano". (SILVEIRA, 2007, p. 120)

Neste mesmo sentido é o entendimento doutrinário de Brandelli que diz que:

Se a responsabilidade objetiva existisse no funcionamento dos Ofícios Registrais, ela deveria ser arcada, pela regra geral, pelo Poder Público, com direito de regresso. Sendo a organização e funcionamento das serventias normatizadas pelo poder denominado delegante, só a má execução dos serviços é que implica no dever de indenizar. E o mau desempenho pode ocorrer por dolo ou por culpa, em uma das três modalidades. Isto explica a não responsabilidade, na hipótese de ato praticado em cumprimento à decisão de processo de dúvida, em que outrem resta lesado pelo equívoco na decisão. Ao prevalecer a tese da responsabilidade objetiva, bastaria o dano e a comprovação da relação da causa e do efeito, sem se investigar a juridicidade dessa causa, e a responsabilidade seria do Oficial Registrador. (BRANDELLI, 2007, p. 125)

A prova do dano é indispensável para que haja o dever de repará-lo. Assim, para que exista a obrigação de reparar o dano, é necessário que da conduta do agente resulte um dano, e que este dano esteja inserido em uma das modalidades de culpa, que pode ser a imprudência, a imperícia ou a negligência.

O dano praticado impõe ao seu causador conseqüências indenizatórias em razão da responsabilidade aquiliana, baseada na idéia de culpa e fundamentada no ato doloso ou culposo de causar mal a outrem.

O exercício da função delegada pública do Oficial Registrador pode gerar responsabilidade civil quando não for prestado satisfatoriamente, visto tratar-se de delegação de atividade estatal. A conduta dolosa ou culposa e o descumprimento contratual ou funcional geram responsabilidade com reflexos de ressarcimento civil. Esse ressarcimento é decorrente do dano causado que, por sua vez, pode ser de ordem moral ou patrimonial. (SILVEIRA, 2007)

Cabe ressaltar que o parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal aplica a responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Os serviços registrários, embora sendo serviços públicos, são prestados por pessoas físicas através de delegação, o que justificaria o afastamento do dispositivo legal, já que a responsabilidade objetiva prevista na Constituição Federal não se destina às pessoas físicas prestadoras de serviços públicos. (BRANDELLI, 2007)

O artigo 38 da Lei 9.492/97 que definiu a responsabilidade subjetiva dos tabeliães, dizendo ser eles civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurando o direito de regresso.

Deve-se atentar ao fato de que na responsabilidade objetiva, esta independe de culpa ou dolo do servidor que deu causa ao dano. Mas, a inexigência dessa comprovação só prevalecerá quando houver ação direta contra as pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, prestadores de serviços públicos. Porém, se a ação se voltar contra a pessoa física do serventuário, por força do exercício do direito de regresso por parte da Fazenda Pública ou por ação direta do particular interessado, ou ainda, contra o empregado da serventia, causador imediato do dano, por força de regresso exercido pelo titular do serviço de registro ou através de ação direta do particular, só por dolo ou culpa se poderá responsabilizá-los. Prevalecendo assim, a responsabilidade subjetiva, baseada na comprovação do dolo ou da culpa. (STOCO, 2007)

Em relação aos vícios registrários, Oficial Registrador não garante o registro, apenas garante a análise documental para o registro. A garantia do registro ou averbação do título que lhe é apresentado está sujeito à legislação vigente, à qualificação e à observação dos princípios registrários.

Ao Oficial Registrador cabe analisar o documento apresentado para a formalização do ato registrário e verificar se o mesmo preenche todos os requisitos legais, por intermédio da qualificação do título aos princípios registrários. Sua conduta restringe-se ao zelo e a diligência no estudo do título levado a registro, restando-lhe registrar o título, devolver a documentação, efetuar exigências ou ainda suscitar dúvida, quando provocado pelo registratário. (SILVEIRA, 2007)

No desempenho de sua função, o Oficial Registrador pode incorrer em atos que provocam vícios nos dados registrários e geram sua responsabilidade. Esses vícios de registro pode ser o erro sanável, passível de constatação imediata pela confrontação do título e dos registros existentes na unidade. O erro sanável pode ser corrigido de ofício pelo Oficial Registrador. Entretanto, há erros sanáveis que somente podem ser reparados por provocação ou ordem judicial, pois influenciam direitos de terceiros. Outro vício é a nulidade, prevista no artigo 214 da Lei n. 6.015/73 que dispõe que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no independentemente de ação direta.

Contudo, Silveira conclui que:

O desempenho da função do Oficial Registrador deve conter rigorosa observância aos ditames registrários. A conduta irregular, dolosa ou culposa, na atividade funcional é causadora de vícios registrários, alguns sanáveis e outros causadores de nulidade, que geram a intervenção do Poder Judiciário e a responsabilidade civil do registrador perante aquele que sofreu o dano. (SILVEIRA, 2007, p. 239)


7 – CONCLUSÃO

O serviço registral de imóveis submete-se aos princípios informadores do serviço público em geral, dentre outros, o da continuidade, que significa que o serviço deve ser prestado de forma ininterrupta, ainda que para isso se faça necessária a intervenção do Estado. Também se submete ao princípio da generalidade ou da igualdade que significa que deve satisfazer a todos que dele necessitam sem fazer qualquer tipo de distinção, e ao princípio da mutabilidade do regime jurídico em razão da supremacia do interesse público sobre o particular.

A importância da utilização do serviço registral surge da necessidade de proteção aos terceiros expostos a risco de danos pessoais ou patrimoniais, oriundos da execução de determinada obrigação.

O registro imobiliário exerce uma função social significativa ao garantir eficiente profilaxia jurídica em relação aos direitos inscritos, que conferem segurança jurídica e colabora na garantia da paz social.

O Oficial Registrador possui um papel importante em todo o contexto do serviço registral, sendo responsável pelos danos que causar. Essa responsabilidade deve ser entendida como de natureza subjetiva, em virtude do serviço que presta por delegação do Poder Público. O Oficial que agir rigorosamente dentro do preconizado pela lei ou pelo ato normativo superior, e ainda assim, causar dano a outrem, ele não poderá responder pelas falhas existentes no sistema. Contudo, se prevalecer o entendimento de que a responsabilidade do Oficial Registrador tem natureza objetiva, ele terá que responder pela falha do sistema, mesmo cumprindo fielmente a lei e as normas emanadas pela Corregedoria, o que não me parece o entendimento mais correto e justo. O ideal é avaliar o caso concreto, para saber se a falha que desencadeou o dano ocorreu em razão do dolo ou da culpa, por imprudência, imperícia ou negligência do Oficial Registrador.

Pode-se concluir que o melhor entendimento acerca da responsabilidade civil dos registradores de imóveis é aquele que fundamenta sua natureza na responsabilidade subjetiva e direita, pois, do contrário, injustas situações jurídicas ocorreriam no exercício destas atividades.

Já em relação ao Estado, o mais adequado é fundamentar sua responsabilidade na natureza objetiva, conforme disposição constitucional e o que entende também, ser a responsabilidade solidária. Assim, buscando preservar a parte lesada, para que, se lesada em virtude de um erro do sistema, sem culpa do Oficial Registrador ou de algum funcionário da serventia, possa direcionar sua demanda diretamente contra o Estado, sob a égide da responsabilidade civil objetiva.


8 - REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA

BOLZANI, Henrique. A Responsabilidade Civil dos Notários e dos Registradores. São Paulo: Editora LTR, 2007. 128 p.

BRANDELLI, Leonardo. Direito Civil e Registro de Imóveis. São Paulo: Editora Método, 2007. 368 p.

CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e Registradores Comentada (Lei n. 8.935/94). São Paulo: Editora Saraiva, 2007. 344 p.

FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de Imóveis & Responsabilidade Patrimonial. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. 191 p.

SILVEIRA, Mario Antonio. Registro de Imóveis – Função Social e Responsabilidades. São Paulo: RCS Editora, 2007. 283 p.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 1950 p.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUONGO, Jussara. Responsabilidade civil dos registradores de imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1998, 20 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12112. Acesso em: 14 maio 2024.