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O mito da caserna

O mito da caserna

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Talvez, por um erro de semântica, a caserna tenha sido confundida com caverna.

Parece-me que os antigos habitantes da caverna de Platão, descontentes com o mundo real, resolveram iniciar uma revolução para voltarem a viver no interior da caverna.

Porém, a caverna não comporta mais os inúmeros pretensos inquilinos e, desta forma, a solução encontrada foi transformar o mundo exterior, para que se tornasse uma cópia fiel da longínqua morada que muitos já haviam esquecido. Para isso, velhos dogmas foram resgatados, entre eles a ignorância.

A incipiência, em suas inúmeras vertentes, cegou mais uma vez os nostálgicos antigos habitantes da caverna. A diversidade das cores, que no passado foi motivo de deslumbramento, passou a causar ojeriza; a luz voltou a incomodar seus olhos e o culto a uma imagem desencadeou o desejo de que as sombras governassem a volta do antigo mundo que tencionavam.

Considero que, por um erro de semântica, a caserna tenha sido confundida com caverna, pois a uniformidade e, talvez, o isolamento daquele reduto possibilitou a falsa compreensão de que o rompimento de seus muros traria à tona a volta do tão sonhado mundo sensível.

Ledo engano, pois os habitantes da caserna são defensores, por delegação do povo, do mundo inteligível. Ardilosamente, tentaram confundi-los trazendo para além dos muros seus costumes, canções, desfiles e adoração aos símbolos da Nação, porém, não conseguiram traduzir o mesmo valor que os habitantes da caserna dispensam e cada vez mais se aproximavam de uma cópia mal-acabada de meras imagens, comprovando que a diferença entre caserna e caverna ultrapassa a ortografia.

As fogueiras que outrora possibilitaram o nascimento das sombras foram mais uma vez utilizadas, porém, ao invés de enaltecer as sombras, iluminaram, ainda mais, o mundo inteligível. Assim, como no passado, houve quem tentou alertá-los e foram taxados de loucos, expulsos do convívio e até mortos.

Os mais incautos, cooptados, inchavam as manifestações, sempre sob a batuta de pseudolíderes e seus discursos desconexos.

Mas e a democracia?

A democracia não abandonou sua essência e assentiu que fosse questionada... Continuou forte e, em momento pré-determinado, ofereceu a vida aos seus súditos, permitindo que optassem pela sua manutenção ou não.

Enfim, a predileção pela construção de uma sociedade justa, livre e solidária venceu e o mundo inteligível, aos poucos, deixará de assustar aqueles que foram assediados a construir uma caverna com dimensões continentais.

Em breve a luz deixará de ofuscar seus olhos.



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