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A responsabilidade civil do médico e o dano iatrogênico

A responsabilidade civil do médico e o dano iatrogênico

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O médico pode ser responsabilizado por eventuais danos causados ao paciente, ainda que o dano causado esteja sob o manto de uma das excludentes de ilicitude.

Resumo: A ideia central é analisar a responsabilidade civil do médico, inclusive por dano iatrogênico à luz do direito brasileiro. Promete-se uma abordagem qualitativa e quantitativa das normas brasileiras, dos postulados da doutrina e de nossos tribunais para aquilatar o grau de responsabilidade dos profissionais médicos pela prática de eventuais atos ilícitos na relação com o paciente. Em uma revisão literária do tema, o entendimento pessoal do autor. Visa-se nutrir o leitor com informações e conhecimento que facilitem a busca de solução de conflitos envolvendo a relação entre médico e paciente.

Palavras Chave: Responsabilidade civil do médico. Relação médico-paciente. Dano Iatrogênico.


INTRODUÇÃO

A sociedade moderna é cada vez mais exigente e conhecedora de seus direitos. Na ordem social, o conhecimento passou a ser o mais intangível e valorizado meio de produção. Daí a relevância do tema ao aportar a relação entre médico e paciente e questionar a responsabilidade civil do médico.

Será que o profissional médico, por ser o cuidador e, por vezes provedor da saúde humana, opera responsabilidade civil por eventuais danos erros, inclusive por dano iatrogênico?

A hipótese é que, aquele (indefinidamente) que vier a provocar danos a alguém está obrigado a reparar os prejuízos deles decorrentes, sejam materiais, pessoais ou puramente morais, conforme preceitua a legislação civil.

O direito da sociedade em geral e o interesse dos estudiosos em um embate jurídico sobre a responsabilidade civil do médico, motiva a pesquisa e sobrepuja referendar a temática de modo a olhar a questão à luz do direito brasileiro e das normas jurídicas que a disciplinam.

Sob o véu da reparação civil, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) como modelo supremo da ética e do modo de conduta de todo e qualquer profissional que presta serviços ou fornece bens à sociedade.

Não é exagerado dizer que ao cuidar do paciente, o médico pode equivocar-se com os registros do prontuário, aviar remédios dos quais não tem conhecimento para curar doença das quais sabe menos ainda, e até amputar um do corpo humano ou, extreme, simplesmente esquecer uma das ferramentas cirúrgicas no corpo do paciente.

O erro médico, per si, é considerado uma consequência regular, cujo risco é decorrente da atividade. Razão para o estudo da questão e a atenção especial do estado sobre a atividade médica.

Entender como o ordenamento jurídico brasileiro vocaciona o dano causado pelo médico, inclusive o dano iatrogênico, é de fundamental importância para exigir-se os meios adequados de prevenção e de reparação.

Até que ponto o direito autoriza a atuação médica sem a devida responsabilização por atos considerados ilícitos e provocadores de dano material, pessoal, estético e moral etc.?

O dever de reparação jurídica por danos decorrentes de erro médico deve ser conhecido da sociedade e geral, notadamente do paciente. Conhecer esse direito devidamente tutelado pelo Estado, abre perspectivas de uma melhor atuação do paciente na defesa de seus direitos subjetivos em face do responsável mesmo quando tratar-se de responsabilidade objetiva.

Parafraseando Abreu[1] (ABREU, 2014, p. 4) importante não são as informações em si, mas o ato de transformá-las em conhecimento. As informações são tijolos e o conhecimento é o edifício que construímos com eles.

A responsabilidade que pode surgir dos atos ilícitos dentre eles o erro médico, justifica luzes ao tema notadamente quando a questão envolve o dano iatrogênico, eis que em boa parte das vezes, está relacionado com a imprudência, negligência ou imperícia médica. E, por conseguinte, em tese, isenta o profissional de saúde da devida reparação indenizatória.

Saber identificar e diferenciar o dano iatrogênico dos demais atos ilícitos que colocam o profissional médico na esfera de responsabilidade civil danos, confere ao paciente o poder de reclamar direitos, e aos médicos, o enfoque de sua atuação diante da disciplina jurídica.

Para o desenvolvimento do presente trabalho, uma revisão da literatura e o arcabouço doutrinário dos estudiosos do direito e a hermenêutica dos precedentes de nossos tribunais em apreço de casos concretos e conceitos normativos que dão referencial suporte teórico e fático à abordagem temática.

O problema foi direcionando à douta opinião de juristas agraciados com o saber jurídico capazes de nos orientar sobre os atos ilícitos dignos de reparação e os que por sua natureza e enfoque fático são isentos de responsabilidade civil.

Em estrutura com introdução, visão geral sobre dever, obrigação, responsabilidade civil e dano iatrogênico, a pesquisa discorre sobre as vertentes conceituais, numa perspectiva social do que o direito considera ser justo.

Por fim, as considerações sobre o estudo proposto com a reunião das análises de resultados e referência ao humilde legado para a ciência e estímulo de pesquisa sobre o tema.


1. OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE

O direito visa tutelar os atos lícitos para protegê-los e cuida dos atos ilícitos para reprimi-los e corrigir seus efeitos deletérios. Essa tutela ou proteção do direito em face dos atos lícitos e dos atos ilícitos é ofertada pelo Estado a partir de um conjunto de normas e regras que estabelecem direitos e impõe deveres e responsabilidades na ordem social.

A vida em sociedade demanda diversos conflitos de interesse que o direito busca regular. A ordem jurídica visa garantir o dever geral e social de se não causar prejuízo a ninguém, o que para o direito romano, consiste no dever segundo o qual, a ninguém é facultado causar prejuízo a outrem.

Mas, essa proteção do Estado não é eficiente ao ponto de impedir a prática de atos ilícitos, danos, prejuízo etc., às pessoas. Por essa razão, o Estado atua como repressor dos atos ilícitos praticados, impondo ao causador do dano o dever de indenizar e em caso especiais, atua preventivamente como fiscalizador das demandas por atividades potencialmente causadoras de riscos.

A obrigação de reparar eventual dano decorrente do ato, é denominada responsabilidade, que pode surgir pela vontade das partes ou por força de lei (op. lege). Essa responsabilidade pode ser absoluta por atingir a todos indistintamente; ou relativa, por atingir a pessoa determinada individualmente.

Para o direito, ato ilícito é todo ato que causa prejuízo a alguém por dolo ou culpa do causador. No plano da responsabilidade decorrente de ato ilícito, cabe lembrar o conceito e comentários de Sérgio Cavaliere Filho:

Entende-se por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa imposta pelo direito positivo por inteligência da convivência social. Trata-se de uma ordem ou comando a impor deveres e criar obrigações. ...todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o da reparação do dano (FILHO, 2015, p. 16).

Como refere o autor, não há responsabilidade sem obrigação (dever). A responsabilidade deriva da obrigação como uma sobra deriva do corpo físico. Descumprida uma obrigação (dever de fazer ou de não fazer algo), surge o dever de reparar ou de indenizar os prejuízos decorrentes desse dever ou obrigação.

O autor ainda distingue obrigação de responsabilidade. Aquela, um dever jurídico originário; esta, um dever sucessivo, decorrente de uma obrigação, ainda que consistente no dever geral de não causar prejuízo a outrem.

Responsabilidade aqui pode ser entendido como dever de restauração ou reparação do dano causado por ato considerado ilícito não abrangido pelas excludentes de ilicitude.

O Código Civil Brasileiro (Lei 10.402/2002), ao disciplinar o dever de reparar o dano, em seu art. 389 faz clara distinção entre obrigação e responsabilidade: não cumprida a obrigação..., (...)responde o devedor por perdas e danos.... No mesmo sentido, o Parágrafo Único do art. 927, distingue os dois institutos jurídicos ao estabelecer a seguinte regra: Haverá obrigação de reparar o dano,....

A responsabilidade decorrente da lei é também denominada de responsabilidade aquiliana ou extracontratual. Contudo, não se perca de vista, que a responsabilidade dever de reparar, compor ou indenizar o dano, também pode decorrer da vontade das partes obrigação contratual, em que pese ser (a vontade) igualmente sua disciplinada pelas normas do ordenamento jurídico.

A vontade das partes é livre somente até o ponto em que não se opõe ao regramento normativo.


2. RESPONSABILIDADE CIVIL

Ao tratar da obrigação e do dever de reparar o dano causado a alguém, estamos lidando com a responsabilidade civil. Eis que existem ainda a responsabilidade administrativa e a responsabilidade criminal, as quais não são objeto do presente estudo, embora dialoguem em perfeita harmonia com a responsabilidade civil.

A responsabilidade civil tem origem na Lex Aquilina de Damno, do final do Século III, a. C, que fixou no ordenamento jurídico brasileiro os seus vértices normativos. Essa (lex. aquilia de damno), por sua vez, tem origem na lei romana e na pena de Talião, das XII Tábulas, da qual a conhecida máxima: olho por olho, dente por dente. (MONTEIRO, 1986. v. 1, p. 279).

A Lex aquília, possuía dois objetivos: impor castigo à pessoa que causasse um dano a outrem, obrigando-a a ressarcir os prejuízos dele decorrentes; e, punir o escravo que causasse algum dano ao cidadão[2], ou ao gado de outrem, fazendo-o reparar o mal causado (op. loc. cit.).

Trata-se de uma simples referência, eis que há muito o direito superou essa ideia de vingança ou autotutela, instituto hoje admitido somente no direito administrativo e em favor da Administração Pública no trato com a res publica.

A vingança ou o uso da própria força a lei do mais forte, que era permitido no início da civilização humana, foram superados pela presença e força normativa do Estado do qual surgem as leis que regulam e disciplinam a vidada em sociedade, em um estado democrático de direito [3].

Os litígios (conflitos de interesses) que surgem em sociedade são deveras tutelados pelo Estado, os quais subsumem-se às diretrizes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e ao eloquente cabedal normativo que a regulamentam e garantem a paz social a partir da composição desses litígios e solução de conflitos sob a ingerência do Poder Judiciário (estado-juiz).

A violação do dever jurídico geral (não causar dano) faz surgir a obrigação de reparar eventual dano ou indenizar perdas, ainda que simplesmente moral. Nas palavras de Savatier[4] (SALVATIER, 2009, p. 43), responsabilidade civil é a obrigação imposta pela lei a uma pessoa, consistente na reparação do dano causado a outrem por ato ilícito, ou por ato de pessoas ou fato de coisas que dela dependam.

O Código Civil Brasileiro, art. 186, do Código Civil de 2002, ao disciplinar o ato ilícito, dispõe que:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

O legislador não isentou de responsabilidade o ato ilícito praticado com dolo ou com culpa[5] ou com abuso de poder econômico, social ou moral (boa fé e bons costumes).

Contudo, o legislador previu os casos de isenção de culpa ou responsabilidade, denominando-as de excludentes de ilicitude (excludentes de dolo ou culpa), ao estabelecer que determinados atos não são considerados ilícitos, status conferidos à legítima defesa e o exercício regular de um direito:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

O dever de reparação do dano independentemente de dolo ou culpa resta ainda mais claro com a disciplina do art. 927 do mesmo legislador civil, notadamente o teor do Parágrafo Único:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O Parágrafo Único do art. 927 do Código Civil Brasileiro (parte final) trata da responsabilidade absoluta quando a natureza da atividade oferece risco em potencial, como ocorre com as atividades que lidam com a saúde humana.

Segundo o legislado, estão isentos de responsabilidade, quem pratica ato ilícito em legítima defesa ou no exercício de um direito reconhecido, assim entendido, aquele devidamente autorizado por lei, por ordem judicial ou pela vontade das partes em contrato, salvo se abusivo ou exercido com excesso.

Vale lembrar ainda, as valiosas lições de Venosa (VENOSA, 2003, p. 20), para quem a atividade causadora de dano, carrega em seu objeto um potencial de obrigação, responsabilidade ou dever de indenizar.

Refere o autor que algumas atividades fornecedoras de bens e serviços carregam em seu dna o potencial risco ao usuário. Essa responsabilidade ou dever de reparação do dano é, no sentido oposto - de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), um direito do usuário de bens e serviços, consoante disciplina dos art. 12 e 14 do CDC:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Nas palavras de Pereira (PEREIRA 1999, p. 11), o conceito de responsabilidade civil soa como: a efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

O quantum da responsabilidade civil, se mede pela extensão do dano causado, conforme preceitua o art. 944[6] do Código Civil Brasileiro.


3. NEXO DE CAUSALIDADE

Não é possível falar-se em responsabilidade civil sem a comprovação do dano e a relação de causalidade com o causador do dano.

O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito ou dependência entre a conduta (ação ou omissão) e o resultado. Essa conduta pode ocorrer por dolo ou culpa do agente causador do dano, mas sempre por sua ação ou omissão. Não é possível falar-se em responsabilidade sem a demonstração do nexo de causalidade. O direito à reparação depende da comprovação do nexo de causalidade.

A relação entre a causa e o efeito (dano), condiciona e direciona a responsabilidade civil ao sujeito do dano. Consoante disposição do art. 186 do Código Civil[7], a legislação não definiu o sujeito da responsabilidade, mas estabeleceu a necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre o dano e o causador do dano.

A expressão aquele que (art. 186) indica um sujeito indefinido, porém identificável pelo nexo de causalidade. O legislador também usa as expressões por ação ou omissão (dolo) e negligência ou imprudência (culpa).

Não se referiu o legislador à imperícia (art. 186), por se tratar de condição mais complexa. A prática de um ato praticado por quem não tem habilitação ou habilidade profissional é mais grave do que simplesmente fazer algo (estando habilitado) por vontade própria (dolo) ou por descuido ou falta de zelo (culpa).

Por essa razão a imperícia é disciplinada nos art. 949 a 951 do Código Civil:

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Art. 951. O disposto nos art. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

A imperícia é elemento normativo especial da responsabilidade civil e direcionada a determinada profissão ou atividade, como aqueles que lidam com a saúde humana, notadamente o médico.

Nos termos do art. 403 do Código Civil. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual, somente é possível incluir-se os danos efetivos, diretos e imediatos atribuídos a quem lhes deu causa.

Nas palavras de Nery Júnior (NERY JÚNIOR 2010, v. 1. p. 406-407), o nexo de causalidade tem sua visão voltada exclusivamente para o causador do dano.

Carpes (CARPES, 2016, p. 82), ao tratar o nexo de causalidade como prova da responsabilidade civil, refere que:

O nexo de causalidade constitui a relação de conexão entre dois eventos: um antecedente, que qual se atribui qualificação de efeito ou, no caso específico da responsabilidade civil, de dano. Não constitui, no entanto, relação de simples associação entre estes dois fenômenos; mas relação na qual um específico fato (causa) determina a sucessão de outro específico fenômeno (CARPES, p. 29).

Os autores deixam claro que não é possível pensar-se em responsabilidade civil, sem a prova do vínculo existente entre o dano e causador do dano.

Conforme referido anteriormente, o Código Civil Brasileiro (art. 186), segue essa linha de entendimento ao disciplinar que àquele que (...) violar direito e causar dano a outrem.... Então, qualquer pessoa, maior, menor, maior incapaz por outro motivo, louco de todo o gênero e o estrangeiro..., mas uma pessoa certa e determinada, ainda que ressalvadas as excludentes de responsabilidade, podem ser responsabilizados por causa dano a outrem.

Sobre a extensão da responsabilidade civil, vale trazer à tona a disciplina do art. 932 do Código Civil Brasileiro, que trata do momento da relação obrigacional, cujo efeito é a transferência da responsabilidade quando o causador do dano não possui capacidade civil plena:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

A responsabilidade civil pelos danos ou prejuízos causados a alguém (ou a seu patrimônio), norteia o senso geral de justiça e de igualdade que implicam em entregar a todos o que lhe convém, o que a sociedade em geral conhece como justiça. Isto é, ser justo, fazer justiça! Eis que o prejuízo ou dano causado não deve ser suportado senão por aquele ou aquela que lhe deu causa.

A despeito da imperiosidade da norma, atos ilícitos acontecem ou são praticados. Por essa razão essa mesma norma estabelece que uma vez violado esse direito, nasce para o titular a pretensão de reparação por danos (art. 189).


4. SERVIÇOS MÉDICOS E A SAÚDE HUMANA

Nas palavras de Lukács (LUKÁCS, 1978, p. 5), trabalho é o carecimento material enquanto motor do processo de reprodução individual ou social que põe efetivamente em movimento o complexo do trabalho. É pelo trabalho que a subjetividade se constitui e desenvolve-se constantemente, num processo de autocriação de si.

Sobre a importância do trabalho, vale lembrar a lição de Wood, para quem o serviço profissional:

(...) não é apenas o uso de ferramentas, mas também a sua criação ou fabricação, e por essa razão corrobora a definição de Benjamin Franklin do ser humano como um animal que faz ferramentas? Existe uma conexão entre a criação consciente ou deliberada e o uso das ferramentas e o fato de que somente o trabalho humano é uma atividade vital consciente. Parece que somente os seres humanos podem ter o conceito correto de uma ferramenta, e, assim, fazer ou utilizar essas ferramentas com uma explícita consciência de fazê-lo, porque somente a pessoa tem um conceito da própria atividade produtiva, entendendo que ela pode se diferenciar de outros processos naturais, e conscientemente opor-se eles. (WOOD, 2004, p. 33).

A capacidade humana de criar e desenvolver tarefas pela força do trabalho e oferta de serviços são o diferencial da qualidade de vida da sociedade em que se vive. E, sem dúvidas, médicos qualificados, e providos dos recursos necessários podem prover melhores serviços de saúde e qualidade de cuidado à saúde.

O STJ sumulou o conceito de serviço ou atividade profissional, no verbete da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, para incluir toda e qualquer atividade fornecida: Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração....

Segundo o STJ, toda atividade remunerada é considerada serviço. O profissional médico é trabalhador como todos os demais, com obrigações e direitos que por vezes ultrapassa horário e dias úteis para fornecer à sociedade maior qualidade de vida.

É detentor de direitos e obrigações na órbita do direito, com uma característica peculiar relacionada ao cuidado com a saúde humana, da qual podem decorrer potenciais riscos próprios da atividade (propter ren).

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, em seu art. 5º, XIII é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer .

O legislador constitucional pretendeu destacar que, a despeito de ser autorizado o exercício de qualquer profissão, algumas profissões merecem especial atenção em vista do seu potencial risco que oferecem, a ponto de merecer do Estado maior controle para evitar danos aos usuários dos serviços.

Assim, para o exercício da profissão de médicos, dentistas, farmacêuticos etc., é exigido do profissional - por força das normas que regem essas profissões, que, além da diplomação, lhes sejam exigidos o registro em órgão de classe e fiscalização, como Conselho Federal de Medicina, Conselho Federal de Odontologia etc., e até a exigência de requisitos específicos.

Como todo e qualquer profissional, o médico está sujeito a atos (contratuais ou extracontratuais) dos quais podem emergir responsabilidades por eventual erro na execução no exercício de seu mister. A atenção do Estado voltada à atividade médica, entretanto, não é suficiente a impedir erros e danos por violação do dever geral de não causar prejuízo a outrem, em que pese toda a discussão jurídica e prevenção normativa.

De uma certeza não podem exonerar-se: dever de adequação da atividade às normas e ao direito brasileiro, em valorização à saúde e à vida.

4.1 O Dano

O conceito de dano não está detidamente formalizado na legislação. Para a doutrina brasileira, porém, dano é a lesão a um direito tutelado pelo Estado (Minozzi, 2016, p. 172). Essa lesão pode consistir desde a diminuição do valor de um bem, até a perda total desse bem.

Por sua vez- do ponto de vista econômico, bem é o conjunto coisas materiais e imaterial pertencentes a alguém.

Para Amaral (AMARAL, 1977, p. 347), dano é o prejuízo decorrente de uma lesão a um bem jurídico tutelado pelo Estado (previsto em lei), que faz nascer um direito de reparação. Bem jurídico, amplamente entendido como tudo aquilo que pode satisfazer a necessidade humana.

Para o autor, algumas atividades podem trazer consigo potencial risco e consequente dever absoluto de responsabilidade por eventuais danos causados a terceiros. Essa responsabilidade visa restabelecer o equilíbrio social entre o agente causador e a vítima.

Dos contributos de Cavalieri Filho (CAVALIERE FILHO, 2015, p. 17), a valiosa referência aos inúmeros conceitos de danos ressarcíveis: dano de morte, dano sexual, dano hedonístico [8] , dano pelo custo do filho indesejado, dano por férias arruinadas, dano de mobbing [9] , dano por brincadeiras cruéis, dano por rompimento de noivado, dano por descumprimento de dever conjugal, dano por abandono afetivo de filho etc.

Essa lista de incontáveis de espécies de dano, poderia ser resumida em duas, a nosso sentir: dano material e dano moral, sobre os quais discorreremos a seguir.

4.2 - Espécies de Danos por Atos Ilícitos

Os danos podem ser classificados como: danos materiais e danos morais.

Na categoria de danos materiais, uma subdivisão ou subclassificação em:

1 Danos emergentes conjunto de bens que se perderam e os quais devem ser indenizados na sua totalidade. Envoltos todos os danos que afetam o patrimônio da vítima.

O exemplo mais comum é o dano acidental de trânsito. Entretanto, qualquer dano envolvendo o patrimônio de alguém e causando-lhe redução ou avaria desse patrimônio, pode ser incluído como dano material - dano emergente.

2 Danos futuros em potencial (prováveis), denominados pela doutrina como lucros cessantes e a perdas de uma chance.

Os lucros cessantes são categorias de danos decorrentes da cessação de uma fonte de renda ou de lucro. O dano que faz cessar determinada fonte de riqueza, como o salário, por exemplo.

Via de regra, os lucros cessantes são consequências dos danos emergentes: material ou pessoal. E um, pode decorrer do outro.

Imagine-se uma pessoa autônoma que gera sua renda a partir do esforço pessoal, vítima de um ato ilícito (acidente de trânsito, v.g.) que a deixa incapacitada para o trabalho por determinado período.

Essa cessação de lucros ou dividendos é indenizável pelo causador do dano, que além dos danos emergentes, terá que indenizar os valores que a vítima deixou de receber por estar incapacitada (lucros cessantes).

Muito parecido com o lucro cessante, a perda de uma chance também é indenizável se o dano causado implicar na impossibilidade de cumprir um compromisso anteriormente firmado, que geraria à vítima potencial consecução de um bem da vida.

O melhor exemplo é o de um concurso público ou de um contrato firmado antes da ocorrência do dano, mas por ele impedido de ser executado por uma das partes. Isto é, a vítima do dano deixou de cumprir o compromisso por ato ilícito de outrem.

Nos exemplos dados, a vítima deixaria de participar de um concurso regularmente inscrito que lhe permitiria a chance de ser aprovada e tomar posse em um cargo público; e, no exemplo do contrato, deixaria de efetuar o contrato e adquirir determinado direito ou bem da vida, não fosse o ato ilícito praticado.


5. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO

O exercício da medicina não isenta o médico da responsabilidade pelos danos que vier a causar ao paciente ou a qualquer outra pessoa.

A legislação médica, notadamente as normas do Conselho Federal de Medicina estabelecem regras para a conduta médica e a responsabilidade civil, consoantes Resolução CFM 1.931/2009, que em seu Capítulo III estatui:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.

Havemos de discordar do legislador administrativo, no entanto, quando afirma que a responsabilidade é sempre pessoal (subjetiva). Eis que por vezes o médico atua representando uma empresa, o Estado, o Município e até a União. Nesses casos, a responsabilidade é objetiva, nos termos do art. 37, § 6°[10], da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Assim, no Parágrafo Único do art. sob comento, há uma atecnia a nosso sentir - ou clara incongruência da norma referida, com a Lei em Sentido Formal (aquela elaborada e aprovada em um processo legislativo), cuja força normativa supera as normas administrativas.

A responsabilidade civil do médico pode decorrer de dolo (ação ou omissão) ou culpa (negligência, imperícia ou imprudência). É que a responsabilidade do médico, nem sempre é somente pessoal.

A responsabilidade civil pode ser objetiva ou subjetiva. Isto é, pode ser também do órgão, empresa pública ou privada também do Estado caso o médico responsável, represente uma dessas pessoas jurídicas.

Nessa linha, o entendimento de Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1986. v. 1, p. 279):

A lei impõe, em certos casos, a reparação do dano sem que haja a culpa do lesante. A responsabilidade, nestes casos, fundamenta-se na teoria objetiva, porque prescinde da perquirição da subjetividade do agente, independe de sua culpa, bastante a existência do dano e do nexo de causalidade entre o prejuízo e a ação lesiva (Monteiro, 1986, p. 279).

É certo que a responsabilidade decorre de um fazer ou um não fazer proposital ou culposo que causa prejuízo ou dano alguém. Um fato considerando ilícito ou causador de dano, pode decorrer eleição de alguém ou não fiscalizar a atividade especialmente quando ela é potencialmente lesiva. Ocorrido o dano, a corresponsabilidade ou responsabilidade civil pode ser pessoal (subjetiva ou individual) do médico ou objetiva (responsabilidade do contratante).

A ação é a forma mais comum de conduta danosa. E essa ação pode ser motivada por uma obrigação contratual (vontade humana) ou por força de uma norma. Diferentemente, a omissão é um não fazer - quando o que se espera de alguém é uma ação.

Segundo o entendimento de Cavalieri Filho (2015, p. 22), a ação consiste em um movimento corpóreo comissivo, comportamento positivo, como a destruição de uma coisa, alheia, a lesão corporal etc. O contrário da omissão que se caracteriza pela inatividade, abstenção de uma conduta devida.

Omitir-se é não fazer o que deveria ser feito por obrigação pessoal, profissional, por força de um contrato (acordo volitivo) ou por força das normas que regem os atos comissivos por omissão.

A omissão de socorro é um bom exemplo relacionado à atividade médica. O médico tem por dever salvar vidas, e, a menos que haja perigo próprio, omitir-se consistem em crime de omissão de socorro e gera responsabilidade em reparar os danos decorrentes da omissão.

É claro, que nesse exemplo, a obrigação é de agir, mas o agente se omite e causa prejuízo a alguém. É o caso do médico que, podendo socorrer uma vítima, deixa de fazê-lo.

Um modelo de omissão punível está previsto no Estatuto do Idoso (lei 10.471/2003), que em seu art. 17[11] estabelece que é obrigação do médico assegurar o melhor tratamento de saúde à pessoa idosa que não esteja no domínio de suas faculdades mentais. A não atuação do médico, implicará em omissão e consequente responsabilidade civil.

A omissão ou conduta comissiva por omissão é um verdadeiro contrassenso para a ciência jurídica, vez que se trata da ausência de um comportamento esperado de alguém quem tem o dever de agir. É considerado um fazer a partir de um não-fazer do que se era obrigado a fazer. É claro que não pode ser qualquer omissão. Se a omissão do agente, não causar prejuízo a outrem, não será relevante para o direito e nem por ele tutelada (art. 186 C.C).

Consoante disposição alhures sobre o nexo de causalidade, somente terá responsabilidade civil de reparar o dano, aquele que por ...., omissão causar prejuízo a outrem, conforme disposição da lei civil brasileira.

O nexo de causalidade, pode derivar do dever cuidado e do dever de informação conforme disciplina o Código de Ética Médica, que estabelece, em seu art. 22, ser vedado ao médico "deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte",

Não é outra a disciplina dos art. 6º, inciso III, e 14 do Código de Defesa do Consumidor ao estabelecer que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

O STJ, no Resp. n. 1.180.815/MG, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Dje de 26/8/2010, assentou entendimento notável sobre o dever de cautela e de informação ao paciente: "Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em termo de consentimento informado, de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório.

Vê-se que as fontes normativas dialogam em perfeita harmonia e formam um bem concatenado bloco normativo para disciplinar a responsabilidade do profissional médico, por eventual dano causado ao paciente ou a qualquer pessoa.


6. O DANO IATROGÊNICO

Já vimos que o médico responde civilmente pelos danos que causar a alguém. Mas é de elevada importância questionar essa responsabilidade médica quando a vida do paciente está em perigo e o médico precisa agir para salvá-la, ainda que tenha que causar dano pessoal ou paciente.

A referência é ao dano iatrogênico. Mas, de que se trata? O dano iatrogênico afasta absolutamente a responsabilidade civil do médico?

Para a doutrina e para o direito dano iatrogênico é o erro médico não indenizável.

Entretanto não é possível generalizar! Dizer que a iatrogenia não gera o dever de indenizar é uma coisa. Porém, o erro médico, equivocadamente registrado como iatrogenia do paciente, sim, pode gerar responsabilidade civil pelo erro.

Assim, não se deve confundir iatrogenia com dano iatrogênico provocado por erro médico! A iatrogenia para a ciência médica, é a condições patológica do paciente que exige uma intervenção médica capaz de atingir-lhe em definitivo algum membro do corpo, para assim permitir a cura.

A seu turno, o dano iatrogênico é o dano causado pelo médico para curar o paciente com iatrogenia.

Imagine um paciente portador de uma doença grave em um dos membros do corpo. Essa condição patológica, exige que esse membro, ou parte dele, seja amputado para a recuperação da saúde. Ex.: retirada da vesícula; amputação de uma perna ou braço com gangrena etc.

Vê-se, pois que o dano iatrogênico, decorrente de iatrogenia se trata de uma consequência natural de um tratamento médico, sem o que, não seria possível a recuperação da saúde. Entretanto, a responsabilidade médica somente será afastada quando e se comprovado o risco de vida do paciente ou a impossibilidade de cura sem o dano iatrogênico.

Essa comprovação deve ser expressa e subscrita por uma equipe médica. Não é aceitável a decisão unilateral do médico. A autorização expressa do paciente ou da família, quando esse não puder expressar sua vontade - também é fator importante.

A exigência de autorização decorre do princípio da legalidade prevista no art. 5°, II, da Constituição Federal de 1988, do qual se extrai que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Lei aqui, em sentido amplo.

Para o direito, dano iatrogênico pode ser considerado uma excludente de ilicitude prevista no art. 188, II, do Código Civil Brasileiro que estabelece não constituir ato ilícito: II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente .

O perigo deve ser iminente ou atual à saúde ou à vida do paciente, suficiente a justificar a intervenção invasiva do médico. Tal perigo iminente ou atual, contudo, dever ser devidamente assentado em documento médico comprovando e demonstrando a necessidade absoluta da intervenção invasiva, sob pena de esvaziar a excludente de ilicitude do art. 188 do Código Civil Brasileiro e a legitimidade autorizadora da norma.

Conforme disposição do Parágrafo Único do art. 188 do Código Civil Brasileiro, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo .

O referido diploma normativo, em seu art. 15, com excelente maestria estabelece regra que a nosso sentir deriva do princípio da legalidade no sentido de que "ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica".

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2005, da UNESCO, em seus art. 5º e 6º, ao disciplinar a autonomia individual e o dever de informação médica, estabeleceu que:

Artigo 5 Autonomia e Responsabilidade Individual Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.

Artigo 6 Consentimento

a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito.

b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre, expresso e esclarecido consentimento do indivíduo envolvido. A informação deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e incluir os procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer hora e por qualquer razão, sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio somente devem ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presente Declaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos.

c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de indivíduos ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado individual.

Há assim, uma pequena distância entre erro médico e dano iatrogênico decorrente de iatrogenia do paciente. Este (o dano iatrogênico), ato necessário, autorizado por lei e que não gera o dever de indenizar; O erro médico ainda que provável dano iatrogênico, a seu turno, é exatamente o oposto, por se tratar de um ato ou conjunto de atos ilícitos não alcançados pelo rol de excludentes de ilicitude de um lado e por ser prejudicial ao direito tutelado pelo estado em favor do paciente ou usuário de serviços médicos, é objeto de reparação por danos.

O erro médico pode ocorrer, inclusive pela falta de informação ao paciente, mesmo aquele paciente vítima de iatrogenia. Bastaria, então uma simples omissão ou ingerência da equipe médica para que o dano iatrogênico seja convertido em dano indenizável, por culpa in vigilando.

Vê-se, pois, que a distância entre o erro médico e o dano iatrogênico (não indenizável), é ínfima.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça STJ, no RECURSO ESPECIAL Nº 1.848.862 - RN (2018/0268921-9) RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, assentou entendimento para considerar que o dever de informação não pode ser confundido "com uma singela comunicação da anestesia, horas antes da realização do procedimento, sem quaisquer esclarecimentos sobre a conveniência de seu uso e possíveis consequências".


7. CONCLUSÃO

Prometemos analisar a responsabilidade civil do médico e o dano iatrogênico, numa abordagem qualitativa e quantitativa do direito civil brasileiro e revisão da literatura, doutrina jurídica e julgados de nossos tribunais além do entendimento pessoal do autor.

O estudo possibilitou submeter à luz do direito, a responsabilidade por atos ilícitos praticados por médicos em detrimento do direito do paciente e confrontar a doutrina sobre a responsabilidade civil desse profissional.

Proporciona uma reflexão acerca da responsabilidade de quem causa dano a outrem, nexo de causalidade e as excludentes de ilicitude que afastam o dever de indenizar, inclusive quando a ação médica é necessária e urgente decorrente de condição natural do paciente.

Os objetivos foram alcançados para demonstrar que o direito brasileiro responsabiliza o causador do dano material, pessoal, moral, estético e seus desdobramentos.

Os recursos utilizados foram suficientes para demonstrar conceitos doutrinários, discussão do problema e do tema, para ao fim e ao cabo detalhar pormenorizadamente o que significa dano, dano iatrogênico, iatrogenia, dever e obrigação, responsabilidade civil, nexo de causalidade e excludente de ilicitude civil.

Em que pese as limitações da pesquisa, por se tratar de um artigo, a metodologia aplicada foi satisfatória e deixamos como legado para literatura registros sobre a importância de conhecer os deveres médicos e eventual responsabilidade médica por erro na execução dos serviços desses profissionais.

Tema importante para o público em geral, para a comunidade jurídica e para os médicos exercem essa valorosa modalidade de trabalho e a ela se adaptaram plenamente para ofertar bons resultados.

O tema não se esgota em nossos estudos, e sugere a dinâmica do direito e dos fatos jurídicos que o envolvem.


Notas

  1. Antônio Suárez Abreu – A Arte de Argumentar – gerenciando razão e emoção.

  2. À época, o escravo não possuía direito. E, portanto, não era considerado cidadão.

  3. As leis elaboradas em um processo legislativo, a todos submetem, inclusive o próprio Estado.

  4. [1] Tratado de Responsabilidade Civil, 2° vol. (Biblioteca Lei Geral, 2ª edição-1951).

  5. Trilogia: negligência, imprudência ou imperícia.

  6. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

  7. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

  8. Abalo psicológico, mental, perturbação da psique do indivíduo, um abalo da normalidade psíquica de alguém.

  9. Assédio.

  10. § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

  11. Art. 17. À pessoa idosa que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.    (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022). Parágrafo único. Não estando a pessoa idosa em condições de proceder à opção, esta será feita: (Redação dada pela Lei n. 14.423, de 2022) (...) omissis III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar; IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.


REFERÊNCIAS

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Resumen: La idea central es analizar la responsabilidad civil del médico, incluso por daños iatrogénicos a la luz de la ley brasileña. Se promete un acercamiento cualitativo y cuantitativo a las normas, postulados de la doctrina y nuestros tribunales brasileños para evaluar el grado de responsabilidad de los profesionales médicos por la práctica de posibles actos ilícitos en la relación con el paciente. En una revisión literaria del tema, la comprensión personal del autor. El objetivo es brindar al lector información y conocimientos que faciliten la búsqueda de una solución a los conflictos que involucran la relación médico-paciente.

Palabras clave: Responsabilidad civil del médico. Relación médico-paciente. Daños iatrogénicos.


Autor

  • Arnaldo Severo

    Bacharel em direito (UFRR), bacharel em ciências Econômicas (UFRR), Licenciatura em Música (UFRR), especialista em Direito Constitucional (OAB-RR e Estácio de Sá – RJ), Especialista em Direito da Criança e do Adolescente (OAB-RR e Estácio de Sá – RJ). Mestre em Direito Previdenciário (FICL). Escritor, conferencista e articulista.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEVERO, Arnaldo. A responsabilidade civil do médico e o dano iatrogênico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7123, 1 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101820. Acesso em: 9 maio 2024.