A bioética e o princípio da solidariedade

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30/11/2021 às 02:37
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2 CRISE ÉTICA, SOCIEDADE DE RISCO E CONSUMISMO

 Com a globalização desenfreada, acompanha-se uma crise ética quando se envolve economia e o meio ambiente. Faz-se necessária, assim, uma reflexão e enfrentamento da problemática ambiental na contemporaneidade, campo analisado pela bioética ambiental. Essa crise ética, ou especificadamente, crise na bioética ambiental, é decorrente da falta de cuidado do homem para com o meio no qual habita, consistindo em ações agressivas e prejudiciais à natureza.

O ambiente sempre consistiu em um meio de contendas alegóricas ou culturais, ora como um recurso a ser empreendido, ora a ser preservado. Verifica-se, portanto, diferentes problemáticas ligadas ao lado social, à justiça, à economia, à saúde humana.

Ressalta-se que a Revolução Industrial[31], ocorrida no século XVIII, trouxe impactos referentes à ação do homem com o meio no qual vive, oriundos da agilidade que a produção em larga escala começou a necessitar, sem avaliar os riscos e problemas ofertados ao meio ambiente. As paisagens e os recursos naturais sofreram e sofrem variáveis alterações por meio de ações antrópicas. Necessita-se, portanto, que o homem, ao utilizar tecnologias no meio ambiente, não ignore os riscos que potencialmente podem surgir[32].

Sem dúvida, o homem se tornou o agente transformador do meio ambiente[33], pois, desde sua origem, produz alterações e impactos. Com pouca massa volumar da população, o consumo não se tornava tão devastador à área ambiental, confiando em uma inesgotabilidade de recursos naturais. Algo que, com o aumento populacional e o consumo, tornou-se uma utopia, olvidando-se o homem de que o lugar em que explora ou preserva é o seu lugar de organização social e habitação, necessitando conhecer os limites e as especificidades sobre o meio ambiente que o contorna.

Afirma Centemeri que o meio ambiente é um espaço apropriado mais do que privatizado, no qual as regras de uso incorporam de forma natural um sentido do limite, que resulta da consciência e da valorização da interdependência entre o ser humano e o seu ambiente[34].

Devido ao apetite voraz pelo ter, o consumismo se tornou um dos principais fatores de desrespeito para com a bioética ambiental. É algo típico de uma sociedade capitalista, em que os meios de comunicação e o impulso pelo novo ou mais elegante faz que o homem realize o ato de comprar/adquirir de uma forma desenfreada.

O consumismo causa problemas em níveis diversos. Desrespeita, primariamente, a ética ambiental, no afã de novas tecnologias e satisfação humana. De forma secundária, no descarte de objetos tidos como inúteis, após a substituição cada vez mais compulsiva de bens, de forma poluente e agressiva.

Pontua-se a questão dos resíduos sólidos. Conforme indica a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (ABRELPE), em seu panorama realizado em 2014, a geração de lixo no Brasil cresceu 29%, enquanto a população aumentou em 6%. Em 2014, o país chegou a produzir cerca de 78,6 milhões de toneladas de resíduos sólidos[35].

Rockström et al, em estudo sobre o que identifica como limites planetários, apontam situações extremas ocasionadas pela ação antrópica para com o meio ambiente: mudanças climáticas, acidificação dos oceanos, diminuição da camada de ozônio, perda de biodiversidade (terrestre e marinha), interferência com ciclos de nitrogênio e fósforo, consumo global de água doce, mudanças no uso da terra, poluição química, carregamento atmosférico de aerosol[36]. Verifica-se, portanto, como o consumismo coloca em risco o equilíbrio ambiental, intensificando a falta de percepção humana para com cuidados devidos ao ambiente em que se encontra inserido. Trata-se, nas próximas subseções, o panorama sobre esta constatação.

2.1 Desastres ambientais índices e prejuízos

 A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizou, em 2015, um levantamento sobre os desastres ambientais ocorridos no Brasil, tais como o rompimento da barragem de Miraí (MG) em 2007, com o vazamento de 2.280.000 m³ de água e argila; as chuvas da região serrana do Estado do Rio de Janeiro (2011), totalizando aproximadamente cerca de 800 mortes; e o vazamento, também em 2011, de 3,7 mil barris de óleo na Bacia de Campos (RJ), chegando a 162 km² de mancha no local[37].

O relacionamento com o meio ambiente vem sobrevindo de forma irregular, produzindo uma deterioração autodestrutiva não somente ao referido espaço, mas também a toda população humana, pois se encontra inserida nele. Hoje várias espécies da fauna e flora são dizimadas por meio dessa autodestruição.

Inúmeras espécies da biodiversidade são anualmente constatadas, principalmente em países tropicais como o Brasil. Contudo, conforme avalia a organização não governamental (ONG) World Wild Fund for Nature (WWF) Brasil[38], cerca de 0,01 a 0,1% de espécies são extintas por ano, número aparentemente insignificante. Entretanto, se considerar que no mundo existam cerca de 100 milhões de espécies distintas, a extinção varia de 10.000 a 100.000 espécies por ano. Trata-se de uma devastadora proporção.

2.2 Alterações climáticas

 Outro agir do homem que favorece sua autodestruição são as ações que afetam diretamente o clima global. A Agência Europeia do Ambiente (European Environment Agency)[39], ligada à União Europeia, em estudos realizados em janeiro de 2017, apontou a necessidade de se reduzir os impactos na natureza, devido à alta aceleração dos padrões de pluviosidade, aumentos de temperaturas e o derretimento das geleiras, ocasionando o aumento do nível do mar.

Pôde-se acompanhar no Brasil, no ano de 2016, preocupante alteração climática, com fortes ondas de calor e frio. No sítio do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) acompanhou-se que cidades como o Rio de Janeiro presenciariam uma sensação térmica de 47,7° C; e Porto Alegre atingiu uma temperatura mínima de 23,7° C[40].

2.3 A exaustão dos recursos hídricos

 Mais uma calamidade visualizada é a exaustão dos recursos hídricos. Em artigo publicado em 2015, a Fundação Thomson Reuters (Thomson Reuters Foundation), analisando a pesquisa da National Aeronautics and Space Administration (NASA) publicada no Journal of Hydrometeorology, afirmou que a seca no Brasil é pior do que se pensava, com o Sudeste perdendo 56 trilhões de litros de água em cada um dos últimos três anos[41].

Ressalta-se, também, a crise hídrica sofrida no Estado de São Paulo neste mesmo período. O sistema Cantareira, que abastece boa parte da região, chegou a níveis extremamente baixos, necessitando da utilização de volumes mortos, para atender às necessidades da população do Estado. Segundo a estatística da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), o nível do reservatório chegou a 2,2%. A média do reservatório em seus níveis normais era de 75,2% a 87,2%[42]. Comparando aos dados apresentados pela NASA, conclui-se que os níveis de chuva nesta época estiveram bem abaixo da média.

Recentemente, o Distrito Federal, já preocupado com seus inúmeros problemas políticos, passou a inquietar-se também com a crise hídrica. A região atualmente sofre o seu primeiro racionamento de água da história, devido também aos baixos níveis dos reservatórios que abastecem a Capital Federal[43].

Alertou-se, em artigo exposto no Dialogo Ambiental, Constitucional e Internacional[44], a importância de um novo direito referente à temática águas, tratamento jurídico da água está apenas em curso, precisando de melhoramentos e, principalmente, de implementação, a fim de que se concretize verdadeiramente um novo direito à mesma. Trata-se de assunto premente, considerando a escassez e finitude de tão precioso bem natural, imprescindível para a manutenção de toda a biodiversidade, inclusive, a humana.

2.4 Tragédia de Mariana Minas Gerais

 Observa-se, mediante este olhar para as catástrofes ocasionadas pela ação do homem, a necessidade de lideranças mundiais voltarem sua visão para essa problemática, pactuando documentos e buscando a sua efetividade. Essa temática não possui limites territoriais, abrangendo-se por todo o globo, necessitando da atenção e cuidado de todos os povos.

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Faz-se necessária, para tanto, uma contemplação menos centrada nos anseios consumistas do homem (e, consequentemente, na área econômica), voltando sua visão para como o meio ambiente irá reagir às ações efetuadas, buscando amenizar ou até extinguir a degradação ambiental.

Nesta mesma ocasião das tragédias climáticas e hídricas, o ano de 2015 também foi marcado pelo pior acidente da área da mineração já visto no Brasil. No município de Mariana no Estado de Minas Gerais (MG), uma das barragens da mineradora Samarco se rompeu, provocando uma enchente de lama no Rio Doce e arredores, com incalculáveis impactos na natureza e no homem.

O drama da cidade mineira, segundo inquérito levantado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, trouxe 19 mortes e uma comunidade destruída. Os resíduos da barragem avançaram por todo o Rio Doce chegando até o Oceano Atlântico, ocasionado vasta destruição por onde passou[45]. Ainda hoje é possível visualizar a devastação causada pela enxurrada de lama. A demora na recuperação explana o descaso com a problemática.

A Assembleia Legislativa, em sua Comissão Extraordinária de Barragens, em sessão no dia 16 de fevereiro de 2016, por meio do Deputado Estadual Rogério Correia (PT-MG), afirmou que houve facilitação para a instalação da barragem rompida: A licença de operação provisória foi dada pela SUPRAM, e na pelo órgão central, o COPAM. Então houve uma facilitação para que esta barragem fosse instalada com uma série de problemas[46].

A área da mineração é muito próspera no Brasil, algo facilmente demonstrado por cifras e lucros. Entretanto, faz-se necessário um olhar ambiental e solidário.

Vale pontuar que existe, desde 1967, um Decreto-Lei que regula a mineração no país e, devido à data, necessita de aprimoramentos. Tramitam, no Congresso Nacional novas regulamentações para a mineração. Contudo, necessário se faz que os representantes da população analisem as consequências desta atividade econômica como ponto fundamental do projeto.


CONCLUSÃO

Uma nova visão, por parte da sociedade, faz que a bioética se torne um enfrentamento à crise ambiental, vivida e sentida por todos os seres vivos em todos os cantos do mundo. Mister se faz que o homem utilize os recursos naturais de uma forma sustentável e efetiva, que traga a vida ambiental em curto prazo o retorno aprazível oriundo de sua exploração.

Existem, para todas as catástrofes citadas, leis e regulamentos que normatizam a exploração e uso dos recursos ambientais, mas nada disso foi capaz de evitar tragédias com graves consequências tanto para o meio ambiente quanto para a humanidade.

Nunca se noticiou tantos conhecimentos e tratados envolvendo a área ambiental, mas, ainda assim, nada disso tem evitado os grandes dramas visualizados no meio ambiente.

Necessita-se, de forma premente, que a justiça ambiental seja algo vivido e posto em prática pelos homens. Vale destacar uma meditação na frase que se tornou mundialmente conhecida por meio da organização não governamental Greenpeace: quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come[47].

A relação da bioética ambiental com a solidariedade intergeracional proporciona reflexos até em problemas mundiais como a fome, desnutrição, obesidade. Se o olhar do ser humano deixar de ser tão antropocêntrico, caminhando para um prisma reflexivo que seja, a percepção de uma dependência para com o meio ambiente se tornará algo consuetudinário.

Quando a população compreender as conexões entre homem e natureza por meio de uma ótica ambiental solidária, automaticamente entenderá a necessidade da mútua cooperação de recursos e reflexões sobre usos e preservações, tanto para as presentes, quanto para as futuras gerações.

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Sobre o autor
Igor Labre de Oliveira Barros

Foi Assessor Jurídico - NACOM - PRESIDÊNCIA/CORREGEDORIA do Tribunal de Justiça do Tocantins. Foi colaborador na Comissão Constituição e Justiça CCJ AL/TO. Foi colaborador da 1° Turma Recursal TJTO 3° Gabinete. Escritor. Mestrando em Agroenergia Digital 4.0. Foi Aluno Especial do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos; Disc. Políticas Públicas Ambientais e Sustentabilidade ESMAT/TJTO. Bacharel em Direito CEULP\ULBRA Palmas.Foi Estagiário credenciado pela OAB/TO. Técnico Federal em Agroindústria IFTO. Foi Diretor de Novas Gerações - Rotary. Foi Pesquisador do PROICT. Foi Monitor de Direito Constitucional e Direito Administrativo no Curso de Direito CEULP\ULBRA. Foi Membro do GEDA Grupo de Estudos de Direito Administrativo. Foi Membro LADIFA Liga de Direito de Família. Palmas TO, e-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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