Uma teoria da justiça para os direitos humanos

Reconhecimento e redistribuição em Fraser e Honneth

06/10/2021 às 10:34
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A pretensão deste artigo é de abordar uma forma de justiça baseada na teoria de reconhecimento, que tem como seus principais exponentes Nancy Fraser e Axel Honneth, ambos ligados a filosofia da escola da Teoria Crítica.

INTRODUÇÃO

Os Direitos Humanos como nós reconhecemos na atualidade podem ser pensados a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Esta Declaração, que é o documento jurídico mais traduzido no planeta, foi o apogeu do humanismo no século XX, trouxe a positivação da ideia de que o homem é detentor de direitos naturais inalienáveis, imprescritíveis e sagrados. É importante ressaltar nesse ponto a teoria tridimensional dos direitos humanos apresentada por Karel Vasak[i]. Baseado no lema da revolução francesa, esse jurista categorizou os direitos humanos da seguinte forma, os direitos de primeira geração ligados à ideia de liberdade, os de segunda geração que tratam de igualdade, e de terceira com a ideia de solidariedade. Há ainda alguns novos pensadores que consideram a existência de uma quarta geração (direitos coletivos, como o direito ao meio ambiente) e até a quinta geração (direito a paz).

Os direitos humanos para a Constituição Brasileira de 1988 estão conexos com a ideia de Direitos Fundamentais, sendo possível conceituar estes como os Direitos Humanos positivados na esfera normativa de um Estado. Estes direitos são aqueles que recebem maior proteção e segurança de um Estado através de uma Constituição[1], são em essência os direito do homem livre em face do Estado. Dessa forma nos encontramos como sujeitos constitucionais dotados de direitos humanos fundamentais.

Essa transformação de Direitos Humanos para Direitos Fundamentais não supera a discussão acerca do que eles são in essentia. Esses direitos não possuem um conceito literal, são uma construção histórico-social, que pode ser explicada pela teoria do sujeito constitucional de Michael Rosenfeld, como um processo entre o sujeito sob a norma, o sujeito legislador e o sujeito conteúdo normativo. Como aponta Caroline Ferri ao analisar o livro “A identidade do sujeito constitucional” do referido autor:

O texto de uma constituição é, portanto, incompleto e sujeito às mais variadas interpretações plausíveis. Assim, essas interpretações não podem ser pré-definidas, marcadas por características imutáveis. A interpretação da constituição deve se constituir em um fenômeno constante, passível das mais diversas mudanças e percepções. Significa, então, que a constituição deve ser considerada aberta a todas as interpretações conflitantes que possam parecer defensáveis dentro das disposições que o texto constitucional vem a possibilitar.[2].

Quando se fala em direitos humanos não se pode afastar do ensinamento de Paulo Bonavides de que os Direitos Humanos são universais, pois a universalidade procura:

Subjetivar de forma concreta e positiva os direitos (...) na titularidade de um indivíduo que antes de ser homem deste ou daquele país, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.[3]

Entretanto, é visível que a mera previsão desses direitos no campo internacional não constitui obrigação de um Estado em efetivá-los, assim como a positivação na forma de Direitos Fundamentais também não garante a concretização do direito. Essa dicotomia entre a titularidade de direitos naturais e sua rejeição ou alienação aos mesmos no campo prático podem impedir a harmonia social de um povo. Faz-se válido citar o exemplo trazido por Fraser em relação aos homossexuais, que ainda que sejam pessoas com os mesmos direitos naturais previstos a qualquer outro, no campo prático, não encontram em diversas instituições o aporte estatal necessário para a efetivação dessa universalidade.

Falta nesse caso, e em tantos outros, um conceito tangível de justiça que dê suporte a efetiva universalidade dos direitos humanos. Seguimos a máxima aristotélica que a justiça é a base da sociedade, logo, um fator determinante para a efetivação das questões acerca dos direitos humanos. Como visto acima Michel Rosenfeld ensina que o conceito dado aos Direitos Fundamentais depende de características intrínsecas dos agentes que os transpassam ao plano real.

Não há pré-classificação do que seriam esses conceitos de direitos humanos ou mesmo de justiça em um âmbito concreto, pois até então os mesmos têm uma textura considerada aberta. Isso faz com que haja relatividade nos Direitos Humanos; Pois, se refletidas as condições do agente que vier a ler estes conceitos e mesmo ainda o tempo ou contexto social que o mesmo se encontra, a interpretação pode ser realizada de diferentes maneiras, não impedindo uma equivocação em relação ao que de fato deveria ser tutelado.

Assim, é necessário incorporar uma noção de justiça que seja um referencial para a concretização dos direitos humanos e seu respectivo viés universalista. Em vistas disso, a pretensão deste artigo é de abordar uma forma de justiça baseada na teoria de reconhecimento, que tem como seus principais exponentes Nancy Fraser e Axel Honneth, ambos ligados a filosofia da escola da Teoria Crítica. Para conceber os direitos humanos através dessas teorias faz-se necessário explanar e compreender as semelhanças e diferenças entre estas teorias da filosofia social, para que se possa então compreender o plano teórico e prático referente a efetivação da justiça e então consequentemente dos Direitos Humanos como um todo.

A justiça a partir da teoria de reconhecimento é entendida tendo como base o livro Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange[ii] escrito por Nancy Fraser e Axel Honneth. Nesta obra em forma de debate[iii], os dois autores expõem suas visões sobre o que é o reconhecimento ora compartilhando uma visão, ora distanciando-se. Embora ambos concordem em alguns pontos, veremos que, mesmo as duas teorias fazendo-se valer do reconhecimento a forma para sua aplicação é demasiada diferente.

O MODELO BIDIMENSIONAL DE NANCY FRASER[iv]

A visão fordista-keynesiana pensava que uma justiça distributiva seria suficiente para levar direitos para todos, entretanto nesta modalidade os fatos de direito discutidos tinham uma relação direta com questões econômicas, para então uma aplicação de justiça. Com um mundo cada vez mais globalizado, com troca de culturas e choques de diversidades, o modelo de justiça distributiva aportado até então precisou ser repensado; isto trouxe o surgimento de uma nova luta, por um modelo mais apto a realidade, que veio a ser a luta por reconhecimento.

Nancy Fraser primeiro nos leva a imaginar o que seriam as lutas por redistribuição e as lutas por reconhecimento de forma separada, pois uma visão popular destes conceitos levam a uma aparentam uma antítese. O problema comumente abordado na parte da redistribuição seriam os problemas socioeconômicos enraizados na estrutura econômica da sociedade, os sujeitos prejudicados seriam aqueles pertencentes a classes menos abastadas, as que não detém os meios de produção e por isso são exploradas pelo processo capitalista, essa diferença entre as pessoas não seria natural, seria uma construção ocasionada por políticas econômicas injustas ao longo do tempo. A forma de levar a justiça distributiva a esses grupos é reconstruir o sistema econômico, abolindo essa diferença classista na sociedade.

Já o reconhecimento, para Fraser, é um problema cultural, pois por reiteradas práticas de padrões sociais é negada a representatividade, a participação de determinados grupos na comunidade. Esses grupos não se confundem com as classes marxistas, devendo ser visto na visão weberiana como agrupamentos de pessoas com características similares. O início do “desreconhecimento” para Fraser acontece de duas formas, na primeira a diferença entre os grupos é anterior a construção de uma hierarquia de valor, na segunda forma as diferenças entre os grupos são construídos justamente com a desvalorização de alguns destes. A solução para essa injustiça de reconhecimento é cultural ou uma mudança simbólica, mais sutil que isso, Fraser diz que para a primeira forma de “desreconhecimento” é necessário reavaliar a injusta percepção dos traços individuais destes grupos, para a segunda forma essa percepção é contra produtiva, o que deve ser feito é desconstruir os termos em que se baseiam as diferenças.

Assim, Fraser tenta logo apontar que reconhecimento e redistribuição são uma falsa antítese – diferentemente do que pensam outros teóricos sociais – e que é possível pensar em uma construção dualista da injustiça. Ela aponta a existência de grupos que sofrem tanto mal distribuição quanto pelo não reconhecimento, de forma que apenas uma das duas abordagens não é suficiente para trazer justiça. Esses grupos “bidimensionalmente” subordinados necessitam de ambos. Gênero é o primeiro grupo que Fraser aponta como exemplo de injustiça bidimensional, e conclui que essa forma de injustiça é uma regra podendo se aplicar à raça, classes, homossexualismo e quase qualquer grupo excluído.

A mesma ainda aponta, que ninguém é membro de apenas uma única coletividade, trazendo que indivíduos que são subordinados em determinada divisão social podem ser dominantes em outras, o que faz necessário tanto reconhecimento, quanto redistribuição, ainda que em diferentes medidas, sendo preciso a mutualidade entre estes conceitos para uma efetivação prática de justiça social.

Para tanto, Fraser tenta aproximar tanto a redistribuição como o reconhecimento da moral Kantiana. Por poder alinhar ambos conceitos, devido à universalidade desse entendimento de moral, afasta-se da ética hegeliana, que pode ser de difícil universalidade, sendo o enfoque de outros pensadores. O entendimento trazido é que reconhecimento é matéria de justiça.

É injusto então, que qualquer indivíduo ou grupo sejam negados o status de parceiro integral na interação social. O nome dado para tanto é modelo de status de reconhecimento, tendo foco não em reparar os danos causados, mas sim, sobressair a subordinação causada pela falta de participação equalitária devido a padrões de cultura que preveem exclusão; desinstitucionalizando os mesmos, e os substituindo por padrões que englobem estas pessoas ou grupos. O padrão utilizado como remédio para essas injustiças é uma avaliação prática destes conflitos, sendo a paridade de participação tanto o critério de julgamento como fim a se alcançar, nas palavras da autora “o núcleo normativo da minha concepção é a noção de paridade de participação. De acordo com essa norma, justiça requer arranjos sociais que permitem a todos (adultos) membros da sociedade a interagir uns com os outros como pares”[4].

Logo, diferente do modelo previsto na ética que é preciso autorrealização ou visar o bom – algo que pode ser de extrema subjetividade e intrínseco – a concepção de justiça que Fraser propõe deve ser utilizada justamente por aqueles que diferem no entendimento do bom, logo pela sociedade. Uma sociedade é injusta na medida em que suas normas impedem a paridade de participação, independentemente de distorcer a subjetividade do oprimido.

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Dessa maneira, uma teoria de justiça que eleve os direitos humanos, baseada nestes termos, deve não apenas combater os padrões culturais, mas examinar a própria estrutura econômica e se essas estruturas que deveriam operar de forma relativamente autônoma e dissociadas de prestígio ou estima social, de alguma forma impedem a participação na vida social.

A VISÃO DE AXEL HONNETH SOBRE O RECONHECIMENTO

Havendo um foco no fenômeno do multiculturalismo, a ideia de política de identidade se torna dominante em discussões para compreender quais minorias constantemente se encontram lutando por reconhecimento perante a coletividade, e que precisam ter seus valores e convicções acomodados por toda a sociedade. Entre tanto, isto torna-se um limitador da discussão, na medida que apenas experiências de injustiça que já possuem uma atenção pública de massa confirmadas tornam-se moralmente relevantes. Partindo da limitação exposta acima, é indagável quais formas de privação e sofrimento (que são vistas como injustiça para Honneth) são moralmente relevantes para discutir, o fato de realmente estarmos enfrentando lutas por reconhecimento na esfera cultural.

Ou seja, há relatividade no que se é discutido em relação ao reconhecimento. É apontado que, o próprio debate sobre reconhecimento de minorias precisa primeiro se tornar relevante na esfera pública como forma de conflito social, sendo até mesmo preciso atingir-se um nível organizacional de movimento político para ser então levado a sério a discussão e suas questões morais.

O erro parece ser proveniente por pensar-se que esses movimentos sociais servem para diagnosticar problemas relevantes nas mais diversas áreas, tendo os como forma empírica de fonte a teoria crítica social. Quando limita-se a discussão com este tipo de procedimento, ignora-se o fato que a própria designação de movimento, é o resultado de underground struggles conduzidas por grupos ou indivíduos afetados por sofrimentos sociais, para tentar fazer com que a esfera pública perceba e registre o problema em si. Portanto, o autor preocupa-se em desenvolver os conceitos no plano teórico, pois não preocupa-se em apenas replicar problemas sociais relevantes agora ou aqueles em ascensão, mas sim produzir uma maneira de lidar com conflitos sociais que existem ou existirão, norteando aquilo que se refere a esfera do reconhecimento.

Ao visto disto, procura-se dar um entendimento maior a social do que apenas aquilo tipicamente encontrado na sociedade, mas, no seu contexto explanar que o sentimento de sofrimento e descontentamento até então tido como algo social e comum, coincide com a experiência de que a sociedade comete atos injustos e injustificáveis. A experiência de injustiça social se dá a partir do momento em que não se pode explicar racionalmente porquê uma norma institucional estar em conformidade com padrões já aceitos de exclusão ou “desreconhecimento”; A razão de legitimação de tais normas depende de indivíduos que as acham apropriadas e de suas expectativas morais da sociedade.

Todavia, Axel Honneth não teoriza como Fraser, sobre uma posição dualista de reconhecimento e redistribuição, para ele o reconhecimento é a categoria principal da qual a redistribuição é derivada. Nas palavras do autor: “parece ser muito mais plausível para mim, ao de, interpretar conflitos de redistribuição como um tipo específico de luta por reconhecimento na qual a avaliação apropriada da contribuição social de indivíduos ou grupos é contestada”[5]. Ao contrário do que parece a visão de Honneth não é reducionista, pois embora a teoria seja monista, o conceito o reconhecimento ultrapassa o concebido por Fraser, o reconhecimento é visto como a categoria moral fundamental.

A premissa de Honneth é que relações não distorcidas, bem estruturadas entre os agentes levaria à justiça social, o desrespeito leva ao mal reconhecimento e as patologias sociais. A luta decorrente desse desrespeito, é a verdadeira luta pelo reconhecimento, que traduz a força moral que leva aos desenvolvimentos sociais. O reconhecimento assume uma concepção hegeliana e psicanalítica a respeito da construção do sujeito e da intersubjetividade e acontece em três dimensões de conflito, amor, direito e solidariedade.

A primeira dimensão, do amor, é a fundamental para a estruturação da personalidade do sujeito. Nesse conflito amoroso, que Honneth aborda nas relações entre mãe e filho, o sujeito constrói a si e por si e não no/pelo outro diferenciando-se dos outros e aprendendo a viver de forma autônoma, criando um elemento de autoconfiança. Na segunda dimensão os sujeitos reconhecem-se reciprocamente como titulares de direitos. Esse conflito na relação jurídica é baseado em princípios morais universais e vê todos os sujeitos de forma igualitária, a relação jurídica gera o autorrespeito, uma consciência de poder se respeitar a si mesmo, porque ele merece o respeito de todos os outros. Por fim, a dimensão da solidariedade diz respeito ao conflito onde os mais diversos agentes buscam afirmar o valor de suas capacidades associadas à sua forma de vida. Nessa terceira dimensão é gerada a autoestima, que permite aos sujeitos referirem-se positivamente as suas propriedades e capacidades concretas.

O não reconhecimento em qualquer uma destas três dimensões priva o sujeito de pré-requisitos essenciais para a sua formação como indivíduo, pois impede que este forma uma visão positiva de sim mesmo, algo que deve ser criado intersubjetivamente. Assim, o reconhecimento torna-se para Honneth uma questão de ética, ligado a ideia de realização plena de uma boa vida. Esse não reconhecimento pode atingir as três dimensões, na primeira, afetando a integridade física dos sujeitos e, assim, sua autoconfiança básica, na segunda, negando a eles os direitos universais, impedindo-os de verem-se como iguais na sociedade, diminuindo seu autorrespeito e na terceira dimensão, alguns sujeitos faria juízos de valor negativos a outros indivíduos ou aos seus comportamentos, o que incide sobre a autoestima destes sujeitos. Para Honneth, uma teoria de justiça deveria defender todos os sujeitos nas relações de reconhecimento, em suas palavras:

“uma teoria de justiça que procede reconstrutivamente está hoje colocada diante do desafio de defender em nome da autonomia individual não apenas um princípio normativo, mas logo três destes princípios: dependendo da esfera social a que ela se volta, ela deve destacar e fortalecer o ponto de vista da igualdade deliberativa, da justiça das necessidades ou da justiça do desempenho.”[6]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ambos os autores partem do mesmo ponto, a necessidade de uma teoria que ultrapasse o entendimento marxista da luta classista pela distribuição de recursos, eles rejeitam a visão de que a luta distributiva abarcaria a luta por reconhecimento. Assim ambos acreditam que é pelo reconhecimento que se chegará à justiça baseada em uma concepção de natureza igualitária das pessoas, mas o caminho a ser trilhado difere em suas teorias.

Nancy Fraser acredita que reconhecimento e redistribuição são dois elementos irredutíveis de uma única teoria de justiça. Ambos conceitos são de fundamental importância, não podendo um ser apenas parte do outro. Há uma alocação das injustiças em todas as relações sociais que são governadas pelos padrões culturais de representação com base no impedimento de participação de outrem. O entendimento dado é que a paridade de participação independe da subjetividade de cada um, sendo a institucionalização de qualquer maneira de exclusão uma forma de injustiça. Percebe-se aqui que a possibilidade da questão participativa ser tão importante quanto os próprios conceitos de redistribuição e reconhecimento.

É dado foco a sociedade como um todo, e não ao indivíduo em si – diferentemente de Honneth – que se fosse o foco, na opinião de Fraser, causaria um excessivo e personalíssimo senso de injuria, injustiça. E é visto como positivo o fato de manter-se afastada da subjetividade, e de fatores emocionais que poderiam causar a opressão da própria vítima, internalizando ou culpando a si mesmo pelo dano sofrido, em vez de as condições materiais e culturais que a mesma se encontrava enquanto oprimida.

Por outro lado, Axel Honneth crê que as questões distributivas são passíveis de explicação dentro das problemáticas de reconhecimento, situando a luta pela redistribuição principalmente na terceira dimensão (solidariedade). Ele aponta que mesmo as disputas por redistribuição são reduzidas a uma forma de clamor por valorização social de um grupo ou indivíduo com características específicas, como por exemplo, até mesmo maior acesso e igualdade aos postos de trabalho. Para ele, os sujeitos percebem injustiças institucionalizadas na medida que vêm aspectos de suas personalidades sendo desrespeitados, e os mesmos acreditam que têm direito a esse reconhecimento. Todos os desafios feitos à ordem social existente partem da experiência moral de uma falha em receber o reconhecimento que o respectivo sujeito entende como necessária.

Os autores divergem na forma de separar as lutas justas das injustas, Fraser guia-se pela paridade de participação, já Honneth fala do bem da auto realização pessoal, aqui a solução dada por Fraser tem um condão mais prático e de averiguação empírica que o apresentado pelo outro autor. Outro ponto de divergência é o fato de Honneth acreditar que Fraser limita a discussão e sua teoria a aquilo que já foi levado a esfera pública. É necessário não apenas discutir o status quo, mas identificar os futuros padrões sociais de resistência, indo além do presente. Ser hábil e achar o descontentamento social deve ser feito independente do reconhecimento, sendo preciso considerações de cunho moral e psicológico. É pelas expectativas individuais frustradas de cada um que as novas demandas por reconhecimento viriam a ocorrer, e não pelos padrões de significados culturais que situam os sujeitos atualmente.

Por fim, a teoria de Honneth tem enfoque principal no interior do indivíduo e, por isso, tem capacidade de explicar as lutas pré-políticas de reconhecimento. Por acreditar que o falso reconhecimento é uma forma de opressão entre os indivíduos sua teoria ganha um grande aspecto de eticidade, para ele o debate está na diferença que ele parte das experiências individuais de injustiça enquanto Fraser da origem social da injustiça. Nancy Fraser refuta esse nível de debate, para ela a identificação das injustiças existentes não pode partir de experiências subjetivas de desrespeito, mas somente da identificação dos mecanismos sociais que geram impedimentos à participação paritária de todos na interação social, assim o foco do debate está dentro de uma teoria social.

Como já exposto, o direito a justiça é fundamental na concretização dos direitos humanos; não o simples acesso ao Poder Judiciário, mas principalmente, a tutela efetiva e de constante presença. Não ser reconhecido implica, então, em ver negada sua capacidade como ator de uma sociedade. Isto significa dizer que o Estado e mesmo a sociedade devem ser considerados responsáveis pelos prejuízos que causarem quando não observarem as injustiças sociais. Assim as os conceitos expostos tanto por Honneth quanto por Fraser trazem maior ótica sobre como é ser um indivíduo de direitos no século XXI, aportando um modelo de justiça que não apenas identifica essas injustiças, mas também, as soluciona – ainda que de diferentes formas – apresentando um modelo que a partir do reconhecimento possa levar a uma sociedade mais justa para todos, o que por si nos trás mais perto da efetivação dos direitos que todos possuímos. É um olhar que ultrapassa as questões objetivas de uma justiça apenas equalizante e busca compreender as relações cada vez mais complexas e fragmentadas no mundo globalizado.

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15.ed. SÃO PAULO: Malheiros, 2004.

FERRI, Caroline. A (in) compreensão do paradoxo da soberania popular na democracia contemporânea. 2012. 239 p. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis.

FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética. Theory, Culture & Society, v.18, p. 21-42, 2001.

FRASER, Nancy & HONNETH, Axel. Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange. Nova York: Verso, 1998.

HONNETH, Axel. A textura da justiça: sobre os limites do procedimentalismo contemporâneo, In: Simpósio Internacional sobre Justiça, 4, 2009, Porto Alegre: Civitas, 2009. p. 345-368.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais (Trad. Luiz Repa). São Paulo: Ed. 34, 2003.

MATTOS, Patrícia. A Sociologia política do reconhecimento: As contribuições de Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. São Paulo: Annablumme, 2006.

NOBRE, Marcos. “Luta por reconhecimento: Axel Honneth e a Teoria Crítica”. In: HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34, 2003, p. 07-19.


[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15.ed. SÃO PAULO: Malheiros, 2004. (p. 561)

[2] FERRI, Caroline. A (in) compreensão do paradoxo da soberania popular na democracia contemporânea. 2012. 239 p. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis. (p. 211)

[3] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15.ed. SÃO PAULO: Malheiros, 2004. (p. 574)

[4] FRASER, Nancy. Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition and Participation. In: FRASER, Nancy & HONNETH, Axel. Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange. Nova York: Verso, 1998. (p. 36) Tradução livre pelo autor, no original “the normative core of my conception is the notion of parity of participation. According to this norm, justique requires social arrangements that permit all (adult) members of society to interact with one another as peers”.

[5] HONNETH, Axel. Redistribution as Recognition: A Response to Nancy Fraser. In: FRASER, Nancy & HONNETH, Axel. Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange. Nova York: Verso, 1998. (p. 171) Tradução livre pelo autor, no original “it seems much more plausible to me, to the contrary, to interprete redistribution conflicts as a specific kind of struggle for recognition in wich the appropriate evalution of the social contributions of individuals or groups is contested”.

[6] HONNETH, Axel. A textura da justiça: sobre os limites do procedimentalismo contemporâneo, In: Simpósio Internacional sobre Justiça, 4, 2009, Porto Alegre: Civitas, 2009. p. 345-368. (p.365)


[i] Teoria Proposta por Karel Vasak na aula inaugural de 1979 dos Cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo.

[ii] O livro foi utilizado na versão original em inglês por não apresentar-se edição traduzida. Todas as traduções constantes neste artigo, de trechos do mencionado livro, são de autoria dos autores.

[iii] O livro consta de uma introdução escrita em conjunto pelos dois autores. Após o debate acontece na forma de propositura, réplica e tréplica com cada um deles sendo responsável individualmente por dois capítulos do livro.

[iv] Nancy Fraser tem teorizado atualmente como a justiça pode ser tridimensional, somando a participação política ao binômio reconhecimento e redistribuição. Não desconhecemos esta inovação proposta pela autora, mas como a teoria bidimensional possui um acervo bibliográfico tanto da autora, como de observações por parte de Axel Honneth mais denso, optou-se nesse momento por essa teoria bidimensional. Reservando aberta a possibilidade de um futuro estudo discutir a teoria tridimensional.

Sobre o autor
César Augusto Cichelero

Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL). Doutorando em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com bolsa CAPES. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2018), com bolsa CAPES e integrando o grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2016), com bolsa PIBIC/CNPq e integrando o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas Sociais (NEPPPS). Advogado e colunista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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