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A publicização de mensagens no aplicativo WhatsApp

02/09/2021 às 10:02
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O artigo discute sobre grave questão do cotidiano envolvendo a publicização das mensagens no WhatsApp, segundo recente entendimento do STJ.

Segundo o que se informa do site do STJ, em 2 de setembro de 2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a divulgação pública de conversas pelo aplicativo WhatsApp sem autorização de todos os interlocutores é ato ilícito e pode resultar em responsabilização civil por eventuais danos, salvo quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio de seu receptor.

Para o colegiado, assim como as conversas por telefone, aquelas travadas pelo aplicativo de mensagens são resguardadas pelo sigilo das comunicações, de forma que a divulgação do conteúdo para terceiros depende do consentimento dos participantes ou de autorização judicial.

"Ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano", afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.

A matéria foi discutida no REsp 1.903.273.

Entre a divergência na aplicação dos princípios da liberdade de informação e da privacidade há de se aplicar a concordância prática.

Quando houver um conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, utiliza-se o princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os  

A solução da questão está no princípio da concordância prática. 

Correta a lição que se tem no sentido de que o princípio da concordância prática consiste ¨numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum¨, como nos ensinaram o ministro Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires, e  Paulo Gustavo Gonet( Curso de direito constitucional, são Paulo, Saraiva, 2007, pág. 107) 

O campo de aplicação do princípio da concordância prática tem sido o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). É subjacente a esse princípio a ideia de que há igual valor dos bens constitucionais, não havendo diferença de hierarquia, que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir a harmonização ou concordância prática entre estes bens. 

Volto-me ao caso discutido pela ministra Nancy Andrighi levando em conta que deve ser resguardadas a privacidade e a intimidade.

Ao proferir seu voto, Nancy Andrighi lembrou que o sigilo das comunicações está diretamente ligado à liberdade de expressão e visa resguardar os direitos à intimidade e à privacidade, protegidos tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código Civil, em seus artigos 20 e 21.

Ela destacou que, se o conteúdo das conversas enviadas pelo aplicativo de mensagens puder, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, o que exigirá do julgador um juízo de ponderação sobre esses direitos.

"É certo que, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia", observou a relatora.

Revelou, outrossim, o site do STJ, que no caso analisado, a magistrada ressaltou que, conforme o que foi apurado pelas instâncias ordinárias, o divulgador não teve a intenção de defender direito próprio, mas de expor as manifestações dos outros membros do grupo.

O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/88) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/02).

O aplicativo WhatsApp viabiliza a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo. Além do envio de mensagens, é possível o compartilhamento de vídeos, fotos, áudios, a realização de chamadas de voz e a criação de grupos de bate-papo, seja por meio de um aparelho celular ou de um computador. 19. Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Tanto é assim que, conforme já decidiu esta Corte, “os dados armazenados nos aparelhos celulares – envio e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens, fotografias etc. –, por dizerem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos em que previsto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal” (HC 609.221/RJ, Sexta Turma, DJe 22/06/2021).

O aplicativo WhatsApp é conhecido por utilizar, desde 2016, criptografia de ponta a ponta, que consiste na proteção dos dados tanto no polo do emitente quando no polo do destinatário. Conforme explica a doutrina especializada, “criptografia ponto a ponto é um termo dado para descrever que mesmo que a mensagem passe por um terceiro ou gerenciador, ela só é decifrada no receptor, ao passo que os gerenciadores da troca de mensagens não possuem acesso às chaves para decifrá-las” (KIM, David; SOLOMON, Michael G. Fundamentos de segurança de sistemas de informação. Tradução de Daniel Vieira e revisão técnica de Jorge Duarte Pires Valério. 1. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2014, p. 214).

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Criptografia de ponta a ponta é a proteção dos dados nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no outro polo do destinatário. Nela, há "dois tipos de chaves são usados para cada ponta da comunicação, uma chave pública e uma chave privada. As chaves públicas estão disponíveis para as ambas as partes e para qualquer outra pessoa, na verdade, porque todos compartilham suas chaves públicas antes da comunicação. Cada pessoa possui um par de chaves, que são complementares. [...] O conteúdo só poderá ser descriptografado usando essa chave pública (...) junto à chave privada (...). Essa chave privada é o único elemento que torna impossível para qualquer outro agente descriptografar a mensagem, já que ela não precisa ser compartilhada." (COUTINHO, Mariana. O que é criptografia de ponta a ponta? Entenda o recurso de privacidade. Tectudo. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/06/o-que-e-criptografia-de-ponta-a-ponta-entenda-o-recurso-de-privacidade.ghtml)

Fica a compreensão de que terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.

Por sua vez, a liberdade de informação, por sua vez, “diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado” (BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Privado. Vol. 5, n. 18, abr.-jun./2004, p. 123),.

O direito à liberdade de informação e de expressão não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo. Em outras palavras, a liberdade de informação não pode representar uma violação à privacidade e à intimidade do indivíduo, “revelando-se cabida a responsabilização pelo abuso constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, invadem-se os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outrem” (REsp 1729550/SP, Quarta Turma, DJe 4/06/2021).

A ministra Nancy Andrighi, naquele voto citado, no RESp 1903273 - PR, lembrou que “ao enviar mensagem a determinado ou determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas. De mais a mais, se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, decerto teria optado por uma rede social menos restrita ou mesmo repassado a informação à mídia para fosse divulgada.”

Tutela o artigo 5º, inciso X, da Constituição o segredo e a liberdade da vida privada. Mas há separação entre a intimidade e outras manifestações da privacidade: vida privada, honra e imagem das pessoas.

Para René Ariel Dotti(Proteção da vida privada e liberdade de informação, São Paulo, 1980), a intimidade se caracteriza como “a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”. Adriano de Cupis(Riservatezza e segretto, 1969, pág. 115) ensina que  a intimidade é o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma.

Por sua vez, a garantia do sigilo de dados funciona como um complemento aos direitos à privacidade e à intimidade.

Bem disse o Professor Tércio Sampaio Ferraz que ninguém pode ser constrangido a informar sobre sua privacidade. Não estamos no âmbito puro e simples do público-político, onde o que se tem é a transparência; estamos no terreno da individualidade, onde há a privacidade que se rege pelo princípio da exclusividade.

Sabe-se que o direito à privacidade é o conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem quando, onde e em que condições, sem isso pode ser legalmente sujeito, como disse Matos Pereira(Direito de informação, Lisboa, 1980, pág. 15).

Lembre-se que o nome é da pessoa, é patrimônio dela como pessoa natural. O nome integra os direitos da personalidade, direitos absolutos, especialmente protegidos por lei. Daí porque ninguém pode usurpar o nome da pessoa, que é privado e protegido como tal.

Não devemos esquecer que o artigo 5º, inciso XII, da Constituição, ao garantir a inviolabilidade do segredo, em suas diversas vertentes, consagrou o princípio da reserva de jurisdição em matéria de quebra de sigilo.

Portanto a ofensa ao direito à privacidade deve ser vista como um ilícito, por si só, algo que deve ser objeto de reprimenda.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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