Capa da publicação Greve e negociação prévia no dissídio coletivo

A greve e a relevância da consideração da negociação prévia na solução do dissídio coletivo

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19/07/2021 às 18:29
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9. O PODER NORMATIVO E O DISSÍDIO COLETIVO

No Brasil, o poder normativo da Justiça do Trabalho fez parte do processo de implantação da legislação trabalhista, ocorrido após o movimento político de 1930, caracterizado pela intensa importação da doutrina e das normas então dominantes no continente europeu.

Fortemente influenciado pela migração de idéias e da prática do corporativismo derivado do fascismo italiano, tem destaque proeminente a Carta del Lavoro italiana, de 1927, a qual consolidou a autorização ao Judiciário para criar condições de trabalho, fundando-se no principio da equidade que deveria presidir a solução dos conflitos de interesses entre as categorias profissionais e econômicas.

Conceitualmente trata-se da competência conferida ao Judiciário Trabalhista de decidir, interpretar, criar e modificar normas, no âmbito dos dissídios coletivos. É um poder atípico, considerando que a criação de leis é atribuída constitucionalmente, e conforme o princípio da separação de Poderes, ao Poder Legislativo.

No entanto, nota-se que a Justiça do Trabalho transformou-se num juízo arbitral, e só atua e exerce este poder normativo se ambos os entes sindicais, “de comum acordo”, ajuizarem o dissídio coletivo. Evidentemente, o objetivo do legislador foi incentivar a negociação coletiva. Cabe destacar que a tentativa da negociação coletiva é uma das condições para que a ação seja conhecida e admitida pela Justiça do Trabalho.

Neste contexto, prevê o art. 8.º da Lei 7.783/89 que ocorrendo a greve cabe a instauração de dissídio coletivo “por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho”.

Importa salientar a alteração trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que consubstanciou parte da reforma do Poder Judiciário e foi a responsável por alterar, drasticamente, a estrutura da redação do art. 144 da CF/88, e, consequentemente, atribuir nova configuração aos dissídios coletivos, com o nítido propósito de incentivar o manejo da negociação coletiva, como principal técnica de resolução dos conflitos coletivos de trabalho.

Por este motivo foram alterados os § 2° e § 3° do art. 114, conferindo-lhes a seguinte redação:

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

Observa-se que a limitação imposta pela Constituição ao MPT diz respeito ao dissídio relacionado à greve em atividades comuns, sem repercussão na sociedade, restando, obviamente, a competência de atuação do Ministério Público para os casos em que ocorra ameaça aos direitos difusos. Essa limitação da legitimidade se fundamenta, assim como as demais matérias objetos da alteração do art. 114, da CF/88, no estímulo à negociação coletiva.

Para a instauração do dissídio coletivo há quem defenda que deverá ser exigido o consenso entre as partes quando a ação coletiva de greve pretender, além da declaração da legalidade ou ilegalidade do movimento, o julgamento de parcela econômica reivindicada, sob o argumento de que o legislador foi bastante claro ao condicionar o ajuizamento dos dissídios coletivos econômicos ao mútuo consentimento.

Cabe destacar que em havendo pedido de julgamento da pauta de reivindicações grevistas, o dissídio coletivo de greve terá feição de dissídio coletivo econômico, buscando a satisfação de interesses econômicos. Assim sendo, imperioso seria o preenchimento do requisito do “comum acordo” entre as partes.

Em concordância com o alegado, corrente majoritária, apesar de entender pela inconstitucionalidade da exigência em questão, defende que em sendo a mesma considerada constitucional, deverá ser manifestada nos dissídios de greve.

Argumento contrário sustenta que a exigência do “comum acordo” viola o princípio da razoabilidade, uma vez que na greve, geralmente, os ânimos se encontram mais acirrados, dificultando o consenso entre as partes até mesmo a respeito do ajuizamento do dissídio coletivo, não sendo adequado eternizar o impasse e a paralisação coletiva do trabalho.

Neste contexto, a jurisprudência vem realizando uma interpretação sistemática do § 3° do art. 114, da CF/88, com seu inciso II, que fixa a competência da Justiça do Trabalho para julgar todo conflito decorrente de movimentos grevistas.

No tocante ao julgamento do dissídio coletivo pela Justiça do Trabalho, importa destacar o posicionamento de Paulo Sérgio João, o qual aponta que “a solução do conflito, a rigor, não precisaria vir da intervenção do judiciário. Porém, se provocado, o Tribunal julgará o movimento, tal como ocorreu no passado recente, em casos em que não havia qualquer traço de pacificação de conflito. O julgamento de greve pelo judiciário cria um antagonismo de percepção: (i) não prestigia o judiciário porque a sentença normativa não satisfaz e o conflito poderá se manter mesmo após o “julgamento”; (ii) não protege a população que depositava na Justiça a solução do incômodo da ausência de transportes, para ficar no exemplo de setor. Em resumo, o Judiciário quando decide leva em conta uma suposta organização sindical representativa e resolve o processo, mas não resolve o conflito localizado que, somente encontrará paz por meio de negociação de interesses das próprias partes envolvidas.”[37]

Tal entendimento deriva-se da compreensão de que a Justiça do Trabalho tem acerca dos conflitos coletivos, visto que a apreciação dos problemas é realizada de maneira extremamente técnica, desconsiderando a real situação fática que provocou o conflito, deste modo, realizando de maneira inadequada a solução do conflito, o qual possivelmente não será pacificado.

10. ASPECTOS RELEVANTES QUANTO AO TERMO "CONVENCIONADAS ANTERIORMENTE"

Inicialmente, para melhor compreensão do tema proposto, convém trazer à baila o significado do termo "convencionados".

Segundo consta no Dicionário eletrônico Dicio, "convencionar" significa “Estabelecer por convenção; ajustar, pactuar, combinar.”.

Por seu turno, o Dicionário Michaelis apresenta os seguintes significados: “Estabelecer por convenção; ajustar, combinar, estipular, pactuar.”.

Nota-se que os significados não apresentam diferenças significativas, deste modo, para fim puramente interpretativo passaremos a empregar o termo “convencionadas anteriormente” com qualquer um dos sinônimos acima apresentados, visto que, gramaticalmente, não há modificação de sua significação.

Fato é que a doutrina e a jurisprudência adota tal expressão unicamente vinculada aos Acordos e Convenções Coletivas de Trabalhos, mesmo que tais instrumentos já tenham, em tese, alcançado a extinção temporal[38].

Não cabe, para fins de análise do objeto do presente estudo, discutir sobre a teoria da ultratividade ou a aplicabilidade da Súmula n.º 277 do TST[39], visto que sua aplicação não interfere no entendimento por nós apresentado. No entanto, cabe destacar que o novo posicionamento do C. Tribunal Superior do Trabalho apresenta-se como mais adequada quanto ao disposto do art. 114, § 2º, da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece a faculdade de ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica, “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”.

Deduz-se que a pretensão do TST seja incentivar a negociação coletiva e a resolução autônoma de conflitos, enfatizando o inciso XXVI do artigo 7º da CF[40], pois, somente uma nova negociação coletiva revogará uma cláusula do Acordo ou Convenção Coletiva do Trabalho anterior.

As normas coletivas, como instrumentos de produção de conteúdo jurídico pelos próprios destinatários das normas, constituem fonte material de direito do trabalho, valorizadas mais ainda pela ordem constitucional instituída em 1988.


11. A RELEVÂNCIA DA CONSIDERAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO PRÉVIA NA SOLUÇÃO DO DISSÍDIO COLETIVO.

Considerando a hermenêutica dos Direitos Fundamentais, põe-se em relevo a evolução trazida pelo pós-positivismo. Neste compasso, afirma George Marmelstein que “a partir do momento em que se admite a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais, o jurista obriga-se a sempre buscar argumentos na própria Constituição. Ou seja, a norma constitucional torna-se o principal parâmetro da argumentação jurídica[41].”.

Kant, citado por Flávia Piovesan, ressalta que “a autonomia é a base da dignidade humana e de qualquer criatura racional. Lembra que a idéia de liberdade é intimamente conectada com a concepção de autonomia, por meio de um princípio universal da moralidade, que, idealmente, é o fundamento de todas as ações de seres racionais[42].”.

Voltando-se ao Direito Coletivo do Trabalho, em se tratando de dissídio coletivo de natureza econômica, a doutrina e jurisprudência entendem que a redação do art. 114 da CF/88, dada pela EC nº 45/2004, estabeleceu que a decisão judicial do conflito devesse, simplesmente, preservar as cláusulas convencionadas anteriormente. Deste modo, interpreta-se restritivamente o § 2º do referido artigo, segundo a argumentação de que as cláusulas econômicas não serão passíveis de supressão ou redução pela via do dissídio coletivo, estando ou não em vigor as convenções ou acordos coletivos que as previam.

Entendo que a autonomia da vontade coletiva, em consonância com a livre negociação, somente se efetiva pela liberdade das partes durante o processo transacional.

Nesse contexto, busca-se uma interpretação ampliativa do dispositivo constitucional, destacando que é fundamental aos magistrados não interpretem as normas constitucionais a partir do disposto nas leis ordinárias, visto que são os direitos e princípios constitucionais que devem guiar a interpretação das demais normas do ordenamento jurídico.

Em que pese a manutenção do poder normativo da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, pode-se observar que o legislador constitucional pretendeu reforçar a importância da negociação coletiva.

Desta maneira, a autonomia da vontade coletiva passou a conferir aos atores sociais, o direito a negociação coletiva através de entidades sindicais, no intuito de encontrarem um ponto convergente entre seus interesses, retirando a intervenção estatal que, alheia as transformações, principalmente quanto à realidade das formas de prestação do trabalho, acabava por obstaculizar a adequação voluntária do direito do trabalho à dinâmica das relações trabalhistas.

Conforme dispõe o art. 114, da CF/88, recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado a elas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como, as convencionadas anteriormente.

No entanto, mesmo envolto a uma rígida normativa laboral referente às negociações coletivas e o direito de greve, o órgão do Judiciário Trabalhista e uniformizador da jurisprudência laboral, o TST, não tem dado solução unívoca sobre a matéria. Vê-se com frequência, uma jurisprudência trabalhista oscilante, que ora faz prevalecer o negociado, ora cassa cláusula de acordo ou convenção coletiva que adota parâmetros diversos para disciplinar as condições de trabalho.

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A fim de privilegiar a autonomia da vontade coletiva e evitar o recurso da solução judicial do conflito, a inclusão da expressão “de comum acordo” no texto constitucional, como condição de ajuizamento da ação de dissídio coletivo, representou a intenção do legislador de estimular a via negocial, sendo que para o ajuizamento do dissídio, as partes devem exaurir ou meios negociais extrajudiciais possíveis[43]. Dessa maneira, a Constituição Federal exalta o entendimento direto entre as partes contratantes.

Conforme aponta George Marmelstein, direitos fundamentais possuem supremacia formal e material e, por isso, gozam de uma normatividade potencializada, traduzido no princípio da supremacia dos direitos fundamentais. Aponta ainda, o autor, que os direitos fundamentais podem gerar pretensões subjetivas, exigíveis judicialmente, cabendo ao Poder Judiciário, ao interpretar normas definidoras de direitos fundamentais, buscar a solução que mais dê eficácia ao direito em jogo, segundo o princípio da máxima efetividade[44].

Nesse sentido, apontamos como crítica relevante ao dissídio coletivo e a fixação de regras às relações de trabalho, impostas pela Justiça do Trabalho, como forma heterocompositiva de solução de conflito, a inobservância da autonomia da vontade coletiva, essência do Direito Coletivo do Trabalho, tendo em vista que inexiste identidade com a realidade vivenciada pelas partes conflitantes na vida laboral, de modo que a imposição de regras, estabelecidas por um terceiro estranho à relação de trabalho, além da ausência de instituições e princípios próprios, contraria o interesse das partes, despreza a negociação coletiva prévia e desprestigia a autonomia da vontade coletiva.

Considerando o enfoque conferido pelo texto constitucional, nota-se que a negociação não é apenas uma fase preliminar da convenção e do acordo, ela é sua essência, de modo que os instrumentos pactuados nada mais são do que a forma de exteriorização da negociação coletiva.

Neste diapasão, cabe destacar as palavras de João de Lima Teixeira Filho, para quem “a elocução constitucional transcende, em muito, à forma de exteriorização do pactuado. Contém, na verdade, o reconhecimento estatal do poder inerente às pessoas e, pois, aos grupos por elas organizados de autoconduzirem-se, de co-decidirem sobre o ordenamento de condições de trabalho, de protagonizarem a autocomposição de seus interesses coletivos, solverem suas desinteligências fora do Estado, pela via do entendimento direto, valendo, o que restar pactuado, como lei entre as partes e cada um dos membros representados[45].”

Para essa assertiva, excetuam-se apenas as hipóteses de violação de norma de ordem pública estatal.

Considerando o que foi até aqui exposto, resta mencionar os requisitos essenciais para a instauração de dissídio coletivo. A petição inicial nos dissídios coletivos deverá ser apresentada obrigatoriamente na forma escrita (art. 856, CLT), contendo a designação e qualificação dos reclamantes e dos reclamados e a natureza do estabelecimento ou do serviço (art. 858, a, CLT); edital de convocação para a assembléia deliberativa[46], a ata da assembléia geral com aprovação do sindicato[47], a pauta de reivindicações[48], os motivos do dissídio, as bases da conciliação[49] (art. 858, b e 862[50], CLT) e a comprovação das tentativas negociais frustradas, com o esgotamento das tentativas de negociação (OJ n. 11, SDC, TST)[51], conforme disposição constitucional.

Por fim, no intuito de privilegiar a negociação coletiva ao poder normativo da Justiça do Trabalho, faz-se necessária a integração à petição inicial das cláusulas ajustadas e durante as negociações prévias, para que o magistrado, ao analisar o conflito, limite-se a decidir sobre os pontos controvertidos.

Para que as questões já pacificadas na fase de negociação prévia sejam levadas a efeito, importa que as partes convenentes (sindicato profissional e empresa) demonstrem ao magistrado os interesses transacionados e já ajustados, conforme se propõem da interpretação do termo constitucional “convencionadas anteriormente”. Igualmente, é necessária a evolução da jurisprudência, de modo que o dispositivo constitucional seja aplicado de modo ampliativo e não restritivo, cabendo salientar que, por se tratar a greve de um direito fundamental do trabalhador, bem como a autonomia da vontade coletiva um princípio do Direito Coletivo do Trabalho, não cabe à Justiça do Trabalho limitar tais institutos.

Neste mesmo sentido, cabe à doutrina o desenvolvimento de entendimento positivo aos ajustes realizados antes da instauração do dissídio coletivo, e não restritivamente aos acordos e convenções anteriores. Em outras palavras, que sejam privilegiados todo esforço das partes envolvidas nas negociações coletivas, bem como sejam observadas as disposições convencionadas, estabelecidas, ajustadas, pactuadas ou combinadas anteriormente à instauração do dissídio, ocasião em que restará clara a tentativa de composição pacífica e autônoma do conflito, podendo, inclusive, se admitir a presunção do “comum acordo”.

13. CONCLUSÃO

Conclui-se que a greve é uma suspensão coletiva, temporária, pacífica, total ou parcial da prestação do trabalho ao empregador, que foi reconhecida como direito constitucional no qual compete aos trabalhadores decidirem sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Direito exercido coletivamente por meio dos sindicatos ou comissões representativas, trata-se de instrumento de pressão dos trabalhadores em relação ao empregador que tem por objetivo trazê-lo às negociações a fim de que sejam tratadas novas condições das relações de trabalho.

Deste tema, emerge a problemática proposta referente a interpretação do art. 114, §2.º, da CF/88, o qual dispõe sobre o ajuizamento de dissídio coletivo em que a Justiça do Trabalho decide o conflito com a estrita observância das disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as “convencionadas anteriormente”.

A doutrina e a jurisprudência interpretam a expressão “convencionadas anteriormente” restritivamente aos ACT e CCT, afirmando a proteção das vantagens adquiridas anteriormente por meio desses instrumentos negociais, olvidando-se de todo esforço das partes convenentes na busca pela melhor solução para o atual conflito.

Verificamos que dentre os requisitos formais para a efetivação do direito de greve estabelecidos na Lei n.º 7.783/89, encontra-se a assembléia deliberativa, na qual é elaborada a pauta de reivindicações e posterior, a negociação prévia.

O exercício do direito de greve deve observar as disposições fixadas pela lei, cuja inobservância a torna ilegal ou abusiva. Destacam-se como requisitos, a negociação prévia e a assembléia deliberativa do sindicato ou interessados para decidir sobre as reivindicações e a paralisação.

Quando o processo negocial restar infrutífero, comprovados os motivos da não celebração de acordo ou convenção coletivos de trabalho poderá ser instaurado o dissídio coletivo de natureza econômica.

Comprovou-se a relevância dada pelos tribunais trabalhistas às negociações prévias como condição para o processamento dos dissídios coletivos, o qual, se inobservado, torna o direito de greve abusivo e causa a extinção do dissídio sem a resolução do mérito.

Destaca-se que a Lei de Greve estabeleceu limitações para o exercício do direito, admitindo-se, deste modo, a deflagração da greve somente após a frustração das negociações ou verificada a impossibilidade de recurso via arbitral, de modo que a deflagração da greve sem que ocorra a negociação prévia será considerada abusiva.

Tratando-se de Direito Coletivo do Trabalho, importa destacar o princípio da autonomia da vontade coletiva, instituto que justifica a prevalência das negociações coletivas, como forma autocompositiva dos conflitos entre os entes coletivos, sobre as demais modalidades de solução dos conflitos das relações de trabalho, sendo esta a principal fonte de ampliação dos direitos trabalhistas.

As Convenções nº 98 e 154, da OIT, são instrumentos internacionais que fomentam a negociação coletiva voluntária e protegem os trabalhadores quanto ao exercício do direito de sindicalização, estimulando a liberdade sindical e a negociação coletiva trabalhista. No âmbito da liberdade sindical, merece lembrar que a Convenção 87 da OIT, embora o Brasil seja signatário, ainda carece de ratificação para que uma plena liberdade representativa seja alcançada.

Verificamos, também, que o poder normativo da Justiça do Trabalho apresenta, ainda, traços de sua origem, inspirada no modelo corporativista derivado do fascismo italiano, na década de 1930. Embora a EC 45/04 tenha, de algum modo, incentivado a negociação coletiva, prestigiando a autonomia da vontade coletiva, nota-se que quando instaurado o dissídio coletivo, a sentença normativa leva em consideração a apreciação dos problemas de maneira extremamente técnica, desconsiderando a situação fática que originou o conflito e, consequentemente, impondo uma inadequada a solução do conflito, muitas vezes, contrárias aos interesses das partes.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência reconhecem a necessidade da observância dos requisitos para a deflagração legítima da greve, assim como para a instauração do dissídio coletivo de natureza econômica. Frequentemente, são alvos de extinção sem resolução do mérito, dissídios nos quais não resta claro a realização da assembléia deliberativa, esteja ausente a pauta de reivindicações ou não se comprove o exaurimento das negociações prévias. Ora, se tais requisitos são extremamente cobrados, que sejam igualmente observados os interesses neles já ajustados.

Nesse contexto, propõe-se uma interpretação ampliativa do art. 114, § 2º da CF/88, de modo que as disposições “convencionadas anteriormente” abranjam às negociações prévias e sejam considerados os esforços das partes envolvidas nas negociações coletivas, bem como sejam observadas as disposições estabelecidas imediata e anteriormente à instauração do dissídio, ocasião em que restará clara a tentativa de composição pacífica e autônoma do conflito.

Em se tratando da greve um direito fundamental do trabalhador, vinculado à dignidade, bem como a autonomia da vontade coletiva como princípio guia do Direito Coletivo do Trabalho, com fundamento na hermenêutica dos direitos fundamentais, devem os operadores do direito sempre buscar argumentos na própria Constituição, de modo que esta seja parâmetro argumentativo na busca da máxima efetividade do direito.

Espera-se, deste modo, que na ocasião do julgamento do dissídio coletivo, o magistrado decida apenas sobre os pontos não pacificados. Se não violados direitos fundamentais dos trabalhadores, que sejam ratificadas as disposições pactuadas antes da instauração do dissídio, na conformidade em que foram pactuadas. Deste modo, será possível a harmonização do princípio da autonomia da vontade coletiva com o poder normativo.

Destarte, defendo esse posicionamento interpretativo do art. 114, § 2º, da Constituição Federal de 1988, considerando a necessidade da adequação das sentenças normativas à realidade juslaboral, sem, contudo, abandonar os princípios e institutos que devem fundamentar as decisões judiciais, busca-se com esse posicionamento afastar sentenças normativas que não supram os interesses das partes e, principalmente, evitar que as decisões resolvam apenas o processo, mas sim, efetivamente o conflito.

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Sobre o autor
Jefferson Alexandre da Costa

Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP; Pós Graduado em Ciências Jurídicas, Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho; Graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Unicsul. Consultor Jurídico. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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