A Constituição de 1934

17/07/2021 às 15:55
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O presente artigo objetiva delinear o contexto histórico e as principais características da Constituição de 1934.

Contexto Histórico

            A Constituição de 1934 foi o resultado de um período histórico peculiar. Isso se deve ao fato de ter sido antecedida pelo período conhecido como república oligárquica, em que o poder político nacional era centralizado nas mãos das elites regionais, dentre as quais se destacavam a elite cafeicultora de São Paulo e a criadora de gado leiteiro de Minas Gerais. Dessa forma, a política nacional centrava-se especialmente nesses dois estados, os quais se alternavam na presidência da república por meio de acordos informais. Assim, direcionavam as políticas públicas para os seus interesses relegando os estados sem grande expressão econômica, os quais, por vezes, se viam impedidos de evoluírem financeiramente e politicamente.

            Essa situação, entretanto, findou-se com a revolução de 1930, a qual foi um golpe dado para depor o presidente Washington Luís, impedir a posse do recém-eleito Júlio Prestes —ambos representantes da elite paulista— e colocar no poder Getúlio Vargas, o qual era aliado das elites do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. Os principais motivos os quais levaram a isso foram: o rompimento por parte de São Paulo de seu acordo informal com os mineiros pela alternância na presidência do país; a suspeita de fraude eleitoral na vitória de Júlio Prestes; o assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba e candidato a vice da chapa de Vargas. Além disso tudo, contribuíram bastante para o cenário nacional chegar a semelhante estopim a ascensão e o fortalecimento de novas elites locais (além da paulista e da mineira), as quais passaram a lutar por mais espaço no cenário político brasileiro. Por fim, houve também a crise de 29, a qual provocou grande redução nas exportações brasileiras, gerando crise financeira e insatisfação com o governo.

            Revolução Constitucionalista e a Promulgação da Constituição de 1934

            Diante disso, Getúlio Vargas assumiu o poder e, ao fazê-lo, anulou a constituição de 1891 e fechou o Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras municipais. Assim, não se tendo mais a casa legislativa para que se elaborassem as leis, ele começou a acumular os poderes executivo e legislativo, governando por meio de decretos-lei. Além disso, Vargas depôs os governadores dos estados e nomeou interventores de sua confiança, os quais, por sua vez, indicariam os prefeitos para os municípios. Essa situação gerou profunda indignação nas elites locais, as quais não apenas estavam impedidas de participar da política nacional (já que tudo se centralizava nas mãos de Vargas), como também viram seus estados passarem a ser liderados por pessoas alinhadas com Getúlio e não com seus interesses.

            Nesse contexto começaram a eclodir manifestações pelo país, especialmente em São Paulo, tendo uma delas nesse estado deixado quatro mortos, os quais deram o nome ao acrômio MMDC, sendo esse fato o estopim para a Revolução Constitucionalista de 1932. Diante disso, os paulistas iniciaram uma intensa campanha publicitária para arrecadar capital financeiro e humano para o conflito que se seguiria contra as tropas federais. Não bastasse isso, conseguiram apoio de alguns estados para essa luta, em que defenderiam a elaboração de uma constituição, realização de eleições e reabertura do Congresso Nacional.

No entanto, os paulistas foram derrotados no confronto armado. Concorreu para isso o fato de as tropas paulistas não possuírem, em sua maioria, preparo para estar em campo de batalha, além do que pesou a suspeita de que São Paulo estaria, na verdade, lutando por sua independência, o que desanimou os estados que o apoiariam. Assim, findava-se a Revolução Constitucionalista, a qual, embora tenha sido militarmente derrotada, logrou conseguir que os partidos políticos voltassem a funcionar e que em 15 de novembro de 1933 fosse instalada uma Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Lei Maior, promulgada em 16 de julho de 1934 e elegeu indiretamente Vargas para o governo provisório.

A Constituição de 1934

            Durante o governo provisório, seguindo uma tendência internacional, diversas inovações jurídicas já vinham sendo adotadas, as quais já serviam de prenúncio ao que se seguiria na Constituição de 1934. Dentre as medidas adotadas pode-se citar: a elaboração de normas de caráter intervencionista, como nacionalização de águas, jazidas de minérios, fontes de energia e subsolo; a edição de um código eleitoral, adotando o voto secreto, concedendo o direito de votar às mulheres e criando uma justiça eleitoral; instituição de representação classista; elaboração das primeiras regras de proteção ao trabalhador (ainda que voltadas apenas aos trabalhadores urbanos). Revelava-se, portanto, que a futura constituição teria uma propensão a ser nacionalista e a constitucionalizar o paradigma do estado social no Brasil, em sucessão ao estado liberal.

            Confirmando essa tendência, especialmente no título IV da Lei Maior de 1934, adotou-se um amplo projeto nacionalista e social. Isso pode ser exemplificado nos artigos 116 e 119, em que se percebe a intervenção da União na propriedade, sinal claro do enfraquecimento do paradigma liberal e de suas ideias de total abstenção do poder público no domínio econômico: “Art 116 - Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica...” (Brasil, 1934) e “Art 119 - O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei.” (Brasil, 1934). Fato é também que essa Magna-Carta demonstrou uma grande busca por defender os direitos sociais, deixando de atuar apenas no campo dos direitos de primeira geração (negativos), em que se buscava somente a liberdade do indivíduo frente ao poder público e uma maior abstenção desse na esfera privada. Passou-se, dessa maneira, a atuar na esfera dos direitos de segundo geração (positivos), em que se objetiva a intervenção pública no âmbito privado, a fim de garantir condições dignas de vida aos que necessitam. Exemplo disso é observável no artigo 138, o qual traz dentre outros deveres dos entes federados o de “assegurar amparo aos desvalidos”, “amparar a maternidade e a infância”, “proteger a juventude contra toda exploração” (Brasil, 1934). Outrossim, o artigo 113, 17 diz em seu trecho inicial: “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo...” (Brasil, 1934), trazendo, pela primeira vez, a ideia de função social da propriedade. Outro aspecto relevante também é que foi constitucionalizado, pela primeira vez, não somente a representação profissional no artigo 120, mas também, no artigo 121, uma série de direitos dos trabalhadores, tais como salário mínimo, férias anuais remuneradas, indenização por dispensa sem justa causa, proibição do trabalho infantil. Destarte, observa-se que essa foi uma Constituição dirigente, uma vez que fixava metas para o Brasil, o que é demonstrado implicitamente no texto e explicitamente no preâmbulo, que dizia que a Carta Magna buscava assegurar “à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico” (Brasil, 1934).

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            Todos esses aspectos implantados na Carta Política brasileira vinham de uma tendência internacional, tendo o Brasil se inspirado especialmente na Constituição de Weimar, a qual previa pontos semelhantes aos supracitados. Assim, além desses pontos em comum, a carta brasileira também foi influenciada pela alemã na definição competências não apenas privativas, porém também concorrentes, como pode ser visto no artigo 10.

            Ademais, alterou-se profundamente o poder legislativo, o qual passou a ser unicameral, tornando-se o Senado Federal órgão apenas colaborativo no processo legislativo. Além do que, objetivando-se moralizar as eleições, as quais gozavam de pouca confiança popular, instituiu-se no texto da Constituição de 1934 a justiça eleitoral (artigos 82 e 83) e o voto secreto e indevassável (artigo 181), a fim de impedir a perpetuação das práticas do coronelismo de controle dos votos da população dentro dos chamados currais eleitorais. Instituiu-se também a justiça do trabalho (artigo 122) e, pela primeira vez, os seguintes remédios constitucionais: a ação popular (artigo 113, 38) e o mandado de segurança (artigo 113, 33). Finda-se, por meio desse último, no direito brasileiro o entendimento antigo de estender a aplicação do habeas corpus para qualquer violação ou ameaça a direito líquido e certo por parte de autoridades públicas. Desse modo, limitou-se o campo de incidência do habeas corpus apenas para violações à liberdade de locomoção, deixando as demais ilegalidades passíveis de comprovação de plano para o campo de incidência do recém-instituído mandado de segurança.

            Conclusão

            Portanto, a constituição de 1934 era sendo sob o ângulo da sistematização: codificada —composta por 187 artigos, mais 26 artigos nas disposições transitórias—, sob o aspecto da forma: escrita e sob o da elaboração: dogmática. Classificava-se, ainda, sob o ponto de vista da extensão como uma constituição analítica, já que tratou de minúcias dos institutos jurídicos —e não somente de matérias estritamente constitucionais—, por exemplo, no artigo 172, parágrafo 2º tratou de acumulações de pensões e vantagens dos servidores públicos (art. 172 “§2º - As pensões de montepio e as vantagens, da inatividade só poderão ser acumuladas, se reunidas, não excederem o máximo fixado por lei, ou se resultarem de cargos legalmente acumuláveis.” —Brasil, 1934—). Além disso, sob o aspecto da ideologia era uma constituição pluralista (eclética ou compromissária), porquanto resultou da junção de ideologias diversas, sendo tanto a comissão que elaborou o pré-projeto, como a assembleia nacional constituinte compostas por indivíduos de distintas ideologias. Corroborando com isso, os constitucionalistas Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento dizem a respeito da comissão a qual elaborou o anteprojeto da Constituição de 1934:

“O seu perfil ideológico era heterogêneo: havia liberais, como Afrânio Mello Franco e Carlos Maximiliano; integrantes mais próximos ao pensamento social de esquerda, como João Mangabeira e José Américo de Almeida, e pensadores que aderiram a um autoritarismo nacionalista de direita, como Oliveira Vianna.” (NETO; SARMENTO, 2019, p. 118).

Por fim, a partir da perspectiva de sua origem, classifica-se como promulgada, porque fora fruto da vontade popular denotada por meio de representantes eleitos e, quanto à estabilidade, era ela rígida, pois estabelecia no artigo 178 que o processo de emenda e reforma à constituição seria mais complexo do o de alteração das leis (Brasil, 1934).

Referências bibliográficas:

FERNANDES, Cláudio. Política do Café com Leite. Mundo Educação. Disponível em <https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/politica-cafe-com-leite.htm 17-11>. Acesso em: 17 de novembro de 2020;

BEZERRA, Juliana. Revolução de 1930. Toda Matéria, 2019. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/revolucao-de-1930/>. Acesso em: 17 de novembro de 2020;

HIGA, Carlos César. Revolução Constitucionalista. Revolução Constitucionalista. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/historiab/revolucaoconstitucionalista.htm>. Acesso em 17 de novembro de 2020;

NETO, C.; SARMENTO, D. Direito Constitucional Teoria, História e Métodos de Trabalho. 2ª Edição, 6º Reimpressão. Belo Horizonte- MG: Editora Fórum, 2019;

BRASIL. Constituição (1934). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2020.

Sobre o autor
Felipe de Castro Santos

Graduando de direito na Universidade de Brasília (UnB) Instagram: castrosantosfelipe0809 email: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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