O Estripador de Yorkshire e a análise criminal como método efetivo na investigação criminal.

29/05/2021 às 15:26
Leia nesta página:

Artigo sobre a investigação de um serial killer inglês e do uso de ferramentas de análise criminal no caso.

1. Introdução:

O presente trabalho visa analisar um famoso caso de crime serial ocorrido na Inglaterra, envolvendo um serial killer que atuou entre a segunda metade da década de 1970 e o início da década de 1980, caso este que ganhou grande notoriedade nos últimos meses em decorrência do lançamento da série “O estripador” na plataforma de streming “Netflix” (2020).

Dessa forma comentaremos acerca dos eventos relativos aos assassinatos objetos da citada investigação criminal desenvolvida a época, e demonstraremos como o uso da análise criminal, que podemos conceituar como um método cientifico, que, fazendo uso de softwares de geoprocessamento e análise estatística, visa obter, organizar e analisar dados relevantes para a compreensão de um fenômeno criminal, notadamente no que concerne aos parâmetros temporais, comportamentais e geográficos do crime (Zanotti et al, 2016, p. 320).

Essa técnica teria sido de grande relevância para um deslinde do citado caso de forma mais rápida, o que teria poupado a vida e a integridade física de algumas vítimas do autor dos delitos que serão comentados no presente ensaio.

Vale salientar que a falta na citada época desses métodos para se desenvolver a investigação fora uma circunstancia que contribuiu para que a busca do autor desses crimes demorasse tanto.

No entanto, embora naquela época a análise criminal não fosse uma realidade comum em investigações criminais, seja pela limitação técnica daquele contexto histórico, seja pela própria falta de interesse dos órgãos envolvidos na investigação nesse método, podemos ver em diversos momentos da investigação o uso, ainda que embrionário, de técnicas que fazem uso de análise criminal para interpretar os fatos investigados na tentativa de dirigir a investigação para que a mesma seja mais eficaz, o que de uma forma acabou demonstrado, já naquela época, a necessidade da ferramenta ora em comento para o bom desenvolvimento das atividades policiais investigativas.

2. Os crimes:

Entre os anos de 1975 e 1980, a região de West Yorkshire, no norte da Inglaterra, fora assolada por um assassino em série, apelidado de estripador de Yorkshire, a quem seriam atribuídas a morte de pelo menos 13 mulheres, e a agressão grave de outras 8 mulheres que sobreviveram ao ataque desse criminoso, totalizando 21 vítimas.

Os crimes possuíam como modus operandi o ataque brutal do criminoso fazendo uso de armas impróprias, tais como martelos, facas e chaves de fenda, os delitos ocorriam a noite em locais de pouco movimento, e o autor buscava suas vítimas em conhecidos centros de prostituição.

A vitimologia indicava que os alvos desse criminoso eram mulheres jovens, com idades que variavam de 14 a 47 anos, e comumente as vítimas eram prostitutas, ou confundidas como prostitutas pelo agressor (por estarem voltando para casa do trabalho tarde da noite, onde estas acabaram se tornando vítimas do estripador).

A área de atuação do criminoso, em sua grande maioria, fora a cidade de Leeds, seguidas por Bradford (com 3 vítimas) e Manchester (com 2 vítimas).

Inicialmente o caso não teve a devida atenção das autoridades, devido ao fato das vítimas serem prostitutas, onde as forças policiais, infelizmente, dispensaram menor relevância a esse tipo de vítima, praticando com as mulheres dos delitos ora analisados a mesma exclusão social que comumente é dispensada as prostitutas pela nossa sociedade, evidenciando um fenômeno muito conhecido na criminologia moderna como vitimização secundária, onde o Estado acaba causando uma nova forma de violência contra vítima de um delito, no caso em análise negando-se a dar maior atenção as vítimas do estripador, os órgãos policiais marginalizaram as vítimas, negando as mesmas o direito à segurança pública (Moraes e Neto, 2019, p. p. 77 e 78).

O caso só ganhou maior atenção,  tanto da polícia quanto da mídia da época, quando o criminoso confundiu Jayne Macdolnad, jovem de 16 anos de idade e de classe média, com uma prostituta, matando a mesma, o que gerou uma grande comoção na imprensa britânica e enfim o caso passou a ter a relevância merecida.

3. Elementos perceptivos de análise criminal no caso em comento:

No caso em análise a primeira grande aplicação de análise criminal consistiu em agregar os dados qualitativos das vítimas e modus operandi do agressor para estabelecer que os crimes haviam sido praticados pelo mesmo individuo, que atacava fazendo uso de armas improprias, desferindo diversas lesões contra as vítimas (destaque do caráter brutal dos ataques, e do padrão de lesões produzidas nas vítimas), o fato de que o criminoso usava um carro (em algumas cenas de crime fora encontrado marcas de um mesmo tipo de pneu de veículo), bem como se definiu que o criminoso sempre atacava no período noturno em locais pouco habitados, tendo como local de busca de vítimas os centros de prostituição.

A identificação desse modus operandi foi essencial para garantir que se tratava de um único ofensor.

Corroborando, igualmente, com a ideia de que se tratava efetivamente de um serial killer, a análise vitimológica dos alvos do agressor, após se agregar os dados das vítimas, estabeleceu um perfil das mesmas, onde estas eram mulheres, jovens, e prostitutas (ou confundidas como prostitutas pelo agressor). Essa técnica de estabelecer o perfil vitimológico é oriundo  do profiling criminal, que nada mais é que o uso de técnicas de análise criminal para a obtenção de dados e processando dos mesmos com vistas a buscar padrões do comportamento criminoso para, entender o fenômeno criminal e desenvolver formas eficazes de solucionar o caso (Correia, Lucas e Lamia, 2007).

A importância de identificar que todos os crimes eram produto de um mesmo agressor é relevante porque permitiu à polícia britânica identificar a existência do serial killer, e não investigar cada crime individualmente, integrando os esforços investigativos para identificar e prender o autor desses delitos, agregando as informações com vistas a entender os padrões e movimentos das atividades criminosas produzidas pelo estripador de Yorkshire.

O tipo de análise criminal utilizada para identificar o modus operandi e o perfil das vítimas é conhecida como a análise criminal investigativa, que agregou os dados qualitativos dos diversos delitos, e baseado nas evidências colhidas, definiu as características comuns em todos os crimes auxiliando as investigações criminais que eram desenvolvidas.

A análise criminal também permitiu fixar um perfil geográfico do autor, identificando a localidade onde o mesmo atuava, no norte da Inglaterra, principalmente na cidade de Leeds, o que permitiu à polícia dirigir as forças ostensivas para realizar patrulhamento nos locais mais prováveis de atuação desse assassino, bem como focar as investigações nessa área, tendo em vista que pesquisas indicam que os criminosos (sobretudo os criminosos seriais) atuam em locais que são conhecidos dos mesmos, sendo provável que o criminoso residisse próximo ao local  onde mais se concentram suas ações criminosas (ou tivesse qualquer ligação com aquela localidade). Essa análise dos padrões de local de atuação territorial dos criminosos é conhecida atualmente como perfil geográfico, o que nada mais é do que o resultado de uma análise criminal fazendo uso de dados geográficos acerca dos locais da prática de delitos de uma série de crimes para estabelecer o local de atuação do criminoso (Lino e Matsunaga, 2018).

O perfil geográfico também permite perceber a movimentação do criminoso no espaço geográfico com o passar do tempo, pois na imagem a seguir é possível ver que nos primeiros homicídios o criminoso acabou se limitando a atacar na cidade de Leeds, mas como a atuação policial passou a buscar o mesmo naquela localidade, este acabou modificando o local de suas ações criminosas para Bradford e depois Manchester, em resposta a pressão exercida pelas atividades investigativas no local inicial dos ataques, sendo essa movimentação de uma dada atividade criminosa de uma localidade para a outra bastante comum em decorrência do aumento da atividade policial nas áreas que são alvo de condutas criminosas (KAHN, 2017, s.p.).

Localização geográfica das 11 primeiras vítimas fatais do estripador.

Fonte: Netflix.

Por fim, é relevante deixar claro que a prisão do estripador se deu por uma patrulha policial que estava realizando rondas em uma das localidades considerados de alta probabilidade de ação do criminoso, que trafegava naquele local com um veículo, sendo o mesmo preso na companhia de uma prostituta (vítima preferencial), o que levantou a suspeita dos policiais que ao realizarem buscas encontraram próximo ao local onde o autor fora preso os instrumentos comumente utilizados pelo estripador para a prática dos seus delitos, o que foi essencial para concluir que o autor desses delitos seria a pessoa de Peter Sutcliffe, que posteriormente confessou os crimes atribuídos ao estripador de Yorkshire, sendo tal ação um clássico exemplo de análise criminal tática, sendo esta aquela onde as informações oriundas da análise são fornecidas aos agentes de segurança pública com vistas a que os mesmos sejam capazes de desenvolver suas atividades de forma mais efetiva (Zanotti et al, 2016, p. p. 321 e 322).

4. Como a análise criminal teria salvado vidas no presente caso:

Não obstante o uso de análise criminal ainda que de modo incidental na investigação dos crimes ora em comento tenha sido importante no desenvolvimento das investigações nesse caso, demorou-se muito para a prisão do autor dos crimes (cinco anos), o que deixou um quantitativo de vítimas considerável, evidenciando que, embora o uso de métodos típicos de análise criminal tenha sido importante para o deslinde desse caso, na época as limitações técnicas foram determinantes para a demora da resolução.

Só a titulo de exemplo, as informações constantes das investigações eram tantas que a equipe de investigação não tinha como analisar tais dados adequadamente, e sequer tinham local adequado para armazenar tanta informação, o que poderia ser feito atualmente com o uso de computadores, o que facilitaria o armazenando dessas informações, e com o uso de programas de análise criminal modernos seria possível trazer uma resolução mais rápida dos crimes do estripador.

Para se ter uma ideia de como um processando adequado dos dados obtidos teria solucionado os crimes do estripador de Yorkshire mais rápido, basta vislumbrarmos que o autor desses crimes fora entrevistado 9 vezes pelos investigadores antes de ser preso, sendo ignorado pelos policiais que trabalharam no caso as semelhanças de Peter com o retrato falado confeccionado com base nos relatos de uma das vítimas que sobreviveu, bem como o fato dele ter sido visto em diversos locais onde o estripador atuava, o fato do mesmo contratar prostitutas, e uma nota de cinco dólares encontrado na cena de um dos crimes ter sido rastreado até a transportadora onde Peter trabalhava, mas mesmo assim o mesmo acabou passando despercebido.

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 Uma base de dados solida poderia ter indicado aos policiais com base em todos esses dados, a probabilidade de Peter ser o estripador, tendo em vista todas essas ligações daquele individuo com circunstancias ligadas às investigações, o que, de fato, teria salvado a vida de algumas de suas vítimas.

5. Conclusão:

Ante todo o exposto, resta claro a importância da análise criminal para dirigir de maneira eficiente as atividades policiais, sejam estas ostensivas ou repressivas/ investigativas, sendo uma ferramenta valiosa para se compreender o fenômeno criminal e prever contra medidas às práticas criminosas;

Na atualidade a análise criminal evoluiu, grande parte em decorrência dos avanços tecnológicos vivenciados nos últimos anos e do próprio desenvolvimento prático nas análises dos fenômenos criminosos, sendo a técnica ora em comento bem mais avançada e comum para ser operacionalizada na prática do que a existente na época do estripador de Yorkshire, se mostrando, atualmente, uma ferramenta essencial na compreensão e resposta estatal das condutas delituosas.

 Contudo, no que se refere a realidade brasileira, o uso dessa ferramenta em atividades investigativas ainda é muito limitado, e acreditamos que a implementação dessa técnica em investigações de forma mais rotineira será um divisor de águas da realidade das investigações criminais no Brasil.

REFERÊNCIAS:

1. CORREIA, E; LAMIA, A; e LUCAS, E.; Profiling: uma técnica auxiliar de

investigação criminal. 2007. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/235398103.pdf. Acesso em. 11 de abr. de 2021.

2. LINO; e MATSUNAGA. Perfil criminal geográfico: novas perspectivas comportamentais para investigação de crimes violentos no Brasil. 2018. Disponível em: https://www.academia.edu/36723187/Perfil_criminal_geogr%C3%A1fico_novas_perspectivas_comportamentais_para_investiga%C3%A7%C3%A3o_de_crimes_violentos_no_Brasil. Acesso em: 13 de abr. 2021.

3. MORAES, A. R. A; e NETO, R. F. Criminologia. Salvador: Juspodvim. 2019

4. KAHN, T. Ferramentas e técnicas de análise criminal. São Paulo: Amazon, 2017. E-book. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Ferramentas-T%C3%A9cnicas-An%C3%A1lise-Criminal-Tulio-ebook/dp/B0718YG2N4/ref=sr_1_12?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=tulio+kahn&qid=1618063259&sr=8-12. Acesso em: 10 abr. 2021. Paginação irregular.

5. KAHN, T. Medindo a criminalidade. São Paulo: Amazon, 2014. E-book. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Medindo-Criminalidade-m%C3%A9todos-fontes-indicadores-ebook/dp/B00R1FBE7A/ref=sr_1_3?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=tulio+kahn&qid=1618062909&sr=8-3. Acesso em: 08 abr. 2021. Paginação irregular.

6. O estripador. Direção: Jesse Vile e Ellena Madeira. Produção: Netflix. Netflix. 2020. 195 min. Disponível em: https://www.netflix.com/watch/81006684?trackId=13752289&tctx=0%2C0%2Cf441ed2e87070d5a0c72926f85abd707561a5519%3Ad486b98119a0efb07587bcdab8e147196395937b%2Cf441ed2e87070d5a0c72926f85abd707561a5519%3Ad486b98119a0efb07587bcdab8e147196395937b%2Cunknown%2C. Acesso em 11 de abr. 2021.

7. ZANOTTI, B. T. et al. Temas atuais de polícia judiciária. Salvador: Juspodivm, 2016.

Sobre o autor
Jonathan Dantas Pessoa

Policial civil do Estado de Pernambuco, formado em direito pela Universidade Osman da Costa Lins - UNIFACOL/ Vitória de Santo Antão. Pós - graduado em direito civil e processo civil pela Escola Superior de Advocacia Professor Ruy Antunes - ESA/OAB/PE - Recife/PE. Mestre em Psicologia Criminal com Especialização em Psicologia Forense pela Universidad Europea del Atlántico - Santander/ES. Pós graduado em Criminologia pela Faculdade Unyleya. Pós graduado em Psicologia Criminal Forense pelo Instituto Facuminas. Membro do Centre for Criminology Research - University of South Walles. Membro do Laboratório de estudos de Cognição e Justiça - Cogjus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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