O Compliance no Ambiente da Administração Pública: Desafios e características específicas

Leia nesta página:

Resumo:

O tema deste artigo é “O compliance no ambiente da administração pública – desafios e características específicas”. Investigou-se o seguinte problema: O histórico de corrupção e atos contrários às normas legais é realmente levado em consideração no ambiente governamental? Este trabalho é importante em uma perspectiva individual devido ao fato de que estou profissionalmente inserido no ambiente governamental e, de certa maneira, o tema influencia meu labor diário; para a ciência é relevante por trazer mais uma contribuição a um tema de importância e relevância ímpares no ambiente corporativo e governamental; e, para a sociedade agrega valor por demonstrar transparência e direcionamento do governo, judiciário e administração pública em deixar para trás a pecha de morosidade e corruptividade que o serviço público carregava desde os tempos da Colônia. Trata-se de uma pesquisa teórica, bibliográfica com fundamentos em artigos científicos e livros acadêmicos, bem como em lei, doutrina e jurisprudência.

Palavras-chave: Compliance. Administração Pública. Anticorrupção.

1 Introdução

A corrupção é um problema em diversos setores da sociedade e, consequentemente, as empresas públicas e privadas não estão isentas deste mal. No presente trabalho tentarei trazer uma parcela de luz sobre os programas de compliance no ambiente específico da administração pública. Para tanto, buscarei trazer ponderações sobre o ordenamento pátrio e breves comentários sobre o tema.

Blok (2020) afirma que compliance se refere à necessária obediência às normas sobre prevenção e combate a atos fraudulentos, crimes e atos corruptivos, impondo de forma legal os sujeitos a penas administrativas e criminais. Na mesma toada, Freitas (2020) define o compliance como um grande grupo de regras e procedimentos éticos que dirigem empresa, ambiente e indivíduos em seus respectivos espaços de atuação (local e internacional) com preocupações transcendentes, como a exterioridade da marca e a consideração pela própria empresa.

Trata-se de uma pesquisa teórica, bibliográfica com fundamentos em artigos científicos e livros acadêmicos, bem como em lei, doutrina e jurisprudência além dos materiais disponibilizados pela Must University no transcorrer da matéria.

2 Desenvolvimento

Um dos assuntos com mais evidência na comunidade internacional nos dias de hoje é a corrupção. Tradicionalmente vista como um crime comum cometido por funcionários públicos desonestos dentro das fronteiras nacionais, a corrupção passou a ser tratada como uma atividade vinculada às corporações multinacionais e ao crime organizado transnacional, interferindo na liberdade e representando um obstáculo ao desenvolvimento econômico, democrático e social, envolvendo violações generalizadas dos direitos humanos.

Escândalos relacionados à prática de atos de corrupção ou fraude no setor público infelizmente se tornaram um problema recorrente em nosso país e ganham as manchetes dos principais órgãos de imprensa.

A corrupção pode ser conceituada como a violação da lei, regra e moral, com o objetivo de obter privilégios pessoais, constituindo um abuso no meio econômico, social ou político. Ao longo das últimas décadas, a corrupção tem ganhado destaque, mas não é tão recente quanto parece, pois desde o século XVI, na época da colonização portuguesa, existem registros de práticas corruptivas por agentes públicos, que se perpetuam ao longo do tempo, portanto, considerado como algo cultural. A corrupção no Brasil é evidente, dado o histórico de práticas corruptas, que promovem a insegurança e a inconfiabilidade nos atos típicos de gestão, exigindo do Poder Público e das empresas uma mudança comportamental, com objetivo no melhor aproveitamento dos recursos, evidenciando transparência, boa-fé e prevenindo danos ao tesouro.

Diversas ferramentas internacionais sobre corrupção foram adotadas na última década, em resposta às questões de diversas organizações envolvidas nas ações de globalização, como a Organização dos Estados Americanos (OAE), a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a União Europeia (UE) e o Conselho Europeu (CE), entre outros.

Nesse ínterim, nasceram no país a Lei nº 8.666 de 1993, a Lei nº 8.425 de 1992, a Lei nº 12.846 de 2013, a Lei nº 13.303 de 2016 e a Lei nº 13.848 de 2019, todas ambicionando evitar, constatar e corrigir irregularidades, fraudes, atos ilícitos de desvios, combatendo assim, as práticas de corrupção e suborno.

Assim, a política criminal contra a corrupção se separou do enfoque clássico, conferindo-se máxima proeminência à repressão e prevenção de práticas corruptas no ambiente empresarial, em oposição a focalizar na penalidade dos servidores públicos.

2. 1 Compliance, Corrupção e governança corporativa

Corrputus palavra em latim, da qual deriva o termo corrupção que significa "quebrado em pedaços", mas também pode designar algo podre. A palavra é polissêmica, ou seja, possui muitas ideias diferentes, desde ações criminosas até comportamentos sexuais não convencionais, dentre outros.

A expressão jurídica de corrupção também tem diversos significados, variando conforme as características sistema jurídico pátrio em que esteja sendo feia a análise. Na França, por exemplo, se relaciona com o suborno, indicando o pagamento monetário a agente público, em troca de uma omissão ou ação conexa ao cargo ou emprego estatal. Porém, nos Estados Unidos, a corrupção possui uma designação mais abrangente, abarcando todas as formas de abuso de poder. Em alguns outros países, o termo nem sequer é aproveitado no direito penal, não obstante determinados atos correlacionados, como suborno, estejam criminalizados.

De acordo com a Convenção Interamericana Contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos - OEA, recepcionada no Brasil por meio do Decreto nº 4.410/ 2002, dispõe em seu artigo VI, 1 sobre do que pode ser entendido como atos de corrupção:

a. a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

b. a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens a esse funcionário público ou outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

c. a realização, por parte de um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de suas funções, a fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para um terceiro;

d. o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes de qualquer dos atos a que se refere este artigo; e

e. a participação, como autor, co-autor, instigador, cúmplice, acobertador ou mediante qualquer outro modo na perpetração, na tentativa de perpetração ou na associação ou confabulação para perpetrar qualquer dos atos a que se refere este artigo. (BRASIL, 2002).

No Brasil, a corrupção recebeu lugar e notoriedade nas últimas décadas, mas tal notoriedade não é tão recente quanto pensamos, nos idos do século XVI, ainda durante a colonização, há apontamento de práticas corruptivas pelos funcionários da coroa portuguesa que ao invés de cumprir suas principais funções de vigiar e fiscalizar o contrabando, comercializavam de maneira ilegal o tabaco, o pau-brasil, as especiarias e o ouro, sendo que todos necessitavam de autorização pelo rei para serem comercializados (BIASON, 2018).

O marco histórico da moralização do serviço público federal aconteceu com a promulgação da Constituição da Republica Federativa do Brasil, em 1988, trazendo em seu texto o controle orçamentário, aprovação em concurso público para posterior investidura em cargo público, expressou ainda em seu texto acerca dos princípios da administração pública (BRASIL, 1988).

2. 1 Compliance e a Lei 13.303/2016

Apesar de todas as regras criadas nas últimas décadas para evitar e punir irregularidades, há um reconhecimento mundial de que o empenho das próprias empresas e daqueles que atuam no setor público é essencial para a manutenção de um ambiente competitivo e ético. Nesse sentido, os programas de integridade, também conhecidos como programas de compliance, assumem um papel relevante no combate à corrupção.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A lei 13.303/16 também chamada de Estatuto das Estatais (parágrafo quarto do seu artigo nono) traz uma única vez em seu texto a expressão compliance ao determinar que o estatuto social deverá prever a possibilidade de que a área de compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou quando este se furtar à obrigação de adotar medidas necessárias em relação à situação a ele relatada.

Em seu § 1º, determina a elaboração e a divulgação do Código de Conduta e Integridade que disponha, entre outros atos procedimentais, sobre: princípios, valores e missão da empresa estatal, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude; canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas; mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias; sanções aplicáveis em caso de violação às regras internas de ética e conduta; e previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre o Código de Conduta e Integridade, a empregado e administradores e sobre a política de gestão de riscos, a administradores.

Outra questão relevante introduzida pela Lei nº 13.303 e pelo Decreto nº 8.945, ambos de 2016 diz respeito à observância de requisitos mínimos de transparência, um dos pilares do Compliance:

  1. - elaboração de carta anual, subscrita pelos membros do Conselho de Administração, com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa estatal e por suas subsidiárias, em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização de sua criação, com a definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim e dos impactos econômico- financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos21;

  2. - adequação do objeto social, estabelecido no estatuto social, às atividades autorizadas na lei de criação;

  3. - divulgação tempestiva e atualizada de informações relevantes, em especial aquelas relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração. Para fins de cumprimento do disposto nos itens I e III, a empresa estatal deverá elaborar carta anual única conforme modelo disponibilizado no sítio eletrônico do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

  4. - elaboração e divulgação de política de divulgação de informações, em conformidade com a legislação em vigor e com as melhores práticas;

  5. - elaboração de política de distribuição de dividendos, à luz do interesse público que justificou a criação da empresa estatal;

  6. - divulgação, em notas explicativas às demonstrações financeiras, dos dados operacionais e financeiros das atividades relacionadas à consecução dos fins de interesse coletivo ou de imperativo de segurança nacional que justificou a criação da empresa estatal;

  7. - elaboração e divulgação da política de transações com partes relacionadas, que abranja também as operações com a União e com as demais empresas estatais, em conformidade com os requisitos de competitividade, conformidade, transparência, equidade e comutatividade, que deverá ser revista, no mínimo, anualmente e aprovada pelo Conselho de Administração;

  8. - ampla divulgação, ao público em geral, de carta anual de governança corporativa, que consolide em um único documento escrito, em linguagem clara e direta, as informações de que trata o inciso III;

  9. - divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade; e

  10. - divulgação, em local de fácil acesso ao público em geral, dos Relatórios Anuais de Atividades de Auditoria Interna - RAINT, assegurada a proteção das informações sigilosas e das informações pessoais, nos termos do art. 6o, caput, inciso III, da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. (BRASIL, 2016)

3 Considerações Finais

No presente texto apresentei um breve histórico sobre como a corrupção apresenta-se problemática nas relações sociais e principalmente nas relações empresariais. E, neste último caso, especificamente, no ambiente governamental, sendo necessário que programas de compliance fossem implementados de forma preventiva e corretiva para o problema apresentado.

No Brasil, vimos que existe preocupação e atenção em relação ao tema abordado. Preocupação demonstrada por meio de normativos, regulações e demais documentos informativos que são fundamentais para a boa execução dos programas de compliance nas empresas estatais e administração direta no território nacional. Um dos propósitos do estudo do tema deste trabalho foi trazer luz ao compliance no ambiente governamental e demonstrar como ele é regulado, sendo que o assunto não foi abordado em sua completude, necessitando para isso, um aprofundamento, possivelmente, posterior, em momento oportuno.

4 Referências Bibliográficas

Araújo, V. S., De Brito André dos Santos, B., & Vieira Xavier, L. (2019). Compliance na administração pública brasileira. Revista De Direito Administrativo e Constitucional, 19 (77), 247.

Biason, R. C. (2018) A corrupção na História do Brasil: Sentidos e Significados. Revista da Controladoria Geral da União. 11 (19), 9.

Blok, M. (2020). Compliance e governança corporativa (3th ed.). Freitas Bastos.

Brasil. (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição/constituição.htm. Acessado em: 05 de setembro de 2022.

Brasil. Casa Civil. (2002). Decreto 4.410. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4410.htm. Acessado em 05 de setembro de 2022.

Brasil. Casa Civil. (2016). Lei 13.303. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm. Acessado em 05 de setembro de 2022.

Coelho, C. C. B. P. (2016). Compliance na administração pública. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, 3 (01), 75-95.

Eduardo Adriano Japiassú, C. ., & Lúcia Tavares Ferreira, A. . (2022). A Lei Anticorrução e os Programas de Compliance no Brasil. Revista Científica Do CPJM, 1 (03), 139–153.

Freitas, D.(2020). Compliance e políticas anticorrupção (1st ed.) Contentus.

Gonçalves, L. G. (2019). Compliance na Administração Pública. Trabalho de Conclusão de Curso, Faculdade Vale do Cricaré, São Mateus, ES, Brasil.

Polettini, M. R. N. F. (2021). Compliance na Administração Pública. Revista JurisFIB, 12 (12), 25-34.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos