A aplicação do poder de polícia sobre a atuação da polícia municipal

04/01/2021 às 19:16
Leia nesta página:

Trata-se de um artigo que discute sobre a atuação da guarda municipal sob os efeitos do Poder de Polícia. Descortina todo seu fundamento legal para deixar claro de que o Poder de Polícia não é eminentemente à uma ou demais instituição.

SÍNTESE DOS FATOS

A Associação dos Oficiais Militares do Estado de Mato Grossso do Sul – AOFMS, a Associação e Centro Social dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado de Mato Grosso do Sul – ACSPMBM/MS, a Associação dos Militares Estaduais – AME/MS, a Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul – ASPRA/MS promoveram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) com pedido cautelar, perante a segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJMS), com o objetivo de promover a declaração de inconstitucionalidade, e consequente retirada do ordenamento jurídico, a emenda à Lei Orgânica Municipal (LOM) n.º 37/18, de 18 de outubro de 2018, referendada pela Câmara dos Vereadores do Município de Campo Grande, que alterou a redação do inciso IV, do art. 8º, bem como a redação da subseção II, do caput do art. 81 e seus respectivos parágrafos, todos da LOM, sob o argumento de que essas alterações passaram a denominar a Guarda Municpal como Polícia Municipal, bem como atribuíram ao policiamento municipal o desempenhdo de atividades típicas de policiamento preventivo, ostensivo e repressivo da Polícia Militar/MS.

DO DIREITO

Em breve síntese, a questão de mérito pleiteada pelos autores é de que a “criação” da Polícia Municipal, com as funções atribuídas pela emenda n.º 37/18, afronta tanto o texto da Constituição Federal quanto da Constituição Estadual, uma vez que as normas mencionadas definem em caráter exclusivo as entidades policiais encarregadas na proteção da segurança pública. Vejamos,respectivamente, o art. 144 da Carta da República, bem como o art. 44 da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul :

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Constituição Estadual:

Art. 40. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública, das prerrogativas da cidadania, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos, subordinados administrativa e operacionalmente ao Secretário de Estado de Segurança Pública:

I - a Polícia Civil;

II - a Polícia Militar;

III - Corpo de Bombeiros Militar.

Ademais, o Estatuto da Polícia Militar define com exclusividade aos policiais militares a atuação ostensiva e preventiva na proteção de segurança pública:

Art. 47. À Polícia Militar incumbem, além de outras atribuições que a lei estabelecer:

I - policiamento ostensivo e preventivo de segurança;

II - policiamento preventivo e ostensivo para a defesa do meio ambiente;

III - policiamento do trânsito urbano e do rodoviário estadual, por delegação do Departamento Estadual de Trânsito;

IV - a guarda externa dos presídios, quando esta não for exercida por agentes penitenciários estaduais;

V - as atividades de polícia judiciária militar.

Destaca-se ainda que a função da guarda municipal delineada no §8º, do art. 144 da CF, é apenas para proteção de bens, serviços e instalações dos entes municipais:

Art. 144[…] § 8º: Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

No entanto, os autores intentaram a presente ADIN de maneira equivocada. Explico.

Mudar a nomenclatura “Guarda Municipal” para “Polícia Municipal” não é inadequada. Todos os entes federativos possuem o poder/prerrogativa de polícia, que na conceituação do saudoso Doutrinador José dos Santos Carvalho Filho é a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade (Manual de Direito Administrativo, 28º ed. Revista Atlas, pg.133).

Esse poder (de polícia) não tem como titular a Polícia Militar ou qualquer outra entidade policial que o utilize. Os entes federativos para fazer frente às suas obrigações detêm essa prerrogativa, utilizando-a da maneira que lhe convirem e, obviamente, não podendo ultrapassar os limites da lei ou os interesses dos administrados, sob pena de incorrerem em abuso de poder.

Nos termos da exordial, os autores alegaram que a emenda n.º 37/18 cria um novo órgão policial, afrontando o texto constitucional federal e estadual. Entretanto, tal emenda, juntamente com a emenda n.º 31/13 aclara e explica a realidade em que vivem os policiais municipais, pois o crescimento exponencial da violência e da criminalidade são alarmantes, de modo que o patrulhamento municipal, como protetor de bens, serviços e instalações do Município não pode ficar à mercê dessa situação.

Vejamos o texto alterado da LOM:

“Art. 1º O inciso IV, do Art. 8º da Lei Orgânica do Município de Campo Grande - MS, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 8º... I - ... ; II - ... ; III - ... ; IV - criar e manter a Polícia Municipal armada e uniformizada, necessária à proteção de seus bens, logradouros, serviços, instalações e à ordem pública, e também como serviço permanente de proteção dos munícipes e pessoas em geral;

Subsção II

Da Polícia Municipal

Art. 81. A Polícia Municipal de Campo Grande será mantida e destinada a AUXILIAR na manutenção da ordem pública, bem como cuidar de bens, serviços, instalações e da integridade física dos cidadãos.

§ 1º A Polícia Municipal terá caráter essencialmente civil, eminentemente preventivo, sendo que os policiais municipais estarão necessariamente armados e uniformizados.

§ 2º Os policiais municipais têm o dever de cooperar com os órgãos federais e estaduais de segurança pública, para a prevenção do delito, a repressão da criminalidade e a preservação da ordem pública.

§ 3º A Polícia Municipal destina-se ao policiamento preventivo e administrativo da cidade, das vias, dos logradouros, dos parques, das praças, jardins, edifícios públicos e quaisquer outros bens de domínio público municipal.

§ 4º A Polícia Municipal terá também a função de atuar de forma complementar aos serviços municipais afetos ao exercício do poder de polícia administrativa, no âmbito da competência municipal, na fiscalização do trânsito e do meio ambiente, podendo, inclusive, realizar autuações, detenções e apreensões por infrações administrativas e apresentações aos órgãos públicos competentes, nos casos de crimes, para outras providências, além de todas as demais atribuições inerentes à fiscalização de posturas no município.

§ 5º A investidura no cargo de Polícia Municipal será feita através de concurso público, sendo exigido que os participantes tenham concluído o ensino médio.

§ 6º A Polícia Municipal poderá celebrar convênios com Instituições, Entidades e Órgãos com objetivo de preparar e qualificar servidores para a execução desta Lei Orgânica. (NR)” Art. 3º Esta Emenda à Lei Orgânica do Município de Campo Grande entra em vigor na data de sua publicação. Negritamos.

Pois bem, nos termos do artigo acima citado, é cristalino dizer que o policiamento municipal não foi inserido no rol de órgãos que compõe a segurança pública, ao revés, trata-se de um órgão municipal que possui atribuições de auxiliar as entidades policiais de segurança pública, sobretudo a Polícia Militar que possui uma atuação mais ativa e próxima à atividade desempenhada pela Polícia Municipal.

Dessa forma, a Pólícia do Munícipio de Campo Grande coopera com as demais instituições de segurança pública no que diz respeito à prevenção do delito, à repressão da criminalidade e à preservação da ordem pública, sob o uso de seu poder de polícia, não configurando-se como órgão de Segurança Pública. Refrisa-se que a atividade é preventiva e não ostensiva, a qual cabe apenas ao patrulhamento da Polícia Militar.

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A exemplo disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que poder de polícia não é o mesmo que segurança pública, de modo que o exercício daquele não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, pois a Constituição outorgou tão somente a estas: a exclusividade de promover a segurança pública. Vejamos:

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER DE POLÍCIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Poder de polícia não se confunde com segurança pública. O exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a quem a Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção da segurança pública. 2. A fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas legalmente previstas, embora possa se dar ostensivamente, constitui mero exercício de poder de polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais. 3. O Código de Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a competência comum dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito. 4. Dentro de sua esfera de atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe compete seja exercido pela guarda municipal. 5. O art. 144, §8º, da CF, não impede que a guarda municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Até mesmo instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de poder de polícia. Entendimento que não foi alterado pelo advento da EC nº 82/2014. 6. Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas. (REX 658570/MG). Negritamos.Ademais, o caput do art. 144 da Constituição Federal, reproduzido também no art. 44 da Constituição estadual, define que a segurança pública é dever do Estado. Estado esse, que inclui todos os entes federativos, da forma, evidentemente, que a lei dispuser, isto é, cada ente dentro de sua incumbência, nos termos da lei.

Com efeito, haja vista que os Municípios detêm a faculdade de criarem o seu policiamento municipal, conforme prevê o §8º, do art. 144 da CF, a cidade de Campo Grande criou e hoje busca estruturar, de uma forma sólida, o seu policiamento para o fim de proteção de seus bens, serviços e instalações.

É digno de nota que o texto constitucional não eximiu a obrigação de o Município atuar com os outros entes na proteção da Segurança Pública, mas deve atuar criando os seus órgãos para uma atuação cooperativa e auxiliar, sem ofuscar/atrapalhar o batalhão de frente, que são os órgãos definidos pela Carta Magna.

Assim, a atuação municipal não tem como diretriz invadir/ocupar as atribuições da Polícia Estadual. Há uma clara distinção entre polícia-corporação e polícia-função. A primeira diz respeito à polícia administrativa, cuja característica é intervir no âmbito das atividades individuais suscetíveis a abalo dos interesses gerais, impedindo os danos sociais que a lei busca prevenir. Já a segunda se confunde com o próprio conceito do poder de polícia, pois é a atividade administrativa, ou seja, a ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais.

Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho, a polícia-corporação executa frequentemente funções de polícia administrativa, mas a polícia-função, ou seja, a atividade oriunda do poder de polícia, é exercida por outros órgãos administrativos além da corporação policial (Manual de Direito Administrativo, 28º ed. Revista Atlas, pg.133).

CONCLUSÃO

Portanto, o Município de Campo Grande, por meio da Câmara de Vereadores, fazendo uso de seu poder de polícia, especificamente com a utilização da polícia-função, emendou o texto da LOM no que toca ao policiamento municipal, no intuito de reforçar o auxílio e a cooperação entre a Polícia Municipal e órgãos de atuação da Segurança Pública, não havendo afronta ao texto constitucional federal nem mesmo estadual.

BIBLIOGRAFIA

_____FILHO, José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. Revista Atla. 28º ed. 2014.

_____Recurso Extraordinário 658570/MG. Relator Min. Marco Aurélio. Julgado em 06/08/2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9486497. Acesso em: 23/02/2019.

_____Constituição Federal da República do Brasil de 1988.

_____Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul de 1989.

_____Lei Orgânica Municipal de Campo Grande – MS de 1990. Disponível em: http://www.camara.ms.gov.br/public/leis/lei_organica_municipal_1.pdf. Acesso em: 23/02/219.

Sobre o autor
Luan Caique da Silva Palermo

Sou formado desde 2018. Comecei a advogar no início de 2019. Minha carreira lastreia-se pela área cível, administrativo e previdenciário. Sou pós-graduando em processo civil e professor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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