Sucessão empresarial nas hipóteses de alienação judicial em processo de falência e de alienação de unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial

02/05/2020 às 01:09
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O presente artigo aborda a sucessão empresarial nas hipóteses de alienação judicial em processo de falência e de alienação de unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial.

1. A Recuperação Judicial de Empresas no Brasil

A recuperação judicial, extrajudicial e a falência das sociedades empresárias é regulada no Brasil pela Lei 11.101/2005, e tem como principal objetivo além de regular os procedimentos de soerguimento das empresas, a preservação do emprego, a garantia da função social da empresa, a valorização do trabalho e a satisfação dos credores do devedor.

De acordo com os artigos 1º e 2º da Lei 11.101/2005, estão submetidos ao processo de falência, recuperação judicial e extrajudicial apenas os empresários, e sociedade empresária, não se estendendo à empresas públicas ou sociedades de economia mista, instituições financeiras (públicas ou privadas), cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização ou outras legalmente a elas equiparadas.

Diante do cenário econômico vivenciado hoje no Brasil a recuperação de empresas tem se destacado, não só pelo número de pedidos de recuperação judicial protocolados, mas principalmente das oportunidades que delas decorrem.

Isso porque, a Lei 11.101/2005, lista em seu art. 50 uma série de mecanismos que podemos (e devem) ser adotados para a solução da crise econômica. A lei também prevê mecanismos de realização de ativos, isto é, a verificação do patrimônio do devedor para pagamento de credores.

Dentre essas possibilidades está a alienação total ou parcial da companhia em caso de falência ou a constituição de unidades produtivas isoladas, no caso da recuperação judicial que, em apertada síntese, configura a separação de parte do patrimônio e da produtividade do devedor que se alienada não importará na extinção da sociedade em recuperação judicial.

A alienação judicial da empresa ou a aquisição de unidades produtivas isoladas apresentam características importantes e singulares no que tange à sucessão empresarial (aquisição do passivo pré-existente) da companhia que diferem da aquisição comum de mercado.

2. A sucessão tributária no Código Tributário Nacional e na Lei de Recuperação e Falências

Conforme preceitua o artigo 133 do Código Tributário Nacional (CTN), a pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional e continuar a respectiva exploração, responderá pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato.

A responsabilidade será integral caso o alienante cesse a exploração do comércio, indústria ou atividade, e subsidiária com o alienante se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Entretanto, essa regra geral prevista no CTN acabou sendo mitigada com o advento da Lei Complementar 118/2005. Referida lei trouxe alterações importantes no artigo 133 do CTN, ao inserir os parágrafos primeiro, segundo e terceiro, dispondo, em linhas gerais, que não haverá sucessão empresarial nas hipóteses de alienação judicial em processo de falência, ou de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

Porém, há três ressalvas do legislador, em que subsistirá a responsabilidade do sucessor pelas dívidas da alienação, quais sejam, ser o adquirente: a) sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; b) parente, em linha reta ou colateral até o 4º grau, consanguíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou, ainda, c) identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do agravo de instrumento nº 0151093-93.2012.8.26.0000, de relatoria do Desembargador Oswaldo Luiz Palu, abordou tal matéria:

"AGRAVO. Recuperação judicial. Sucessão. Execução Fiscal. Pretenso reconhecimento à sucessão tributária. Decisão que não redirecionou a execução fiscal pela ausência de demonstração dos pressupostos do § 2º inciso I do art. 133 do CTN. Não se caracteriza a sucessão na hipótese de alienação judicial em processo de falência ou de alienação judicial de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial, hipóteses somente excepcionadas pelo parágrafo 2º do citado artigo. No caso, ficou demonstrado que o estabelecimento da empresa agravada fora objeto de "Contrato de compra e venda de Ativos e outras Avenças" celebrado com a sociedade empresária B.F. UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA, como medida integrante do plano de recuperação judicial (fls. 147/166). Manutenção. Estabelecimento da executada que fora objeto de contrato de compra e venda por outra empresa como medida integrante de plano de recuperação judicial. Ausência de requisitos do art. 133 que autorizem a sucessão tributária. Recurso não provido."[1] (grifou-se e destacou-se)

Em harmonia com as alterações do Código Tributário Nacional pela Lei Complementar 118/2005, o artigo 60 da Lei de Recuperação e Falências (Lei 11.101/2005) dispõe que se o plano de recuperação judicial prever a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas, o juiz ordenará a sua realização, sendo o objeto da alienação livre de qualquer ônus, não havendo, também, sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária.

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Vale dizer. O adquirente passa a administrar e ser proprietário de uma empresa que já existia, mas como se nova fosse, sem que passivo algum ainda exista.

Interessante notar que, conquanto o parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/05 não faça menção a não sucessão de débitos trabalhistas na recuperação judicial, há uma vinculação direta com o que determina o parágrafo primeiro do art. 141 da mesma lei, ao tratar sucessão empresarial na falência, que previu expressamente a falta de sucessão do adquirente nos débitos de qualquer natureza, inclusive as de natureza trabalhista, repetindo o teor da Lei Complementar 118/2005 quanto às ressalvas.

Se isso já não fosse suficiente para garantir ao adquirente, seja na falência ou na recuperação judicial, a tranquilidade de que a empresa ou unidade produtiva adquirida estaria totalmente livre de ônus, em 27 de agosto de 2009, o Supremo Tribunal Federal pacificou a questão no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3934, decidindo de forma unânime que a não sucessão de obrigações trabalhistas na recuperação judicial é prevista por lei e absolutamente constitucional.

Tal decisão acabou conferindo maior segurança jurídica para a empresa sucessora, que não será mais surpreendida com a responsabilização pelo pagamento de débitos trabalhistas da empresa sucedida.

Dessa forma, podemos concluir que tal inovação legislativa, somada ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal incentiva a existência de interessados na compra de ativos e até mesmo de filiais ou unidades produtivas isoladas, dando maior segurança ao soerguimento de empresas em recuperação judicial e garantido a possibilidade da satisfação dos credores na falência.

Em outras palavras, o objetivo da Lei é permitir que a crise econômico-financeira da empresa seja superada através de uma solução de mercado, pois caso houvesse a sucessão de tais dívidas, dificilmente haveria interessados na aquisição da empresa em recuperação ou falência, tornando totalmente inócua a Lei 11.101/05.


[1] TJ-SP - AI: 0151093-93.2012.8.26.0000, Relator: Oswaldo Luiz Palu, Data de Julgamento: 06/02/2013, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 06/02/2013.

Sobre o autor
Marcus Filipe Freitas Coelho

Mestre em Direito Ambiental (com bolsa CAPES) pela Universidade Católica de Santos (2017-2018). Especialista em Direito e Gestão de Contratos (2021). Especialista em Direito Médico e Hospitalar (2021). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2016). Autor do livro Direito à Moradia e Inclusão Social: Regularização fundiária urbana e a responsabilidade dos Municípios (2022). Advogado com experiência profissional na área Societária, especificamente em startups, e na área Cível, abrangendo o contencioso e o consultivo nas especificações do Direito Empresarial, Contratual e Arbitral. Foi Assessor de Apoio para Assuntos Jurídicos do Exército Brasileiro, atuando no Comando Militar do Sudeste (CMSE) no assessoramento jurídico com foco na área de Direito Público, Direito Penal e Direito Militar (2023-2024). Atuou como conciliador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Juizado Especial Cível - Anexo UniSantos (2018-2023).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo originalmente publicado em espanhol no Guia "Cómo Hacer Negocios en Brasil - 2016", da Cámara Oficial Española de Comercio En Brasil.

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