A divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o prazo prescricional nas ações indenizatórias decorrentes de desapropriação indireta

27/03/2020 às 20:58
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A desapropriação direta é quando se observa os requisitos constitucionais e legais e a desapropriação indireta é quando o Estado se apossa de bem de terceiro, havendo discussão nesta sobre o prazo prescricional para ajuizar eventual ação indenizatória.

I - INTRODUÇÃO

             A desapropriação é um dos temas de Direito Administrativo que, de longe, produz maiores divergências doutrinárias e jurisprudenciais em nosso ordenamento jurídico.

            Há toda uma construção histórica e consolidada antes mesmo da Constituição Federal de 1988, a começar pela legislação, a exemplo, do Decreto-Lei nº 3.365/41 que dispõe sobre o procedimento da desapropriação por utilidade pública cujas regras deram origem a diversos entendimentos judiciais, inclusive, súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

            Trata-se a desapropriação de espécie de intervenção supressiva da propriedade em que a posse e/ou a propriedade do bem é transferida para o Poder Público mediante, em regra, prévia indenização a fim de viabilizar o exercício das funções estatais ou por causa do descumprimento da função social da propriedade, conforme se infere dos artigos 5º, XIV, 182, §4º e 184, todos, da Constituição Federal.

            A partir de construção doutrinária e jurisprudencial, a desapropriação se classifica em direta, quando o Poder Público observa o procedimento constitucional e legal para a transferência da posse e/ou propriedade entre os quais se destaca o pagamento prévio de indenização, e indireta, quando o Poder Público simplesmente apossa do bem sem observância de qualquer procedimento.

            O presente ensaio irá tratar da desapropriação indireta, notadamente, da divergência sobre o prazo prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória pelo prejudicado em face do apossamento do bem pelo Poder Público e, para tanto, utilizará como metodologia a pesquisa descritiva tendo por fontes a doutrina administrativa e civilista, além das decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que enfrentaram o tema.

II – DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

A desapropriação indireta é uma construção doutrinária e jurisprudencial pela qual o Poder Público promove o apossamento administrativo (esbulho) da propriedade sem observância dos requisitos constitucionais e legais do procedimento da desapropriação, a exemplo, da declaração de utilidade pública e do pagamento prévio de indenização.

Tal instituto não é condizente com o Estado de Direito, no qual o Poder Público também deve observância ao ordenamento jurídico, registrando que a propriedade é um direito fundamental e a própria Constituição Federal de 1988 já estabelece requisitos para que a propriedade possa ser desapropriada, entre os quais, destacamos o pagamento prévio de indenização.

Importa registrar, nesse sentido, o entendimento JUSTEN FILHO[1]:

A desapropriação indireta consiste no apossamento fático pelo Poder Público, sem autorização legal ou judicial, de bens privados. Trata-se, em última análise, de prática inconstitucional, cuja solução haveria de ser a restituição do bem ao particular, acompanhada de indenização por perdas e danos, e a punição draconiana para os responsáveis pela ilicitude.

A conduta ilícita do Poder Público de tomar a propriedade privada malfere direitos fundamentais, notadamente, o direito de propriedade (art. 5º, XXII) e o direito de que a desapropriação somente ocorra nos termos do procedimento previsto em lei e que se observe a regra do pagamento prévio da indenização (art. 5º, XXIV). 

Em que pese tal posicionamento aqui defendido, há toda uma construção doutrinária detalhando o procedimento a ser adotado a partir da constatação do apossamento do bem pelo Poder Público, restando ao titular do domínio esbulhado ajuizar ação possessória ou, na impossibilidade desta, promover o ajuizamento de ação indenizatória.

A ação possessória tem por objeto a reintegração do imóvel desde que este ainda não tenha sido incorporado ao patrimônio público.

O procedimento judicial das ações possessórias está previsto no Código de Processo Civil, estabelecendo o art. 561 do CPC à comprovação, por parte do Autor, quando do ajuizamento da ação, dos seguintes requisitos: a) a sua posse (naturalmente a posse anterior); b) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; c) a data da turbação ou do esbulho; e, d) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

Não se verifica divergência doutrinária sobre a possibilidade de manejar ações possessórias contra a Fazenda Pública, impondo tão somente a audiência prévia dos respectivos representantes judiciais, antes de decidir sobre a manutenção ou reintegração liminar nos termos do parágrafo único do art. 562 do CPC (antigo parágrafo do art. 928 do CPC/73).

Por todos, reportarmo-nos aos ensinamentos de FARIAS e ROOSENVALD[2]:

Quando a agressão à posse partir do Poder Público, o particular também poderá repelir o esbulho, mediante a ação reintegratória, com a peculiaridade da impossibilidade de obtenção de tutela liminar inaudita altera parte, exigindo-se a prévia audiência do representante da pessoa jurídica (art. 928, parágrafo único, do CPC). Contudo, se ao desapossamento seguir-se a realização de obra pública, o bem será incorporado ao patrimônio da pessoa jurídica de Direito Público, não se permitindo a defesa com base nos interditos. Restará ao particular a pretensão indenizatória, que, com a vigência do Código Civil, teve o prazo prescricional fixado em 03 (três) anos, na letra do art. 206, §3º, III.

            Há um limitador quanto ao ajuizamento da ação possessória, qual seja, a realização de obra pública ou, melhor dizendo, a incorporação do bem ao patrimônio público, cuja razão de existir é o art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41, vide transcrição:

Art. 35.  Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

            Não há regra legal para definir qual o marco temporal que será considerado para saber se o bem foi ou não incorporado ao patrimônio público (início, execução ou conclusão da obra), o que gera uma insegurança jurídica ao esbulhado quanto à ação a ser proposta.

Já adianta que referido prazo deve ser contado a partir do conhecimento do fato, ou seja, da ciência do proprietário quanto ao apossamento administrativo realizado pelo Poder Público, afastando a regra contida no art. 1º do Decreto 20.910/32 de considerar o termo inicial como a data do ato ou fato que deu origem à ação de indenização até mesmo pela ausência de publicidade em que se dá o apossamento por parte do Poder Público.

Havia entendimento jurisprudencial pela inviabilidade de converter a ação de reintegração de posse (rito especial) em ação indenizatória pela desapropriação indireta (rito ordinário), ao fundamento da inexistência de fungibilidade entre essas[3]. Assim, caso o esbulhado ajuizasse ação reintegratória, quando já caracterizado a incorporação do bem ao patrimônio público, a solução seria a extinção do processo pela ausência de interesse de agir.

Ocorre que tal entendimento foi superado, permitindo a conversão da ação reintegratória em ação possessória, desde que haja pedido nesse sentido, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (Info 414):

Foi ajuizada ação reintegratória com o fim de recuperar a posse de imóveis contratualmente cedidos a ente da administração indireta por tempo determinado. Nas instâncias ordinárias, firmou-se que esses imóveis estão afetados ao serviço público (são aterros sanitários), o que inviabiliza a pretensão reintegratória. Contudo, certo é que a ocupação e a destinação do bem ao serviço público caracterizam desapropriação indireta (art. 35 do DL n. 3.365/1941), remanescendo ao autor buscar indenização por danos, a qual envolve, no caso, a responsabilidade contratual (descumprimento do contrato) e extracontratual (decorrente da desapropriação indireta). Lastreada nos princípios da celeridade e da economia, a jurisprudência, tanto do STF quanto do STJ, admite, além da tutela das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa certa distinta de dinheiro, a possibilidade de que a ação reintegratória seja convertida em ação de indenização por desapropriação indireta. Na hipótese, há pedido indenizatório, daí nada obstar a conversão. Precedentes citados do STF: RE 109.853-SP, DJ 19/12/1991; do STJ: REsp 502.519-MA, DJ 15/3/2004; REsp 431.845-SP, DJ 30/9/2002; REsp 1.075.856-CE, DJe 5/8/2009; REsp 439.062-GO, DJ 3/2/2003; REsp 770.098-RS, DJ 13/9/2006, e REsp 1.007.110-SC, DJe 2/3/2009. (STJ - REsp 1.060.924-RJ, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 3/11/2009) GRIFO NOSSO

            Fato é que não há um marco ou linha em que se verifica a incorporação do bem ao patrimônio público e, dessa forma, o expropriado na opção de ajuizar ação de reintegração de posse, deve adotar uma das seguintes cautelas: a) constar pedido de conversão da ação possessória em ação indenizatória na hipótese de restar inviabilizado a devolução do bem em vista da incorporação ao patrimônio público; ou b) constar pedido sucessivo, na hipótese de não ser procedente a ação possessória, para que seja conhecido o pedido indenizatório.

            Há situações em que não existe qualquer dúvida sobre a incorporação do bem ao patrimônio público e, dessa forma, inviável a utilização da ação possessória, o que nos leva a outra opção, qual seja, a ação indenizatória.

Diferente da desapropriação direta, não há rito especial na ação de desapropriação indireta ou indenizatória, impondo-se a observância do rito ordinário, cujo objeto é reclamar a indenização pela perda do bem, em face de sua ocupação e incorporação pelo Estado.

Quanto a esta última opção, há divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o prazo prescricional para o ajuizamento da ação indenizatória, a partir do enquadramento do bem pretendido, via referida ação, como sendo de natureza pessoal ou real.

Apontamos que o art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 3.365/41 chegou a ser alterado pela Medida Provisória nº 2.183/01, para estabelecer o prazo de 05 (cinco) anos para propositura da ação indenizatória decorrente de apossamento administrativo e/ou de desapropriação indireta, não obstante, tal alteração foi suspensa, por liminar, pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 2.260/00[4], conforme noticiado no informativo de nº 217/01:

Ação de Indenização e Prescrição Extintiva - O Tribunal deferiu, em parte, medida cautelar requerida em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados Brasil para suspender, até decisão final, a expressão abaixo sublinhada, contida no parágrafo único do art. 10 do DL 3.365/41, na redação dada pela MP 2.027-40/2000, e suas subseqüentes reedições ("Parágrafo único. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público"). O Tribunal entendeu, à primeira vista, que a redução do prazo prescricional para as ações de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta ofende a garantia constitucional da justa e prévia indenização em dinheiro (CF, art. 5º, XXIV). Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que deferia integralmente o pedido de medida cautelar. (STF – ADInMC 2.260-DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 14/02/01) GRIFO NOSSO

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A inexistência de regra legal específica quanto ao prazo prescricional para o ajuizamento da ação indenizatória em decorrência de desapropriação indireta alimenta a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.

Para alguns a natureza da pretensão seria de direito pessoal aplicando-se, portanto, o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, com fundamento no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, ou de 03 (três) anos, para aqueles que defendem a aplicação do art. 206, §3º, V da Lei nº 10.406/02 (Código Civil)[5] para o ajuizamento da ação indenizatória.

Lado outro, para aqueles que advogam ser a referida pretensão de natureza real, o prazo prescricional seria o mesmo da usucapião extraordinária, sob o argumento de que não existiria um prazo específico para o ajuizamento dessa ação e, dessa forma, permitiria ao prejudicado acionar o Estado enquanto não ultrapassado o prazo para a aquisição via usucapião da propriedade pelo Poder Público.

Esta última posição foi consolidada em súmula[6] do Superior Tribunal de Justiça na vigência e com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, importando ressalvar que houve mudança tão somente quanto ao prazo utilizado como paradigma, o qual antes era de 20 anos (CC/16) e atualmente aplicar-se-ia o prazo de 10 (dez) anos (CC/02).

Referido prazo decorre de uma solução interpretativa a partir do art. 1238 e de seu parágrafo único, vide transcrição:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Afinal, qual o prazo prescricional aplicável, 15 ou 10 anos?

            A fim de entender a divergência, reportamo-nos aos ensinamentos de MARINELA[7], que após informar sobre a prevalência, por um bom período, da prescrição vintenária, assim discorre:

Ocorre que, em junho de 2013, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decide que, com a entrada em vigor do novo Código Civil, houve alteração no prazo da usucapião extraordinária, o que implicou a redução do prazo prescricional para o ajuizamento da ação de desapropriação indireta. A Turma entendeu que incide nessas hipóteses o mesmo prazo previsto para a usucapião extraordinária por posse-trabalho, previsto no parágrafo único do art. 1.238 do Código, observadas as regras de transição previstas no art. 2.028 da Lei. Concluiu no julgamento do REsp 1.300.442 que a pretensão indenizatória decorrente de desapropriação indireta prescreve em vinte anos na vigência do Código Civil de 1916 e em dez anos na vigência do Código Civil de 2002, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do novo Código. GRIFO NOSSO

            No mesmo sentido, MAZZA[8] advoga que “Recentemente firmou-se o entendimento de que o prazo para propositura da ação de indenização por desapropriação indireta, após entrada em vigor do Novo Código Civil, é de dez anos (STJ: REsp 1300442, com base no art. 1.238 do Código Civil, entendendo não ser mais aplicável a súmula 119 do Superior Tribunal de Justiça).”

            Da leitura do julgado (REsp 1.300.442), destacamos, entre outros, o argumento do Relator de que “...a desapropriação indireta pressupõe a realização de obras pelo Poder Público ou sua destinação em função da utilidade pública ou do interesse social.” e, portanto, aplicável a parte final do parágrafo único do art. 1.238 do CC (posse-trabalho).

            Ocorre que a 1ª Tuma do Superior Tribunal de Justiça vinha divergindo sobre o tema, entendendo que não se aplicaria o prazo do parágrafo único, mas o caput do art. 1.238 do CC, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO, APLICANDO O PRAZO DE 10 ANOS DO PARÁG. ÚNICO DO ART. 1.238/CC. ENTENDIMENTO REAFIRMADO PELA EGRÉGIA 1a. TURMA DE PREVALÊNCIA NAS HIPÓTESES DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA DO PRAZO PRESCRICIONAL DE 15 ANOS DETERMINADO NO CAPUT DO ART. 1.238 DO CC/2002. IMPOSSIBILIDADE DE O REDUTOR PREVISTO PARA FINS DE USUCAPIÃO BENEFICIAR O PODER PÚBLICO NOS CASOS DE DESAPROPRIAÇÃO. NO CASO CONCRETO, A DEMANDA ESTÁ REALMENTE PRESCRITA, PORQUANTO AJUIZADA 19 ANOS APÓS O APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO E, ANTE AS REGRAS DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028 DO CC/2002, DEVEM SER APLICADOS, NESTE CASO, OS PRAZOS DA NOVA LEI SUBSTANTIVA. AGRAVO INTERNO DOS PARTICULARES A QUE SE NEGA PROVIMENTO, ALTERANDO-SE A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. 1. Esta 1a. Turma do STJ reafirma seu entendimento, obtido por maioria, de que a ação indenizatória por desapropriação indireta prescreve no lapso temporal de 15 anos determinado no caput do art. 1.028 do CC/2002, não se aplicando as exceções do parágrafo único dirigidas ao particular, para fins de usucapião, nas hipóteses de desapropriação indireta. 2. Entendimento diverso conferiria ao Poder Público privilégio que a mens legis direciona apenas e tão somente ao particular, para fins de aquisição da propriedade imobiliária. 3. No caso concreto, a demanda está realmente prescrita, porquanto ajuizada 19 anos após o apossamento administrativo e, ante as regras de transição do art. 2.028 do CC/2002, devem ser aplicados, neste caso, os prazos da nova Lei Substantiva. Como demonstrou o douto Relator, o apossamento administrativo se deu em 1995 e a ação somente foi proposta em 2014. 4. Agravo Interno dos particulares a que se nega provimento, alterando-se, porém a fundamentação da decisão agravada. (STJ - AgInt no REsp 1553477/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 05/09/2017)

            Referido julgado se reporta a outro julgado da 1º Turma de 2011[9], no qual se sustenta que o prazo prescricional vintenário foi reduzido para 15 (quinze) anos a partir da vigência do Código Civil de 2002.

            A querela veio a ser decidida ainda em 2017[10] em julgamento de embargos de divergência pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se o prazo de 10 (dez) anos para postular judicialmente indenização em caso de desapropriação indireta, tratando-se do entendimento atualmente majoritário no Superior Tribunal de Justiça[11].

            Por fim, está em andamento no Superior Tribunal de Justiça o Recurso Especial nº 1.757.352, em recurso representativo de controvérsia, cujo tema 1.019 submetido a julgamento é a definição do prazo prescricional aplicável à desapropriação indireta na hipótese em que o Poder Público tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao imóvel, se de 15 anos, previsto no caput do art. 1.238 do CC, ou de 10 anos, nos termos do parágrafo único.

III – CONCLUSÃO

            A possibilidade do Poder Público tomar a propriedade de terceiros sem a observância de qualquer procedimento prévio, simplesmente apossando do bem, é uma conduta totalmente incoerente com o Estado Democrático de Direito, notadamente, quando a própria Constituição Federal estabelece a propriedade como direito fundamental e estabelece regras para que possa haver a desapropriação.

            A par da consideração, em situações como essa, o Poder Público deveria ser obrigado à restituição imediata do bem e, de forma concomitante, o gestor deveria ser responsabilizado pela ilicitude, inclusive, por improbidade administrativa por não observância da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional que tratam do procedimento da desapropriação, acarretando, no mínimo, malferimento dos princípios que regem a Administração Pública.

            Ocorre que há situações concretas em que a propriedade apossada pelo Poder Público acaba por incorporar ao patrimônio público, a exemplo, da conclusão de obra pública ou implantação de serviço público, o que dificulta o retorno ao status quo com a restituição da propriedade ao anterior proprietário e, por tal razão, na doutrina e na jurisprudência formatou-se o que se denomina de desapropriação indireta, permitindo ao proprietário prejudicado exigir o pagamento de indenização na impossibilidade de restituição do bem.

            Da possibilidade de postular indenização nos casos de desapropriação indireta, há tempos doutrina e jurisprudência diverge sobre o prazo prescricional para o ajuizamento da ação respectiva, o que vai decorrer, inclusive, da natureza pessoal ou real da pretensão.

Para aqueles que defendem a natureza de direito pessoal, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação indenizatória seria de 05 (cinco) anos com fundamento no art. 1º do Decreto nº. 20.910/32 ou de 03 (três) anos para aqueles que defendem a aplicação do art. 206, §3º, V da Lei nº 10.406/02 (Código Civil).

Já para aqueles que advogam ser a referida ação de natureza real, o prazo prescricional seria o mesmo da usucapião extraordinária, sob o argumento de que não existiria um prazo específico para o ajuizamento dessa ação e, dessa forma, permitiria ao prejudicado acionar o Estado enquanto não ultrapassado o prazo para a aquisição via usucapião, entendimento este que foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça com a publicação da súmula nº 119 publicado nos idos de 1994.

Ocorre que o Código Civil             de 2002 alterou o prazo da usucapião extraordinária que passou a ser, como regra, de 15 (quinze) anos, salvo se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, exceções em que o prazo é de 10 (dez) anos.

O entendimento prevalecente na jurisprudência é pela aplicação do prazo de 10 (dez) anos, todavia, entendemos mais coerente à divergência aberta pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao entendimento de as exceções contidas no parágrafo no art. 1.238 do CC/02 são direcionados ao particular, não se aplicando ao Poder Público.

Em outro viés, o instituto da desapropriação indireta não deveria nem existir diante do Estado Democrático de Direito por se tratar de uma conduta ilícita praticada pelo Poder Público em frontal inobservância da Constituição Federal, violando uma das bases de nosso ordenamento jurídico, no qual o Poder Público, também, deve obediência às normas por ele editadas, todavia, não há como desprezarmos toda uma construção doutrinária e jurisprudencial sobre o instituto, demonstrando, em linhas acima, a dificuldade de consenso quanto ao prazo prescricional aplicável às ações indenizatórias nos casos em que ocorre o apossamento do bem particular pelo Poder Público.

IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33ª Ed. Atlas: São Paulo. 2019.

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Parte Geral, Intervenção do Estado na Propriedade e Estrutura da Administração. Ed. Juspodivm. 2008

FARIAS, Cristiano Chaves e ROOSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ª Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro. 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2008.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18ª Ed. Saraiva: São Paulo, 2014.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 10ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 6ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2008. pág. 528.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves e ROOSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ª Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro. 2008.p. 126.

[3] APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BEM IMÓVEL DECLARADO DE UTILIDADE PÚBLICA. DECRETO EXPROPRIATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. PROCEDIMENTOS DISTINTOS. JULGAMENTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Ação de Reintegração de Posse não pode ser convertida no rito expropriatório disposto no Decreto nº 3.365, de 1941, por se tratarem de procedimentos distintos, notadamente quando o imóvel esbulhado pela Administração Pública já fora declarado como de utilidade pública para fins de desapropriação. 2. Concluída ou reconhecida a utilidade ou interesse público de área privada, o particular não mais poderá reaver a sua propriedade, em razão do princípio da finalidade, não havendo como retornar ao status quo ante, devendo o caso resolver-se em perdas e danos. 3. Sentença mantida. (TJMG – Apelação Cível nº 1.0105.11.001142-3/001 - 7ª CÂMARA CÍVEL – Rel. Des. WASHINGTON FERREIRA, DJ 04/10/11) GRIFO NOSSO

[4] Referida ADI nº 2.260/01 foi extinta por perda superveniente do objeto (DP 02/06/2004), entendendo o Ministro Relator que houve alteração substancial do dispositivo impugnado sem que houvesse o necessário aditamento da inicial.

[5] Em outra passagem do texto, houve a transcrição do entendimento de Cristiano Chaves Farias e Nelson Roonsevald, os quais defendem que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra o Poder Público seria de 03 (três) anos com base no Código Civil de 2002, registrando que foi utilizada obra com edição anterior a 2012, ano este em que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o tema quanto ao prazo prescricional de 05 (cinco) anos, entendendo pela aplicação do art. 1º do Decreto nº 20.91/32, por se tratar de norma especial em relação à Lei nº 10.406/02 (Código Civil).

[6] Súmula 119 – A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos. (STJ - DJ 16/11/1994)

[7] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 10ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016. p. 943/944.

[8] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 6ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016. p. 818

[9] STJ - AgRg no Ag 1220426/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 27/05/2011;

[10] STJ - AgInt nos EAREsp 815.431/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe 27/10/2017;

[11] No AgInt no AREsp 973.683/RS (STJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 28/08/2017), o Relator indica os seguintes julgados em que se decidiu pela aplicação do prazo de 10 (dez) anos: (STJ, AgRg no AREsp 815.431/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/02/2016; STJ, REsp 1.449.916/PB, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 19/04/2017; REsp 1.654.965/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/04/2017; AgInt no AREsp 1100607/SC, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017).

Sobre o autor
Fabiano Batista Correa

Advogado, Professor de Direito Administrativo, Gestão Pública, Direito Constitucional e Direito Tributário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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