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Responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou sobrevivência.

Os parâmetros da quantificação da indenização

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5. CONCLUSÃO

Atualmente, é difícil encontrar uma pessoa que durante toda a sua vida não tenha sofrido nenhum fato que possa ser enquadrado em algum tipo de dano. Nesse contexto, a introdução de novas espécies de danos no direito civil brasileiro pode ser vista através de duas perspectivas.

Por um lado, se discute acerca da banalização do referido instituto, resultando na proliferação de ações cujos interesses estão fundados em meros aborrecimentos ou simples frustrações. Nesse viés, questiona-se o papel da responsabilidade civil e o perigo desta estar se tornando um “mercado financeiro”.

Em contrapartida, há o entendimento de que a ampliação do campo em que se admite indenização é um movimento consonante com os valores constitucionais. Após o desenvolvimento da pesquisa deste artigo, ficou evidente que o surgimento da teoria da perda de uma chance atrelada aos danos oriundos da área da saúde se encaixa no segundo ponto de vista mencionado.

A chance enquanto bem jurídico individual e indenizável e, por consequência, a teoria da perda de uma chance, seguidamente se apresentam como a única forma de responsabilizar profissionais médicos, quando não é possível estabelecer um nexo causal entre suas condutas e o dano final. Tratam-se de casos em que o dano final (morte ou diminuição da qualidade ou tempo de vida) é, de fato, percebido pelas vítimas, ao contrário do que acontece na aplicação desta teoria em outros tipos de situações. Ademais, o dano em questão atinge esferas reconhecidamente preciosas do ordenamento jurídico, que antes encontravam-se desamparadas de proteção dentro do direito civil.

A evolução da teoria da perda de uma chance no Brasil perpassa pela discussão de sua natureza classificatória: se é nova espécie de dano, ou se se confunde com outros conceitos. Notadamente, ficou claro que o assunto não é pacífico, porém há clara preponderância doutrinária da corrente que compreende a perda de uma oportunidade como um dano em si mesma.

Apesar disso, após o estudo realizado, esclareceu-se o porquê há tantas divergências. A perda de uma chance pode ocasionar tanto danos extrapatrimoniais quanto patrimoniais. Depreende-se daí a dificuldade em sua categorização. Sob esse raciocínio, levou-se a crer que há possibilidade de associar a perda de uma chance no campo da saúde, não só com dano moral e material, mas também com o dano existencial.

De todo modo, ao analisar os elementos caracterizadores da oportunidade perdida, depara-se com pressupostos e requisitos muito bem construídos. Só se indeniza a perda de chance que for séria e real. Só se responsabiliza profissionais médicos, se houver uma perícia que constate erro cuja influência no resultado final seja evidente.

Os principais pontos sensíveis da aplicação da teoria da perda de uma chance não estão relacionados com a sua admissão nos juízos e tribunais, mas sim com a fixação do quantum debeatur, ou seja, do valor indenizatório.

É pacífico o entendimento de que a chance perdida deve resultar indenização inferior do que os valores reparatórios gerados pelo dano final. Essa diferença corresponde ao percentual de chance de obter a vantagem esperada ou de evitar um prejuízo. Assim, o procedimento de quantificação perde subjetividade e ganha racionalidade.

A dificuldade está na valoração das chances, que são definidas com ajuda da perícia e, posteriormente, com o juízo de valor do julgador. A pergunta que se faz é: caso o fato danoso não tivesse ocorrido, qual seria o percentual de que essa chance resultaria em sucesso? Quanto maior for esse número, maior será a indenização. Na maioria dos casos analisados os julgadores consideraram bastante essa peculiaridade. Mesmo assim, ao examinar a jurisprudência, encontrou-se ações em que foi fixado valor muito próximo daquilo que se esperaria de um dano moral por inteiro, por exemplo.

Na busca pelos parâmetros utilizados pelos julgadores na fixação do valor indenizatório da perda de uma chance, verificou-se também que no Brasil não se aplica o entendimento da Corte de Cassação Italiana, e nem a corrente utilizada pelo sistema norte-americano. Ou seja, na jurisprudência brasileira, não há um percentual específico como critério para adoção da teoria no caso concreto. O que se percebeu foram muitas variações: indenização de chances que se quantificavam em até menos que 30%; e indenização de chances com percentual de até 90%.

Cabe ainda ressaltar que, apesar da pesquisa aprofundar-se sobretudo na responsabilidade civil por erro médico, revelou-se haver uma vasta jurisprudência relacionada com a perda de uma chance envolvendo outros profissionais, tais como: farmacêuticos, dentistas e até o hospital como um todo.

Conclui-se que a teoria estudada representa uma nova espécie de dano do direito civil brasileiro, que é amplamente admitida no campo da saúde, responsabilizando profissionais deste ramo sempre que houver perda de chance de cura ou sobrevivência, desde que séria e real.

A quantificação destes danos não é – como à primeira vista parecia ser – um processo abstrato. E sim, se fundamenta essencialmente no seguimento dos seguintes passos: primeiro se descobre o percentual de sucesso das chances; em segundo, fixa-se qual seria o valor indenizatório, caso a hipótese fosse de dano final, ao invés de chance perdida; por último, é diminuído dessa quantia inteira o percentual da chance: e aí está o quantum debeatur.

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Sobre os autores
Fernanda Trentin

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora no Curso de Direito na UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste.

Bruna de Amorim

Bacharel em Direito pela UNOESC São Miguel do Oeste

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRENTIN, Fernanda ; AMORIM, Bruna. Responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou sobrevivência.: Os parâmetros da quantificação da indenização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7187, 6 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75920. Acesso em: 2 jun. 2024.

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