Uma visão do combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil pela ótica dos direitos humanos

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Reflexões sobre o trabalho escravo contemporâneo no Brasil, à luz dos princípios fundamentais dos Direitos Humanos.

Resumo: A presente monografia tem como objetivo abordar a temática do trabalho escravo no Brasil à luz dos princípios fundamentais dos Direitos Humanos. Após mais de cento e vinte anos da abolição da escravatura, ainda pode-se encontrar inúmeros casos comprovados de empresas que desrespeitam a Constituição Federal de 1988 e seus princípios fundamentais, colocando trabalhadores em condições inumanas. Discute-se também como os tratados internacionais de direitos humanos se integram à legislação brasileira e sua hierarquia em relação às outras leis, além da necessidade de uma melhor aplicação das leis nacionais e da necessidade de mudanças nas políticas públicas para um efetivo combate ao trabalho escravo. Analisa-se também um caso concreto onde o Brasil, pela primeira vez, assumiu, frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que havia casos de trabalho forçado em território nacional. Desse modo, o trabalho demonstra que é necessário buscar uma maior discussão com a sociedade, Organizações Não Governamentais e o poder público em busca de soluções para a erradicação de trabalho escravo em território nacional, além de demonstrar que as soluções já em andamento estão tendo resultados satisfatórios e esperados. Além de demonstrar que a solução amistosa em frente a Comissão Interamericana de Direitos Humanos levou à criação de inúmeros projetos de frente social ao combate ao trabalho escravo.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Trabalho Escravo. Escravidão. Atualidade.

Sumário: Introdução. 1. Trabalho escravo no Brasil. 1.1. Conceito de trabalho escravo no Brasil. 1.2. O trabalho escravo na constituição federal da república brasileira. 1.3. A legislação e convenções sobre o trabalho escravo. 2. Direitos humanos no Brasil. 2.1. Conceito de direitos humanos. 2.2. A hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. 2.3. Principais tratados e convenções internacionais de direitos humanos sobre o trabalho escravo. 3. Formas de combate ao trabalho escravo. 3.1. Principais formas de combate ao trabalho escravo no Brasil. 3.2. Caso concreto. 3.3. Entraves ao combate do trabalho escravo. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

O trabalho escravo é uma mazela que assola o Brasil destes os tempos mais remotos de sua existência, acarretando as mais complexas consequências do ponto de vista jurídico, social, econômico e sobretudo humano. Nesse sentido, observa-se este trabalho com o objetivo de discutir a correlação entre os direitos humanos e o do combate ao trabalho escravo no Brasil.

Temas estes que se ligam de forma intrínseca, sendo ambas complementares entre si, procurando entender até que ponto a exploração de mão de obra é uma violação aos direitos fundamentais instituídos pela Constituição Federal e inúmeros tratados internacionais de proteção aos direitos humanos

Justifica-se este trabalho pela necessidade de compreender e alcançar meios capazes de restabelecer a condição de dignidade inerente a todos os homens, em conformidade com sentido de vida que não pode ser limitado a uma condição de sobrevivência, mas, para além disso, ser caracterizado na dignidade humana.

Para se compreender o trabalho escravo no Brasil e como a aplicação dos direitos humanos é uma das principais formas de combate, precisamos primeiro entender o conceito destes dois assuntos, levando em consideração seus surgimentos, suas evoluções e os principais e mais eficientes instrumentos de combate à escravidão.

Outro aspecto importante acerta dos temas é de conseguir reunir as diferentes denominações e doutrinas que já se debruçaram sobre os mesmos, visto que assim como os direitos humanos vem crescendo e evoluindo ao longo dos anos, o mesmo aconteceu com o trabalho escravo, que se modifica em diferentes formas como tentativas de fraudar a lei, porém continua criando verdadeiros prejuízos sociais.

Assim, procura-se desenvolver ao decorrer deste trabalho cientifico um estudo de cunho bibliográfico sobre o trabalho escravo na atualidade, visto pela ótica dos Direitos Humanos, além de entender quais são os modos utilizados pelo Estado para diminuir esta mesma prática.

Importa destacar que o poder estatal brasileiro já tomou algumas decisões em relação ao combate ao trabalho escravo e a um caminho mais humano nas relações de trabalho, como por exemplo a criação pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva da conhecida como “Lista Suja”, que é um cadastrado criado pela Portaria n. 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que coleciona os nomes dos empregadores no Brasil que foram descobertos explorando trabalhadores em condições análogas às de escravidão.

Há de se citar, também, o caso em que o Brasil apareceu como polo passivo, pela primeira vez, na Comissão Internacional de Direitos Humanos em razão da realização de trabalho escravo, aonde a comissão entendeu que o estado brasileiro era o responsável por inúmeros violações à Convenção Americana e à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O acordo firmado ao fim do processo foi um marco nas decisões relativas à violação dos direitos humanos no país, pois o Brasil nunca havia assumido sua responsabilidade internacionalmente, o que levou à criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Forçado (CONATRAE) e uma série de compromissos para erradicação no país de trabalhos análogos a condição de escravo.

Mais recentemente, em 2014, ocorreu a adoção por parte do Brasil, de um Protocolo e uma Recomendação que complementaram a Convenção n° 29 da OIT, fornecendo orientações específicas sobre medidas a serem tomadas pelos Estados Membros para eliminar todas as formas de trabalho forçado, proteger vítimas e assegurar-lhes acesso à justiça e compensação.

Além das citadas, são inúmeras as formas de combate nacional e supranacional que visam a erradicação à exploração de trabalhadores, porém ainda é bastante comum encontrarmos diariamente casos comprovados de trabalho escravo.

Desta forma se verifica que ainda há um grande caminho a ser percorrido, visto que não há níveis aceitáveis de escravidão, e a sociedade como um todo deve encontrar os modos mais eficazes de combate ao trabalho escravo.

Erradicar a escravidão não se trata de simplesmente retirar o trabalhador do local de trabalho e efetuar multas e prisões para os empregadores, é importante visualizar a necessidade de mudança no modelo de desenvolvimento que escolhemos como sociedade, de se criar uma nova perspectiva de convívio e crescimento sustentável, em que o respeito à dignidade humana e aos princípios fundamentais dos direitos humanos sejam a vanguarda de todas as relações.

Para dissertar sobre as questões aqui propostas, este trabalho está estruturado em 3 capítulos que se organizam da seguinte maneira: No capítulo 1 será feito uma análise acerca do trabalho escravo no Brasil, bem como à legislação atinente ao tema, no capítulo 2 far-se-á uma abordagem sobre os Direitos Humanos e os tratados sobre o tema, já o 3º capitulo se propõe a analisar as forma de combate ao trabalho escravo, e as maiores dificuldade para sua redução.


1. TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

1.1. Conceito de trabalho escravo no Brasil

A conceituação de trabalho escravo é tarefa árdua, tendo em vista que a constante mudança na sociedade e nas relações de emprego na modernidade torna necessária as análises sobre diferentes ângulos, sejam eles sociais, jurídicos, histórico, sociológico, antropológico, entre outros, além de seus reflexos no passado e possíveis no futuro.

Um dos entendimentos mais amplos disponíveis hoje, foi emitido por Sakamoto (2006, p. 17), em seu estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho que define:

No Brasil, há variadas formas e práticas de trabalho escravo. O conceito de trabalho escravo utilizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o seguinte: toda a forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade. Quando falamos de trabalho escravo, estamos nos referindo a muito mais do que o descumprimento da lei trabalhista. Estamos falando de homens, mulheres e crianças que não têm garantia da sua liberdade. Ficam presos a fazendas durante meses ou anos por três principais razões: acreditam que têm que pagar uma dívida ilegalmente atribuída a eles e por vezes instrumentos de trabalho, alimentação, transporte estão distantes da via de acesso mais próxima, o que faz com que seja impossível qualquer fuga, ou são constantemente ameaçados por guardas que, no limite, lhes tiram a vida na tentativa de uma fuga. Comum é que sejam escravizados pela servidão por dívida, pelo isolamento geográfico e pela ameaça às suas vidas. Isso é trabalho escravo.

Além desta definição, pode-se citar também Sento-Sé (2011, p. 60):

Dessa maneira, poderíamos conceituar o trabalho escravo contemporâneo como sendo a atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador em benefício de terceiro, em que se verifica restrição à sua liberdade e/ou desobediência a direitos e garantias mínimos (sujeição à jornada exaustiva ou a trabalho degradante, dívida abusiva em face do contrato de trabalho, retenção no local de trabalho por cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, manutenção de vigilância ostensiva e retenção de documentos) dirigidos a salvaguardar a sua dignidade enquanto trabalhador. Trata-se de conceito que segue a previsão do art. 149. do Código Penal e que, a nosso ver, esclarece a compreensão da matéria

A Organização Internacional do Trabalho na Convenção 29, que dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas, classifica em seu artigo 2º o trabalho forçado ou obrigatório como:

Artigo 2º - 1. Para fins desta Convenção, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.

Assim, para um conceito didático, pode-se utilizar de fatos concretos para a caracterização do trabalho escravo contemporâneo, podendo citar entre outros a dependência econômica, péssimas condições de trabalho, subjugação em frente aos patrões e falta de segurança mínima para realização das atividades.

Ao contrário da crença popular de que o trabalhador em condições análogas ao escravo estaria acorrentado, morando em senzalas, torturados e em constante terror. A escravidão nos tempos contemporâneos não se caracteriza apenas pela restrição da liberdade, mas também pelas péssimas condições de trabalho impostas pelo trabalhador, conforme explica Sento-Sé (2011, p. 1):

Sob um outro prisma, é possível afirmar que o escravo da atualidade não se encontra numa situação de exploração muito distante da que estava envolto o escravo da Idade Antiga ou do período da colonização portuguesa no Brasil a partir do Século XVI. Como se constituía em parte integrante do patrimônio do seu amo, este tinha toda preocupação e cuidado de alimentá-lo e vesti-lo, como também de curar as suas doenças, já que o escravo representava um investimento econômico vultoso e caro. Na atualidade, ao contrário, a mão de obra que se encontra nessa situação de escravidão é considerada descartável e inutilizável pelo explorador, particularmente quando se encontra idosa, doente ou, por qualquer outra razão, desnecessária para o trabalho. O patrão não tem qualquer espécie de compromisso com esses trabalhadores e, além disso, tem a sua disposição um autêntico exército de pessoas para substituí-los já que estariam disponíveis para trabalhar em condições semelhantes, por viverem num quadro de pobreza e miséria que lhes impõe sujeitar-se ao labor de tal jaez

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Diante da explicação é fundamental que se entenda que o trabalho escravo contemporâneo não se apresenta somente na forma de restrição de liberdade, com celas e grilhões semelhantes aos escravos dos livros de história. Cada vez mais a exploração da mão de obra se modernizou para novos sistemas, o que faz compreender que a exploração continua tão prejudicial quanto nos tempos de escravidão no Brasil.

Conforme explica Sento Sé (2011, p. 58), o grau de exploração e de maleficio ao trabalhador é tão agressivo que não haverá qualquer erro em utilizar-se do termo trabalho escravo, inclusive sendo possível afirmar que o trabalhador dos dias de hoje que se encontra nesta condição não está muito distante da que estava envolto o escravo da Idade Antiga ou do período da colonização portuguesa no Brasil a partir do Século XVI.

Inclusive destacou que a diferença na visão do patrão que se utiliza de mão de obra escrava, é que no período antes da abolição o escravo representava um investimento econômico vultoso e caro, tendo o mesmo a preocupação de alimentá-lo e de curar suas doenças, ao contrário dos dias de hoje, época em que o trabalhador é considerado descartável pelo empregador.

Nas palavras de Arruda (1995, p. 687):

[...] em muitos casos, o escravo grego, por exemplo, tinha situação melhor que a dos explorados da modernidade, uma vez que possuía roupas, alimentação e moradia, enquanto o atual explorado, além de igualmente não possuir liberdade, não tem sequer o acesso às suas necessidades básicas. A sociedade, quando escravocrata, reconhece a necessidade de escravos para a sua sobrevivência, enquanto em uma sociedade democrática, baseada na liberdade de trabalho, a existência de trabalho escravo é uma amostragem inequívoca de sua ruína

Maranhão Costa (2010, p. 40) também comenta sobre o assunto:

A categoria “trabalho escravo” atualmente utilizada no país refere-se à escravidão contemporânea e guarda inúmeras diferenças com formas anteriores de escravidão. Essas eram legais, tinham longa duração e, em alguns casos, como a escravidão africana nas Américas, passavam de uma geração para outra. A escravidão contemporânea, por sua vez, é de curta duração; a pessoa é tratada como se fosse mercadoria; há um poder total exercido sobre a vítima, ainda que temporariamente; a maioria esmagadora das vítimas é migrante de estados distantes das fazendas onde são exploradas e tem idade superior a 16 anos.

Diante o exposto, e da constante evolução das relações patronais é possível verificar que na sociedade atual o conceito de trabalho escravo é melhor visualizado no caso concreto, utilizando-se do afastamento das garantias fundamentais dos direitos humanos nas relações do trabalho para sua caracterização.

Com a negação destes fundamentos basilares do direito brasileiro, não se encontra maiores dificuldades na caracterização do trabalho escravo. Privar o trabalhador de sua dignidade é mais do que desrespeitar a legislação trabalhista em vigência, pois ao ferir sua liberdade, impedir o trabalhador de deixar o serviço e retirar a dignidade da pessoa, o patrão rebaixa a pessoa a uma condição de não ser humano, submetendo o mesmo a uma enorme humilhação, sendo uma violação direta e literal aos direitos humanos e as garantias fundamentais previstas na constituição de 1988.

1.2. O trabalho escravo na constituição federal da república brasileira

A Constituição Federal de 1988 tem como ideia principal a igualdade dos seres humanos, o respeito a sua dignidade, o seu crescimento pessoal e profissional. A carta de 1988 alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais, colocando-se entre as constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria, conforme Piovesan (2013 p. 84).

Sejam estas ideologias demonstradas por leis expressas ou por conjunto de princípios que saturam suas páginas, a Carta Maior repudia a todas as custas o trabalho escravo. De forma exemplificativa se pode citar o artigo 1° que determina como fundamento da republica a dignidade da pessoa humana. Além disso, o artigo 5° coloca como pilar da sociedade a garantia fundamental a liberdade do ser humano.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição

O artigo 5°, inciso XLVII, alínea “c”, da Constituição Federal de 1988 também demonstra que nem mesmo o Estado pode obrigar os condenados a pena privativas de liberdade ao trabalho forçado.

Pode ser retirado do artigo supracitado, que todo trabalho realizado por presos só pode tomar lugar se houver o consentimento destes, como por exemplo, o instituto da detração penal, que prevê que a cada 03 (três) dias trabalhados subtrai-se 01 (um) da pena. Além disso, a recente modificação do Art.243 da Constituição Federal de 1988, que foi modificada pela Proposta de Emenda à Constituição nº 81, de 2014, prevê que ocorrerá a expropriação de propriedade e destinação à reforma agrária, sem qualquer indenização, de propriedades rurais aonde forem encontrados exploração de mão de obra escrava:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014) (BRASIL, 1988).

1.3. A legislação e convenções sobre o trabalho escravo

A existência do crime de submeter alguém a condição análoga a escravo, previsto no Art.149 do Código Penal Brasileiro, quanto a obrigação de garantir os Direitos Trabalhistas, previsto em toda a Consolidação das Leis Trabalhistas, não são coisas novas e desconhecidas, não podendo o proprietário de empresas que utilizam mão de obra escrava argumentar de seu desconhecimento sobre o tema, e que são na maioria das vezes pessoas com alto grau de escolaridade e com grande apoio jurídico e financeiro.

Além das leis já previstas na legislação brasileira, há inúmeros acordos e convenções internacionais que tratam da escravidão contemporânea, sendo tratadas principalmente nas convenções 29 de 1930 e 105 de 1957, todas ratificadas pelo Brasil.

A convenção de 29, de 1930, dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas suas formas, admitindo algumas exceções de trabalho obrigatório, como o serviço militar e em casos de emergências, como guerras e desastres naturais; Já convenção 105 de 1957 é a Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, a qual se proíbe toda forma de trabalho forçado como meio de coerção ou convencimento político.

Essas duas convenções citadas anteriormente foram reconhecidas por quase toda a comunidade internacional, recebendo o maior número de ratificações dentre todas as convenções realizadas pela Organização Internacional do Trabalho.

É possível citar também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969: ratificada pelo Brasil em 1992, no qual os signatários firmaram um compromisso de repressão à servidão e à escravidão em todas as suas formas.

Já na legislação infraconstitucional, a principal lei sobre o trabalho escravo é previsto no Código Penal Brasileiro de 1940 em seu Art.149 que define o crime de redução à condição análoga de escravo:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (BRASIL, 1940).

O crime é realizado quando o agente reduz a vítima à condição semelhante à de escravo, tornando a mesma totalmente submissa à vontade de outra pessoa. A conduta é impossível de ser praticada em por meio de omissão ou culpa, porém admite-se a tentativa.

Diante o exposto, se torna clara a tipificação penal de sujeitar alguém a um estado de submissão absoluta, impedindo sua liberdade e reduzindo sua condição a de objeto, sendo o julgamento do crime de redução a condição análoga de escravo pertencente à maioria das vezes à Justiça Federal, por advento do informativo nº 450 do Supremo Tribunal Federal:

Crime de Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência - 2

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para anular acórdão do TRF da 1ª Região, fixando a competência da justiça federal para processar e julgar crime de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149) - v. Informativo 378. Entendeu-se que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho. Concluiu-se que, nesse contexto, o qual sofre influxo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, informador de todo o sistema jurídico-constitucional, a prática do crime em questão caracteriza-se como crime contra a organização do trabalho, de competência da justiça federal (CF, art. 109, VI). Vencidos, quanto aos fundamentos, parcialmente, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, que davam provimento ao recurso extraordinário, considerando que a competência da justiça federal para processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo configura-se apenas nas hipóteses em que esteja presente a ofensa aos princípios que regem a organização do trabalho, a qual reputaram ocorrida no caso concreto. Vencidos, também, os Ministros Cezar Peluso, Carlos Velloso e Marco Aurélio que negavam provimento ao recurso.

RE 398041/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.11.2006. (RE-398041)

Desta forma, o Supremo Tribunal Federal entendeu que será da Justiça Federal a competência para julgar crime de redução a condição análoga à de escravo nos casos em que haja ofensa aos princípios formadores da organização do trabalho.

Sobre o tema, citam-se também os julgados do Superior Tribunal de Justiça:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. - Nos termos da jurisprudência firmada nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo, pois a conduta ilícita de suprimir dos trabalhadores direitos trabalhistas constitucionalmente conferidos viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como todo o sistema de organização do trabalho e as instituições e órgãos que o protegem. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás, ora suscitado.

(STJ - CC: 132884 GO 2014/0056244-2, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento: 28/05/2014, TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/06/2014)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149. DO CÓDIGO PENAL. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA. TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Para configurar o delito do art. 149. do Código Penal não é imprescindível a restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores, a tanto também se admitindo a sujeição a condições degradantes, subumanas. 2. Tendo a denúncia imputado a submissão dos empregados a condições degradantes de trabalho (falta de garantias mínimas de saúde, segurança, higiene e alimentação), tem-se acusação por crime de redução a condição análoga à de escravo, de competência da jurisdição federal.

(STJ - CC: 127937 GO 2013/0124462-5, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 28/05/2014, TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 06/06/2014)

Porém, a lei ainda é bastante inócua e ineficiente em relação a efetiva aplicação e inibição da prática de exploração de mão de obra, sendo a sanção penal insuficiente, visto que menos de 10% dos envolvidos em trabalho escravo no sul-sudeste do Pará, entre 1996 e 2003, foram denunciados por esse crime, segundo o relatório do OIT denominado Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI.

O mesmo relatório afirma que é cada vez mais imperativo que os legisladores endureçam as penas sobre o tema em conjunto com uma aplicação efetiva por parte do poder público, para uma concreta redução da escravidão trabalhista que ainda ocorre no país.

Por enquanto a melhor ferramenta ainda será a verificação e aplicação dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, visto que a sua ausência é um dos principais fatores que levam a constituição de trabalho escravo ou análogo ao trabalho escravo.

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Sobre o autor
Diego Parentes Fortes Dias Castro

Advogado especialista em Teresina - Piauí em direito trabalhista e previdenciário, com formação pela Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina. Conheça nosso site: https://diegocastro.adv.br/

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina- FAETE, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob orientação da Profª. Vitória Josefina Rocha D’almeida Mota.

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