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Estudo sobre a responsabilização das empresas e do Estado na ocorrência do dano ambiental

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23/11/2019 às 08:40
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2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE

2.1 DANO AMBIENTAL

A doutrina brasileira não traz nenhuma definição específica para o termo “dano ambiental”, inclusive porque a própria Constituição da República Federativa do Brasil deixou de formular um conceito técnico-jurídico de “meio ambiente”. Entretanto, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, em seu artigo 3°, II, caracteriza degradação da qualidade ambiental como sendo a alteração adversa das características do meio ambiente.

Este mesmo dispositivo, em seu inciso III, conceitua o termo “poluição”, diferindo-o de degradação. Poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, de maneira direta ou indireta, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; ou, lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

A este respeito Edis Milaré pontua:

Como se vê, apesar do vínculo indissociável entre degradação da qualidade ambiental e poluição, estabeleceu o legislador sutil diferença entre ambas as noções, ao dizer que a primeira (degradação da qualidade ambiental) é qualquer alteração adversa das características do meio ambiente, enquanto a segunda (poluição) encerra conceito mais restrito, por cingir-se apenas à degradação tipificada pelo resultado danoso, provocada por uma “atividade”, isto é, por um comportamento humano direcionado a determinado fim (2015, p.318).

No direito comparado, observa-se que países como o Chile, a Argentina e a Itália se preocupam com a formulação de um conceito para o dano ambiental. A legislação chilena ao mesmo tempo em que restringe o âmbito do dano ambiental ao estipular que a sua intensidade deve ser significativa, alarga o conceito de meio ambiente (FUENZALIDA, 2000 apud MILARÉ, 2015, p. 318). A legislação argentina impõe que o dano ambiental, para ser considerado como tal, deve “provocar uma desorganização das leis da natureza e repercutir nos pressupostos do desenvolvimento da vida” e, ainda, faz menção ao dano moral coletivo (LORENZETTI, 2003 apud MILARÉ 2015, p.319). Por fim, a Itália possui um Código Ambiental que, assim como nas nações supramencionadas, exige, para a configuração do dano ambiental, que sejam afetados os recursos naturais ou suas utilidades (MILARÉ, 2015, p. 319).

Diante disso, a doutrina brasileira descreve o dano ambiental como sendo toda e qualquer interferência do ser humano no patrimônio ambiental, seja ele natural, cultural ou artificial, capaz de provocar, imediata ou potencialmente, transtornos prejudiciais ao equilíbrio do meio ambiente, de modo a lesionar a sadia qualidade de vida ou outros valores coletivos.

É importante consignar que a interferência sobre os bens ambientais deve ocorrer exclusivamente pela atividade humana e não por fenômenos da natureza, como os terremotos, erupções vulcânicas e tempestades. Isto porque, estes são fatos imprevisíveis e inevitáveis, chamados de fortuitos externos e não podem ser ressarcidos. O patrimônio ambiental, faz referência ao meio ambiente como um todo, ou seja, a noção de dano ambiental abrange não só os elementos naturais, mas também os artificiais e culturais. Quanto a causa do dano ambiental, esta não precisa que seus efeitos sejam constatados direta e imediatamente, podendo ter antecedentes remotos, sendo ilimitado o tempo ou espaço. Por fim, diversamente do Chile, Argentina e Itália, no Brasil, não apenas as perturbações graves qualificam o dano ambiental, pequenas interferências podem ostentar um elevado grau poluidor com o passar do tempo (MILARÉ, 2015, p. 320).

Todavia, conforme salientou o Desembargador Torres de Carvalho, da 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão proferido na Apelação Cível n° 0143810-58.2008.26.0000, no ano de 2013, não se deve confundir os conceitos de impacto stricto sensu e de dano ambiental, uma vez que o primeiro é resultante das consequências provenientes de qualquer atividade humana no meio ambiente, ao passo que o segundo advém de uma interferência mais grave. Deste modo, havendo mero impacto ambiental, o órgão licenciador é competente para estipular a compensação por seus efeitos negativos.

Conforme afirmou-se anteriormente, o dano ambiental tem repercussão primária no meio ambiente como um “macrobem” e secundária, quando atinge bens jurídicos pessoais, podendo ferir tanto o patrimônio material, como também o moral. Assim, o dano ao meio ambiente é classificado conforme dois critérios, quais sejam: quanto à sua abrangência e quanto a natureza do interesse lesado.

Ao analisar-se o dano ambiental de acordo com a sua abrangência, identifica-se o seu duplo efeito, eis que alcançam além dos seres humanos, todo o ambiente que o rodeia, existindo, assim, o dano coletivo e dano individual. Este é o entendimento consolidado no artigo 14, §1° da Lei n°6.938/81, ao estabelecer que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos que causar ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Morato Leite e Patryck Ayala (2014, p. 98 apud MILARÉ, p. 325) explicam o porquê do caráter ambivalente do conceito de dano ambiental:

O dano ambiental tem uma conceituação ambivalente, por designar não só a lesão que incide sobre o patrimônio ambiental, que é comum à coletividade, mas, igualmente por se referir ao dano – por intermédio do meio ambiente ou dano ricochete- a interesses pessoais legitimando os lesados a uma reparação pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial sofrido.

Sendo assim, é importante conceituar essas duas modalidades de dano ambiental: o coletivo e o individual. Este, também denominado de dano ricochete, fere de forma reflexa a integridade moral e/ou o patrimônio material de pessoas determinadas ou determináveis. Por outro lado, aquele, também chamado de dano propriamente dito, é o que atinge o meio ambiente de maneira global e difusa, lesionando “uma coletividade indeterminada ou indeterminável de titulares” (MILARÉ, 2015, p.326).

Deste modo, ainda que o dano ambiental sempre atinja de forma direta o meio ambiente, prejudicando a coletividade, em certos casos, também tem reações materiais e morais sobre o patrimônio, interesses e até mesmo a saúde de uma pessoa, ou um grupo específico de indivíduos (MILARÉ, 2015, p. 325).  

Tome-se como ilustração o desastre ambiental ocorrido em Mariana/MG, no ano de 2015, em que o rompimento da barragem de rejeitos controlada pela Empresa Samarco Mineração S/A provocou a consumação de danos ambientais coletivos e individuais via ricochete, que abrangem tanto danos ao patrimônio natural, histórico-cultural, paisagístico e arqueológico, quanto danos socioeconômicos, que atingem a economia regional, as infraestruturas públicas e privadas, os seres humanos, dentre eles, povos indígenas e comunidades tradicionais da bacia do Rio Doce. Este episódio retrata a concretização de um risco abstrato característico da sociedade de risco que perdurará no tempo e afetará as futuras gerações, em razão da impossibilidade de restauração do que se perdeu.

No que se refere à natureza do interesse prejudicado, o dano ambiental é classificado como patrimonial ou extrapatrimonial, referindo-se às consequências oriundas da lesão de um bem, seja ele material ou imaterial.

O primeiro fere o próprio bem ambiental, tanto de interesse coletivo quanto individual e remete à possibilidade de volta ao status quo ante, mediante compensação ou indenização. Redução da qualidade de vida, poluição da água e o desmatamento são exemplos de lesão ao patrimônio ambiental, mencionados por Álvaro Luiz Valery Mirra (2010) e Annelise Monteiro Steigleder (2011), citados na obra de Édis Milaré (2015, p. 329).

O segundo, por sua vez, apresenta-se como ofensa aos sentimentos individuais ou coletivos decorrentes da lesão material. José Augusto Delgado (2008, apud MILARÉ, 2015, p. 330) leciona que o dano ambiental extrapatrimonial se caracteriza pela criação de um sentimento psicológico negativo. Mas, ressalva que nem sempre o dano material ambiental enseja um dano moral ambiental, porque este relaciona-se ao modo como o evento danoso repercute na sociedade como um todo ou em cada pessoa de maneira particular. Ele explica o seguinte: “Se gerar um sentimento pessoal ou de comoção social negativo, de intranquilidade, de desgosto, haverá, também um dano moral ambiental. ”

Sobre esta questão, faz-se imprescindível mencionar que a jurisprudência pátria vem se posicionando a favor do dano moral coletivo, como é o caso do Resp 1.367.923/RJ, julgado em 27 de agosto de 2013 pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Apesar de reconhecer a importância da indenização decorrente de dano extrapatrimonial ambiental, o civilista Anderson Schereiber (2013, p. 255 apud MILARÉ, 2015, p. 331) adverte sobre a necessidade de se aplicar medidas de sanção mais voltadas para a educação do poluidor do que a simples reparação pecuniária. Veja-se:

Assume especial papel o desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação, capazes de atenuar a imensa contradição da responsabilidade civil contemporânea, que reconhece o caráter extrapatrimonial do dano, mas lhe reserva um remédio exclusivamente monetário. É neste remédio, nota-se, e não na reparação em si, que reside o maior incentivo às ações que se costuma identificar como produtos da chamada ‘indústria do dano moral’. Desta forma, o recurso às retratações públicas e a outros meios de reparação extrapatrimonial, paralelos ou mesmo substitutivos à indenização em dinheiro, mostra-se absolutamente necessário e, muitas vezes, mais eficiente na reparação dos danos de natureza moral.

O dano ambiental não se resume a eventos prejudiciais ao meio ambiente constatados de forma clara e imediata, pelo contrário, a sociedade de risco, que emergiu a partir do avanço tecnológico e científico, produz o chamado dano ambiental futuro, cuja magnitude é incerta e indeterminada, apenas se revelando no momento em que provoca um dano ambiental propriamente dito, geralmente de dimensões e consequências catastróficas e não quantificáveis (MILARÉ, 2015, p. 332).

Desta forma, “nessa época de riscos abstratos e incertezas, vemos a ponta de um iceberg, cuja profundidade e tamanho não somos sequer capazes de imaginar” (MILARÉ, 2015, p. 333). Assim, o rompimento da barragem de Fundão e a liberação de seus rejeitos que devastaram toda a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, não só acarretou danos patrimoniais e extrapatrimoniais, mas também não restam dúvidas que esta situação guarda impactos incalculáveis e imprevisíveis que somente serão concretizados nas futuras gerações.

 2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL EM MATÉRIA AMBIENTAL

No século XX, a preocupação com a preservação do meio ambiente estava em voga, assim, repetindo a propensão mundial, a Carta Magna Brasileira, promulgada em 1988, consagrou o direito ao meio ambiente salubre como valor ideal da ordem social, elevando-o à categoria de direito fundamental da pessoa humana.

O artigo 225 da Constituição Federal inaugura o capítulo destinado ao Meio Ambiente, conferindo a todos os brasileiros e estrangeiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dando a este a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Ao final, estabelece a corresponsabilidade dos cidadãos e do Estado por sua defesa e preservação em prol das presentes e futuras gerações, consagrando, então, o princípio do desenvolvimento sustentável.

Para efetivar este direito, o §1° do aludido dispositivo constitucional prescreve 07 (sete) diretrizes para orientar o Poder Público a assegurar a preservação ambiental. Em seguida, direciona a atenção à extração de minérios, determinando que a pessoa natural ou jurídica que exercer este tipo de atividade deve recuperar o espaço degradado, conforme a solução técnica exigida pelo órgão público competente. Destaque-se, também, o §3° que impõe aos agentes causadores de dano ao meio ambiente sanções penais e administrativas, bem como o dever de reparar os danos causados, na esfera da responsabilidade civil.

Pois bem, é imprescindível trazer à tona a classificação da responsabilidade civil em contratual e extracontratual. Para tanto veja-se o que ensina Romeu Thomé:

Se o dever de indenizar decorre do inadimplemento de um vínculo obrigacional preexistente (contrato), verifica-se a responsabilidade contratual. Por outro lado, se o dever de reparação surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o agente e a vítima preexista qualquer relação jurídica (mas sim uma obrigação imposta por preceito geral de direito ou pela lei), verificar-se-á a responsabilidade extracontratual (2016, p. 570).

A responsabilidade civil extracontratual pode ser distribuída em subjetiva ou objetiva. A primeira baseia-se na ideia de culpa lato sensu, somando-se a esta, os seguintes pressupostos: a prática de ato ilícito, a ocorrência de um dano e o nexo de causalidade, enquanto a segunda se fundamenta na noção de risco da atividade e prescinde de prova da culpa, se satisfazendo apenas com o dano e o nexo de causalidade.

Todavia, Cavalieri Filho (2004, p. 83 apud THOMÉ, 2016, p. 571) adverte a respeito da existência de condições que excluem o nexo causal, quais sejam: o caso fortuito e força maior, o fato exclusivo da vítima e o fato de terceiro. O primeiro se refere a situações externas à conduta do sujeito, cujas consequências são imprevisíveis ou inevitáveis, de acordo com as disposições do artigo 393, parágrafo único do Código Civil. O segundo exclui o nexo de causalidade, porque aquele que provocou o dano, na verdade, foi mero instrumento do acidente, sendo a própria vítima a precursora da ação que ocasionou o prejuízo. Por fim, o terceiro ocorre quando alguém fora da relação entre o agente, suposto causador do dano, e a vítima é o único responsável pela lesão.

O artigo 927 do Código Civil é cânone primário da responsabilidade civil extracontratual, “pois agasalha verdadeira ‘cláusula geral de responsabilidade civil objetiva’, atribuindo ao juiz definir o que seja atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano que implique, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (CHINELATO,2006, p. 592 apud MILARÉ, 2015, p. 420). Veja-se:

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Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá reparação obrigação de reparar o dano, independentemente da existência de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Deste modo, a teoria objetiva é calcada na ideia de risco da atividade exercida pelo poluidor, sem qualquer tipo de averiguação quanto a eventual negligência, imperícia ou imprudência por ele praticada (MILARÉ, 2015, p. 420).

Embora o Código Civil discipline um enorme número de casos especiais de responsabilidade civil objetiva, incorporou como regra geral a teoria subjetiva, conforme se verifica do artigo 186 do aludido diploma legal, o qual indica o dolo e a culpa como critérios indispensáveis para caracterizar a obrigação de reparar o dano (GONÇALVES, 2016, p. 49).

A teoria tradicional da responsabilidade civil opera no campo da prevenção, reparação e repressão, mas no campo do Direito Ambiental, Annelise Steigleder (2011, p.156 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p. 17) adiciona uma quarta função a este instituto: a função social, que está associada os princípios da responsabilidade social e solidariedade, os quais despontaram com a superação do individualismo e o reconhecimento dos direitos de terceira geração, calcados nos valores de solidariedade e fraternidade.

O papel social da responsabilidade por danos ao meio ambiente encontra respaldo no artigo 225, caput da Constituição da República Federativa do Brasil e deve ser compreendido no sentido de salvaguardar a equidade entre as gerações, visto que “por ser racional o ser humano possui uma ética solidária em relação a todas as formas de vida, sendo responsável por suas condutas, que influenciam a atual geração, bem como as futuras” (BELCHIOR, 2015, p. 125 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p. 17).

A reparação por prejuízos causados ao meio ambiente, assim como qualquer outro tipo de ressarcimento, é regida por normas de responsabilidade civil. Entretanto, este instituto no ramo do Direito Ambiental tem características peculiares, a princípio porque não objetiva a satisfação de um interesse particular, mas de uma coletividade indeterminada de pessoas, as quais necessitam de um meio ambiente equilibrado para que lhes seja garantido o direito a uma vida digna (GUERRA; GUERRA, 2014, p.249). Sobre o assunto, Édis Milaré (2015, p.421) adiciona que a busca por instrumentos legais mais eficazes também diz respeito à dificuldade da produção de provas que indicassem a culpa do poluidor e, ainda, à admissão de excludentes do nexo de causalidade, pelas regras processuais clássicas.

Diante disso, em 1981, instituiu-se a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, visando “dar tratamento adequado à matéria, substituindo, decididamente, o princípio da responsabilidade subjetiva, fundamentado na culpa, pelo da responsabilidade objetiva, embasado no risco da atividade” (MILARÉ, 2015, p. 421), como regra geral da responsabilidade civil no Direito Ambiental. Assim, a mera conjectura da possibilidade de geração de danos ao meio ambiente através de um certo empreendimento, coloca o seu explorador na posição de garantidor da preservação ambiental, de modo que, segundo Adalberto Pasqualotto, “a ação, da qual a teoria da culpa faz depender a responsabilidade pelo resultado, é substituída, aqui, pela assunção do risco em provocá-lo” (MILARÉ, 2015, p. 428).

O artigo 4°, VII da Lei n° 6.938/81 prevê “imposição ao poluidor da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”. Sendo assim, caso não seja possível a recuperação in natura do bem degradado, atribui-se ao poluidor o dever de indenizar por meio do pagamento de uma importância em dinheiro, a qual é revertida a um Fundo, administrado pelo Ministério Público, juntamente com representantes da sociedade, cujo objetivo é aplicá-lo na reconstituição dos bens lesados, consoante dispõe o artigo 13 da Lei n° 7.347/85.

Não obstante, com alicerce no princípio da reparação in integrum, é possível a cumulação de ambos os tipos de reparação do dano ambiental, haja vista que estes são providências de natureza cível que objetivam recompor o meio ambiente como era antes da intervenção humana e, de modo simultâneo e complementar, entregar à coletividade os benefícios pecuniários alcançados por meio da exploração ilegal dos recursos naturais (MILARÉ, 2015, p. 333).

Saliente-se que, o direito ao meio ambiente salubre é um direito difuso, portanto, em caso de dano ambiental, o ordenamento jurídico brasileiro adota o modelo de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco, conforme se verifica do artigo 14, §1° da Lei n° 6.938/81, que dispõe: “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar e reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”, observando-se o princípio do poluidor-pagador, ou seja, não é preciso comprovar o elemento subjetivo. Afinal, não pode o autor do dano receber o bônus pela exploração de recursos naturais, deixando o ônus da reparação a cargo da sociedade.

Os princípios da reparação integral e do poluidor-pagador são elementares na compreensão da responsabilidade civil em caso de dano ambiental, pois propõem-se a “conduzir o meio ambiente e a sociedade a uma situação na medida do possível equivalente à de que seriam beneficiários se o dano não tivesse sido causado”, o que envolve desde as consequências a um bem ambiental corpóreo, até os danos futuros e inclusive os danos morais coletivos (MIRRA, 2004, p.314 apud MILARE, 2015, p.427).

Neste cenário, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando este posicionamento em suas decisões. Veja-se:                                                                                                       

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE.

1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de  quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. 2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento. (Resp. 1374284/ MG- RECURSO ESPECIAL n° 2012/0108265-7; Relator (a): Ministro Luís Felipe Salomão; Data de Julgamento:27/08/2014; DJe 05/09/2014) (grifos nossos).

RECURSOS ESPECIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL PRIVADO. VAZAMENTO DE PRODUTOS QUÍMICOS ARMAZENADOS EM TANQUE DE GASOLINA, ATINGINDO, DURANTE CINCO ANOS, O SOLO E O LENÇOL FREÁTICO QUE ABASTECIA A RESIDÊNCIA DOS AUTORES.  DANOS MATERIAIS E MORAIS. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE JULGAMENTO NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. SÚMULA  54/STJ.  QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO COM RAZOABILIDADE. SÚMULA 07/STJ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO DANO AMBIENTAL.

1.Vazamento do tanque de combustível de posto de gasolina no solo e lençol freático da região de residência dos autores, durante cinco anos, ocorrido por má conservação e falta de manutenção. 2.  elevadíssimo nível de contaminação da água encontrada no poço artesiano, mil vezes superior ao legalmente permitido, ocasionando danos tanto pela exposição a produtos altamente tóxicos, quando pela ingestão   de alimentos contaminados pelos moradores da região afetada. 3.  Inexistência de vício de julgamento, não padecendo de nulidade acórdão que reconhece a existência dos danos materiais decorrentes do contato e ingestão de alimentos contaminados com produtos tóxicos de custódia dos réus, remetendo, contudo, para fase de liquidação de sentença a determinação de sua extensão. 4.  Apreciação do pedido dentro dos limites postos pelas partes na petição inicial ou nas razões recursais. 5.  Entendimento jurisprudencial consolidado desta Corte Superior no sentido de que o valor da indenização por dano moral somente pode ser alterado na instância especial quando ínfimo ou exagerado. Razoável o montante arbitrado pelo Tribunal de origem para a hipótese de dano ambiental privado consubstanciado em exposição a produtos altamente tóxicos e ingestão de alimentos contaminados. 6.  Responsabilidade objetiva e solidária de todos os agentes que obtiveram proveito da atividade que resultou no dano ambiental não com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, mas pela aplicação da teoria do risco integral ao poluidor/pagador prevista pela legislação ambiental (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), combinado com o art. 942 do Código Civil. 7.  Fixação do termo inicial dos juros de mora, inclusive para a indenização por danos morais, na data do evento danoso (Súmula 54/STJ). 8.  Doutrina e jurisprudência do STJ acerca dos temas controvertidos 9.  RECURSOS ESPECIAIS DOS RÉUS DESPROVIDOS E RECURSO ESPECIAL DA PARTE AUTORA PROVIDO. (Resp. 1363107/ DF - RECURSO ESPECIAL 2013/0023868-6; Relator (a): Ministro Paulo de Tarso Sanseverino; Data de Julgamento:01/12/2015; DJe 17/12/2015) (grifos nossos).

Sérgio Guerra e Sidney Guerra ressaltam a aplicação da teoria objetiva em matéria ambiental e, ainda, afirmam:

(...) mesmo que um determinado empreendimento esteja devidamente licenciado, com observância dos padrões normativos vigentes, bem como no exercício de atividade lícita e regular, se houver um dano ambiental, aquele que é o responsável pela lesão deverá arcar com a obrigação de reparar o dano provocado (2014, p. 249).

Saliente-se que, ao eleger o modelo de responsabilidade civil objetiva, o Direito Ambiental afasta a exigência de apuração do elemento subjetivo, no entanto, é inescusável o reconhecimento do nexo causal, entre o evento danoso e a fonte poluidora. Ocorre que este pressuposto que conecta causas e efeitos é, segundo José Rubens Morato Leite e Délton Winter de Carvalho (2007, p.77 apud MILARÉ, 2015, p.431), “o tema onde se concentram os maiores problemas relativos à responsabilidade civil pelo dano ambiental, em virtude mesmo da complexidade inerente aos processos ecológicos”. Isto se dá em razão da dificuldade de identificar o fato motor da poluição, eis que pode derivar de inúmeras circunstâncias concorrentes, simultâneas ou consecutivas, sendo o que Herman Benjamin (1998, p. 44 apud MILARÉ, 2015, p. 431) denomina de “império da dispersão do nexo causal”. 

Nessa senda, considerando que a teoria objetiva está embasada na noção de risco da atividade, a doutrina apresenta três teses principais para interpretar a aplicação da teoria objetiva em matéria ambiental, quais sejam, as teorias do risco proveito, do risco criado e do risco integral, as quais divergem, em especial, quanto à incidência de fatos excludentes do nexo de causalidade.

Pois bem, a teoria minoritária é a do risco proveito, cujos adeptos entendem que somente aqueles que lucram com a atividade que deteriora o meio ambiente devem responder por suas consequências. Este entendimento se mostra prejudicial à coletividade, uma vez que se fosse adotado reduziria o rol dos responsáveis, podendo inclusive o dano ambiental ficar impune (GUERRA; GUERRA, 2014, p. 250).

Por outro ângulo, alguns juristas como José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, Magda Montenegro e Bruno Albergaria entendem que a responsabilidade objetiva deve ser considerada sob a ótica da teoria do risco criado, ou seja, de modo a admitir a contraprova de excludentes do nexo causal. De acordo com esta corrente, “se o empreendedor assumiu o risco de colocar a atividade no mercado, deve assumir todos os ônus daí decorrentes, exceto aqueles absolutamente imprevisíveis que cortam o nexo causal” (RODRIGUES, 2005 apud THOMÉ, 2016, p. 573).

Sendo assim, impõe-se o dever de reparação do dano ambiental ao sujeito cuja atividade seja potencialmente causadora de prejuízos ao meio ambiente, desde que comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do poluidor, como sendo fatos constitutivos do direito do autor. Porém, demonstrando o réu a ocorrência de causas excludentes do nexo causal, fica ele isento do dever de compensar os danos que a sua atividade causou, recaindo sobre toda a coletividade o fardo de suportar lesão a seus direitos fundamentais.

É evidente, portanto, que esta teoria foi elaborada para se contrapor aos riscos concretos, marcantes da sociedade de industrial, não sendo suficiente e adequada para cuidar dos riscos inerentes à sociedade de risco, cujos problemas passaram a ser transnacionais, imprevisíveis e atemporais, colocando em perigo não só os elementos naturais, mas a perpetuação da espécie humana.

Por outro lado, a corrente representada por Edis Milaré, Nelson Nery Júnior e Cavalieri Filho, ensina que, havendo dano ambiental adota-se a teoria objetiva apoiada no risco integral, o qual não admite a existência de excludentes do nexo causal. Segundo leciona Cavalieri Filho, “o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, ainda nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior” (FILHO, 2004 apud THOMÉ, 2016, p. 573).

Diante da nova realidade mundial, notadamente, da necessidade de lidar com os riscos indefinidos peculiares da sociedade de risco e ainda devido à grande dificuldade de fundamentar o nexo de causalidade entre o dano e a atividade exercida pelo poluidor, Anderson Schreiber vislumbra a inclinação dos julgadores na direção da flexibilização e redução do valor probatório do nexo causal, de modo a potencializar a possibilidade de reparação do dano ambiental. Veja-se a sua lição:

A prova do nexo causal vem perdendo, gradativamente, seu papel de filtro de reparação, passando a ser empregado pelo Poder Judiciário com desenvolta elasticidade em prol da responsabilização de algum agente mais preparado a suportar a ampla reparação dos danos (...). Nesse sentido, observa-se uma ampliação aos poderes do magistrado em relação à avaliação jurídica do nexo de causalidade em matéria de direito ambiental em detrimento das teorias clássicas do nexo causal. Com escopo de atender as demandas da Sociedade de Risco, o julgador deve fazer uso de diversos mecanismos de afrouxamento do nexo de causalidade (...) (apud MILARÉ, 2016, p. 432).

Sendo assim, a maior parte dos doutrinadores diverge quanto a melhor teoria do risco a ser aplicada em caso de dano ambiental: a teoria do risco criado ou a teoria do risco integral. Sobre esta discussão, ressalte-se as particularidades de cada uma delas.

A teoria objetiva fundada no risco criado prega que somente poderá o magistrado determinar o dever de indenizar/reparar o dano ao poluidor que exerce atividade capaz de lesionar o meio ambiente, não abarcando qualquer outro fator que não seja vinculado à atividade econômica. Segundo Annelise Staigleder, isto se refere à teoria da causalidade adequada, pela qual busca-se identificar o fator específico capaz de provocar o dano (MILARÉ, 2015, p.432).

Por sua vez, os defensores da teoria do risco integral alegam que esta é mais geral, eis que abrange todo e qualquer risco conexo à atividade empresária, sendo o empreendedor responsável por todos os seus desdobramentos, pelo que se aplica a teoria da equivalência das condições (sine qua non), a qual prega que mesmo existindo mais de uma fonte possível para gerar o dano, todas são consideradas idôneas a produzi-lo, de forma que a simples existência da atividade é apreciada como motivo para o evento danoso (MILARÉ, 2015, p.432). Sergio Cavalieri Filho esclarece que “o dano não é causado diretamente por uma atividade de risco, mas o seu exercício é a ocasião para a ocorrência do evento” (2014, p. 185 apud MILARÉ, 2015, P. 432).

Frise-se que, o cerne da distinção entre as teorias acima confrontadas é admissão ou não das causas excludentes do nexo de causalidade, sendo que a teoria do risco criado aceita que a ocorrência destes fatos tem o poder de romper a conexão entre a atividade e o dano e, consequentemente, excluir a responsabilidade civil ambiental, ao passo em que a teoria do risco integral prega que, mesmo estando presentes o caso fortuito, a força maior, o fato exclusivo da vítima ou o fato de terceiro, o poluidor deve colaborar na composição do dano ao meio ambiente, pois tem a obrigação de assumir todos os ricos que a sua atividade ocasiona.

O entendimento do douto Procurador de Justiça aposentado Édis Milaré (2015, p.433) é no sentido de que a teoria objetiva firmada no risco criado é uma posição reducionista quando observada no microssistema da reponsabilidade civil ambiental, “posto que na contramão dos avanços da responsabilidade civil contemporânea, que pugna pela máxima ressarcibilidade do dano experimentado (...)”, indicando, assim, a teoria do risco integral como “a que melhor atende à preocupação de se estabelecer um sistema o mais rigoroso possível, ante o alarmante quadro de degradação que se assiste aqui e em todo o mundo”, além disso, busca atender ao clamor de uma sociedade, apoiada no princípio da solidariedade, evitando a privatização do capital e a coletivização do risco.

Sérgio Cavalieri Filho destaca que o dano ao meio ambiente, na verdade, não é rigorosamente provocado por uma atividade de risco, mas o seu desempenho enseja a lesão. Isto posto, o ordenamento jurídico brasileiro adotou, em caso de dano ambiental, a teoria objetiva calcada no risco integral, sendo este o posicionamento predominante na doutrina e nos tribunais (MILARÉ, 2016, p. 573).  

A responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco integral é fixada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Repetitivo Resp 1114398/PR. Veja-se:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOSPOR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DECOLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ - 1) PROCESSOSDIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMORECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL,À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIALUNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIASREPETITIVAS; 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NOJULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES;b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DECARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DOPOLUIDOR-PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE PORFATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO -SÚMULA 54/STJ; f) SUCUMBÊNCIA. 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COMOBSERVAÇÃO. 1.- É admissível, no sistema dos Recursos Repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ 08/08) definir, para vítimas do mesmo fato, em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas. 2.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide.- Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio"N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam.- É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso.- Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência. -Prevalecendo os termos da Súmula 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência. 3.- Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem. (STJ - REsp: 1114398 PR 2009/0067989-1, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 08/02/2012, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/02/2012).

 Outrossim, além de objetiva, a responsabilidade por dano ambiental no Brasil é também solidária, isto é, todos os agentes causadores da lesão ao meio ambiente, seja de maneira direta ou indireta, poderão ser chamados para figurar no polo passivo de eventual ação de indenização, inclusive o Poder Público, nos termos do artigo 3°, IV da Lei n° 6.938/81. Este entendimento vem sendo apoiado pelo Superior Tribunal de Justiça o qual já dispôs que “mesmo havendo múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, abrindo-se ao autor a possibilidade de demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (STJ, REsp 880.160/RJ; Relator: Min. Mauro Campbell; 2ª Turma; julgamento em 02/05/2010; Dje 27/05/2010).

Este é um mecanismo processual utilizado para facilitar e acelerar a reparação do dano ao meio ambiente. Assim, tanto para investigar o nexo de causalidade, quanto para aplicar a solidariedade dos agentes poluidores, iguala-se “quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem faz mal feito, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando os outros fazem” (STJ, REsp 650728; Relator: Min. Herman Benjamim; Dje: 02/12/2009).

Nesta linha, faz-se importante ilustrar o conceito de “poluidor indireto”, o qual pode ser responsabilizado pela ocorrência de dano ambiental. Com efeito, o modelo de responsabilidade civil objetiva no Direito Ambiental visa a segurança do meio ambiente diante de uma atividade potencialmente causadora de danos. Deste modo, é considerado poluidor indireto aquele cuja atividade está vinculada ao poluidor direto, ou seja, “o poluidor indireto, ao menos em tese, poderia desempenhar um papel relevante na prevenção do dano, podendo ingerir e fiscalizar a atividade do terceiro” (ZAPATER, 2013, p. 365 apud MILARÉ, 2015, p. 442).

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS AO MEIO AMBIENTE

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente é terminante ao definir o conceito de poluidor em seu artigo 3°, IV e nele incluir de forma expressa a pessoa jurídica, seja ela de direito público ou privado, que provocar, de forma direita ou indireta, degradação ambiental. Além disso, o artigo 37, §6° da Constituição da República Federativa do Brasil determina que as pessoas jurídicas, de direito público e as de direito privado, que sejam prestadoras de serviços públicos, respondem por todos os danos que seus agentes, no exercício da profissão, causarem a terceiros, incluindo-se, portanto, a prática de atividades que gerem danos ao meio ambiente e prejuízos à coletividade.

Com efeito, a responsabilidade civil pode surgir por ato comissivo ou omissivo. Pois bem, a doutrina entende que o Estado deve ser responsabilizado objetivamente pelas ações de seus agentes no desempenho de suas atribuições, sendo observada a teoria do risco administrativo, ao passo que, na hipótese de omissão, a sua responsabilidade, em regra, é subjetiva (THOMÉ, 2016, p. 578).

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu uma exceção na esfera ambiental ao autorizar a imputação objetiva de responsabilidade da Administração Pública, em caso de ato omissivo que concorrer para o dano ao meio ambiente. Veja-se:

ADMINISTRATIVO.  AMBIENTAL.  AÇÃO  CIVIL PÚBLICA. RECURSOS HÍDRICOS.       PRIORIDADE     DO    ABASTECIMENTO    PÚBLICO.    LEI    9.433/1997. RESPONSABILIDADE   CIVIL  DO  ESTADO  POR  OMISSÃO  DE  FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL.  LEI  6.938/1981.  DANO  IN  RE  IPSA  AO  MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL EM ÁREA DE PROTEÇÃO DE MANANCIAIS. RESERVATÓRIO GUARAPIRANGA.  ÁREA  NON  AEDIFICANDI. IMPUTAÇÃO OBJETIVA E EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. MUDANÇAS CLIMÁTICAS.

1.  Trata-se,  na  origem,  de  Ação  Civil  Pública  proposta  pelo Ministério  Público  paulista  contra  o  Estado  de  São  Paulo e a Imobiliária Caravelas Ltda. Nos termos da peça vestibular, a segunda ré  construiu imóvel em área de manancial (represa de Guarapiranga), na  faixa  non  aedificandi.  O  Tribunal  de  Justiça  reconheceu a existência  das  edificações  ilícitas  e  determinou sua demolição, entre outras providências. IMPORTÂNCIA  DA  ÁGUA  2. Indiscutível que sem água não há vida. Por força de lei, abastecimento público é uso prioritário por excelência dos  recursos  hídricos  (art.  1º,  III,  da Lei 9.433/1997). Logo, qualquer  outro  emprego  da  água,  de suas fontes e do entorno dos rios,  lagos,  reservatórios  e  fontes  subterrâneas  que  venha  a ameaçar,  dificultar,  encarecer  ou  inviabilizar o consumo humano, imediato  ou  futuro, deve ser combatido pelo Estado, na sua posição de  guardião  maior  da  vida  das  pessoas, com medidas enérgicas e eficazes de prevenção, fiscalização, repressão e recuperação. (...) RESPONSABILIDADE   CIVIL   AMBIENTAL   DO   ESTADO  POR  OMISSÃO  DE FISCALIZAÇÃO. 9.  Segundo  o  acórdão recorrido, deve ser excluída a responsabilização  do Estado, mesmo que reconheça haver o Ministério Público  notificado  a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, que não utilizou meios efetivos para sanar a violação e fazer cessar o dano. 10.   Nesse   ponto, o   Tribunal  de  Justiça  se  distanciou  da jurisprudência do STJ. Não se imputa ao Estado, nem se mostra viável fazê-lo,  a  posição  de  segurador  universal  da integralidade das lesões  sofridas  por  pessoas  ou  bens protegidos. Tampouco parece razoável,  por  carecer  de  onipresença, exigir que a Administração fiscalize  e  impeça  todo  e  qualquer  ato  de  infração a lei. No entanto,  incumbe ao Estado o dever-poder de eficazmente e de boa-fé implementar  as  normas  em vigor, atribuição que, no âmbito do meio ambiente,  ganha  maior  relevo  diante  da dominialidade pública de muitos dos elementos que o compõem e da diversidade dos instrumentos de prevenção, repressão e reparação prescritos pelo legislador. 11.  Apesar  de  se  ter  por certo a inexequibilidade de vigilância ubíqua,  é mister responsabilizar, em certas situações, o Estado por omissão, de forma objetiva e solidária, mas com execução subsidiária (impedimento  à  sua  convocação per saltum), notadamente quando não exercida,  a tempo, a prerrogativa de demolição administrativa ou de outros  atos  típicos  da  autoexecutoriedade ínsita  ao  poder  de polícia. 12.   Segundo   a   jurisprudência  do  STJ,  "independentemente  da existência    de    culpa,    o   poluidor,   ainda   que   indireto (Estado-recorrente)  (art.  3º  da  Lei  nº  6.938/81), é obrigado a indenizar    e   reparar   o   dano   causado   ao   meio   ambiente (responsabilidade  objetiva)" (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22/8/2005).13. Recurso Especial provido. (REsp 1376199/SP – Recurso Especial 2011/0308737-6; Relator (a): Ministro Herman Benjamin; Segunda Turma; Data de Julgamento:19/08/2014; Dje: 07/11/2016) (grifos nossos).

O jugado acima transcrito, em consonância com demais decisões dos tribunais superiores e a doutrina, confirma a solidariedade do Poder Público no âmbito da responsabilidade civil em matéria ambiental, entretanto, faz a ressalva de que esta responsabilidade deve ser entendida como de execução subsidiária. Ou seja, a Administração Pública participa da obrigação de indenizar como “devedor reserva”, sendo chamada a pagar somente caso o devedor principal não cumpra com o seu dever, resguardando-se, ainda, o direito de regresso. Saliente-se que, sendo o Estado condenado a indenizar danos causados ao meio ambiente, bem de uso comum do povo, a coletividade sofreria ofensa dupla, primeiro devido aos malefícios provenientes do impacto ambiental e, em segundo plano, em razão do ressarcimento do dano, ser efetuado com o dinheiro público (THOMÉ, 2016, p.579).

Sobre o tema, Edis Milaré (2015, p. 444) justifica que “afastando-se da imposição legal de agir, ou agindo deficientemente, deve o Estado responder por sua incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado, que, por direito, deveria sê-lo”. Não se pode deixar de mencionar que estas lições vêm sendo aclamadas pelo Superior Tribunal de Justiça e utilizadas na fundamentação de suas decisões. 

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Sobre a autora
Bruna Aparecida Souza Franco

Advogada, graduada pela Universidade do Estado de Minas Gerais-Unidade Ituiutaba, pós graduanda em Direito Ambiental e Urbanístico pela PUC Minas e em Direito do Trabalho pela FAEL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Bruna Aparecida Souza. Estudo sobre a responsabilização das empresas e do Estado na ocorrência do dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5988, 23 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64514. Acesso em: 12 mai. 2024.

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