Direito à saúde:instrumentos de tutela específica no direito processual brasileiro

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2.Efetividade das decisões jurisdicionais e tutela do direito à saúde

Feitas as devidas considerações acerca da natureza obrigacional do dever estatal de efetivar o direito à saúde do qual é credor a coletividade de pessoas submetidas ao ordenamento jurídico pátrio, cumpre-nos proceder ao estudo das medidas processuais destinadas a forçar o cumprimento, em Juízo, das medidas necessárias a sua efetiva implementação prática.

In casu, diante da inércia do Poder Público em oferecer serviço, insumos ou produtos necessários a promoção e/ou recuperação da saúde de um indivíduo, mostra-se pertinente a propositura de ação condenatória em desfavor do ente público, com o escopo de garantir o cumprimento da obrigação de fazer respectiva.

Não é demais lembrar que, tendo em vista o caráter fundamental da obrigação em exame, bem como diante de eventual situação de premência vivenciada pelo credor da obrigação (p.ex. risco de morte ou agravamento do estado de saúde), é viável o deferimento de tutela provisória de urgência, a fim de antecipar os efeitos da tutela jurisdicional pretendida pelo autor da ação condenatória, na forma dos Art. 300 e seguintes do CPC.

2.1 Princípio da efetividade da jurisdição e NCPC

O tema relativo à efetividade da jurisdição possui íntima relação com a prestação da atividade jurisdicional em tempo razoável, isto é, tutelando-se o direito vindicado pela parte em prazo de tempo suficiente para evitar o seu perecimento ou mesmo a frustração de legítima expectativa do jurisdicionado de ver socorrido o seu interesse pelo Estado.

O princípio da efetividade, além de envolver o direito à declaração jurisdicional da existência do direito, com ou sem condenação da parte requerida, exige a disponibilidade de ferramentas voltadas à efetivação do interesse tutelado, inclusive por meio de atividade jurisdicional satisfativa (a exemplo das medidas judiciais voltadas ao cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial).

Tal perspectiva, inclusive, é prevista como direito fundamental no Art. 5º, inc. LXXVIII, da CF, que prevê: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

No sentido do vetor constitucional acima colacionado, o novel diploma processual civil brasileiro prevê, nos Arts. 4º e 6º o dever estatal e das partes cooperarem para garantir a tramitação do processo em prazo razoável, garantindo-se a sua efetividade, no seguintes termos:

Art. 4º - As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. (...) Art. 6º - Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.(grifo nosso). (BRASIL, 1988, artigos 4º e 6º)

Acerca do princípio em estudo, DIDIER JR. o considera decorrência da cláusula constitucional do devido processo legal, pois “processo devido, é processo efetivo”, pois os “direitos, além de reconhecidos, devem ser efetivados”.

O citado autor processualista afirma, ainda, que “o princípio da efetividade garante o direito fundamental à tutela executiva, no qual existam meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito...”.

2.2 Tutela específica da obrigação – histórico normativo

Na sistemática do código de processo civil de 1973, até o advento da Lei 8.052/94, o cumprimento forçado das obrigações de fazer reconhecidas em decisão judicial se dava consoante a sistemática do processo de execução (definitiva ou provisória, conforme o caso), inexistindo, até então, a ideia de processo sincrético, em que a atividade jurisdicional congnitiva e satisfativa ocorre na mesma relação jurídico-processual.

Com a edição da lei 8.052/94, veio à luz o seguinte dispositivo normativo:

Art. 461 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (BRASIL, 1994, art. 461)

Nesse sentido, o ordenamento jurídico passou a admitir que, na mesma relação jurídica processual em que reconhecido o direito, fossem adotadas providências para a tutela específica da obrigação, garantindo ao autor o resultado prático igual ou equivalente àquele que adviria do cumprimento espontâneo da obrigação pelo devedor.

Tal disposição normativa foi repetida pelo novo código de processo civil que, em seu Art. 536 e seguintes, prevê a tutela específica da obrigação por meio de processo sincrético, além de repetir a enumeração exemplificativa das providências judiciais que deveriam ser adotadas pelo magistrado para satisfação do direito (ex. multa, remoção ou busca e apreensão de coisas ou pessoas, etc.).

2.3 Tutela específica do direito à saúde: análise dos mecanismos judiciais destinados à efetivação do direito à saúde.

Inicialmente, é preciso destacar que o parágrafo 1º  do Art. 356 do novo CPC estabelece, em rol não taxativo, as providências que devem ser tomadas pela autoridade judiciária para promover a tutela específica da obrigação de fazer reconhecida em favor do credor. Vale dizer, prevê o diploma processual medidas voltadas à efetivação do direito vindicado pelo autor, garantido o efeito prático igual ou equivalente aquele decorrente do cumprimento espontâneo pelo devedor.

Frise-se que a redação do dispositivo normativo prevê um rol não taxativo ou meramente exemplificativo (numerusapertus), conforme se extrai de sua redação, abaixo transcrita:

Art. 536 –(...)Par. 1º - Para atender o disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividades nocivas, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial. (BRASIL, 2015, art.536 part. 1º)

Nesse sentido, uma vez determinado, em decisão liminar ou por meio de sentença judicial de mérito, o cumprimento de obrigação de fazer pelo Poder Público, consistente na obrigação de tomar providências necessárias à promoção e/ou recuperação do estado de saúde do jurisdicionado, caberá à autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do interessado, determinar as medidas que assegurem a satisfação da obrigação.

Muito se tem discutido, sem que exista, até o momento, consenso na doutrina e jurisprudência, sobre a viabilidade de responsabilização do gestor público renitente por crime de desobediência, na forma do Art. 330 do CP (“Desobedecer a ordem legal de funcionário público. Pena: Detenção de 15 dias a 06 meses e multa”), inclusive com imposição de prisão em flagrante do infrator, observadas as garantias e disposições constantes da CF e da legislação processual penal.

A adoção da medida de coerção indireta em exame, que visa constranger o devedor ao cumprimento da obrigação sob o risco de imposição de medida gravosa em seu desfavor, apesar de muito criticada por alguns juristas, ainda vem sendo empregada em diversos julgados, consoante se infere do aresto jurisprudencial abaixo colacionado:

TJRJ-0371924) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MEDICAMENTOS. DECISÃO QUE DETERMINOU A INTIMAÇÃO DO SR. SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO E DO MUNICÍPIO PARA QUE FORNEÇAM A MEDICAÇÃO À PARTE AUTORA, NO PRAZO DE 05 (CINCO) DIAS, SOB PENA DE BUSCA E APREENSÃO, SEQUESTRO DE VERBA PÚBLICA, PRISÃO POR CRIME DE DESOBEDIÊNCIA, ADVERTINDO QUE NA HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO TAL CONDUTA PODERÁ SER PUNIDA COMO ATO ATENTATÓRIO A DIGNIDADE DA JUSTIÇA, NA FORMA DO DISPOSTO NO ARTIGO 77, INCISO IV E PARÁGRAFO 2º DO NCPC. MANUTENÇÃO, POIS EXISTE RECUSA SISTEMÁTICA DO ESTADO NO CUMPRIMENTO DA DECISÃO ANTECIPATÓRIA, CONFIRMADA, INCLUSIVE, EM GRAU DE RECURSO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0052952-92.2016.8.19.0000. APLICAÇÃO DA SÚMULA 178 DO TJ/RJ. JURISPRUDÊNCIA E PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESSE SENTIDO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (Agravo de Instrumento nº 0010892-70.2017.8.19.0000, 11ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Otávio Rodrigues. j. 26.04.2017, Publ. 28.04.2017). (TJRJ, 2017)

Sobre o descabimento da imposição de prisão do gestor público pelo crime de desobediência, diretamente pelo juízo cível, por meio de tutela específica da obrigação, devendo, ao revés, ser remetida cópia dos autos do Ministério Público para apuração do ilícito, tem-se o seguinte julgado:

TJDFT-0291278) DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DETERMINA A ENTREGA DE MEDICAMENTO QUIMIOTERÁPICO, SOB PENA DE RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DO SECRETÁRIO DE SAÚDE, MULTA DIÁRIA, PRISÃO EM FLAGRANTE E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUTORIDADE INCOMPETENTE PARA DECRETAR PRISÃO POR DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO SERVIDOR PÚBLICO É SUBSIDIÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que ratificou sentença que deferiu pedido de antecipação da tutela, para determinar o fornecimento do medicamento, consignando que o não cumprimento da ordem judicial implicaria em responsabilização pessoal do Secretário de Saúde, além de multa diária, prisão em flagrante e improbidade administrativa. 2. O cumprimento da decisão deve ser feito segundo a regra do art. 461, § 5º, do CPC, que prevê a adoção de medidas coercitivas, de natureza cível, como é o caso da imposição de sanção pecuniária - astreintes, para compelir o cumprimento da obrigação imposta. 2.1. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. "2. É permitido ao Juízo da execução aplicar multa cominatória ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação de fazer, ainda que se trate da Fazenda Pública". (AgRg no REsp 904.638/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 12.09.2014). 3. Não existe fundamento legal para o decreto de prisão, ainda que por crime de desobediência (CP, 330). 3.1. Precedente do Superior Tribunal de Justiça: "3. Uma vez descumprida, injustificadamente, determinação judicial, proferida nos autos de processo de natureza cível, resta como única providência ao alcance do juiz condutor do processo - para fins de responsabilização penal do descumpridor - noticiar o fato ao Representante do Ministério Público para que este adote as providências cabíveis à imposição da reprimenda penal respectiva, por infração ao artigo 330 do CPB, eis que lhe falece à autoridade judicial competência para decretar prisão em face do delito cometido". (RHC 16.279/GO, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 14.09.2004, DJ 30.09.2004, p. 217).Agravo parcialmente provido. (Agravo de Instrumento nº 20140020315034 (862713), 2ª Turma Cível do TJDFT, Rel. João Egmont. j. 22.04.2015, DJe 27.04.2015). (TJDFT, 2015)

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Outra medida judicial adotada com frequência para obrigar o poder público a concretizar o direito à saúde reconhecido em decisão judicial é a imposição de multa diária ao devedor inadimplente, instrumento conhecido como “astreintes”.

Destaca-se que o novo código de processo civil, no Art. 537, prevê que a aplicação da multa é cabível em sede de liminar ou cumprimento provisório e definitivo de sentença, sendo devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incide até o cumprimento da obrigação.

Sobre a possibilidade de imposição de multa diária em caso de descumprimento da obrigação de fazer, tem-se o seguinte aresto jurisprudencial:

TJDFT-0306446) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO. INTIMAÇÃO DO SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAÚDE DO DF PARA CUMPRIMENTO, SOB PENA DE MULTA PESSOAL E CONFIGURAÇÃO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE GRAVAME IMEDIATO. 1. Inexiste qualquer impedimento quanto à aplicação da multa diária cominatória, denominada astreintes, contra a Fazenda Pública, por descumprimento de obrigação de fazer. Inteligência do art. 461 do CPC. Precedentes. Recurso especial provido. (REsp 1360305/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 28.05.2013, DJe 13.06.2013) 2. Na hipótese dos autos, quanto à determinação de prisão por crime de desobediência, não se evidencia o alegado risco de prisão ou responsabilização pessoal, na medida em que não foi feita a descriminação de quem seria a autoridade administrativa responsável pelo tratamento. Verifica-se que na decisão agravada consta que em caso de eventual descumprimento ou retardamento no cumprimento da ordem judicial ensejará, em nome do Princípio da Dignidade da Justiça, insculpido no art. 125, inciso III do CPC, a prisão em flagrante do transgressor ou transgressores, pelo crime de desobediência, não estando patente o risco de dano grave ou difícil reparação. 3. Recurso conhecido e desprovido. (Agravo de Instrumento nº 20150020046065 (884221), 5ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Carlos Rodrigues. j. 23.07.2015, DJe 06.08.2015). (TJDFT, 2015)

A despeito da viabilidade de imposição das medidas já tratadas acima, nenhuma se mostra tão eficaz, inclusive sob a perspectiva dos princípios da dignidade da pessoa humana, devido processo legal e efetividade da tutela jurisdicional, quanto o bloqueio judicial de verbas públicas, destinando-se o produto da medida ao cumprimento da obrigação por terceiro, qual seja um particular.

É dizer, diante do descumprimento da obrigação de fazer reconhecida em sentença e que tenha por objeto a preservação da saúde e vida do jurisdicionado, cabe ao juiz determinar o bloqueio de verbas públicas existentes em contas bancárias pertencente ao ente público responsável, em montante suficiente para custeio do serviço/produto a partir de sua aquisição junto à rede privada.

Frente ao descumprimento da medida judicial deferida em favor do jurisdicionado, caberá ao interessado a apresentação de orçamentos provenientes da iniciativa privada para sustentar a necessidade da invasão do tesouro estatal pagamento do serviço/produto pretendido junto à rede privada.

Nesse sentido, tem-se o seguinte entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, que vem sendo repetido na jurisprudência atualizada daquela Corte de Justiça:

STJ-205612) RECURSO ESPECIAL. MEDICAMENTO ESPECÍFICO. RISCO DE MORTE. NÃO FORNECIMENTO PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VALORES NECESSÁRIOS À AQUISIÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Recurso especial interposto por Karem Patrícia M. G., pelas letras "a" e "c" da permissão constitucional contra acórdão proferido em sede de agravo de instrumento e assim ementado (fl. 107): "Agravo de instrumento constitucional. Administrativo e processual civil. Saúde pública. Medicamento excepcionais. Diabetes tipo 1. Pedido de bloqueio de valores indeferimento na origem. Interlocutória correta. Posicionamento ressalvado. Impossibilidade do bloqueio de valores. Efeito suspensivo ativo não concedido. Agravo de instrumento desprovido". Os fundamentos recursais indicam, em síntese, que: a) o acórdão infringiu o artigo 461, §§ 4º e 5º ao entender inaplicável à Fazenda Pública o depósito ou o sequestro das verbas para cobrir os valores necessários ao fornecimento dos medicamentos necessários à saúde da recorrente; b) a impenhorabilidade dos bens públicos deve ser mitigada devendo ser imposta a medida coercitiva pleiteada pela recorrente ao recorrido para que este cumpra obrigação de fazer determinada pelo Juízo; c) o Superior Tribunal Justiça tem posicionamento formado no sentido da possibilidade de se proceder ao bloqueio de contas públicas para o cumprimento de determinação judicial de fornecimento de medicamento necessário no tratamento de moléstias graves. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso. 2. Em situações reconhecidamente excepcionais, tais como a que se refere ao urgente fornecimento de medicação, sob risco de perecimento da própria vida, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é reiterada no sentido do cabimento do bloqueio de valores diretamente na conta-corrente do Ente Público. No caso particular, os autos noticiam que, não obstante a determinação judicial, o Estado do Rio Grande do Sul não forneceu os medicamentos, encontrando-se a recorrente, desde agosto de 2005, sem receber o tratamento e em sério risco de morte, sem obter do Estado sequer a insulina comum, motivo pelo qual postulou o bloqueio dos valores necessários à sua aquisição por seis meses, o que lhe foi indeferido, propiciando a interposição de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, o qual, também, foi denegado, sendo, no mérito, desprovido o recurso. 3. Com efeito, o art. 461, § 5º, do CPC, ao referir que o Juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, para a efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente, "determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas ou cousas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. De tal maneira, é permitido ao Julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado, buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. É possível, pois, em casos como o presente, o bloqueio de contas públicas. 4. Recurso provido para determinar o bloqueio dos valores, na conta do recorrido, e sua imediata liberação para que a recorrente possa adquirir a medicação de que necessita. (Recurso Especial nº 890441/RS (2006/0211512-4), 1ª Turma do STJ, Rel. José Delgado. j. 13.03.2007, unânime, DJ 02.04.2007).   (STJ, 2007)

STJ-203161) TRIBUTÁRIO. FAZENDA PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CABIMENTO. ART. 461, § 5º DO CPC. PRECEDENTES. 1. Embora a regra do artigo 542, § 3º, do CPC, determine a retenção de recurso especial interposto contra decisão monocrática, é firme o entendimento desta Corte no sentido de que "a regra contida no art. 542, § 3º, do CPC admite temperamentos quando a decisão recorrida, embora sendo interlocutória, pode gerar sequelas permanentes e irreversíveis" (REsp 260.106/PE, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 18.02.2002). 2. A hipótese dos autos cuida da possibilidade de bloqueio de verbas públicas do Estado do Rio Grande do Sul, pelo não cumprimento da obrigação de fornecer medicamentos à portadora de doença grave, como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva da obrigação de fazer ou de entregar coisa (arts. 461 e 461-A do CPC). 3. A negativa de fornecimento de um medicamento de uso imprescindível, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é ato que, per si, viola a Constituição Federal, pois a vida e a saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano. 4. A decisão que determina o fornecimento de medicamento não está sujeita ao mérito administrativo, ou seja, conveniência e oportunidade de execução de gastos públicos, mas de verdadeira observância da legalidade. 5. O bloqueio da conta bancária da Fazenda Pública possui características semelhantes ao sequestro e encontra respaldo no art. 461, § 5º, do CPC, uma vez que não se trata de norma taxativa, mas exemplificativa, autorizando o Juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a determinar as medidas assecuratórias para o cumprimento da tutela específica. Precedentes da Primeira Seção. Recurso especial improvido. (Recurso Especial nº 845076/RS (2006/0111410-7), 2ª Turma do STJ, Rel. Humberto Martins. j. 17.10.2006, unânime, DJ 30.10.2006).

STJ-200841) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - ART. 461, § 5º DO CPC - MULTA DIÁRIA COMINATÓRIA - ASTREINTES - APLICABILIDADE CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - BLOQUEIO DE VALORES PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL - POSSIBILIDADE. 1. Inexiste qualquer impedimento quanto a aplicação da multa diária cominatória, denominada astreintes, contra a Fazenda Pública, por descumprimento de obrigação de fazer - Inteligência do art. 461 do CPC. Precedentes. 2. A maioria dos componentes da Primeira Seção tem considerado possível a concessão de tutela específica para determinar-se o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico indispensável, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. 3. Recursos especiais providos. (Recurso Especial nº 861262/RS (2006/0131980-7), 2ª Turma do STJ, Rel. Eliana Calmon. j. 05.09.2006, unânime, DJ 26.09.2006) (STJ, 2006)

Justifica-se a importância da medida acima tratada haja vista que adoção de outras providências nem sempre se mostram idôneas para a pronta satisfação direito reclamado pelo jurisdicionado, mormente em hipóteses de reiterado descumprimento de ordem judicial ou situação de premência (ex. risco de morte) vivenciada pelo interessado.

De outro lado, reconhece-se a existência de críticas ao emprego da medida coercitiva direta acima tratada, consistente no ataque direto ao patrimônio do devedor com o intuito de promover a pronta satisfação da obrigação, sob o argumento de, muitas vezes, implicar em pagamento de serviço/produto em valor muito superior àquele que poderia ser praticado pela Administração Pública caso houvesse uma política pública e planejamento adequado das despesas decorrentes das necessidades da população, devidamente apuradas e consideradas.

Ocorre que, no mesmo sentido da argumentação que afastou a exceção da “reserva do possível” pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, o direito social à saúde, consectário do direito fundamental à vida e da dignidade pessoa humana, jamais poderia ser relegada a segundo plano diante do risco de perecimento, mormente quando confrontados com princípios e regras relativos a orçamento e finanças públicas.

Finalmente, uma vez reconhecido o dever do gestor público de ordenar as despesas e empregar as receitas públicas com observância dos princípios constitucionais que fundamentam o regime jurídico administrativo brasileiro, na forma do Art. 37, caput e parágrafo 4º, da Constituição Federal, diante do descumprimento da obrigação fundamental de garantir o direito à saúde da população, seja pela inexistência ou insuficiência de políticas públicas, seja pelo descumprimento de ordem judicial, deve implicar em apuração de ilícito civil consistente em improbidade administrativa, com todas as consequências previstas na Lei 8.429/92.


3. Conclusão

Ante o exposto, pode-se afirmar que o dever estatal de concretizar serviços e fornecer produtos destinados à promoção e/ou recuperação da saúde daqueles indivíduos submetidos ao seu ordenamento jurídico se reveste de caráter obrigacional e de natureza fundamental, devendo o Poder Judiciário empregar providências necessárias e suficientes para a efetividade do direito vindicado pelo interessado, mormente o bloqueio de verbas públicas pertencentes ao ente político recalcitrante, sem prejuízo da adoção de medidas voltadas à responsabilização do gestor público responsável pela violação do direito em exame e pelo descumprimento dos provimentos jurisdicionais.


Referências:

BRASIL, Constituição Federal da República, 1988, disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >Acesso em: 05 out. 2017.

_______, Codigo de Processo Cívil, 2015, disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm > Acesso em: 05 out. 2017.

_______, Código Penal, 1984, disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>Acesso em: 05 out.

_______,Lei 8.080 de 1990, disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm> Acesso em: 03 out. 2017.

CADH, Convenção Americana de Direitos Humanos, 1969, Disponível em: <http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/convencaoamericanadireitoshumanos.pdf > Acesso em: 03 out. 2017.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 17ª Edição. 2015. Editora Jus Podivm. Salvador 2015

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à Saúde. Editora Jus Podivm. Salvador. 2014. Pg. 40.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. 5ª Edição. Editora Gen Método. São Paulo. 2015.

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Sobre o autor
Fábio Luiz Sant'Ana de Oliveira

Ex - Defensor Público do Estado de Mato Grosso (2007-2016) Defensor Público do Estado de Mato Grosso do Sul (2016 - atualmente) Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL/PR Aluno regular do curso de Pós Graduação "latu sensu" da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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