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O âmbito de proteção constitucional à liberdade religiosa

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3.      O Dano Moral e o Contrato Individual de Trabalho

A esfera de direito da personalidade é a base concreta e teórica onde adota a essência do dano moral e menciona os meios de sua recuperação.

Barros menciona que “o dano moral é utilizado com maior precisão técnica como o dano pessoal, empregado o termo numa dimensão mais ampla, compreendendo a violação aos direitos da personalidade”[20].

O que vem logo no pensamento quando falamos em dano moral é o seu antônimo, o dano material, o qual caracteriza-se por violar os direitos que, por fazer parte da personalidade do ser humano, não pode ser afetado por valor econômico.  

Consoante nos ensina, Gagliano e Pamplona Filho afirmam que o dano moral “consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro”[21].

Uma outra doutrina que diverge da doutrina de Gagliano e Pamplona Filho, apesar disso, diz que, a diferença de um dano patrimonial para o moral não advém da natureza do direito, bem ou interesse lesado, e sim, do efeito da lesão, do caráter da repercussão sobre o lesado. Entre outros autores, temos o José de Aguiar Dias, que registra:

A distinção entre dano patrimonial e dano moral não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado. Tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a bem não patrimonial, como dano moral por efeito da ofensa a bem material[22].  

Ainda assim, as duas teorias terminaram por se comunicar entre si a partir da diferença erguida pela doutrina entre danos morais objetivos e danos morais subjetivos. Os elementares se referiam designadamente aos direitos da personalidade, ao modo que os outros atenderiam ao que Reale  chamou de “o mal sofrido pela pessoa em sua subjetividade, em sua intimidade psíquica, sujeita a dor ou sofrimento intransferíveis [...]”[23].

O dano moral, assim, tanto pode ser o efeito não patrimonial de uma lesão a direito subjetivo patrimonial (dano moral subjetivo) quanto a violação ao direito da personalidade (dano moral objetivo). Ambas as dimensões encontram guarida no direito pátrio, conforme constatação de Moraes[24]:

No momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a recuperação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário, outrossim, que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, sejam intensos a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos aborrecimentos e dissabores do dia a dia, situações comuns a que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidiana.

Segundo a enunciação de Santos Júnior, o desrespeito para com a liberdade religiosa sempre produzirá dano moral:

O desrespeito à liberdade religiosa terá sempre o condão de produzir algum dano moral. Mesmo que se privilegie a concepção tradicional que conceitua dano moral a partir da natureza não econômica dos direitos violados, outra não poderá ser a conclusão. De fato, o rol de bens ou direitos que não possuem conteúdo pecuniário e podem sofrer redução ou perda é extenso e inclui algumas projeções da personalidade que estão indissoluvelmente ligadas à configuração da liberdade religiosa, como a imagem, a consciência moral e a honra. Por outro lado, não há como negar que, para quem é vítima, a ofensa à liberdade religiosa tenderá sempre a representar um constrangimento que, justamente por tocar em um ponto muito sensível à afirmação de sua identidade e ao domínio sagrado da consciência, não será facilmente contabilizada como um aborrecimento ou dissabor normal à convivência em sociedade.

Na verdade, quando se toma em consideração apenas a dimensão subjetiva do dano moral, é forçoso concluir que aferir a sua ocorrência no caso concreto se torna muito mais difícil que identificar os bens jurídicos imateriais que foram violados, pois há situações em que uma mesma conduta humana pode ser tida ou não como infligidora de um sofrimento moral, dependendo de certas circunstâncias relacionadas com o agente ou com o paciente da ação. Basta lembrar que nestes tempos de pós-modernidade e de relativização de valores há alcunhas que, simultaneamente, podem ser tidas como injuriosas para alguns e motivo de orgulho para outros[25].

Contraditório nos parece, entretanto, acontece muito discriminação por intolerância religiosa, que retira a paz dos homens, trazendo o contentamento de alguma vítima que julgue prova de amor, confundido por fanatismo, para com a sua fé.

Isso se dá porque a satisfação dos interesses espirituais, para um grande número de religiosos, tem um componente intrínseco, superando – até o limite da autoflagelação – as aspirações ao sucesso material ou ao conforto físico.

Desta forma, não podemos deixar de abordar essa circunstância mencionada acima, como não violação à liberdade de religião, uma vez que a tutela de direito atribuída para as práticas religiosas, como forma de dignidade da pessoa humana, foi criada para todos os cidadãos religiosos, até mesmo como proteção para defender de atos contra si, sendo muito complexa a tarefa de contrabalancear aqueles que por ventura vá de encontro do seu beneficiário, advertidos aqueles que se autoflagelam. 

Observando de outra maneira, mesmo que não se compreenda que o desrespeita à liberdade de religião do indivíduo seja considerado um dano moral, onde não precisaria entrar na seara subjetiva da vítima, no entanto, mostrar ser razoável presumir que a prática enseja a vítima uma coação moral.    

Haja vista que, uma vez assinalado que a liberdade de religião foi objetivada uma forma de violar um indivíduo, não precisaria obter prova a pessoa ludibriada de que passou por um constrangimento moral. Portanto, o agressor terá de provar que por mais que tenha sido desonesto para com a liberdade religiosa da pessoa que sofreu o ato, a mesma não passou por uma grande lesão moral.

Esse modo de presumir, não deve apenas ser a favor do patrão, uma vez que no tange ao direito de personalidade, os sujeitos da relação de emprego se nivelam. Os direitos a honra, consciência, integridade física e a moral do funcionário não pode ser mantida como a de maior valoração do que a do empregador, ainda que se fale em conveniências para com o hipossuficiente suporte lesões aos seus direitos de personalidade apareçam com grande frequência.

Sengundo Moraes, “os problemas mais procelosos relacionados com o dano moral dizem respeito à sua compensação”[26].

Ressaltando que não são em tempos remotos em que resistiam ao pagamento de indenização ao direito nos casos de lesionar os danos morais, apenas quando era relacionado ao sofrimento e não recaísse ao patrimônio do lesionado.

Novamente observa Moraes (2009:145-146), “o chamado pretium doloris (preço da dor) era inadmissível nos ordenamentos de tradição romano-germânica, com exceção dos casos expressamente previstos pelo legislador civil”.

Era considerada impraticável a reparação do dano moral.

Considerada a forma impraticável essa reparação do dano moral, a partir daí, não mais foi praticável balancear com mais ocorrência a justificativa do pensamento habitual ou clássico, de maneira que nos tempos modernos já se encontra pacificado que o dano moral deve ser ressarcido, ou melhor, indenizado.

Nesta esteira, é que o art. 5º, X, da Constituição Federal do Brasil ergue a posição de direito fundamental o direito à indenização por danos morais, nos casos de violação determinados direitos de personalidade, no que diz, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Um aspecto a ser destacado é que a reparação por dano moral não não equivale nem substitui os efeitos pecuniários que, por força da norma trabalhista, punem o  culpado pela rescisão contratual:

A indenização por dano moral e as parcelas rescisórias não possuem o mesmo caráter. A primeira pretende compensar o sofrimento moral. Já as parcelas rescisórias não foram instituídas por lei com tal finalidade, visando apenas a amenizar, em favor do trabalhador, as consequências patrimoniais negativas decorrentes da despedida. Não se prestam, pois, a punir o empregador pelo dano moral impingido ao trabalhador. De modo semelhante, a ofensa a direito da personalidade do empregador praticada pelo empregado que constitua justa causa para a sua despedida não afasta a possibilidade de que o empregador afore contra o obreiro uma ação buscando reparação do dano moral sofrido[27].

Ao final, percebe-se que, mesmo não sendo provocado de forma direta o dano moral, o empresário pode vir a responder por seus adventos, até mesmo quando a conduta lesiva é praticada por empregado contra os próprios colegas de trabalho ou eventualmente a agressão contra o empregado provém de terceiros, desde que fique comprovada a culpa in vigilando, isto é, que a empresa não tomou as providências necessárias para a preservação de um ambiente de trabalho digno, capaz de minimizar a ocorrência de lesão a direitos de personalidade.

A tendência prevalente na jurisprudência ainda é a de considerar que a responsabilidade civil do empregador perante o seu empregado tem um caráter subjetivo, mas por conta das dificuldades que o trabalhador tem de fazer prova da culpa do empregador, o Judiciário tem se valido de presunções que invertem o ônus probandi em benefício da parte mais fraca, o que deve ser aplicado com muita cautela no que diz respeito às questões de fundo religioso, evitando-se sobrevalorizar a liberdade religiosa do empregado em detrimento da liberdade religiosa do empregador.


4.      O dever de acomodação das práticas religiosas dos empregados.

Não é possível deduzir do ordenamento jurídico brasileiro o direito do empregador de suprimir a liberdade religiosa de seus empregados.

Partindo-se da compreensão de que o reconhecimento da expressão religiosa do trabalhador é um pressuposto da sua dignidade e autoafirmação cidadã, além de refletir a ideologia constitucional no que concerne ao valor atribuído à religião e à função social da propriedade, “a resposta constitucionalmente adequada ao problema passa necessariamente pela busca da máxima efetividade da liberdade religiosa do empregado”[28].

Contudo, o poder diretivo empresarial de fato abrange a prerrogativa da organização do trabalho em prol de uma atividade econômica, o que muitas vezes autoriza o empregador a limitar a expressão religiosa do trabalhador.

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Em razão da existência de legítimas preocupações e direitos assegurados a trabalhador e empregador, é imperioso perquirir sobre como o empregador deve portar-se em face da pretensão de seus empregados à observância de crenças e práticas religiosas no ambiente de trabalho.

Doravante pretende-se afirmar que o empregador tem o dever jurídico de acomodar as práticas religiosas de seus empregados, desde que isso não implique dificuldades indevidas para a condução de seus negócios[29].

Como afirma Santos Junior, é preciso ter em mente que as crenças religiosas, para o trabalhador que as possui, fazem parte de sua identidade e, sendo assim, ignorá-las ou desvalorizá-las no ambiente de trabalho equivale a depreciar a sua dignidade como pessoa humana e a opor obstáculo ao livre desenvolvimento de sua personalidade:

Colocá-lo na posição de ter de escolher entre exteriorização as suas crenças ou manter o seu emprego constitui claramente uma violência que não parece justificável numa sociedade que se pretende pluralista e democrática. Representaria impor ao trabalhador religioso uma desvantagem a priori com fundamento apenas no fato de possuir uma cosmovisão que se distingue da política empresarial, sendo que esta pode ser eventualmente ditada apenas pela busca desenfreada do lucro. Não parece, ademais, que a função social da empresa, compreendida, como um alcance que vai além da mera distribuição de renda, respalde a defesa da desnecessidade da acomodação das práticas religiosas dos empregados. Socialmente é importante que a empresa seja, também, um lugar que promova a inclusão das minorias, um lugar onde a cidadania possa ser exercida de forma plena até o limite em que não cause prejuízo significativo à condução dos negócios[30].

A acomodação das práticas religiosas dos empregados tem, naturalmente, um custo econômico que é suportado pelo empregador. De forma semelhante, mas não totalmente análoga, é a dos empregados portadores de deficiências físicas ou psíquicas.

Há um consenso de que a o trabalhador portador de deficiência merece ter asseguradas medidas específicas de proteção destinadas não apenas à sua inclusão no mercado de trabalho, mas também à sua adaptação ao espaço físico onde a prestação de serviços se desenvolve. Os custos decorrentes desta adaptação são suportados pelos empregadores (não há questionamentos quanto a esta responsabilidade patronal).

Embora esta conduta represente, à primeira vista, um tratamento desigual, ela atende ao princípio da igualdade, na medida em que é flagrante a desigualdade existente entre os trabalhadores portadores de deficiência e os que não o são. Ainda assim, vale lembrar que as deficiências existentes são muitas e a acomodação das necessidades de trabalhadores portadores de deficiência pode se dar em diversos níveis, de acordo com o tipo de deficiência, exigindo em alguns casos medidas de pouco custo[31].

Ocorre, porém, que as partes do contrato de trabalho não estão em uma posição de igualdade.

A posição de inferioridade socioeconômica do trabalhador estabelece uma condição pouco favorável ao atendimento de suas necessidades religiosas, de modo que o temor de retaliação diante da pretensão de acomodação o torna mais suscetível a aceitar caprichos de um empregador que desconsidere a sua identidade religiosa.

Por isso, o dever de acomodação não afasta a necessidade da ponderação dos interesses dos empregados e do empregador, apenas ao empregador o ônus argumentativo de demonstrar a impossibilidade de acomodação das práticas religiosas de seus empregados, atende melhor ao princípio de proteção do hipossuficiente por se tartar de um ônus distribuído à parte contratual que tem mais condições de suportá-lo.

O dever de acomodação não foi concebido, mesmo nos Estados Unidos, como um dever que gera um ônus econômico excessive. Aliás, ele está limitado ao que se denomina de indue hardship, que para Santos Júnior pode ser traduzido como “encargo excessive”: qualquer coisa a mais que um custo de minimis, de modo que as condições econômicas, permanentes ou momentâneas, e mesmo as reclamações de outros trabalhadores possam ser usadas como evidência de que a acomodação irá causar (efetivamente, não apenas potencialmente) dificuldades excessivas à condução dos negócios[32]. 

É possível sustentar, assim, que também no direito brasileiro, até com mais razões que direito americano, o empregador tem o dever de acomodar as práticas religiosas dos seus empregados, de modo que numa primeira análise devem ser rejeitadas todas e quaisquer concepções que pretendam criar ambientes de trabalho assépticos à fé religiosa ou religion free zones, marcadas pelo receio dos indivíduos de vivenciar e compartilhar as duas ideias religiosas[33].

Nas palavras de Santos Junior, a noção do dever de acomodação nem mesmo guarda incompatibilidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade:

A afirmação de que o empregador tem o dever de acomodar razoavelmente a expressão religiosa de seu empregado no ambiente de trabalho, desde que não implique dificuldade excessiva à condução dos negócios, é outra forma de dizer lhe que é vedado restringir desproporcional ou irrazoavelmente a expressão religiosa do trabalhador.

Por fim, o dever de acomodação não se impõe às organizações religiosas em sentido estrito, às organizações confessionais que exercitem atividades diretamente ligadas à missão institucional das igrejas ou cultos às organizações antirreligiosas, desde que se considere que a realização de sua missão institucional reclama a prerrogativa de criar ambientes de trabalho ideologicamente homogêneos[34].

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Sobre a autora
Manoela Carla Felix Seixas Souza

Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Damásio Educacional, Especialização em andamento em Docência do Ensino Superior pela Universidade Salvador (UNIFACS) Aluna Especial do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador (UCSAL).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Manoela Carla Felix Seixas. O âmbito de proteção constitucional à liberdade religiosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5565, 26 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61260. Acesso em: 8 mai. 2024.

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