O direito do morador de condomínio de possuir animais de estimação e as convenções condominiais

06/07/2016 às 12:56
Leia nesta página:

O presente artigo busca abordar o direito do morador de condomínio que possui ou deseja possuir animais de estimação, mas que se vê limitado por previsão ou proibição contida em convenção condominial.A convenção condominial pode impedir o trânsito e permanência de animais nos apartamentos e condomínios?

Com o crescente aumento das populações urbanas, juntamente com a necessidade de espaços para moradia, as cidades tem avançado cada vez mais na construção de edifícios que abriguem o elevado número de pessoas.

Essa realidade de modernidade levou o legislador a criar leis que regem as normas básicas para condomínios e seus moradores, a fim de regulamentar os direitos, deveres e limitações de cada um, para uma boa convivência.

Neste ponto, discute-se hoje a realidade de pessoas que moram em condomínios e possuem animais de estimação, ou desejam ter, e sofrem limitação em seu direito por parte da administração do condomínio, por força de regulamento interno.

Existe lei que regulamente o porte de animais em condomínios?

Inicialmente, cabe mencionar que a Lei 4.591/1964 não regula mais os condomínios em edificações, mas tão-somente as incorporações imobiliárias. Isto porque o novo Código Civil (Lei 10.406/02) passou a tratar inteiramente da matéria. E, embora não tenha revogado expressamente a mencionada lei, ela está revogada com relação aos condomínios, de acordo com o disposto no artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, que considera uma das causas de revogação da lei posterior quando a lei nova regula inteiramente a matéria de que tratava a anterior. Assim, a norma que regula os condomínios em edificações é o novo Código Civil, que entrou em vigor em 2003 e trata os condomínios nos artigos 1.331 a 1.358, sob o título "Do Condomínio Edilício". [1]

Neste contexto, outra questão importante é que nem a Lei 4.591/1964, que regulava o condomínio, nem o atual Código Civil tratava ou tratam especificamente de cães ou qualquer outro animal de estimação. São, eventualmente, as convenções condominiais que disciplinam o tema, permitindo ou proibindo os animais. [2]

Normas internas do condomínio

Não havendo previsão legal acerca da posse de animais em apartamentos, os condomínios tem utilizado de suas normas internas (convenção condominial) para fixar a possibilidade ou não de moradores possuírem animais de estimação, além de outras regras mais específicas.

O fato é que tais previsões em convenção não levam em consideração direitos consagrados na Constituição Federal, como o direito à dignidade da pessoa humana e à propriedade.

O que os tribunais entendem

A jurisprudência tem entendido que a limitação fixada pela convenção condominial não é absoluta, tendo em vista que, em muitas vezes, a análise do caso específico mostrará qual a melhor saída para o impasse.

Aqui ressalta-se que, na maioria das vezes, se estará diante de uma valoração de princípios para se chegar a uma conclusão. Mais valerá a vontade da coletividade do condomínio ou o interesse particular?

Sobretudo, nos filiamos à corrente que vê o interesse particular como sobressalente, desde que garantidos a saúde (salubridade) e segurança dos outros moradores.

A exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) já decidiu por permitir a um morador de um condomínio que possuísse animal de estimação em apartamento:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA DE CONVENÇÃO CONDOMINIAL. CRIAÇÃO DE ANIMAL DOMÉSTICO DE PEQUENO PORTE. CÃO DÓCIL E SAUDÁVEL. RELATIVIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO (ART. 557, CAPUT, CPC). SENTENÇA MANTIDA. 1. “É incontroverso que proprietários de unidades autônomas, ou seus possuidores diretos, devem se utilizar do edifício e de suas partes obedecendo aos direitos de vizinhança e as restrições impostas pelo Regimento Interno. (...) Entretanto, os tribunais brasileiros vêm mitigando as normas que proíbem a criação de pequenos animais de estimação, dóceis, saudáveis e inofensivos, nas dependências dos condomínios, e o trânsito necessário e cuidadoso pelas áreas comuns, quando restar demonstrada a inexistência de incômodo, transtorno ou risco à segurança dos demais moradores, como é o caso dos autos.” (Precedentes da Corte). 2. Assim, para que prevaleça a proibição inserida no regulamento do condomínio quanto à manutenção de animais no edifício, há de ser demonstrado o efetivo prejuízo à saúde e à segurança dos demais moradores, situação inocorrente na hipótese vertente. 3. Negativa de seguimento ao recurso, por decisão unipessoal do relator, na forma preconizada no art. 557, caput, do Diploma Processual Civil. Sentença mantida. (TJGO, APELAÇÃO CÍVEL Nº 378974-41.2014.8.09.0137, Relator Des. Kisleu Dias Maciel Filho, Julg.: 07/12/2015).

O Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou no mesmo sentido:

DIREITO CIVIL. CONDOMINIO. ASSEMBLEIA GERAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA PELA MANUTENÇÃO DE ANIMAL EM UNIDADE AUTONOMA. NULIDADE DA DELIBERAÇÃO. CONVENÇÃO E REGIMENTO INTERNO. PRECEDENTE DA TURMA. RECURSO DESACOLHIDO. I - A condômino assiste legitimidade para postular em juízo a nulidade de deliberação, tomada em assembleia geral, que contrarie a lei, a convenção ou o regimento interno do condomínio. II - A exegese conferida pelas instancias ordinárias a referidas normas internas não se mostra passível de analise em sede de recurso especial (Enunciado n. 5 da Sumula/STJ). III - Fixado, com base na interpretação levada a efeito, que somente animais que causem incômodo ou risco a segurança e saúde dos condôminos e que não podem ser mantidos nos apartamentos, descabe, na instancia extraordinária, rever conclusão, lastreada no exame da prova, que concluiu pela permanência do pequeno cão. (STJ – Resp. 10250/RS RECURSO ESPECIAL 1991/0007439-0 – Relator min. Salvio de Figueiredo Teixeira – Julg.: 23/03/1993).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Conclusão

Tendo em vista a falta de regulamentação específica sobre a posse ou não de animais de estimação em condomínios, coube aos tribunais firmarem um entendimento, o qual se consubstancia em permitir que moradores possuam animais em seus apartamentos, desde que estes não ofereçam riscos à saúde e à segurança dos demais moradores.

Referências

[1] LAURO, Daphnis Citti de. Animais em apartamento. Revista Visão Jurídica. Disponível em: <http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/64/animais-em-apartamentos-legislacao-nao-trata-expressamente-da-questao-226644-1.asp>. Acesso em 13 jun 2016.

[2] idem.

COSTA, Marcelo Bacchi Corrêa da. Animais de estimação em condomínios edilícios. Âmbito Jurídico. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13493 >. Acesso em 13 jun 2016.

GOMES, Nelci. A criação de animais em condomínio e o Direito de Propriedade. JusBrasil. Disponível em: < http://nelcisgomes.jusbrasil.com.br/artigos/125367291/a-criacao-de-animais-em-condominio-e-o-direito-de-propriedade >. Acesso em 12 jun 2016.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Samuel Viégas Ramalho

Escrevo artigos regularmente sobre temas atuais e importantes, publicados no Portal Jus.com.br e em minha página do Jusbrasil. Para entrar em contato comigo, fique a vontade para mandar uma mensagem em meu celular c/ Whatsapp: (62) 98444-2183.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos